Language of document : ECLI:EU:C:2003:664

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

11 de Dezembro de 2003 (1)

«Artigos 28.° CE e 30.° CE - Directivas 92/28/CEE e 2000/31/CE - Legislação nacional que impõe restrições à venda via Internet de medicamentos para uso humano por farmácias estabelecidas noutro Estado-Membro - Venda sujeita a receita médica - Proibição de publicidade à venda de medicamentos por correspondência»

No processo C-322/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Landgericht Frankfurt am Main (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Deutscher Apothekerverband eV

e

0800 DocMorris NV,

Jacques Waterval,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE, assim como dos artigos 1.°, n.os 3 e 4, 2.° e 3.° da Directiva 92/28/CEE do Conselho, de 31 de Março de 1992, relativa à publicidade dos medicamentos para uso humano (JO L 113, p. 13), conjugados com a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, C. Gulmann, J. N. Cunha Rodrigues e A. Rosas, presidentes de secção, D. A. O. Edward (relator), A. La Pergola, J.-P. Puissochet, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,


secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação da Deutscher Apothekerverband eV, por C. Dechamps, Rechtsanwalt, assistida por J. Schwarze,

-    em representação da 0800 DocMorris NV e J. Waterval, por C. Koenig, professeur,

-    em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing e B. Muttelsee-Schön, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo helénico, por F. Georgakopoulos e D. Kalogiros, bem como por E.-M. Mamouna, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo francês, por G. de Bergues e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo irlandês, por D. J. O'Hagan, na qualidade de agente, assistido por N. Hyland, barrister,

-    em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.-C. Schieferer, na qualidade de agente, assistido por M. Núñez Müller, Rechtsanwalt,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Deutscher Apothekerverband eV, representada por C. Dechamps, assistida por J. Schwarze, da 0800 DocMorris NV e de J. Waterval, representados por C. Koenig, do Governo alemão, representado por W.-D. Plessing, do Governo helénico, representado por D. Kalogiros e M. Apessos, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por R. Loosli-Surrans, e da Comissão, representada por J.-C. Schieferer, na audiência de 10 de Dezembro de 2002,

ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 11 de Março de 2003,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 10 de Agosto de 2001, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Agosto seguinte, o Landgericht Frankfurt am Main submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE, assim como dos artigos 1.°, n.os 3 e 4, 2.° e 3.° da Directiva 92/28/CEE do Conselho, de 31 de Março de 1992, relativa à publicidade dos medicamentos para uso humano (JO L 113, p. 13), conjugados com a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno («Directiva sobre o comércio electrónico») (JO L 178, p. 1).

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Deutscher Apothekerverband eV (a seguir «Apothekerverband») à 0800 DocMorris NV (a seguir «DocMorris») e a J. Waterval, quanto à venda, via Internet, de medicamentos para uso humano num Estado-Membro diferente daquele em que a DocMorris e J. Waterval estão estabelecidos.

Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

Directivas que regulam a venda de medicamentos

3.
    A Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369), na redacção dada pela Directiva 93/39/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 214, p. 22, a seguir «Directiva 65/65»), sujeita a autorização prévia a colocação de medicamentos no mercado. O artigo 3.° desta directiva dispõe:

«Nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado-Membro uma autorização de introdução no mercado, nos termos da presente directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento (CEE) n.° 2309/93, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos [JO L 214, p. 1].

O disposto na presente directiva não prejudica as competências das autoridades dos Estados-Membros, nem em matéria de fixação dos preços dos medicamentos, nem no que se refere à sua inclusão no âmbito de aplicação dos sistemas nacionais de saúde, com base em condições sanitárias, económicas e sociais.»

4.
    A partir de 18 de Dezembro de 2001, a Directiva 65/65 foi revogada e substituída pela Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67, a seguir «código comunitário»). Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do código comunitário, que consta do título III, intitulado «Introdução no mercado», capítulo I, que trata da «[a]utorização de introdução no mercado»:

«Nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado-Membro uma autorização de introdução no mercado, nos termos da presente directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento (CEE) n.° 2309/93.»

As directivas relativas à classificação em matéria de fornecimento de medicamentos

5.
    A Directiva 92/26/CEE do Conselho, de 31 de Março de 1992, relativa à classificação dos medicamentos para uso humano (JO L 113, p. 5), dispunha, no seu artigo 2.°, n.° 1, que as autoridades competentes de um Estado-Membro, ao autorizarem a colocação de um dado medicamento no mercado, devem precisar a sua classificação, seja como medicamento sujeito a receita médica, seja como medicamento não sujeito a tal receita e, para este fim, devem aplicar os critérios enunciados no n.° 1 do artigo 3.° da mesma directiva. Nos termos desta disposição:

«Estão sujeitos a receita médica os medicamentos que:

-    possam constituir, directa ou indirectamente um risco, mesmo quando usados para o fim a que se destinam, se não forem utilizados sob vigilância médica,

    ou

-    sejam com frequência utilizados em quantidade considerável para fins diferentes daquele a que se destinam, se daí puder resultar qualquer risco directo ou indirecto para a saúde,

    ou

-    contenham substâncias ou preparações à base dessas substâncias, cuja actividade e/ou efeitos secundários seja indispensável aprofundar,

    ou

-    salvo excepção, sejam prescritos pelo médico para ser administrados por via parentérica.»

6.
    O artigo 4.° da Directiva 92/26 precisava que os medicamentos não sujeitos a receita médica são os que não correspondem aos critérios enunciados no seu artigo 3.° Esta directiva foi revogada e substituída pelas disposições do título VI do código comunitário, intitulado «Classificação dos medicamentos». O artigo 70.° do mesmo código reproduz, em termos análogos, o artigo 2.° da Directiva 92/26, enquanto os artigos 71.°, n.° 1, e 72.° do referido código reproduzem, respectivamente, em termos também análogos, os artigos 3.°, n.° 1, e 4.° da também referida directiva.

Directivas relativas à publicidade dos medicamentos

7.
    O artigo 1.°, n.os 3 e 4 da Directiva 92/28 enunciava:

«3. Para efeitos da presente directiva, entende-se por ‘publicidade dos medicamentos’: qualquer acção de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos; abrange, em especial:

-    a publicidade dos medicamentos junto do público em geral,

-    a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá-los ou a fornecê-los,

-    a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

-    o fornecimento de amostras de medicamentos,

-    o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco seja insignificante,

-    o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

-    o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, e nomeadamente a tomada a cargo das respectivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.

4.    A presente directiva não abrange:

-    a rotulagem e a bula dos medicamentos, que são abrangidas pela Directiva 92/27/CEE,

-    a correspondência, eventualmente acompanhada de qualquer documento não publicitário, necessária para dar resposta a uma pergunta específica sobre determinado medicamento,

-    as informações concretas e os documentos de referência relativos por exemplo, às mudanças de embalagem, às advertências sobre os efeitos secundários no âmbito da farmacovigilância, bem como aos catálogos de venda e às listas de preços, desde que não contenham qualquer informação sobre o medicamento,

-    as informações relativas à saúde humana ou a doenças humanas, desde que não façam referência, ainda que indirecta, a um medicamento.»

8.
    O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 92/28 dispunha:

«Os Estados-Membros devem proibir toda a publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de colocação no mercado conforme com o direito comunitário.»

9.
    O artigo 3.°, n.os 1 a 3, da mesma directiva, que consta do seu capítulo II, intitulado «Publicidade junto do público em geral», previa:

«1. Os Estados-Membros devem proibir a publicidade junto do público em geral dos medicamentos que:

-    só possam ser fornecidos mediante receita médica, nos termos da Directiva 92/26/CEE,

-    contenham psicotrópicos ou estupefacientes, na acepção das convenções internacionais,

-    não possam ser objecto de publicidade junto do público em geral, nos termos do n.° 2.

2. Podem ser objecto de publicidade junto do público em geral os medicamentos que, dada a sua composição e finalidade, sejam previstos e concebidos para serem utilizados sem intervenção médica para efeitos de diagnóstico, prescrição ou vigilância do tratamento, e se necessário com o conselho do farmacêutico.

[...]

3. Além disso, os Estados-Membros podem proibir no seu território a publicidade junto do público em geral dos medicamentos reembolsáveis.»

10.
    O artigo 5.° da Directiva 92/28 precisa os elementos que a publicidade de um medicamento junto do público não deve incluir.

11.
    A Directiva 92/28 foi também revogada e substituída pelo código comunitário a partir de 18 de Dezembro de 2001. O artigo 86.°, que faz parte do título VIII do referido código, intitulado «Publicidade», reproduz, em termos quase idênticos, o artigo 1.°, n.os 3 e 4 desta directiva.

12.
    O artigo 87.° do código comunitário, que substitui o artigo 2.° da Directiva 92/28, dispõe:

«1. Os Estados-Membros devem proibir toda a publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado conforme com o direito comunitário.

2. Todos os elementos da publicidade dos medicamentos devem estar de acordo com as informações constantes do resumo das características do produto.

3. A publicidade dos medicamentos:

-    deve fomentar a utilização racional dos medicamentos, apresentando-os de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades,

-    não pode ser enganosa.»

13.
    O artigo 88.° do código comunitário retoma o artigo 3.° da Directiva 92/28 em termos análogos, referindo-se, em substituição e no lugar da Directiva 92/26, ao título VI do mesmo código, relativo à classificação dos medicamentos. Nos termos deste artigo 88.°, n.os 1 e 2:

«1. Os Estados-Membros devem proibir a publicidade junto do público em geral dos medicamentos que:

-    só possam ser fornecidos mediante receita médica, nos termos do título VI,

-    contenham psicotrópicos ou estupefacientes, nos termos das convenções internacionais [...],

-    não possam ser objecto de publicidade junto do público em geral, nos termos do n.° 2, segundo parágrafo.

2. Podem ser objecto de publicidade junto do público em geral os medicamentos que, dada a sua composição e finalidade, sejam previstos e concebidos para serem utilizados sem intervenção médica para efeitos de diagnóstico, prescrição ou vigilância do tratamento, e se necessário com o conselho do farmacêutico.

[...]»

14.
    O artigo 90.° do código comunitário retoma o artigo 5.° da Directiva 92/28.

Directivas relativas à venda à distância e ao comércio electrónico

15.
    A Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19), rege a venda à distância. Nos termos do seu artigo 1.°, tem por objecto a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas aos contratos à distância entre consumidores e fornecedores.

16.
    O artigo 14.° da Directiva 97/7 dispõe:

«Os Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado [CE], para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor. Essas disposições incluirão eventualmente a proibição, por razões de interesse geral, da comercialização no seu território por meio de contratos à distância, de determinados bens ou serviços, nomeadamente medicamentos, dentro do respeito pelo disposto no Tratado.»

17.
    A directiva sobre o comércio electrónico visa garantir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados-Membros. Nos termos do décimo primeiro considerando desta directiva:

«A presente directiva não prejudica o nível de protecção, designadamente, da saúde pública e do consumidor, estabelecido por instrumentos comunitários; nomeadamente [...] a Directiva 97/7 [...] constitu[i] um elemento essencial da protecção do consumidor em matéria contratual. Essas directivas aplicam-se igualmente na sua integralidade aos serviços da sociedade da informação. Fazem igualmente parte desse acervo [...] a Directiva 92/28 [...]»

18.
    O vigésimo primeiro considerando da directiva sobre o comércio electrónico precisa:

«O âmbito do domínio coordenado é definido sem prejuízo de futura harmonização comunitária em matéria de sociedade da informação e de futura legislação adoptada a nível nacional conforme com o direito comunitário. O domínio coordenado abrange exclusivamente exigências respeitantes a actividades em linha, tais como a informação em linha, a publicidade em linha, as compras em linha e os contratos em linha, e não diz respeito aos requisitos legais exigidos pelos Estados-Membros em relação às mercadorias, tais como as normas de segurança, as obrigações de rotulagem ou a responsabilização pelos produtos, ou as exigências dos Estados-Membros respeitantes à entrega ou transporte de mercadorias, incluindo a distribuição de produtos medicinais. O domínio coordenado não abrange o exercício do direito de preempção por parte de entidades públicas relativamente a determinados bens, tais como obras de arte.»

19.
    O artigo 1.° da directiva sobre o comércio electrónico, intitulado «Objectivo e âmbito de aplicação», dispõe nos seus n.os 1 a 3:

«1. A presente directiva tem por objectivo contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados-Membros.

2. A presente directiva aproxima, na medida do necessário à realização do objectivo previsto no n.° 1, certas disposições nacionais aplicáveis aos serviços da sociedade da informação que dizem respeito ao mercado interno, ao estabelecimento dos prestadores de serviços, às comunicações comerciais, aos contratos celebrados por via electrónica, à responsabilidade dos intermediários, aos códigos de conduta, à resolução extrajudicial de litígios, às acções judiciais e à cooperação entre Estados-Membros.

3. A presente directiva é complementar da legislação comunitária aplicável aos serviços da sociedade da informação, sem prejuízo do nível de protecção, designadamente da saúde pública e dos interesses dos consumidores, tal como consta dos actos comunitários e da legislação nacional de aplicação destes, na medida em que não restrinjam a liberdade de prestação de serviços da sociedade da informação.»

20.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da mesma directiva:

«Os Estados-Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado-Membro.»

21.
    O artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da referida directiva prevê:

«Os Estados-Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.° 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a)    As medidas devem ser:

    i)    Necessárias por uma das seguintes razões:

        -    [...]

        -    protecção da saúde pública,

        -    [...]

    ii)    Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objectivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objectivos;

    iii)    Proporcionais a esses objectivos».

22.
    O artigo 22.°, n.° 1, da directiva sobre o comércio electrónico dispõe que os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta directiva, até 17 de Janeiro de 2002.

Regulamentação nacional

Venda dos medicamentos

23.
    O comércio de medicamentos na Alemanha é regido pela Arzneimittelgesetz (lei relativa aos medicamentos), na sua versão de 7 de Setembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2649, a seguir «AMG»).

24.
    O § 43, n.° 1, da AMG proíbe o comércio por correspondência de medicamentos de venda obrigatória em farmácia. Nos termos desta disposição:

«Os medicamentos [...] cuja comercialização fora das farmácias não está autorizada pelas disposições do § 44 ou por regulamento aprovado ao abrigo do § 45, n.° 1, só podem ser profissional ou comercialmente introduzidos no comércio, com destino aos consumidores finais, através das farmácias e não da venda por correspondência, salvo nos casos do § 47. Não podem ser comercializados fora das farmácias os medicamentos cujo fornecimento está reservado às farmácias, nos termos da primeira frase [...].»

25.
    A AMG prevê uma série de excepções a esta proibição que, no entanto, não eram aplicáveis no processo principal. Assim, nos termos do § 44 da AMG, certos medicamentos que não se destinam a ser utilizados como medicamentos para uso humano não estão sujeitos à venda exclusiva em farmácias. O § 45, n.° 1, da AMG habilita o Ministério Federal competente a permitir a comercialização de certos preparados fora das farmácias. O § 47 da AMG prevê excepções com vista ao fornecimento directo por médicos e hospitais fora das farmácias.

26.
    O § 73, n.° 1, da AMG prevê, além disso, uma proibição relativamente aos medicamentos que não estejam de acordo com esta lei nos seguintes termos:

«1)    Os medicamentos sujeitos a aprovação ou a registo só podem ser introduzidos no território em que se aplica a presente lei [...] se forem aprovados ou registados para comercialização nesse território ou estiverem dispensados de aprovação ou de registo e

1.    se o produto for importado de um Estado-Membro das Comunidades Europeias ou de um outro Estado que seja parte contratante do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, o destinatário deve ser empresário farmacêutico, grossista, veterinário ou explorar uma farmácia ou

2.    [...]»

27.
    O § 73, n.° 2, alínea 6a, da AMG prevê uma excepção para medicamentos que «podem ser comercializados no Estado de origem e que são adquiridos, sem qualquer intervenção comercial ou profissional num Estado-Membro das Comunidades Europeias ou num Estado que seja parte contratante do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, em quantidade correspondente à necessidade habitual de cada indivíduo». Segundo o Governo alemão, a expressão «sem qualquer intervenção profissional ou comercial» destina-se a evitar que a importação individual para as necessidades de cada indivíduo aumente a nível profissional, inclusive através da venda por correspondência, e que a proibição seja assim contornada.

28.
    Quanto à venda de medicamentos em farmácias, estas devem cumprir as disposições do Apothekenbetriebsordnung (código deontológico dos farmacêuticos, a seguir «ABO»). O § 2, n.° 2, do ABO dispõe:

«O gerente da farmácia deve dirigi-la pessoalmente. É responsável por que a farmácia seja explorada no respeito pelas disposições em vigor.»

29.
    O ABO obriga, além disso, o farmacêutico a examinar os medicamentos que lhe são entregues antes de os vender (§ 12 do ABO), a manter uma provisão completa ou a ser capaz de obter, em algumas horas, os preparados de que os clientes precisam (§ 15), a entregar em mão própria os medicamentos ao cliente ou por intermédio do seu pessoal de laboratório que disponha de conhecimentos especiais (§ 17, n.° 1), a informar e consultar o cliente, a analisar, se for caso disso, se a receita médica tem irregularidades (§ 17, n.° 2), a dirigir-se, em caso de dúvidas, ao médico que passou a receita (§ 17, n.° 5) e a diferir a venda dos medicamentos em caso de suspeita motivada por um abuso (§ 17, n.° 8).

30.
    Importa acrescentar que o Arzneimittelpreisverordnung (regulamento sobre os preços dos medicamentos, a seguir «APO») prevê uma regulamentação dos preços a que os medicamentos sujeitos a receita médica são vendidos aos consumidores finais. Enquanto os fabricantes de medicamentos podem fixar livremente os seus preços, os preços a que os medicamentos são vendidos para consumo final são fixados pelo APO, de forma a existir, em todas as farmácias alemãs, um preço único para o mesmo medicamento.

Disposições do direito nacional que regem a publicidade dos medicamentos

31.
    Nos termos do § 3a da Heilmittelwerbegesetz (lei relativa à publicidade no domínio dos medicamentos, a seguir «HWG»), na versão publicada em 19 de Outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 3068):

«É ilegal toda a publicidade de medicamentos sujeitos a autorização e não autorizados ou considerados autorizados nos termos das disposições do direito dos medicamentos.»

32.
    O § 8 da HWG determina:

«(1)    É proibida a publicidade que proponha a venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada às farmácias. Esta proibição não se aplica à publicidade relativa à venda de medicamentos nos casos do § 47 da [AMG].

(2)    É proibida ainda a publicidade que proponha a compra de certos medicamentos através de teleshopping ou de importação individual, nos termos do § 73, n.° 2, alínea 6a ou do § 73, n.° 3, da [AMG].»

33.
    O § 10 da HWG dispõe:

«(1)    Os medicamentos sujeitos a receita médica, apenas podem ser publicitados a médicos, dentistas, veterinários, farmacêuticos ou pessoas que comercializam estes medicamentos com autorização.

(2)    Fora dos meios profissionais não podem ser publicitados medicamentos para uso humano destinados a combater a insónia ou perturbações psíquicas ou a influenciar o estado de espírito.»

Processo principal e questões prejudiciais

34.
    A Apothekerverband, que é a recorrente no processo principal, é uma associação que tem por objectivo defender e promover os interesses económicos e sociais da profissão de farmacêutico. Os seus membros são as Landesapothekerverbände e as Landesapothekervereine (federações e associações de farmacêuticos de cada Land) que, representando mais de 19 000 gerentes de farmácia, agrupam a maioria dos 21 600 farmácias na Alemanha.

35.
    A DocMorris, primeira recorrida no processo principal, é uma sociedade anónima com sede em Landgraaf (Países Baixos). Além do comércio por correspondência de medicamentos, exerce uma actividade farmacêutica «clássica», através de um laboratório tradicional, aberto ao público, situado nos Países Baixos. Quer esta actividade quer o seu sítio na Internet estão cobertos por uma autorização concedida pelas autoridades públicas neerlandesas e são por estas fiscalizadas. J. Waterval, o segundo recorrido no processo principal, natural dos Países Baixos, é um farmacêutico autorizado neste Estado-Membro. Foi, até 30 de Maio de 2001, director da DocMorris e continua a ser um dos seus representantes legais.

36.
    Desde 8 de Junho de 2000, a DocMorris e J. Waterval têm à venda, no endereço Internet 0800 DocMorris, medicamentos para uso humano sujeitos ou não a receita médica, e isto, designadamente, em língua alemã, para os consumidores finais residentes na Alemanha. Os recorridos no processo principal vendem exclusivamente medicamentos autorizados, tendo a autorização sido obtida quer na Alemanha, quer nos Países Baixos.

37.
    Segundo o despacho de reenvio, a referida página Internet subdivide-se em rubricas intituladas «Farmácia», «Fórum da saúde», «Quem somos nós?», «Contacto» e «Ajuda». Os vários medicamentos estão subdivididos em grupos de produtos, sob as rubricas «Analgésicos», «Hipotensores», «Medicamentos contra o cancro», «Imunoestimulantes», «Redutores do colesterol», «Medicamentos urológicos», «Desintoxicantes» e outras. Cada rubrica contém, em primeiro lugar, uma introdução composta por algumas frases. Em seguida, os medicamentos são apresentados por ordem alfabética, segundo o seu nome comercial, e o conteúdo da embalagem é descrito e o preço indicado em euros. Por fim, para obter informações complementares sobre o produto, é possível clicar sobre o seu nome comercial.

38.
    É, além disso, explicado que, quando um dado medicamento está sujeito a receita médica, uma indicação consta ao lado da descrição do produto. Um determinado medicamento é classificado como estando sujeito a receita médica quando assim é considerado nos Países Baixos ou no Estado-Membro de residência do consumidor. A este respeito, aplicam-se sempre as regras mais exigentes em matéria de receitas médicas, quer sejam do país de proveniência quer do país de destino do medicamento em causa. O fornecimento deste tipo de medicamentos apenas é possível mediante a apresentação do original da receita médica.

39.
    O consumidor tem ainda a possibilidade de, clicando sobre uma determinada área, procurar um determinado produto entre os oferecidos pelos recorridos no processo principal ou de consultar o comité de peritos na área da saúde. Em geral, o consumidor pode, a par de uma comunicação pela Internet, entrar em contacto com os referidos recorridos através de um número de telefone gratuito ou por carta.

40.
    A entrega pode ser feita de diversos modos. O consumidor pode, por um lado, ir ele próprio às instalações dos recorridos, situadas em Landgraaf, cidade que se encontra próximo da fronteira entre os Países Baixos e a Alemanha, levantar a encomenda e, por outro, pode encarregar um serviço de correio recomendado pelos recorridos no processo principal, de proceder à entrega da encomenda na morada indicada pelo destinatário, sem quaisquer custos adicionais. O consumidor pode também incumbir outro serviço de correio, também recomendado pelos recorridos, de ir buscar a encomenda e entregá-la na morada do destinatário, suportando os respectivos custos. É ainda possível incumbir, suportando os respectivos custos, outro serviço de correio.

41.
    A Apothekerverband opõe-se, no Landgericht Frankfurt am Main, à oferta de medicamentos descrita nos n.os 36 a 40 do presente acórdão e à sua venda internacional por correspondência, considerando que as disposições da AMG e da HWG não permitem o exercício de tal actividade pelos recorridos no processo principal. A proibição estabelecida por estas duas leis não pode, além disso, ser posta em causa com base nos artigos 28.° CE e 30.° CE.

42.
    Os recorridos no processo principal consideram que o direito nacional autoriza a sua actividade e que, de todo o modo, a proibição de venda de medicamentos por correspondência não é compatível com as disposições do direito comunitário.

43.
    A este respeito, o Landgericht Frankfurt am Main exprime, antes de mais, dúvidas sobre a questão de saber se as proibições, tais como as previstas nos §§ 43, n.° 1, e 73, n.° 1, da AMG, violam o princípio da livre circulação de mercadorias. Em seguida, a supor que se verifique uma violação do artigo 28.° CE, o órgão jurisdicional de reenvio deseja saber se a regulamentação alemã em causa no processo principal é necessária para a protecção efectiva da saúde e da vida das pessoas, na acepção do artigo 30.° CE, ou se, tendo em conta a crescente harmonização dos procedimentos de autorização de medicamentos, a saúde e a vida das pessoas podem ser protegidas de forma igualmente eficaz por medidas menos restritivas das trocas intracomunitárias, segundo os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de Novembro de 1994, Ortscheit (C-320/93, Colect., p. I-5243). Por fim, pergunta se as proibições de publicidade, tal como previstas pela HWG, são compatíveis com os princípios da livre circulação de mercadorias e da livre circulação dos serviços da sociedade da informação, nos termos do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da directiva sobre o comércio electrónico.

44.
    Nestas circunstâncias, o Landgericht Frankfurt am Main decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Uma legislação nacional que proíbe a importação comercial transfronteiriça de medicamentos para uso humano de venda obrigatória em farmácia por farmácias autorizadas de outros Estados-Membros, tendo por base encomendas individuais de consumidores finais feitas através da Internet, viola a livre circulação de mercadorias dos artigos 28.° CE e seguintes?

    a)    Tal proibição nacional configura uma medida de efeito equivalente segundo o artigo 28.° CE?

    b)    Em caso afirmativo, o artigo 30.° CE deve ser interpretado no sentido de que a protecção da saúde e da vida das pessoas justifica uma proibição nacional quando, antes do fornecimento dos medicamentos sujeitos a prescrição médica, der obrigatoriamente entrada na farmácia que vai remeter os medicamentos uma receita médica original? Que requisitos devem, em tal caso, ser impostos a uma farmácia deste tipo, no que respeita ao controlo da encomenda, da embalagem e da recepção?

    c)    Tratando-se da importação de medicamentos autorizados no Estado importador que anteriormente foram comprados por uma farmácia de um Estado-Membro a grossistas do Estado importador, deve a resposta a dar, à luz dos artigos 28.° CE e 30.° CE, às questões 1 a) e 1 b), ser outra?

2)    É compatível com os artigos 28.° CE e 30.° CE que a proibição nacional, tanto relativa a medicamentos para uso humano sujeitos a receita médica como relativa a medicamentos para uso humano de venda obrigatória em farmácia, de publicidade ao comércio por correspondência de medicamentos autorizados no Estado de origem mas não no Estado importador deva ser interpretada num sentido tão amplo que a página Internet de uma farmácia de um Estado-Membro que, a par de uma simples apresentação da empresa, descreve cada medicamento indicando o nome do produto, a eventual obrigatoriedade de receita médica, as dimensões da embalagem e o preço, oferecendo de imediato a possibilidade de, através de um formulário online, encomendar esse medicamento, deva ser classificada como publicidade proibida, com a consequência de as encomendas transfronteiriças de medicamentos feitas através da Internet, bem como o respectivo fornecimento, serem consideravelmente dificultados?

    a)    Os artigos 28.° CE e 30.° CE exigem que a referida apresentação via Internet de uma farmácia de um Estado-Membro, ou parte dessa apresentação, sejam, atendendo ao artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2000/31/CE [...], excluídas da noção de publicidade junto do público em geral, na acepção do artigo 1.°, n.° 3, e do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/28 [...], para que a prestação de determinados serviços da sociedade da informação seja assegurada também na prática?

    b)    Justifica-se uma restrição imposta, em determinadas circunstâncias, pelos artigos 28.° CE e 30.° CE, à noção de publicidade, pelo facto de os formulários de encomenda online, que apenas contêm as informações mínimas necessárias para efectuar a encomenda, e/ou outras partes da página da Internet de uma farmácia de um Estado-Membro deverem ser equiparados a catálogos de venda e/ou listas de preços, na acepção do artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 92/28/CEE?

3)    No caso de alguns elementos da página Internet de uma farmácia de um Estado-Membro violarem disposições legais relativas à publicidade de medicamentos, decorre dos artigos 28.° CE e 30.° CE que o comércio transfronteiriço de medicamentos efectuado com recurso a esta apresentação Internet deve, não obstante a proibição de publicidade, ser juridicamente admitido para permitir a realização efectiva da livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros?»

Quanto à primeira questão

45.
    Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o princípio da livre circulação de mercadorias, na acepção dos artigos 28.° CE a 30.° CE, se opõe a uma legislação nacional, como a que está em discussão no processo principal, que proíbe a importação comercial de medicamentos para uso humano cuja venda é reservada, exclusivamente, às farmácias no Estado-Membro em causa, através da venda por correspondência por farmácias autorizadas de outros Estados-Membros, tendo por base encomendas individuais de consumidores finais feitas através da Internet.

46.
    Perante os argumentos invocados, designadamente pelos recorridos no processo principal, importa examinar esta questão, antes de mais, relativamente aos medicamentos não autorizados na Alemanha. Em seguida, ela será abordada relativamente aos medicamentos que são autorizados neste Estado-Membro. Esta última categoria divide-se, ainda, em medicamentos que não estão sujeitos a receita médica e medicamentos que o estão.

Medicamentos não autorizados na Alemanha

47.
    Entre as disposições nacionais em causa no processo principal, o § 73, n.° 1, da AMG proíbe, regra geral, a importação de medicamentos que estão sujeitos a aprovação ou a registo no território nacional pelo simples facto de não estarem aprovados ou registados para a comercialização nesse território. Portanto, a importação de tais medicamentos no território alemão está excluída pelo simples facto de não estarem autorizados, independentemente da modalidade de venda.

48.
    Se uma disposição como o § 73, n.° 1, da AMG for compatível com o direito comunitário, não há que examinar, para esta categoria de medicamentos, se os artigos 28.° CE a 30.° CE se opõem a uma regulamentação nacional que proíbe o comércio por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

49.
    Quer o Governo alemão quer a Comissão afirmam que a aplicação do § 73 da AMG, que proíbe a importação de medicamentos que não tenham obtido a autorização exigida para este efeito, se liga à proibição de introdução de medicamentos não autorizados no Estado-Membro em causa, prevista no artigo 3.° da Directiva 65/65, substituído pelo artigo 6.°, n.° 1, do código comunitário. O direito nacional tem, portanto, por finalidade, impedir que a obrigação de aprovação que existe seja contornada.

50.
    O Governo helénico adere a esta posição, afirmando que a possibilidade de encomendar, através da Internet, medicamentos não autorizados no Estado-Membro de importação aniquilaria, em suma, o regime de autorização de comercialização das especialidades farmacêuticas. Efectivamente, os fabricantes de medicamentos teriam a possibilidade de obter uma autorização no Estado-Membro cuja legislação na matéria fosse menos exigente e de os comercializar nos Estados-Membros em que não fossem autorizados. Tal situação equivaleria a uma total liberdade de importação de medicamentos, autorizados ou não, que tornaria impossível o controlo das importações paralelas.

51.
    Segundo os recorridos, pelas razões invocadas em matéria de medicamentos autorizados (v. n.os 61 e 62 do presente acórdão), o § 73, n.° 1, da AMG deve ser qualificado de medida de efeito equivalente, que restringe a livre circulação de mercadorias na acepção do artigo 28.° CE.

Resposta do Tribunal de Justiça

52.
    Como observam, correctamente, os Governos alemão e helénico, tal como a Comissão, a proibição geral estabelecida pelo § 73, n.° 1, da AMG corresponde à proibição, a nível comunitário, da introdução no mercado de medicamentos não autorizados no Estado-Membro em causa, que estava prevista no artigo 3.° da Directiva 65/65, que foi substituído pelo artigo 6.°, n.° 1, do código comunitário. Segundo estas disposições, os medicamentos, ainda que autorizados num Estado-Membro, devem ter sido objecto, para aceder ao mercado de outro Estado-Membro, de uma autorização concedida, quer pela autoridade competente deste último Estado, quer sob o regime comunitário referido nas disposições mencionadas.

53.
    Consequentemente, uma norma nacional, como o § 73, n.° 1, da AMG, com a qual o Estado-Membro dá cumprimento às obrigações que lhe são impostas pela Directiva 65/65 e pelo código comunitário, não pode ser qualificada de medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, na acepção do artigo 28.° CE [v., neste sentido, no contexto da Directiva 86/469/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1986, respeitante à pesquisa de resíduos nos animais e nas carnes frescas (JO L 275, p. 36), acórdão de 23 de Março de 2000, Berendse-Koenen, C-246/98, Colect., p. I-1777, n.° 25)]. Portanto, os artigos 28.° CE a 30.° CE não podem ser invocados para se contornar o regime de autorização nacional previsto pela Directiva 65/65 e pelo código comunitário, cuja transposição para o direito nacional foi efectuada pelo § 73, n.° 1, da AMG.

54.
    Resulta desta conclusão que, no que respeita aos medicamentos sujeitos a autorização, mas que não a obtiveram, não há que examinar se os artigos 28.° CE a 30.° CE se opõem às disposições nacionais em causa no processo principal.

Medicamentos autorizados na Alemanha

55.
    A primeira questão revela-se mais pertinente para os medicamentos que obtiveram autorização de circulação no mercado alemão. Em especial, esta questão visa determinar se a proibição da venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, no Estado-Membro em causa, tal como a prevista no § 43, n.° 1, da AMG, está de acordo com o princípio da livre circulação de mercadorias. Esta questão está dividida em três partes que há que tratar separadamente.

Quanto à questão de saber se a proibição nacional da venda por correspondência constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 28.° CE [primeira questão, alínea a)]

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

56.
    Quer a Apothekerverband quer a Comissão, apoiadas a este respeito pelos Governos alemão, helénico, francês e austríaco, consideram que não há entrave à livre circulação de mercadorias. Afirmam que a proibição prevista no § 43, n.° 1, da AMG, que não diz respeito à produção ou composição de certos produtos, mas exclusivamente às suas modalidades de comercialização, se aplica da mesma maneira, tanto juridicamente como de facto, à comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros. Tal proibição não se inclui, portanto, no âmbito de aplicação do artigo 28.° CE pelas razões enunciadas pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C-267/91 e C-268/91, Colect., p. I-6097, n.os 15 a 17), e de 15 de Dezembro de 1993, Hünermund e o. (C-292/92, Colect., p. I-6787, n.° 21).

57.
    O Governo francês adere a esta posição, recordando o acórdão de 29 de Junho de 1995, Comissão/Grécia (C-391/92, Colect., p. I-1621), em que o Tribunal de Justiça, nos n.os 11 a 13, admitiu a compatibilidade com o Tratado de um monopólio de venda de leites adaptados para lactantes nas farmácias, salientando, além disso, que o referido monopólio não tinha por objecto regular as trocas de mercadorias entre os Estados-Membros.

58.
    Quanto às precisões posteriores fornecidas pelo Tribunal nos acórdãos de 26 de Junho de 1997, Familiapress (C-368/95, Colect., p. I-3689), e de 13 de Janeiro de 2000, TK-Heimdienst (C-254/98, Colect., p. I-151), a Apothekerverband, apoiada pela Comissão e pelos Governos alemão, francês e austríaco, afirma que a proibição em causa no processo principal não tem como consequência, nem provocar uma desigualdade de tratamento entre os farmacêuticos nacionais e os estabelecidos nos outros Estados-Membros, do ponto de vista da possibilidade de recurso à venda por correspondência, nem tornar a circulação dos produtos estrangeiros mais difícil do que a dos produtos nacionais, designadamente ao sujeitá-la a custos suplementares ou a encargos que não agravam estes últimos produtos.

59.
    Enquanto a Apothekerverband e a Comissão refutam o argumento segundo o qual o acesso ao mercado alemão está bloqueado, defendendo a este propósito que, de acordo com as disposições em vigor da AMG, a importação e a reimportação de produtos farmacêuticos são possíveis e praticadas correntemente, o Governo alemão reconhece que a exclusão da possibilidade de venda de medicamentos por correspondência torna o acesso ao mercado alemão mais difícil para as farmácias estrangeiras. De facto, estas têm a obrigação de abrir a sua própria farmácia na Alemanha. Contudo, tendo em conta as exigências do ABO quanto à presença física do farmacêutico, as farmácias estabelecidas na Alemanha não têm, também elas, acesso ilimitado a todo o mercado alemão. Daí resulta que toda e qualquer dificuldade de exploração do mercado alemão na sua totalidade afecta da mesma maneira os farmacêuticos nacionais e os farmacêuticos estrangeiros e não constitui, portanto, uma «medida de efeito equivalente» discriminatória, na acepção do artigo 28.° CE.

60.
    A título subsidiário, quer a Apothekerverband quer os Governos alemão e austríaco afirmam que o âmbito de aplicação do artigo 28.° CE deve ser delimitado de forma a permitir aos Estados-Membros conservarem uma margem de manobra adequada para organizarem os aspectos gerais da venda de medicamentos considerados de interesse público. Por esta razão, a proibição geral de comercialização por correspondência dos medicamentos cuja venda é reservada, exclusivamente, às farmácias, não deve considerar-se uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, na acepção do artigo 28.° CE.

61.
    Os recorridos no processo principal refutam esta interpretação da regulamentação nacional, considerando que é demasiado superficial. Na sua opinião, a proibição do comércio farmacêutico por correspondência não afecta da mesma maneira a venda de medicamentos nacionais e a de medicamentos que são importados de outros Estados-Membros. Esta proibição, conjugada com as regras de deontologia enunciadas no ABO, torna quase totalmente impossível o acesso das farmácias estabelecidas nos outros Estados-Membros ao mercado alemão dos consumidores finais de medicamentos. Em especial, nos termos do ABO, a DocMorris só pode atingir este mercado se o farmacêutico responsável por esta sociedade, renunciando às suas actividades farmacêuticas nos Países Baixos, abrir uma farmácia «clássica» na Alemanha. Além disso, os farmacêuticos estrangeiros só podem solicitar uma autorização de venda de medicamentos por correspondência neste último Estado-Membro quando aí tenham já mantido uma farmácia durante, pelo menos, três anos.

62.
    Referindo-se, além disso, aos acórdão de 5 de Outubro de 1994, Centre d'insémination de la Crespelle (C-323/93, Colect., p. I-5077, n.° 29), de 9 de Julho de 1997, De Agostini e TV-Shop (C-34/95 a C-36/95, Colect., p. I-3843, n.os 43 a 47), e de 23 de Outubro de 1997, Franzén (C-189/95, Colect., p. I-5909, n.os 67 a 73), e aos n.os 27 a 37 do acórdão TK-Heimdienst, já referido, os recorridos no processo principal concluem que, quando uma regulamentação nacional impeça, como no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, o acesso ao mercado dos consumidores finais do Estado-Membro de importação ou o torna mais difícil que o dos produtos nacionais, ela constitui uma restrição à livre circulação de mercadorias mesmo que se trate somente da regulamentação de uma modalidade de venda que não incide sobre as características do produto em causa.

Resposta do Tribunal de Justiça

63.
    A título liminar, importa dizer que a proibição prevista no § 43, n.° 1, da AMG se inclui no âmbito de aplicação da Directiva 97/7. Ora, o seu artigo 14.° permite aos Estados-Membros «adoptar ou manter, no domínio regido p[or esta] directiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor». O mesmo artigo 14.° precisa, além disso, que «[e]ssas disposições incluirão eventualmente a proibição, por razões de interesse geral, da comercialização no seu território por meio de contratos à distância, de determinados bens ou serviços, nomeadamente medicamentos, dentro do respeito pelo disposto no Tratado».

64.
    É verdade que toda e qualquer medida nacional num domínio que foi objecto de uma harmonização exaustiva a nível comunitário deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não do direito primário (v. acórdãos de 12 de Outubro de 1993, Vanacker e Lesage, C-37/92, Colect., p. I-4947, n.° 9, e de 13 de Dezembro de 2001, DaimlerChrysler, C-324/99, Colect., p. I-9897, n.° 32). Contudo, o poder conferido aos Estados-Membros pelo artigo 14.°, n.° 1, da Directiva 97/7 deve ser exercido dentro do respeito pelo Tratado, como é expressamente previsto nesta disposição.

65.
    Tal disposição não exclui, portanto, a necessidade de se examinar a compatibilidade da proibição nacional em causa no processo principal com os artigos 28.° a 30.° CE.

66.
    A este respeito, segundo jurisprudência assente, toda e qualquer medida susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário, deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas e, a este título, proibida pelo artigo 28.° CE (v. acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423, e de 19 de Junho de 2003, Comissão/Itália, C-420/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

67.
    Ainda que uma medida não tenha por objectivo regular as trocas de mercadorias entre os Estados-Membros, o que é determinante é o seu efeito, actual ou potencial, no comércio intracomunitário. Em aplicação deste critério, constituem medidas de efeito equivalente, proibidas pelo artigo 28.° CE, os obstáculos à livre circulação de mercadorias resultantes, na falta de harmonização das legislações, da aplicação a mercadorias provenientes de outros Estados-Membros, onde são legalmente fabricadas e comercializadas, de regras relativas às condições a que essas mercadorias devem obedecer, mesmo que essas regras sejam indistintamente aplicáveis a todos os produtos, desde que essa aplicação não possa ser justificada por objectivos de interesse geral susceptíveis de primar sobre as exigências da livre circulação de mercadorias (v. acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentral, dito «Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327, n.os 6, 14 e 15, e acórdãos, já referidos, Keck e Mithouard, n.° 15, e Familiapress, n.° 8).

68.
    Além disso, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Keck e Mithouard, já referido, pode acontecer que as regras comerciais, ainda que não incidam sobre as próprias características dos produtos, mas sobre as suas modalidades de venda, possam constituir medidas de efeito equivalente na acepção do artigo 28.° CE se não satisfizerem duas condições. Estas condições consistem em que tais regras devem, por um lado, aplicar-se a todos os operadores abrangidos que exerçam a sua actividade no território nacional, e, por outro, afectar da mesma maneira, de facto e de direito, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros (v. acórdãos, já referidos, Keck e Mithouard, n.° 16, e Hünermund e o., n.° 21, assim como acórdão de 9 de Fevereiro de 1995, Leclerc-Siplec, C-412/93, Colect., p. I-179, n.° 21).

69.
    No que respeita à primeira condição referida no número anterior, a proibição do § 43, n.° 1, da AMG aplica-se a todos os operadores em causa, quer sejam nacionais quer estrangeiros, de modo que esta condição está plenamente satisfeita.

70.
    Quanto à segunda condição referida no n.° 68 do presente acórdão, importa ter em conta o facto de a «comercialização» de um produto no mercado nacional poder comportar várias fases que se situam entre o momento do fabrico do produto e a sua eventual venda ao consumidor final.

71.
    A fim de determinar se uma determinada medida afecta da mesma maneira a «comercialização» dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros, importa identificar o alcance da medida restritiva em questão. Assim, o Tribunal declarou que a proibição dos farmacêuticos fazerem publicidade fora das farmácias a produtos parafarmacêuticos que estavam autorizados a colocar à venda não afectava a possibilidade de os operadores económicos diferentes dos farmacêuticos fazerem publicidade a estes produtos (v. acórdão Hünermund e o., já referido, n.° 19). De modo análogo, a proibição de difusão de mensagens publicitárias como as que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão Leclerc-Siplec, já referido, não tinha um alcance significativo, porque visava somente uma certa forma de promoção (publicidade televisiva) de um determinado método de comercialização (distribuição) de produtos (v. acórdão Leclerc-Siplec, já referido, n.° 22).

72.
    Em contrapartida, o Tribunal admitiu a pertinência do argumento segundo o qual a proibição de publicidade televisiva privava o operador da única forma de promoção eficaz que lhe permitia penetrar num mercado nacional (v. acórdão De Agostini e TV-Shop, já referido, n.° 43). Por outro lado, o Tribunal afirmou que, relativamente a produtos, como as bebidas alcoólicas, cujo consumo está ligado a práticas sociais tradicionais e a hábitos e usos locais, a proibição de toda a publicidade destinada aos consumidores através de anúncios na imprensa, na rádio e na televisão, do envio directo de material não solicitado ou da colagem de cartazes na via pública é susceptível de tornar mais difícil o acesso ao mercado dos produtos originários de outros Estados-Membros do que o dos produtos nacionais, com os quais o consumidor está, espontaneamente, mais familiarizado (v. acórdão de 8 de Março de 2001, Gourmet International Products, C-405/98, Colect., p. I-1795, n.os 21 e 24).

73.
    No que diz respeito a uma proibição como a prevista no § 43, n.° 1, da AMG, é pacífico que esta disposição contém ao mesmo tempo a exigência de que certos medicamentos só possam ser vendidos nas farmácias e a proibição de venda dos mesmos por correspondência. É verdade que tal proibição de venda por correspondência pode considerar-se uma simples consequência da exigência de venda exclusiva em farmácia. Contudo, a aparição da Internet como via de comércio transfronteiriço implica que o alcance e, deste modo, o efeito da referida proibição sejam examinados num plano mais alargado que o proposto pela Apothekerverband, os Governos alemão, francês e austríaco e a Comissão (v. n.os 56 a 59 do presente acórdão).

74.
    Efectivamente, uma proibição como a que está em causa no processo principal prejudica mais as farmácias situadas fora da Alemanha do que as situadas em território alemão. Se para estas é pouco contestável que a proibição as priva de um meio suplementar ou alternativo de atingir o mercado alemão dos consumidores finais de medicamentos, não é menos verdade que elas conservam a possibilidade de vender os medicamentos nos seus estabelecimentos. Em contrapartida, a Internet é, para as farmácias que não estão estabelecidas no território alemão, um meio mais importante para atingir directamente o referido mercado. Uma proibição que atinge mais as farmácias estabelecidas fora do território alemão pode ser susceptível de tornar mais difícil o acesso ao mercado dos produtos provenientes de outros Estados-Membros do que o dos produtos nacionais.

75.
    Consequentemente, a referida proibição não afecta da mesma maneira a venda de medicamentos nacionais e a de medicamentos provenientes de outros Estados-Membros.

76.
    Importa, portanto, responder à primeira questão, alínea a), que uma proibição nacional de venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, no Estado-Membro em causa, tal como a prevista no § 43, n.° 1, da AMG, constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 28.° CE.

Quanto à eventual justificação da proibição de venda por correspondência [primeira questão, alínea b)]

77.
    Com a sua primeira questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se a proibição de venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, se justifica ao abrigo do artigo 30.° CE, quando, o fornecimento dos medicamentos sujeitos a prescrição médica estiver sujeito a recepção prévia pela farmácia que vai remeter os medicamentos, do original de uma receita médica. A este respeito, aquele órgão pergunta que requisitos devem, em tal caso, ser impostos a essa farmácia, no que respeita ao controlo da encomenda, do envio da mesma e da sua recepção.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

78.
    Ao nível dos princípios aplicáveis ao processo principal, tanto a Apothekerverband como os recorridos no processo principal e os Governos alemão e francês, defendem que o artigo 30.° CE permanece aplicável enquanto não estiver completamente realizada a harmonização das regulamentações nacionais (v. acórdãos de 7 de Março de 1989, Schumacher, 215/87, Colect., p. 617, n.° 15; de 21 de Março de 1991, Delattre, C-369/88, Colect., p. I-1487, n.° 48; de 16 de Abril de 1991, Eurim-Pharm, C-347/89, Colect., p. I-1747, n.° 26; de 8 de Abril de 1992, Comissão/Alemanha, C-62/90, Colect., p. I-2575, n.° 10; e Ortscheit, já referido, n.° 14).

79.
    Quer as partes no processo principal quer os Governos alemão e francês estão de acordo quanto ao facto de, entre os bens ou interesses protegidos pelo artigo 30.° CE, a saúde e a vida das pessoas ocuparem o primeiro lugar e de incumbir aos Estados-Membros, dentro dos limites impostos pelo Tratado, decidir o nível em que entendem garantir a protecção e, em especial, o grau de exigência das fiscalizações a realizar. Ora, nos termos da jurisprudência na matéria, toda e qualquer regulamentação nacional com um efeito restritivo deve ter um carácter necessário e proporcionado.

80.
    A este respeito, quer a Apothekerverband, quer os Governos alemão e austríaco consideram que não é possível garantir a protecção da saúde da população de uma maneira menos restritiva das trocas intracomunitárias do que a aplicada na Alemanha, que prevê uma proibição total da venda por correspondência dos medicamentos cuja venda esteja reservada, exclusivamente, às farmácias (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referida, n.° 11, e de 14 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C-55/99, Colect., p. I-11499, n.° 42).

81.
    A Apothekerverband precisa que o objectivo pretendido pela proibição da venda por correspondência dos referidos medicamentos é garantir ao cliente, na compra de um medicamento, uma informação e um aconselhamento personalizados, prestados pelo farmacêutico, bem como a segurança dos medicamentos e a farmacovigilância.

82.
    A este respeito, a Apothekerverband, apoiada neste ponto pelos Governos helénico e austríaco, afirma que, no que respeita às questões ligadas a um determinado medicamento, ainda que o comprador por correspondência esteja em condições de ser aconselhado via Internet ou por telefone, tal possibilidade não pode substituir o conselho dado numa farmácia, no decurso de uma conversa personalizada e directa com o cliente. A condição física e o estado psicológico deste último, a sua estatura, o seu modo de vida e a sua medicação actual constituem critérios que devem ser tidos em conta nessa mesma conversa.

83.
    O Governo austríaco salienta, a este respeito, que um grande número de medicamentos encomendados via Internet chegam ao destinatário numa embalagem deteriorada ou insuficiente, frequentemente sem rotulagem ou sem folheto informativo na língua do destinatário.

84.
    Por outro lado, a Apothekerverband afirma que, diferentemente das farmácias tradicionais, as farmácias puramente virtuais podem ser criadas sem que seja necessário um investimento significativo, com uma dotação de capital mínima e por qualquer pessoa. Uma vez que as actividades destas farmácias não estão, actualmente, sujeitas a uma fiscalização suficiente, a protecção necessária da vida humana e da saúde exigem uma fiscalização preventiva.

85.
    Além disso, a venda por correspondência de medicamentos é susceptível de pôr em perigo a sobrevivência das farmácias tradicionais. Enquanto as farmácias que comercializam os seus produtos através da Internet podem reservar para si «os melhores bocados», ou seja, certos segmentos economicamente interessantes, as farmácias tradicionais, vinculadas pelo ABO, estão sujeitas a uma série de obrigações dispendiosas, designadamente as de manter uma provisão completa de produtos, de armazenar uma quantidade mínima de medicamentos e de garantir um serviço de permanência. Isto implica uma distorção das condições da concorrência.

86.
    Em especial, a Apothekerverband sublinha que, no que respeita aos medicamentos sujeitos a receita médica, todas as farmácias alemãs são igualmente obrigadas a aplicar os preços fixados pelo APO, que são obtidos através de majorações aplicadas aos preços de venda dos produtores, por estes livremente fixados. Em contrapartida, as empresas que comercializam medicamentos por correspondência a partir do estrangeiro não estão sujeitas às directrizes do APO. Aproveitam, portanto, para propor uma variedade limitada de produtos, composta essencialmente de medicamentos onerosos, que oferecem a preços que, comparados com os das farmácias tradicionais, são mais vantajosos.

87.
    Consequentemente, segundo a Apothekerverband, a proibição de vender medicamentos por correspondência faz parte integrante do sistema de segurança social, cujo objectivo é garantir um fornecimento de medicamentos fiável, equilibrado e acessível a toda a população e a qualquer hora. Não pode ser alterada ou anulada isoladamente sem pôr em causa o referido sistema no seu conjunto. A este respeito, a Apothekerverband invoca as considerações ligadas à protecção do sistema de segurança social e do nível equilibrado do serviço médico e hospitalar, tais como desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 12 de Julho de 2001, Vanbraekel e o. (C-368/98, Colect., p. I-5363, n.os 47 a 49), e Smits e Peerbooms (C-157/99, Colect., p. I-5473, n.os 72 a 74).

88.
    O Governo helénico adere a esta posição, recordando a importância atribuída ao modo de distribuição dos medicamentos em farmácia e ao papel do farmacêutico, quer pela jurisprudência do Tribunal de Justiça quer por certas disposições do direito comunitário [v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 20, e Directivas 85/432/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1985, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a certas actividades do sector farmacêutico (JO L 253, p. 34), e 85/433/CEE do Conselho, de 16 de Setembro de 1985, relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos em farmácia, incluindo medidas destinadas a facilitar o exercício efectivo do direito de estabelecimento para certas actividades do sector farmacêutico (JO L 253, p. 37)].

89.
    O Governo irlandês é a favor de uma proibição pura e simples no que respeita à venda de medicamentos sujeitos a receita médica via Internet. Reconhece que a fiscalização da autenticidade das receitas médicas é facilitada pelos conhecimentos e a pela experiência locais dos farmacêuticos que estão em contacto de maneira continuada e quotidiana com os pacientes e os médicos da sua região. Defende, a este respeito, que o facto de permitir a venda de medicamentos sujeitos a receita médica após recepção de uma receita, sem outra fiscalização, aumenta grandemente o risco de as receitas médicas serem objecto de utilização abusiva ou incorrecta. Afirma, além disso, que os médicos só prescrevem, em princípio, medicamentos que podem ser vendidos aos seus pacientes, medicamentos que constam, consequentemente, entre os que são autorizados no território do Estado-Membro em que estes médicos praticam a sua arte. Contudo, um médico pode prescrever um medicamento não autorizado no Estado-Membro em que exerce, se souber que este medicamento pode ser obtido via Internet numa «farmácia virtual». Assim, medicamentos que não são autorizados num Estado-Membro podem ser comercializados nesse Estado-Membro sem que as autoridades disso sejam informadas.

90.
    Quanto aos recorridos no processo principal, invocam vários argumentos contra os perigos que a venda por correspondência de medicamentos alegadamente apresenta. Em primeiro lugar, a garantia de um aconselhamento qualificado prestado ao cliente pelo farmacêutico, na venda do medicamento, não justifica a proibição total, ao abrigo do artigo 30.° CE, da venda por correspondência. Efectivamente, as funções de aconselhamento e de fiscalização podem também ser exercidas pelo farmacêutico, uma vez que, apesar de não se encontrar na presença do cliente, lhe envia os medicamentos após tê-lo diligentemente aconselhado e após ter fiscalizado a encomenda com cuidado.

91.
    Os recorridos acrescentam que, aquando da encomenda via Internet, o cliente dispõe da possibilidade de se dirigir ao farmacêutico por telefone ou por escrito (por exemplo, por correio electrónico). Precisam que o nível de aconselhamento assim prestado pode mesmo ser superior ao aconselhamento farmacêutico normal, prestado na farmácia, na presença do cliente.

92.
    Segundo os recorridos no processo principal, o argumento segundo o qual o «farmacêutico virtual» não tem condições para, por si próprio, tomar a iniciativa de aconselhar não tem justificação. Efectivamente, as informações necessárias à toma ou utilização adequadas de um medicamento são comunicadas por escrito, pelo farmacêutico, quando procede à expedição do medicamento. Esta iniciativa pode ser reforçada, eventualmente, por um telefonema da farmácia ao cliente.

93.
    Quanto à alegada necessidade da presença física do cliente na compra de um medicamento, os recorridos no processo principal recordam, ainda, que grande parte dos consumidores não vão pessoalmente buscar os medicamentos à farmácia.

94.
    Em segundo lugar, quanto à alegada falta de fiscalização das «farmácias virtuais», os recorridos no processo principal observam que estas estão sujeitas à vigilância estatal e às exigências de uma fiscalização interna das encomendas. Por um lado, precisam que a DocMorris está sujeita à fiscalização das autoridades do seu Estado de origem, ou seja, o inspector estatal das farmácias neerlandês. Esta vigilância incide sobre todos os procedimentos e operações realizados no âmbito da exploração da farmácia e da venda por correspondência de medicamentos. Por outro lado, nos termos do direito neerlandês, todas as farmácias são obrigadas a consignar as suas normas internas de segurança e o desenvolvimento dos procedimentos num manual de qualidade. A DocMorris cumpre as normas da European Association of Mail Service Pharmacies de que é membro, que contêm disposições mais pormenorizadas sobre a fiscalização das encomendas, da embalagem e da sua recepção.

95.
    As medidas de segurança internas impostas pela DocMorris garantem que o tratamento das encomendas e os serviços de aconselhamento são da competência exclusiva de farmacêuticos reconhecidos e de assistentes qualificados em técnica farmacêutica, que respeitam determinadas exigências de qualidade. A circunstância de a compra de um medicamento ter lugar numa farmácia de outro Estado-Membro não é pertinente, dado que as condições de acesso à profissão de farmacêutico e as relativas ao exercício da profissão estão harmonizadas a nível comunitário (v., a propósito da Directiva 85/432, acórdãos, já referido, Schumacher, n.° 20, e Comissão/Alemanha, n.° 19).

96.
    Em terceiro lugar, quanto aos riscos ligados aos medicamentos sujeitos a receita médica, o farmacêutico, de acordo com as exigências da European Association of Mail Service Pharmacies, deve garantir que estes medicamentos só são expedidos após a recepção pela farmácia em causa do original da receita médica, redigida por um médico ou um dentista, e que a pessoa que vai receber o medicamento é efectivamente o detentor dessa receita.

97.
    Graças à harmonização das condições em que um medicamento deve estar sujeito a receita médica (v. Directiva 92/26, tal como foi substituída pelo título VI do código comunitário), existe um nível de protecção uniforme na Comunidade. Em caso de, excepcionalmente, haver uma diferença de classificação do medicamento entre o Estado-Membro de proveniência e aquele em que a importação deve ocorrer, a DocMorris procede sempre de acordo com a regulamentação nacional mais exigente, de forma a que as regulamentações nacionais relativas à sujeição a receita médica de um medicamento nunca são contornadas.

98.
    Em quarto lugar, tendo em conta o estado avançado de harmonização das disposições relativas à autorização dos medicamentos na Comunidade, bem como do sistema de reconhecimento mútuo aí estabelecido [v. Regulamento n.° 2309/93, assim como as Directivas 93/39 e 2000/38/CE da Comissão, de 5 de Junho de 2000, que altera o capítulo V A (Farmacovigilância) da Directiva 75/319/CEE do Conselho, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 139, p. 28)], há que partir do princípio de que os medicamentos que são autorizados num Estado-Membro não podem estar na origem de perigos para a saúde de uma gravidade tal que justifiquem uma proibição categórica do comércio transfronteiriço de medicamentos efectuado por correspondência.

99.
    Em quinto lugar, a utilização da Internet também não cria riscos suplementares para a saúde que só possam ser afastados através de uma proibição categórica do comércio de medicamentos por correspondência. Em contrapartida, as possibilidades técnicas da Internet, designadamente as que permitem elaborar conteúdos interactivos e adaptados individualmente ao cliente em causa, podem ser utilizadas para assegurar uma protecção óptima da saúde.

100.
    Em último lugar, a proibição em causa no processo principal não se pode justificar do ponto de vista da garantia económica de um abastecimento da população em medicamentos alargado e adaptado às necessidades. A este respeito, os recorridos no processo principal sublinham que, uma vez que toda e qualquer «farmácia virtual» deve ser reconhecida como farmácia aberta ao público no Estado-Membro em que está estabelecida, a possibilidade da venda por correspondência de medicamentos não deve ser entendida como uma alternativa susceptível de fazer concorrência às farmácias abertas ao público, mas como uma oferta complementar às suas vendas. Estando vinculada pelas exigências nacionais aplicáveis no Estado-Membro de origem, exclui-se a possibilidade de a «farmácia virtual» se limitar a vender uma gama de produtos de preços elevados.

101.
    Os recorridos no processo principal concluem que nem o Governo alemão nem a Apothekerverband demonstraram que o comércio transfronteiriço de medicamentos efectuado por correspondência constitui uma ameaça para a saúde que só pode ser afastada por uma proibição categórica deste tipo de comércio. Na realidade, a saúde pode ser protegida de maneira igualmente eficaz através de regulamentações adequadas, designadamente através de exigências em matéria de fiscalização da encomenda, da embalagem e da recepção, tais como as requeridas pelo Estado-Membro de proveniência do medicamento.

Resposta do Tribunal de Justiça

102.
    Tal como defendem as partes no processo principal, os Estados-Membros que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça e a Comissão, o artigo 30.° CE permanece aplicável no domínio da produção e da comercialização das especialidades farmacêuticas, enquanto não estiver completamente realizada a harmonização das regulamentações nacionais nestas matérias (v. acórdãos, já referidos, Schumacher, n.° 15; Delattre, n.° 48; Eurim-Pharm, n.° 26; Comissão/Alemanha, n.° 10; e Ortscheit, n.° 14). A este respeito, há que observar que a venda de medicamentos aos consumidores finais não foi objecto de uma harmonização comunitária completa.

103.
    Segundo jurisprudência assente, entre os bens ou interesses protegidos pelo artigo 30.° CE, a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar e compete aos Estados-Membros, dentro dos limites impostos pelo Tratado, decidir a que nível pretendem assegurar a sua protecção (v. acórdãos, já referidos, Schumacher, n.° 17, Eurim-Pharm, n.° 26, e Ortscheit, n.° 16).

104.
    No entanto, uma regulamentação ou uma prática nacional susceptível de ter um efeito restritivo ou que tem esse efeito nas importações de produtos farmacêuticos não é compatível com o Tratado a não ser na medida em que seja necessária para proteger eficazmente a saúde e a vida das pessoas. Uma regulamentação ou uma prática nacional não beneficia da derrogação do artigo 30.° CE quando a saúde e a vida das pessoas possam ser protegidas de forma igualmente eficaz por medidas menos restritivas das trocas comunitárias (v. acórdãos, já referidos, Schumacher, n.os 17 e 18; Delattre, n.° 53; Eurim-Pharm, n.° 27; Comissão/Alemanha, n.os 10 e 11; e Ortscheit, n.° 17).

105.
    No processo principal, o próprio facto de a «farmácia virtual» estar sujeita à fiscalização das autoridades neerlandesas não é posto em causa, de forma que os argumentos da Apothekerverband para defender, de uma maneira geral, que a fiscalização a que tal farmácia está sujeita é insuficiente, comparada com a que uma farmácia tradicional suporta, não podem ser acolhidos.

106.
    Os argumentos susceptíveis de justificar a proibição do comércio por correspondência de medicamentos são unicamente os que incidem sobre a necessidade de prestar aconselhamento personalizado ao cliente e de assegurar a sua protecção na entrega dos medicamentos, assim como a necessidade de fiscalizar a autenticidade das receitas médicas e de garantir um fornecimento de medicamentos alargado e adaptado às necessidades.

107.
    Em termos gerais, a maior parte destas justificações baseiam-se nos perigos potenciais que os medicamentos podem apresentar e, portanto, no cuidado que deve ser dedicado a todos os aspectos da sua comercialização, objectivos que são também os da regulamentação comunitária no domínio farmacêutico. Assim, e de qualquer forma, devem ter-se em conta, no exame das justificações invocadas para proibir a venda de medicamentos por correspondência, as diversas disposições do direito comunitário que podem ter incidência nesta questão.

108.
    Em primeiro lugar, o código comunitário prevê, no título VI, intitulado «Classificação dos medicamentos», que as autoridades competentes dos Estados-Membros devem, quando autorizam a colocação de um medicamento no mercado, precisar a sua classificação, ou seja, se está ou não sujeito a receita médica. Ainda que incumba às referidas autoridades determinar a classificação dos medicamentos, estas devem, contudo, basear-se nos critérios enumerados no artigo 71.°, n.° 1, do referido código, ou seja, nos que incidem sobre os perigos potenciais ligados à utilização do medicamento em causa (v. n.os 5 e 6 do presente acórdão).

109.
    Em segundo lugar, esta distinção entre medicamentos sujeitos a receita médica e os que o não estão, que se baseia nos referidos critérios e incide assim sobre o perigo potencial do medicamento em causa, encontra aplicação na regulamentação comunitária relativa à publicidade dos medicamentos. Como foi salientado nos n.os 7 a 13 do presente acórdão, a publicidade dos medicamentos sujeitos a receita médica é proibida (artigo 88.°, n.° 1, do código comunitário), enquanto em geral, a publicidade dos medicamentos que são previstos e concebidos para serem utilizados sem intervenção médica, é permitida, sob reserva do respeito por certas condições (v. artigo 88.°, n.° 2, do código comunitário).

110.
    Além da distinção referida no número anterior, o artigo 14.° da Directiva 97/7, que regulamenta a venda à distância, a fim de proteger os consumidores, permite aos Estados-Membros adoptar, respeitando as disposições do Tratado, medidas que proíbam, por razões de interesse geral, a comercialização no seu território, por meio de contratos à distância, de determinados bens ou serviços, «nomeadamente medicamentos». Esta última disposição permite considerar que o legislador comunitário não tinha intenção de excluir a possibilidade de um Estado-Membro proibir a venda por correspondência de medicamentos pelo simples facto de que existe uma harmonização das disposições relativas à autorização de colocação no mercado de medicamentos, na Comunidade, assim como um sistema de reconhecimento mútuo e disposições que se destinam, quer à coordenação das regulamentações relativas a certas actividades do domínio da farmácia, quer ao reconhecimento mútuo dos diplomas em farmácia.

111.
    À luz do exposto, há que examinar as justificações invocadas pela Apothekerverband relativamente aos medicamentos que não estão sujeitos a receita médica, por um lado, e aos medicamentos que o estão, por outro.

Medicamentos que não estão sujeitos a receita médica

112.
    Quanto aos medicamentos que não estão sujeitos a receita médica, nenhuma das justificações invocadas pode, validamente, fundamentar a proibição absoluta da sua venda por correspondência.

113.
    Em primeiro lugar, no que respeita à necessidade de informar e de aconselhar o cliente na compra de um medicamento, a possibilidade de prever informação e aconselhamento suficientes não se pode excluir. Além disso, como salientam correctamente os recorridos, a compra via Internet pode apresentar vantagens, tais como a possibilidade de encomendar desde casa ou desde o escritório, sem necessidade de deslocação, e de formular calmamente as questões a colocar aos farmacêuticos, vantagens que devem ser tidas em consideração.

114.
    Quanto ao argumento segundo o qual a capacidade de reagir dos «farmacêuticos virtuais» é menor do que a dos farmacêuticos de oficina, as desvantagens que foram invocadas a este respeito concernem, por um lado, à possível utilização incorrecta do medicamento em causa e, por outro, ao seu potencial abuso. No que respeita à possível utilização incorrecta do medicamento, tal risco pode ser diminuído graças ao aumento dos elementos interactivos que existem na Internet, e que devem ser utilizados pelo cliente antes de poder proceder a uma compra. Quanto à possibilidade de abuso, não é evidente que, para os que desejam adquirir de maneira abusiva medicamentos que não estão sujeitos a receita médica, a compra efectuada nas farmácias tradicionais apresente, na realidade, mais dificuldades do que a compra na Internet.

115.
    Em segundo lugar, no que respeita à categoria de medicamentos que não estão sujeitos a receita médica, as considerações relativas à sua entrega não são susceptíveis de justificar a proibição absoluta da sua venda por correspondência.

116.
    Em terceiro lugar, quanto às justificações baseadas na necessidade de garantir um fornecimento de medicamentos alargado e adaptado às necessidades, importa referir que, segundo os recorridos no processo principal (v. n.° 100 do presente acórdão), a «farmácia virtual» neerlandesa está também sujeita a obrigações de serviço público tais como as mencionadas pela Apothekerverband, de modo que não se encontra, a este respeito, numa posição mais do favorável que as farmácias alemãs. Além disso, o APO, que fixa os preços finais de venda dos medicamentos, aplica-se unicamente aos que estão sujeitos a receita médica e não pode justificar, portanto, a proibição de venda por correspondência dos medicamentos que não lhe estão sujeitos, para os quais as farmácias alemãs podem fixar livremente os preços.

Medicamentos sujeitos a receita médica

117.
    No que respeita aos medicamentos que estão sujeitos a receita médica, o abastecimento do público precisa de uma fiscalização mais estrita. Tal fiscalização pode justificar-se, por um lado, pelos perigos mais graves que estes medicamentos podem apresentar (v. artigo 71.°, n.° 1, do código comunitário) e, por outro, do sistema de preços fixos aplicável a esta categoria de medicamentos, que faz parte do sistema de saúde alemão.

118.
    Quanto à primeira consideração, o facto de poderem existir divergências em matéria de classificação de medicamentos entre os Estados-Membros, cuja consequência é poder um dado medicamento estar sujeito a receita médica num Estado-Membro e não noutro, não priva o primeiro do direito de agir de uma maneira mais estrita relativamente a este tipo de medicamento.

119.
    Perante os riscos que se podem ligar à utilização destes medicamentos, a necessidade de poder verificar de uma maneira eficaz e responsável a autenticidade das receitas prescritas pelos médicos e de garantir assim a entrega do medicamento, quer ao próprio cliente quer a uma pessoa por este encarregada de o ir buscar, seria susceptível de justificar uma proibição da venda por correspondência. Como defende o Governo irlandês, o facto de permitir o fornecimento de medicamentos sujeitos a receita médica após a recepção de uma receita, sem qualquer outra fiscalização, pode aumentar o risco de as receitas médicas serem objecto de uma utilização abusiva e incorrecta. Por outro lado, a possibilidade real de a rotulagem do medicamento comprado numa farmácia estabelecida noutro Estado-Membro que não aquele em que reside o comprador se apresentar numa língua que não a deste último, pode ter consequências mais nefastas quando se trate de medicamentos sujeitos a prescrição médica.

120.
    A Apothekerverband apresentou, por outro lado, argumentos sobre a integridade do sistema de saúde alemão, no sentido de que, uma vez que as farmácias alemãs estão vinculadas pelo APO a vender os medicamentos sujeitos a receita médica a preços fixos, permitir a venda transfronteiriça de tais medicamentos a preços livres prejudica a sua sobrevivência, e, portanto a integridade do referido sistema.

121.
    Este argumento implica o exame da justificação do sistema instaurado pelo APO, que fixa os preços de venda dos medicamentos sujeitos a receita médica.

122.
    A este respeito, ainda que objectivos de natureza puramente económica não possam constituir um entrave ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias, não se pode excluir que um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social possa constituir uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar esse entrave (v. acórdãos, já referidos, Kohll, n.° 41; Vanbraekel e o., n.° 47; Smits e Peerbooms, n.° 72; e de 13 de Maio de 2003, Müller-Fauré e Van Riet, C-385/99, ainda não publicado na Colectânea, n.os 72 e 73). De resto, o mercado nacional dos medicamentos sujeitos a receita médica pode caracterizar-se por factores não comerciais, de modo que uma regulamentação nacional que fixa os preços a que certos medicamentos são vendidos deve, na medida em que é parte integrante do sistema nacional de saúde, ser mantida.

123.
    Contudo, não tendo a Apothekerverband nem os Estados-Membros apresentado observações ao Tribunal de Justiça, não apresentaram argumentos em apoio do carácter necessário do APO. Assim, na falta de tais argumentos, não se pode concluir que, no que respeita aos medicamentos sujeitos a receita, a proibição da venda de medicamentos por correspondência na Alemanha se pode justificar por razões de equilíbrio financeiro do sistema de segurança social ou de integridade do sistema nacional de saúde.

124.
    À luz do exposto, importa responder à primeira questão, alínea b), que o artigo 30.° CE pode ser invocado para justificar uma proibição nacional de venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, no Estado-Membro em causa, na medida em que se destine aos medicamentos sujeitos a receita médica. Em contrapartida, o artigo 30.° CE não pode ser invocado para justificar uma proibição absoluta de venda por correspondência de medicamentos que não estão sujeitos a receita médica no Estado-Membro em causa.

Quanto à reimportação de medicamentos [primeira questão, alínea c)]

125.
    Através da sua primeira questão, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as questões 1 a) e 1 b), que incidem, por um lado, sobre a qualificação do § 43, n.° 1, da AMG como medida de efeito equivalente e, por outro, sobre a existência de uma eventual justificação, requerem uma apreciação diferente, à luz dos artigos 28.° CE e 30.° CE, em caso de importação de medicamentos num Estado-Membro em que são autorizados, mesmo que uma farmácia estabelecida noutro Estado-Membro os tenha anteriormente comprado a grossistas estabelecidos neste Estado-Membro de importação.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

126.
    Os recorridos recordam que o artigo 28.° CE proíbe todo e qualquer entrave às importações, independentemente do local de produção das mercadorias. O Tribunal reconheceu, expressamente, que as reimportações se incluem no domínio de protecção da livre circulação de mercadorias (v. acórdãos de 27 de Junho de 1996, Schmit, C-240/95, Colect., p. I-3179, n.° 10; de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C-201/94, Colect., p. I-5819, n.os 18 a 22; de 5 de Dezembro de 1996, Merck e Beecham, C-267/95 e C-268/95, Colect., p. I-6285; e de 12 de Outubro de 1999, Upjohn, C-379/97, Colect., p. I-6927, n.os 13 e 14). Defendem que, contrariamente à posição exposta pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen (33/74, Colect., p. 543), e de 10 de Janeiro de 1985, Leclerc e o. (229/83, Recueil, p. 1), a reimportação de medicamentos autorizados a partir de uma farmácia estabelecida noutro Estado-Membro não constitui uma forma de contornar abusivamente as disposições nacionais vinculativas. Ao observar que a transacção comercial transfronteiriça em causa no processo principal foi realizada em duas etapas de comercialização separadas e, por outro lado, a diferentes níveis do mercado (ou seja, em primeiro lugar, a exportação de medicamentos pelos grossistas alemães para farmácias estabelecidas noutro Estado-Membro e depois, em segundo lugar, a sua reimportação a nível da venda a retalho a clientes finais privados), os recorridos afirmam que a referida transacção é digna de protecção ao abrigo do artigo 28.° CE, uma vez que contribui precisamente para a realização dos objectivos deste artigo. Defendem, além disso, que também não há recurso abusivo à livre circulação de mercadorias pela simples razão de que a venda por correspondência prossegue precisamente o objectivo que constitui o cerne da livre circulação de mercadorias (v., no que respeita à liberdade de estabelecimento, acórdão de 9 de Março de 1999, Centros, C-212/97, Colect., p. I-1459).

Resposta do Tribunal de Justiça

Quanto à qualificação do § 43, n.° 1, da AMG de medida de efeito equivalente

127.
    Quanto à qualificação do § 43, n.° 1, da AMG de medida de efeito equivalente na acepção do artigo 28.° CE, o local de fabrico de um produto não pode ser significativo. Portanto, um produto fabricado no território de um Estado-Membro, exportado e depois reimportado nesse mesmo Estado, constitui um produto importado nos mesmos termos que um produto fabricado num outro Estado-Membro que é directamente introduzido no território nacional (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Leclerc e o., n.° 26, e Schmit, n.° 10).

128.
    Esta análise mantém-se válida, ainda que o direito que regula a venda dos produtos em causa no processo principal, ou seja, os medicamentos, não esteja harmonizado a nível comunitário, de modo que um produto que provém do Estado de importação pode, em princípio, devido à sua circulação transfronteiriça, beneficiar da protecção do direito comunitário.

129.
    Contudo, o Tribunal admitiu, em matéria de livre circulação de mercadorias, que tal conclusão não se aplica nos casos em que os elementos objectivos demonstrem que os produtos em causa foram exportados tendo como única finalidade a sua reimportação, para assim se contornar uma legislação como a que está em causa no processo principal (v. acórdão Leclerc e o., já referido, n.° 27).

130.
    No processo que foi submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que o operador económico que tinha exportado os medicamentos não estava implicado na sua reimportação, a reimportação dos medicamentos pelos recorridos não pode ser caracterizada como um recurso abusivo à livre circulação de mercadorias.

131.
    Consequentemente, uma vez que uma disposição como o § 43, n.° 1, da AMG pode ter por efeito a restrição da comercialização dos medicamentos provenientes dos outros Estados-Membros, a análise segundo a qual tal disposição deve ser qualificada de medida de efeito equivalente não se pode limitar aos medicamentos originários de outros Estados-Membros que não o Estado-Membro de importação, antes visando também os medicamentos que foram comprados aos grossistas estabelecidos neste último Estado.

Quanto à existência de justificação

132.
    Quanto à resposta a dar no que respeita à justificação da proibição da venda de medicamentos por correspondência, importa também operar uma distinção entre, por um lado, os medicamentos que não estão sujeitos a receita médica e, por outro, os que estão sujeitos a tal receita. Quanto à primeira categoria, as considerações com base nas quais se concluiu, nos n.os 112 a 116 do presente acórdão, que a referida proibição não é justificada, aplicam-se, da mesma forma, aos produtos reimportados. Não há que alterar, portanto, à luz do artigo 28.° CE, a resposta dada à primeira questão, alínea b).

133.
    Quanto aos medicamentos sujeitos a receita médica, tendo já sido tidas em conta as considerações relativas à sua reimportação - ou seja, em especial, o facto de estes medicamentos reimportados não estarem sujeitos ao APO devido à compra via Internet - no âmbito da resposta à primeira questão, alínea b), também não há que alterar tal resposta.

134.
    Assim, importa responder à primeira questão, alínea c), que as questões 1 a) e 1 b) não requerem uma apreciação diferente em caso de importação de medicamentos num Estado-Membro em que são autorizados, mesmo que uma farmácia estabelecida noutro Estado-Membro os tenha anteriormente comprado a grossistas estabelecidos nesse Estado-Membro de importação.

Quanto à segunda questão

135.
    Com a primeira parte da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se, no âmbito de uma proibição nacional de publicidade à venda de medicamentos por correspondência, os artigos 28.° CE e 30.° CE se opõem a uma interpretação ampla da noção de «publicidade», em que vários aspectos da página Internet de uma farmácia estabelecida num Estado-Membro são qualificados de «publicidade proibida», de modo que as encomendas transfronteiriças de medicamentos via Internet se tornam significativamente mais difíceis.

136.
    Esta questão pressupõe que a venda legal de medicamentos via Internet coincide com a proibição legal da sua publicidade, que pode prejudicar este comércio. Por isso, importa precisar que são, assim, colocadas duas questões diferentes, ou seja, em primeiro lugar, a da compatibilidade das proibições nacionais da publicidade à venda de medicamentos por correspondência com os artigos 28.° CE e 30.° CE e, em segundo, a questão de saber, se e na medida em que estas proibições (ou algumas delas) sejam consideradas compatíveis, uma interpretação ampla da noção de «publicidade», que tem por efeito tornar mais difícil a venda via Internet, é também compatível com as referidas disposições.

137.
    Só quando a proibição de publicidade compatível com o direito comunitário coincide com uma venda via Internet também com ele compatível importa examinar a questão do alcance da interpretação da noção de «publicidade», bem como a segunda questão, alíneas a) e b).

Quanto à compatibilidade das proibições de publicidade com o direito comunitário

138.
    Como foi exposto nos n.os 31 a 33 do presente acórdão, a legislação alemã prevê três tipos de proibições publicitárias relativamente aos medicamentos. Importa determinar se cada uma delas está de acordo com o direito comunitário. Quanto, em primeiro lugar, ao § 3 da HWG que prevê, essencialmente, uma proibição de publicidade aos medicamentos que estão sujeitos a autorização mas não a obtiveram, basta observar que tal proibição está de acordo com a referida no artigo 2.°, n.° 1 da Directiva 92/28, substituído pelo artigo 87.°, n.° 1, do código comunitário. Não há, portanto, que examinar a conformidade de tal proibição com as disposições do Tratado.

139.
    Em segundo lugar, o § 10, n.° 1, da HWG prevê, em geral, a proibição da publicidade aos medicamentos sujeitos a receita médica. Tal como foi dito a propósito do § 3 da HWG, uma proibição como a referida no § 10, n.° 1, desta lei está de acordo, como observa a Comissão, com o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/28, substituído pelo artigo 88.°, n.° 1, do código comunitário, que institui uma proibição idêntica a nível comunitário. Portanto, devido ao facto de uma tal proibição nacional constituir uma medida de transposição nacional de uma medida de harmonização comunitária, também não se pode pôr em causa a sua conformidade com o Tratado.

140.
    Em terceiro lugar, o § 8, n.° 1, da HWG prevê a proibição da publicidade à venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias. No seu n.° 2, este artigo proíbe, além disso, a publicidade relativa à venda de medicamentos através da importação individual, nos termos do § 73, n.° 2, alínea 6a, ou n.° 3, da AMG. Segundo as observações do Governo alemão, esta última proibição, conjugada com o § 73, n.° 1, da AMG, visa impedir que a possibilidade de importação individual de medicamentos não autorizados adquira, devido à publicidade efectuada, uma extensão que viole o regime de autorização, dado que, nos termos da AMG, tal possibilidade só concebida a título excepcional. Seja como for, como afirmou o advogado-geral no n.° 171 das suas conclusões, resulta dos autos enviados pelo órgão jurisdicional de reenvio ao Tribunal de Justiça, que aquele só considera aplicável, relativamente ao comércio de medicamentos por correspondência, a proibição do § 8, n.° 1, da HWG. As disposições do § 8, n.° 2, da HWG não fazem parte, portanto, do enquadramento jurídico e factual do processo principal.

141.
    No que respeita à proibição referida no § 8, n.° 1, da HWG, importa dizer que ela não tem qualquer corolário exacto a nível da regulamentação comunitária. A este propósito, enquanto o artigo 88.°, n.° 1, do código comunitário proíbe a publicidade aos medicamentos sujeitos a receita médica, o n.° 2 desta disposição permite, regra geral, a publicidade aos medicamentos previstos e concebidos para serem utilizados sem a intervenção de um médico, sem deixar de prever, no entanto, o aconselhamento pelo farmacêutico, se necessário.

142.
    Ao basear-se nesta disposição do código comunitário, o Governo austríaco defende que, ainda que este tipo de publicidade seja, em princípio, admitido, e tendo em conta o facto de o artigo 88.° do referido código não precisar em que medida o aconselhamento pelo farmacêutico se considera necessário, é possível supor que os Estados-Membros dispõem de uma margem de apreciação na matéria. Consequentemente, este Governo considera, em definitivo, que a proibição de publicidade na Internet se justifica também para os medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias e que não estão sujeitos a receita médica.

143.
    A este respeito, importa recordar a resposta dada à primeira questão, alínea b), nos n.os 112 a 116 do presente acórdão, a propósito da justificação da proibição de venda por correspondência dos medicamentos que não estão sujeitos a receita médica. Nesta resposta, foi considerado que esta proibição não se pode justificar, no que respeita aos referidos medicamentos, pela alegada necessidade da presença física do farmacêutico no momento da compra.

144.
    Daí resulta que o artigo 88.°, n.° 2, do código comunitário, que autoriza a publicidade junto do público aos medicamentos que não estão sujeitos a receita médica, não se pode interpretar no sentido de excluir a publicidade à venda de medicamentos por correspondência com base na alegada necessidade da presença física de um farmacêutico. Portanto, o artigo 88.°, n.° 1, do código comunitário, que proíbe a publicidade a medicamentos sujeitos a receita médica, opõe-se a uma proibição tal como a prevista no § 8, n.° 1, da HWG na medida em que esta proibição se refira a medicamentos que não estão sujeitos a receita médica.

Quanto ao alcance da noção de «publicidade junto do público» na acepção dos artigos 1.°, n.° 3, primeiro parágrafo, e 3.°, n.° 1, da Directiva 92/28

145.
    Resulta do exposto que só as proibições de publicidade, tais como as referidas nos §§ 3a e 10 da HWG, ou seja, as que respeitam, por um lado, aos medicamentos não autorizados e, por outro, aos medicamentos sujeitos a receita médica, estão de acordo com o direito comunitário. Portanto, importa examinar se o alcance de cada uma destas proibições pode ter por efeito impedir a venda de medicamentos via Internet, a fim de determinar se há que interpretar a noção de «publicidade junto do público», designadamente quanto à sua extensão.

146.
    No que respeita a uma proibição como a referida no § 3a da HWG, basta recordar que a própria colocação em circulação de medicamentos no território de um Estado-Membro em que estejam sujeitos a autorização, não a tendo obtido, é proibido a nível comunitário. Portanto, não se pode defender que tal proibição impede a venda legal de medicamentos via Internet.

147.
    Quanto à venda por correspondência de medicamentos sujeitos a receita médica, o direito comunitário não se opõe à proibição de tal venda, o que implica que a proibição de publicitar a venda por correspondência desta categoria de medicamentos também não pode ser considerada susceptível de impedir uma forma de venda legal de medicamentos.

148.
    Perante o exposto, há que responder à primeira parte da segunda questão que o artigo 88.°, n.° 1, do código comunitário se opõe a uma proibição nacional de publicitar a venda por correspondência dos medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias no Estado-Membro em causa, tal como previsto no artigo 8.°, n.° 1, da HWG, na medida em que esta proibição se refira a medicamentos que não estão sujeitos a receita médica.

149.
    Consequentemente, e tendo em conta a resposta dada à primeira questão, alínea b), importa concluir que não existe, no processo principal, qualquer proibição de publicidade de acordo com o direito comunitário que possa ter por efeito impedir a venda legal de medicamentos via Internet. Portanto, não há que responder à segunda questão, alíneas a) e b).

Quanto à terceira questão

150.
    Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à terceira.

Quanto às despesas

151.
    As despesas efectuadas pelos Governos alemão, helénico, francês, irlandês e austríaco, e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Frankfurt am Main, por despacho de 10 de Agosto de 2001, declara:

1.
    a)    Uma proibição nacional de venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, no Estado-Membro em causa, tal como a prevista no § 43, n.° 1, da Arzneimittelgesetz (lei relativa aos medicamentos), na sua versão de 7 de Setembro de 1998, constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 28.° CE.

    b)    O artigo 30.° CE pode ser invocado para justificar uma proibição nacional de venda por correspondência de medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias, no Estado-Membro em causa, na medida em que se destine aos medicamentos sujeitos a receita médica. Em contrapartida, o artigo 30.° CE não pode ser invocado para justificar uma proibição absoluta de venda por correspondência de medicamentos que não estão sujeitos a receita médica no Estado-Membro em causa.

    c)    As questões 1 a) e 1 b) não requerem uma apreciação diferente em caso de importação de medicamentos num Estado-Membro em que são autorizados, mesmo que uma farmácia estabelecida noutro Estado-Membro os tenha anteriormente comprado a grossistas estabelecidos nesse Estado-Membro de importação.

2)    O artigo 88.°, n.° 1, da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, opõe-se a uma proibição nacional de publicitar a venda por correspondência dos medicamentos cuja venda está reservada exclusivamente às farmácias no Estado-Membro em causa, tal como previsto no artigo 8.°, n.° 1, da Heilmittelwerbegesetz (lei relativa à publicidade no domínio dos medicamentos), na versão publicada em 19 de Outubro de 1994, na medida em que esta proibição se refira a medicamentos que não estão sujeitos a receita médica.

Skouris
Jann
Timmermans

Gulmann

Cunha Rodrigues
Rosas

Edward

La Pergola
Puissochet

Schintgen

Macken
Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Dezembro de 2003.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1: Língua do processo: alemão.