Language of document : ECLI:EU:C:2014:32

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

16 de janeiro de 2014 (*)

«Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados — Regulamentação nacional que fixa percentagens mínimas para a garantia que o operador de viagens deve assegurar a fim de reembolsar os fundos depositados pelos consumidores em caso de insolvência»

No processo C‑430/13,

que tem por objeto um pedido de decisão de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Fővárosi Ítélőtábla (Hungria), por decisão de 12 de julho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de julho de 2013, no processo,

Ilona Baradics,

Adrienn Bóta,

Éva Emberné Stál,

Lászlóné György,

Sándor Halász,

Zita Harászi,

Zsanett Hideg,

Katalin Holtsuk,

Gábor Jancsó,

Mária Katona,

Gergely Kézdi,

László Korpás,

Ferencné Kovács,

Viola Kőrösi,

Tamás Kuzsel,

Attila Lajtai,

Zsolt Lőrincz,

Ákos Nagy,

Attiláné Papp,

Zsuzsanna Peller,

Ágnes Petkovics,

László Pongó,

Zsolt Porpáczy,

Zsuzsanna Rávai,

László Román,

Zsolt Schneck,

Mihály Szabó,

Péter Szabó,

Zoltán Szalai,

Erika Szemeréné Radó,

Zsuzsanna Szigeti,

Nikolett Szőke,

Péter Tóth,

Zsófia Várkonyi,

Mónika Veress

contra

QBE Insurance (Europe) Ltd Magyarországi Fióktelepe,

Magyar Állam,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Borg Barthet (relator), presidente de secção, M. Berger e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre, por um lado, I. Baradics e o., clientes de um operador de viagens, e, por outro, a QBE Insurance (Europe) Ltd Magyarországi Fióktelepe (a seguir «QBE Insurance») e o Magyar Állam, representado pelo Nemzeti Fejlesztési Minisztérium (a seguir «Estado húngaro»), a respeito do reembolso do montante dos adiantamentos ou do preço total pago por cada um dos demandantes no processo principal, para a compra de uma viagem organizada.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O sétimo, décimo oitavo, vigésimo primeiro e vigésimo segundo considerandos da Diretiva 90/314 enunciam:

«Considerando que o turismo desempenha um papel de importância crescente na economia dos Estados‑Membros; que o sistema de viagens organizadas constitui uma parte essencial do turismo; que o setor das viagens organizadas nos Estados‑Membros seria incentivado para um maior crescimento e produtividade se fosse adotado um mínimo de regras comuns, a fim de lhe conferir uma dimensão comunitária; […]

[...]

Considerando que os operadores e/ou as agências devem ser responsáveis perante o consumidor pela boa execução das obrigações decorrentes do contrato; que, além disso, os operadores e/ou as agências devem ser responsáveis pelos danos causados ao consumidor pela não execução ou pela incorreta execução do contrato, salvo se as falhas registadas na execução do contrato não forem imputáveis nem a falta do operador e/ou agência nem a falta de outro prestador de serviços;

[...]

Considerando que seria benéfico tanto para o consumidor como para os profissionais do setor das viagens organizadas que os operadores e/ou as agências fossem obrigados a apresentar garantias em caso de insolvência ou de falência;

Considerando que os Estados‑Membros devem poder ter a liberdade de adotar ou manter disposições mais rigorosas, no domínio das viagens organizadas, visando a proteção do consumidor».

4        O artigo 1.° desta diretiva prevê:

«A presente diretiva tem por objeto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados, vendidos ou propostos para venda no território da Comunidade.»

5        Nos termos do artigo 2.° da mesma diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      Viagem organizada: a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma dormida.

a)      Transporte;

b)      Alojamento;

c)      Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada.

A faturação separada de diversos elementos de uma mesma viagem organizada não subtrai o operador ou a agência às obrigações decorrentes da presente diretiva.

2)      Operador: a pessoa que organiza viagens organizadas de forma não ocasional e as vende ou propõe para venda, diretamente ou por intermédio de uma agência.

3)      Agência: a entidade que vende ou propõe para venda a viagem organizada elaborada pelo operador.

[…]»

6        O artigo 4.°, n.° 2, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros velarão por que sejam respeitados no contrato as seguintes princípios:

a)      Consoante o tipo de viagem organizada em questão, o contrato incluirá pelo menos as cláusulas constantes do anexo;

b)      Todas as cláusulas do contrato devem ser consignadas por escrito ou sob qualquer outra forma que seja compreensível e acessível para o consumidor e devem ser‑lhe comunicadas antes de conclusão do contrato; o consumidor receberá uma cópia do mesmo;

c)      O disposto na alínea b) não deve impedir a celebração tardia ou ‘à última hora’ de reservas ou de contratos.»

7        Nos termos do artigo 4.°, n.° 6, primeiro parágrafo, da Diretiva 90/314:

«Se o consumidor rescindir o contrato nos termos do n.° 5 ou se, por qualquer razão, desde que não imputável ao consumidor, o operador anular a viagem organizada antes da data de partida acordada, o consumidor tem direito a:

a)      Ou participar numa outra viagem organizada de qualidade equivalente ou superior, se o operador e/ou a agência lha puderem propor. Se a viagem organizada proposta em substituição for de qualidade inferior, o operador deve reembolsar o consumidor da diferença de preço;

b)      Ou ser reembolsado, no mais curto prazo, de todas as quantias por ele pagas nos termos do contrato.»

8        O artigo 5.°, n.os 1 e 2, desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência que sejam partes no contrato sejam responsáveis perante o consumidor pela correta execução das obrigações decorrentes do contrato, quer essas obrigações devam ser executadas por eles próprios ou por outros prestadores de serviços, e isso sem prejuízo do direito de regresso do operador e/ou da agência contra esses outros prestadores de serviços.

2.      No que se refere aos danos que a não execução ou a incorreta execução do contrato causem ao consumidor, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência sejam responsabilizados, a não ser que a culpa da referida não execução ou incorreta execução não seja imputável nem ao operador e/ou à agência nem a outro prestador de serviços […]

[…]»

9        O artigo 7.° da referida diretiva dispõe:

«O operador e/ou a agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor.»

10      O artigo 8.° da mesma diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regulado pela presente diretiva, disposições mais rigorosas para defesa do consumidor.»

11      O artigo 9.° da Diretiva 90/314 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros porão em vigor as medidas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, o mais tardar em 31 de dezembro de 1992. Desse facto informarão imediatamente a Comissão.

2.      Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão os textos das principais normas de direito interno que adotarem no domínio regulado pela presente diretiva. A Comissão comunicará estes textos aos outros Estados‑Membros.»

 Direito húngaro

12      O § 15, n.° 2, do Decreto Governamental n.° 213/1996, relativo à atividade dos operadores e agências de viagens (az utazásszervező és ‑közvetítő tevékenységró1 szóló 213/1996. Korm. rendelet), de 21 de dezembro de 1996 (a seguir «Decreto Governamental n.° 213/1996»), tem por objetivo transpor o artigo 2.°, n.os 1 a 3, e o artigo 7.° da Diretiva 90/314.

13      Nos termos do § 2 do Decreto Governamental n.° 213/1996, na Hungria, a atividade de operador ou agência de viagens só pode ser exercida pelas empresas de viagens que preencham os requisitos estabelecidos neste decreto e que, a seu pedido, tenham sido inscritas no registo público oficial da Magyar Kereskedelmi Engedélyezési Hivatal (Instituto húngaro responsável das licenças comerciais, a seguir «Instituto»). Um dos requisitos exigidos para a inscrição neste registo é o da empresa dispor de uma garantia patrimonial em conformidade com o previsto no § 8 do referido decreto.

14      O § 8, n.° 1, do Decreto Governamental n.° 213/1996 prevê que uma garantia patrimonial pode ser constituída por:

«a)      uma garantia bancária,

b)      uma apólice de seguro subscrita com uma (ou várias) companhias de seguros, que também poderá ser subscrita em função do número de viajantes (diretamente a favor dos mesmos), ou

c)      um montante depositado pela empresa de viagens numa instituição de crédito, diferenciado e imobilizado para os fins previstos no § 10, n.° 1 […].

O valor da garantia patrimonial deverá corresponder a uma determinada percentagem das receitas líquidas previstas pela venda da viagem organizada ou a um determinado montante mínimo.»

15      Como expõe o órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do § 8, n.° 7, desse decreto, anualmente, até 31 de maio, a empresa de viagens deve, se necessário, aumentar a garantia patrimonial até ao valor de referência baseado nas receitas líquidas das vendas, calculadas nos termos da Lei C de 2000, relativa à contabilidade (a számvitelről szóló 2000. évi C. törvény) no ano da celebração do contrato de garantia bancária ou do seguro, ou do depósito em dinheiro.

16      Em conformidade com a interpretação conjugada dos §§ 8, n.° 9, e 10, n.° 1, alíneas a) e b), do Decreto Governamental n.° 213/1996, a garantia patrimonial deve, em qualquer altura, permitir cobrir as despesas, adiantamentos e preços integrais referidos no § 10, n.° 1, deste decreto, concretamente as despesas de assistência aos viajantes que estejam numa situação de urgência, como o repatriamento, e as despesas de estadia involuntária, bem como os adiantamentos e preços totais. Se as receitas efetivas excederem, em mais de 10%, as receitas que serviram de base para a constituição da garantia patrimonial, a empresa de viagens deverá adequar o valor da mesma garantia ao tráfego comercial, num prazo de cinco dias úteis, e deve provar o mais rapidamente possível ao Instituto que o fez.

17      O § 8, n.° 3, do Decreto Governamental n.° 213/1996 prevê que a percentagem ou o montante mínimo depende da questão de saber se:

¾        a viagem organizada comercializada inclui trajetos da Hungria para o estrangeiro ou entre países estrangeiros, ou trajetos no interior do país;

¾        no caso de uma viagem organizada incluir trajetos da Hungria para o estrangeiro ou entre países estrangeiros, são reservados lugares em voos não regulares (voos «charter»); e

¾        o valor das obrigações resultantes de um contrato garantido ultrapassam 25% das receitas. O contrato é considerado garantido quando já não é possível renunciar aos serviços contratados, assumindo então a empresa de viagens uma obrigação de efetuar pagamentos periódicos.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Os demandantes no processo principal celebraram em 2009 contratos de viagem com o operador de viagens 5 Kontinens Utazási kft., em virtude dos quais pagaram adiantamentos e, em alguns casos, o preço total da viagem.

19      Antes do início das viagens em causa no processo principal, esse operador foi declarado em situação de insolvência.

20      De acordo com a apólice de seguro de garantia patrimonial para os operadores de viagens, subscrita entre o referido operador e a QBE Insurance, esta última comprometia‑se, em caso de ocorrência de um risco seguro, a pagar uma indemnização pelas despesas de repatriamento e de estadia involuntária dos viajantes, bem como — se as referidas despesas não tivessem excedido o montante máximo coberto dos riscos seguros — a devolver os adiantamentos e os preços totais recebidos para a viagem. Os contraentes fixaram como montante máximo coberto pelo seguro 40 milhões de forints húngaros (HUF).

21      Devido a este limite, os demandantes no processo principal apenas foram reembolsados em 22% dos adiantamentos ou dos preços pagos.

22      Por consequência, intentaram uma ação em primeira instância a fim de obter a condenação da QBE Insurance e do Estado húngaro a indemnizá‑los do montante não reembolsado desses adiantamentos ou desses preços pagos.

23      Os demandantes no processo principal alegaram que o Decreto Governamental n.° 213/1996 é contrário ao disposto no artigo 7.° da Diretiva 90/314 e que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros têm a obrigação de reparação se uma diretiva não for corretamente transposta para o direito interno.

24      O órgão jurisdicional de primeira instância julgou a ação improcedente. Considerou, nomeadamente, que o Estado húngaro tinha transposto corretamente a Diretiva 90/314 para o direito interno.

25      Tendo as demandantes no processo principal interposto recurso da decisão proferida em primeira instância, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou a referida decisão no que diz respeito à QBE Insurance.

26      Nestas circunstâncias, o Fővárosi Ítélőtábla, tendo dúvidas quanto à compatibilidade do Decreto Governamental n.° 213/1996 com o disposto na Diretiva 90/314, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Ao estabelecer que o montante da garantia patrimonial prestada pelos operadores ou pelas agências de viagens deve corresponder a uma determinada percentagem das receitas líquidas previstas para a venda do pacote turístico ou a um valor mínimo, o legislador nacional cumpriu o disposto nos artigos 7.° e 9.° da Diretiva 90/314[…], ou seja, assegurou a proteção efetiva dos particulares em caso de falência ou de insolvência dos operadores ou das agências de viagens?

2)      Caso se verifique uma infração por parte do Estado [húngaro], a mesma está suficientemente caracterizada para efeitos de imputação de responsabilidade por perdas e danos?»

 Quanto às questões prejudiciais

27      Nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo, quando uma questão submetida a título prejudicial for idêntica a uma questão sobre a qual o Tribunal de Justiça já se tenha pronunciado, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

28      Deve aplicar‑se a referida disposição no presente processo.

 Quanto à primeira questão

29      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 7.° e 9.° da Diretiva 90/314 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, segundo a jurisprudência invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, se limita a fixar o montante da garantia que o operador ou a agência de viagens é obrigado a prestar numa percentagem a determinar das receitas líquidas realizadas para as vendas de viagens organizadas previstas durante o ano contabilístico considerado pertinente ou num montante mínimo a determinar.

30      A este respeito, há que recordar que o sistema de cooperação estabelecido pelo artigo 267.° TFUE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo instaurado ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar‑se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação da União (acórdãos de 6 de março de 2007, Placanica e o., C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colet., p. I‑1891, n.° 36, e de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, Colet., p. I‑7633, n.° 37).

31      Ora, embora o teor literal das questões submetidas a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio convide o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de uma disposição de direito interno com o direito da União, nada impede o Tribunal de Justiça de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, fornecendo‑lhe os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, Colet., p. I‑8491, n.° 21, e de 16 de fevereiro de 2012, Varzim Sol, C‑25/11, n.° 28).

32      A este respeito, há que recordar, a título liminar, que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 faz recair sobre o operador a obrigação de dispor de garantias suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor, tendo essas garantias por objetivo proteger o consumidor contra os riscos económicos decorrentes da insolvência ou da falência do operador (v. acórdão de 8 de outubro de 1996, Dillenkofer e o., C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, Colet., p. I‑4845, n.os 34 e 35).

33      Assim, o objetivo fundamental desta disposição é garantir, em caso de insolvência ou falência do operador, o repatriamento do consumidor e o reembolso dos fundos por este depositados (v., neste sentido, acórdão Dillenkofer e o., já referido, n.os 35 e 36).

34      No caso vertente, deve salientar‑se, antes de mais, que os demandantes no processo principal estiveram expostos aos riscos que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 visa proteger. Com efeito, ao depositar fundos antes da partida, expuseram‑se ao risco de os perder.

35      Em seguida, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 74 do seu acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o. (C‑140/97, Colet., p. I‑3499), que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 implica a obrigação de resultado de conferir aos adquirentes de viagens organizadas um direito às garantias de reembolso dos fundos pagos e de repatriamento em caso de insolvência do operador de viagens e que essa garantia é precisamente destinada a proteger o consumidor contra as consequências da insolvência, independentemente das suas causas.

36      Esta interpretação do artigo 7.° da Diretiva 90/314 é corroborada pelo objetivo que esta deve visar, que é garantir um nível de proteção elevado dos consumidores (v. acórdão Dillenkofer e o., já referido, n.° 39).

37      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, no n.° 63 do acórdão Rechberger e o., já referido, que não existe nos considerandos da Diretiva 90/314 nem no texto do seu artigo 7.° a indicação nos termos da qual a garantia prevista nesse artigo pode ser limitada.

38      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que uma regulamentação nacional só transpõe corretamente as obrigações do referido artigo 7.° se, sejam quais forem as suas modalidades, tiver por resultado garantir efetivamente ao consumidor o reembolso de todas as somas que depositou e o repatriamento em caso de insolvência do operador turístico (v. acórdão Rechberger e o., já referido, n.° 64).

39      Ora, decorre da decisão de reenvio que, no litígio no processo principal, apenas uma fração dos fundos depositados pelos demandantes no processo principal foi paga a título da garantia prevista no artigo 7.° da Diretiva 90/314.

40      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para interpretar e aplicar o direito nacional, estabelecer se essa situação foi causada pelo facto de o sistema previsto pelo legislador nacional, tendo em consideração as modalidades concretas de cálculo do montante da garantia, tem por efeito prever uma cobertura insuficiente do reembolso dos fundos depositados pelo consumidor e das despesas de um eventual repatriamento, na medida em que esse sistema, estruturalmente, não tem em consideração os elementos que podem ocorrer no setor económico em causa.

41      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional cujas modalidades não têm por resultado garantir efetivamente ao consumidor o reembolso de todos os fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência do operador de viagens. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio estabelecer se é esse o caso da legislação nacional em causa no processo que lhe foi submetido.

 Quanto à segunda questão

42      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, na medida em que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o valor da garantia patrimonial concedida pelo operador ou pela agência de viagens seja fixado numa determinada percentagem da receita líquida prevista pelas vendas de viagens organizadas ou num montante mínimo, essa regulamentação constitui uma violação suficientemente caracterizada do direito da União que dá direito a indemnização.

43      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma violação é suficientemente caracterizada quando uma instituição ou um Estado‑Membro viole de forma manifesta e grave, no exercício da sua competência normativa, os limites impostos ao exercício dessa competência. A este respeito, o grau de clareza e de precisão da norma violada é, designadamente, um dos elementos que o órgão jurisdicional competente pode ser levado a tomar em consideração (acórdão de 26 de março de 1996, British Telecommunications, C‑392/93, Colet., p. I‑1631, n.° 42 e jurisprudência referida).

44      Como foi recordado no n.° 38 do presente despacho, uma regulamentação nacional só transpõe corretamente as obrigações do artigo 7.° da Diretiva 90/314 se, independentemente das suas modalidades, tem por resultado garantir efetivamente ao consumidor o reembolso de todos os fundos que depositou e o seu repatriamento no caso de insolvência do operador de viagens (v. acórdão Rechberger e o., já referido, n.° 64).

45      Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se os requisitos da responsabilidade dos Estados‑Membros que decorrem da violação do direito da União estão ou não preenchidos.

46      No caso em apreço, há que declarar que resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 se opõe a uma regulamentação nacional que não tem por resultado garantir efetivamente ao consumidor o reembolso de todos os fundos que depositou e o seu repatriamento no caso de insolvência do operador de viagens. Dado que o Estado‑Membro não dispõe de nenhuma margem de apreciação quanto ao âmbito dos riscos que devem ser cobertos pela garantia prestada pelo operador ou pela agência de viagens aos consumidores, os critérios que tenham por objeto ou por efeito limitar o âmbito dessa garantia são manifestamente incompatíveis com as obrigações que decorrem da referida diretiva e constituem, assim, uma violação suficientemente caracterizada do direito da União que, sem prejuízo da verificação da existência de um nexo de causalidade direto, pode gerar a responsabilidade do Estado‑Membro em causa.

47      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 7.° da Diretiva 90/314 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro não dispõe de nenhuma margem de apreciação quanto ao âmbito dos riscos que devem ser cobertos pela garantia prestada pelo operador ou pela agência de viagem aos consumidores. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os critérios estabelecidos pelo Estado‑Membro em causa para a fixação do montante da referida garantia têm por objeto ou por efeito limitar o âmbito dos riscos que deve cobrir esta última, caso em que são manifestamente incompatíveis com as obrigações que decorrem da referida diretiva e constituem uma violação suficientemente caracterizada do direito da União que, sem prejuízo da verificação da existência de um nexo de causalidade direto, pode gerar a responsabilidade do Estado‑Membro em causa.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 7.° da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional cujas modalidades não têm por resultado garantir efetivamente ao consumidor o reembolso de todos os fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência do operador de viagens. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio estabelecer se é esse o caso da legislação nacional em causa no processo que lhe foi submetido.

2)      O artigo 7.° da Diretiva 90/314 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro não dispõe de nenhuma margem de apreciação quanto ao âmbito dos riscos que devem ser cobertos pela garantia prestada pelo operador ou pela agência de viagem aos consumidores. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os critérios estabelecidos pelo Estado‑Membro em causa para a fixação do montante da referida garantia têm por objeto ou por efeito limitar o âmbito dos riscos que deve cobrir esta última, caso em que são manifestamente incompatíveis com as obrigações que decorrem da referida diretiva e constituem uma violação suficientemente caracterizada do direito da União que, sem prejuízo da verificação da existência de um nexo de causalidade direto, pode gerar a responsabilidade do Estado‑Membro em causa.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.