Language of document : ECLI:EU:C:2004:695

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
9 de Novembro de 2004 (1)

«Directiva 96/9/CE – Protecção jurídica das bases de dados – Direito sui generis – Obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo de uma base de dados – Parte (não) substancial do conteúdo de uma base de dados – Extracção e reutilização – Exploração normal – Prejuízo injustificado dos interesses legítimos do fabricante – Base de dados hípicos – Listas de corridas – Jogos de apostas»

No processo C-203/02,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,

apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 24 de Maio de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Maio de 2002, no processo

The British Horseracing Board Ltd e o.

contra

William Hill Organization Ltd,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e K. Lenaerts (relator), presidentes de secção, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogada-geral: C. Stix-Hackl,
secretários: M. Múgica Arzamendi e M.‑F. Contet, administradoras principais,

vistos os autos e na sequência da audiência de 30 de Março de 2004,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da The British Horseracing Board Ltd e o., por P. Prescott, QC, L. Lane, barrister, e H. Porter, solicitor,

em representação da William Hill Organization Ltd, por M. Platts‑Mills, QC, J. Abrahams, barrister, S. Kon, T. Usher e S. Turnbull, solicitors,

em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente, assistida por P. Vlaemminck, advocaat,

em representação do Governo alemão, por W. D. Plessing, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. P. Matos Barros, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Banks, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 8 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação dos artigos 7.° e 10.°, n.° 3, da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20, a seguir «directiva»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a The British Horseracing Board Ltd, o Jockey Club e o Weatherbys Group Ltd (a seguir «BHB e o.») à William Hill Organization Ltd (a seguir «William Hill»). O litígio nasceu da utilização pela William Hill, para efeitos da organização de apostas hípicas, de informações retiradas da base de dados da BHB.


Enquadramento jurídico

3
A directiva tem por objecto, segundo o seu artigo 1.°, n.° 1, a protecção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam. A base de dados é definida no artigo 1.°, n.° 2, da mesma directiva como «uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros».

4
O artigo 3.° da directiva institui uma protecção pelo direito de autor a favor das «bases de dados que, devido à selecção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respectivo autor».

5
O artigo 7.° da directiva institui um direito sui generis nos seguintes termos:

«Objecto da protecção

1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extracção e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2.
Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a)
‘Extracção’: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b)
‘Reutilização’: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na Comunidade.

O comodato público não constitui um acto de extracção ou de reutilização.

3.      O direito previsto no n.° 1 pode ser transferido, cedido ou objecto de licenças contratuais.

4.      O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. A protecção das bases de dados pelo direito previsto no n.° 1 não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo.

5.      Não serão permitidas a extracção e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham actos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

6
O artigo 8.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«O fabricante de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, não pode impedir o utilizador legítimo dessa base de extrair e/ou reutilizar partes não substanciais do respectivo conteúdo, avaliadas qualitativa ou quantitativamente, para qualquer efeito. Se o utilizador legítimo estiver autorizado a extrair e/ou a reutilizar apenas uma parte da base de dados, o presente número é aplicável unicamente a essa parte.»

7
Nos termos do artigo 9.° da directiva, «[o]s Estados‑Membros podem prever que o utilizador legítimo de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, possa, sem autorização do fabricante da base extrair e/ou reutilizar uma parte substancial do seu conteúdo:

a)
Sempre que se trate de uma extracção para fins particulares do conteúdo de uma base de dados não electrónica;

b)
Sempre que se trate de uma extracção para fins de ilustração didáctica ou de investigação científica, desde que indique a fonte e na medida em que tal se justifique pelo objectivo não comercial a atingir;

c)
Sempre que se trate de uma extracção e/ou de uma reutilização para fins de segurança pública ou para efeitos de um processo administrativo ou judicial.»

8
O artigo 10.° da directiva dispõe:

«1.    O direito previsto no artigo 7.° produz efeitos a partir da data de conclusão do fabrico da base de dados, e expira ao fim de 15 anos a contar de 1 de Janeiro do ano seguinte ao da data de conclusão.

[…]

3.      Qualquer modificação substancial, avaliada quantitativa ou qualitativamente, do conteúdo de uma base de dados, incluindo quaisquer modificações substancias resultantes da acumulação de aditamentos, supressões ou alterações sucessivos que levem a considerar que se trata de um novo investimento substancial, avaliado qualitativa ou quantitativamente, permitirá atribuir à base resultante desse investimento um período de protecção próprio.»

9
A directiva foi transposta para o Reino Unido com a adopção das Copyright and Rights in Databases Regulations 1997, que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1998. Os termos destas Regulations são idênticos aos da directiva.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10
A BHB e o. estão encarregados da organização do sector das corridas de cavalos no Reino Unido e asseguram, nesse âmbito, com funções diferentes, o desenvolvimento e a gestão da base de dados da BHB, a qual reúne um número considerável de informações obtidas junto dos proprietários de cavalos, dos treinadores, dos organizadores de corridas de cavalos e de outras pessoas do meio hípico. Esta base de dados contém informações relativas, designadamente, ao pedigree de cerca de um milhão de cavalos assim como informações denominadas «informações preliminares à corrida» e relativas às corridas a realizar no Reino Unido. Estas últimas informações dizem respeito, designadamente, ao nome, ao local e à data da corrida, à distância a percorrer, aos critérios de admissão, à data de encerramento das inscrições, ao montante da taxa de inscrição e ao montante máximo com que o hipódromo contribuirá para o prémio a entregar no fim da corrida.

11
A Weatherbys Group Ltd, sociedade que alimenta e gere a base de dados da BHB, exerce três actividades principais relacionadas com as informações preliminares à corrida.

12
Em primeiro lugar, regista as informações relativas, designadamente, aos proprietários, aos treinadores, aos jóqueis, aos cavalos e aos resultados destes últimos nas diferentes corridas.

13
Em segundo lugar, atribui uma cotação aos cavalos inscritos nas diferentes corridas e define um handicap.

14
Em terceiro lugar, elabora a lista dos cavalos que participam nessas corridas. Esta operação é realizada pelo seu centro de chamadas onde trabalham cerca de trinta pessoas. Estas recebem por telefone e anotam a inscrição dos cavalos para cada corrida organizada. A identidade e a qualidade da pessoa que fez a inscrição, a correspondência entre as características do cavalo e os critérios de admissão à corrida são seguidamente verificados. Após estas verificações, as inscrições são publicadas a título provisório. Para participar na corrida, o treinador deve confirmar por telefone a participação do cavalo, apresentando uma declaração o mais tardar na véspera da corrida. Os operadores devem então verificar se o cavalo está autorizado a participar na corrida, em função do número de declarações já registadas. Um computador central atribui seguidamente um número a cada cavalo e determina a sua box de partida. A lista definitiva dos participantes é publicada na véspera da corrida.

15
A base de dados da BHB contém informações essenciais não apenas para as pessoas directamente interessadas nas corridas de cavalos mas também para as estações de rádio e de televisão e para as sociedades de apostas e os seus clientes. Os custos ligados à gestão da base de dados da BHB representam aproximadamente 4 milhões de GBP por ano. As comissões facturadas a terceiros pela utilização das informações que constam desta base representam cerca de um quarto deste montante.

16
A referida base está acessível em linha num sítio Internet comum à BHB e à Weatherbys Group Ltd. Uma parte do seu conteúdo é igualmente divulgada semanalmente no jornal oficial da BHB. O conteúdo desta base é igualmente disponibilizado, total ou parcialmente, à sociedade Racing Pages Ltd, que é controlada conjuntamente pela Weatherbys Group Ltd e pela Press Association e que, na véspera da corrida, fornece as informações a diversos aderentes, entre os quais as sociedades de apostas, sob a forma de «Declarations Feed». A sociedade Satellite Informations Services Ltd (a seguir «SIS») está autorizada pela Racing Pages Ltd a transmitir informações aos seus próprios assinantes, sob a forma de informação em bruto («raw data feed», a seguir «RDF»). Os RDF contêm um grande número de informações, em especial os nomes dos cavalos que participam nas corridas, os nomes dos jóqueis, os números dos cavalos e a cotação de cada cavalo. Os nomes dos cavalos que participam numa dada corrida são postos à disposição do público na tarde que antecede o dia da corrida, através da imprensa e dos serviços Ceefax e Teletext.

17
A William Hill, que é assinante da Declarations Feed e dos RDF, é um dos principais organizadores de serviços de apostas «fora do hipódromo» no Reino Unido, destinados a clientes britânicos e internacionais. Lançou um serviço de apostas em linha através de dois sítios Internet. Os interessados podem, nestes sítios, tomar conhecimento das diferentes corridas organizadas, dos hipódromos respectivos, das posições dos cavalos e das cotações dadas pela William Hill.

18
As informações que esta última divulga nos endereços Internet são extraídas, por um lado, dos jornais publicados na véspera da corrida e, por outro, dos RDF fornecidos pela SIS na manhã da corrida.

19
De acordo com o despacho de reenvio, as informações que figuram nos endereços Internet da William Hill apenas representam uma parte ínfima do número total de dados constantes da base de dados da BHB, uma vez que dizem respeito unicamente aos seguintes elementos desta base: nomes de todos os cavalos que participam na corrida em causa, data, hora e/ou nome da corrida e nome do hipódromo. Sempre de acordo com o despacho de reenvio, as corridas de cavalos e as listas dos cavalos participantes não são apresentadas da mesma forma nos endereços Internet da William Hill e na base de dados da BHB.

20
Em 20 de Março de 2000, a BHB e o. intentaram na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), uma acção contra a William Hill, com fundamento numa alegada violação do seu direito sui generis. Consideram, por um lado, que a utilização diária, pela William Hill, de informações sobre cavalos retiradas dos jornais e dos RDF constituem uma extracção ou uma reutilização de uma parte substancial do conteúdo da base de dados da BHB, contrárias ao artigo 7.°, n.° 1, da directiva. Por outro lado, sustentam que, mesmo admitindo que as extracções individuais a que a William Hill procede não sejam substanciais, devem ser proibidas nos termos do artigo 7.°, n.° 5, da directiva.

21
Por decisão de 9 de Fevereiro de 2001, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, deu provimento ao pedido da BHB e o. A William Hill interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

22
Confrontada com problemas de interpretação da directiva, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)
Pode alguma das expressões:

‘parte substancial do conteúdo de uma base de dados’; ou

‘partes não substanciais do conteúdo de uma base de dados’

do artigo 7.° da directiva incluir obras, dados ou outros materiais provenientes de uma base de dados, mas que não têm a mesma estrutura sistemática ou metodológica nem a acessibilidade individual que existem na base de dados?

2)
O que significa a palavra ‘obtenção’ no artigo 7.°, n.° 1, da directiva? Em especial, os [elementos descritos no n.° 14 do presente acórdão] podem reconduzir‑se a essa obtenção?

3)
A ‘verificação’ do artigo 7.°, n.° 1, da directiva limita‑se a garantir periodicamente que a informação contida na base de dados é ou se mantém correcta?

4)
O que significam as expressões constantes do artigo 7.°, n.° 1, da directiva:

uma ‘parte substancial, avaliada qualitativa[mente] [...], do conteúdo desta [base de dados]’; e

uma ‘parte substancial, avaliada [...] quantitativamente, do conteúdo desta [base de dados]’?

5)
O que significa a expressão constante do artigo 7.°, n.° 5, da directiva ‘partes não substanciais do conteúdo da base de dados’?

6)
Em especial, em cada caso:

‘substancial’ significa algo mais do que ‘insignificante’ e, em caso afirmativo, o quê exactamente?

partes ‘não substanciais’ significa[m] simplesmente que não são substanciais?

7)
A ‘extracção’, no artigo 7.° da directiva, limita‑se à transferência do conteúdo da base de dados directamente desta para outro suporte, ou inclui também a transferência de obras, dados ou outro material indirectamente provenientes da base de dados, sem acesso directo a esta?

8)
A ‘reutilização’, no artigo 7.° da directiva, limita‑se a tornar acessível ao público o conteúdo da base de dados directamente a partir da mesma ou inclui igualmente a disponibilização ao público de obras, dados ou outro material indirectamente derivados da base de dados, sem acesso directo a essa mesma base?

9)
A ‘reutilização’, no artigo 7.° da directiva, limita‑se à primeira disponibilização ao público do conteúdo da base de dados?

10)
No artigo 7.°, n.° 5, da directiva, o que se deve entender por ‘actos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base’? Em especial, os [comportamentos descritos nos n.os 17 a 19 do presente acórdão], no contexto dos [elementos referidos no n.° 15 do presente acórdão] são susceptíveis de constituir tais actos?

11)
O artigo 10.°, n.° 3, da directiva significa que, sempre que haja uma ‘modificação substancial’ do conteúdo de uma base de dados, permitindo à base de dados resultante de tal modificação beneficiar do seu próprio período de protecção, esta última deve ser considerada uma base de dados nova e autónoma, inclusivamente para efeitos do artigo 7.°, n.° 5?»


Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

23
O artigo 7, n.° 1, da directiva confere uma protecção específica, qualificada de direito sui generis, à pessoa que constituiu uma base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da mesma directiva, desde que «a obtenção, verificação ou apresentação [do] conteúdo [desta] representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo».

24
Na segunda e na terceira questão, que importa apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter uma interpretação do conceito de investimento ligado, respectivamente, à obtenção e à verificação do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

25
O artigo 7.°, n.° 1, da directiva autoriza a pessoa que constituiu uma base de dados protegida por um direito sui generis a proibir a extracção e/ou a reutilização da totalidade da base ou de uma parte substancial do conteúdo desta. O artigo 7.°, n.° 5, proíbe, por outro lado, os actos de extracção e/ou de reutilização repetidos e sistemáticos de partes não substanciais do conteúdo da base de dados, contrários à exploração normal dessa base ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses da pessoa que constituiu a base.

26
A sétima, a oitava e a nona questão submetidas, que importa apreciar conjuntamente, referem‑se aos conceitos de extracção e de reutilização. Os conceitos de parte substancial e de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados estão, por seu turno, no centro da primeira, da quarta, da quinta e da sexta questão, que serão também examinadas conjuntamente.

27
A décima questão refere‑se ao alcance da proibição estabelecida no artigo 7.°, n.° 5, da directiva. A décima primeira questão destina‑se a saber se uma alteração substancial do conteúdo da base de dados, feita pela pessoa que a constituiu, permite concluir pela existência de uma nova base de dados para apreciar, no contexto do artigo 7.°, n.° 5 da directiva, o carácter repetido e sistemático de actos de extracção e/ou de reutilização de partes não substanciais da base de dados.

Quanto à segunda e à terceira questão, relativas ao conceito de investimento ligado à obtenção ou à verificação do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva

28
Com a segunda e a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o conceito de investimento ligado à obtenção ou à verificação do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

29
A este propósito, importa lembrar que o artigo 7.°, n.° 1, da directiva reserva o benefício da protecção, pelo direito sui generis, às bases de dados que respondam a um critério preciso, ou seja, que a obtenção, a verificação ou a apresentação do seu conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

30
Nos termos do nono, do décimo e do décimo segundo considerando da directiva, a finalidade desta é, como indica a William Hill, encorajar e proteger os investimentos em sistemas de «armazenamento» e de «tratamento» de dados, que contribuam para o desenvolvimento do mercado da informação num contexto marcado por um aumento exponencial do volume de dados gerados e processados anualmente em todos os sectores de actividade. Daí resulta que o conceito de investimento ligado à obtenção, à verificação ou à apresentação do conteúdo de uma base de dados deve ser compreendido, de um modo geral, como tendo por objecto o investimento dedicado à constituição da referida base como tal.

31
Neste contexto, o conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados deve, como salientam a William Hill e os Governos belga, alemão e português, entender‑se como designando os meios dedicados à procura de elementos independentes existentes e à sua reunião na referida base, com exclusão dos meios aplicados na própria criação de elementos independentes. O objectivo da protecção pelo direito sui generis organizada pela directiva é, com efeito, estimular a instituição de sistemas de armazenamento e de tratamento de informações existentes, e não a criação de elementos susceptíveis de serem posteriormente reunidos numa base de dados.

32
Esta interpretação é corroborada pelo trigésimo nono considerando da directiva, segundo o qual o objectivo do direito sui generis é garantir uma protecção contra a apropriação dos resultados obtidos pelo investimento financeiro e profissional suportado pela pessoa que «obte[ve] e colig[iu] o conteúdo» de uma base de dados. Tal como refere a advogada‑geral nos n.os 41 a 46 das suas conclusões, não obstante ligeiras variações terminológicas, todas as versões linguísticas deste trigésimo nono considerando advogam a favor de uma interpretação que exclui do conceito de obtenção a criação dos elementos contidos na base de dados.

33
O décimo nono considerando da directiva, nos termos do qual a compilação de várias fixações de execuções musicais em CD não representa um investimento suficientemente avultado para beneficiar do direito sui generis, fornece um argumento suplementar em apoio desta interpretação. Com efeito, daí resulta que os meios utilizados para a própria criação das obras ou dos elementos que constam da base de dados, no caso vertente um CD, não são equiparáveis a um investimento ligado à obtenção do conteúdo da referida base e, portanto, não podem entrar em linha de conta para se apreciar o carácter substancial do investimento ligado à constituição dessa base.

34
O conceito de investimento ligado à verificação do conteúdo da base de dados deve ser entendido como tendo por objecto os meios utilizados, com vista a assegurar a fiabilidade da informação contida na referida base, na fiscalização da exactidão dos elementos procurados, aquando da constituição dessa base e durante o seu período de funcionamento. Os meios afectados a operações de verificação no decurso da fase de criação de dados ou de outros elementos posteriormente reunidos numa base constituem, ao invés, meios relativos a essa criação e não podem, assim, ser tidos em conta para se apreciar a existência de um investimento substancial no âmbito do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

35
Neste contexto, a circunstância de a constituição de uma base de dados estar relacionada com o exercício de uma actividade principal, no âmbito da qual a pessoa que constitui a base é também o criador dos elementos contidos nessa base, não exclui, como tal, que essa pessoa possa reivindicar o benefício da protecção do direito sui generis, desde que prove que a obtenção dos referidos elementos, a sua verificação ou a sua apresentação, na acepção precisada nos n.os 31 a 34 do presente acórdão, originaram um investimento substancial, no plano quantitativo ou qualitativo, autónomo em relação aos meios utilizados para a criação desses elementos.

36
A este respeito, embora a procura de dados e a verificação da sua exactidão no momento da constituição da base de dados não exijam, em princípio, que a pessoa que constituiu essa base tenha recorrido a meios especiais, uma vez que se trata de dados que ela criou e que estão à sua disposição, a reunião desses dados, a sua disposição sistemática ou metódica na base, a organização da sua acessibilidade individual e a verificação da sua exactidão durante o período de funcionamento da base podem necessitar de um investimento substancial, no plano quantitativo e/ou qualitativo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

37
No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os investimentos descritos no n.° 14 do presente acórdão são equiparáveis a um investimento ligado à obtenção do conteúdo da base de dados da BHB. As demandantes no processo principal insistem, a este propósito, no carácter substancial dos investimentos referidos.

38
Contudo, os investimentos ligados à determinação, para efeitos da organização de corridas de cavalos, dos cavalos admitidos a participar na corrida em causa relacionam‑se com a criação dos dados constitutivos das listas relativas a essas corridas que figuram na base de dados da BHB. Não correspondem a um investimento ligado à obtenção do conteúdo da base de dados. Por conseguinte, não podem entrar em linha de conta para se apreciar o carácter substancial do investimento relacionado com a constituição desta base.

39
É certo que o processo de inscrição de um cavalo numa lista de corridas exige um determinado número de verificações prévias, relativas à identidade da pessoa que procede à inscrição, às características do cavalo e às qualificações deste, do seu proprietário e do jóquei.

40
No entanto, este trabalho de verificação prévia desenrola‑se na fase da criação da lista relativa à respectiva corrida. Constitui, portanto, um investimento relacionado com a criação de dados e não com a verificação do conteúdo da base de dados.

41
Daí decorre que os meios dedicados à elaboração de uma lista de cavalos que participam numa corrida e às operações de verificação efectuadas nesse âmbito não correspondem a um investimento ligado à obtenção e à verificação do conteúdo da base de dados na qual figura essa lista.

42
Tendo em conta o que precede, cabe responder do seguinte modo à segunda e à terceira questão submetidas:

O conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva deve ser entendido no sentido de que designa os meios dedicados à procura dos elementos existentes e à sua reunião na referida base. Não inclui os meios utilizados para a criação dos elementos constitutivos do conteúdo de uma base de dados.

O conceito de investimento ligado à verificação do conteúdo da base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva deve ser entendido como visando os meios utilizados, com vista a assegurar a fiabilidade da informação constante da referida base, no controlo da exactidão dos elementos procurados, aquando da constituição desta base e durante o período de funcionamento da mesma. Os meios dedicados a operações de verificação no decurso da fase de criação de elementos posteriormente reunidos numa base de dados não se integram neste conceito.

Os meios afectados à elaboração de uma lista de cavalos que participam numa corrida e às operações de verificação efectuadas neste âmbito não correspondem a um investimento ligado à obtenção e à verificação do conteúdo da base de dados na qual figura esta lista.

Quanto à sétima, à oitava e à nona questão, relativas aos conceitos de extracção e de reutilização na acepção do artigo 7.° da directiva

43
Com a sétima, a oitava e a nona questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a utilização de uma base de dados, como a efectuada pela William Hill, constitui uma extracção e/ou uma reutilização na acepção do artigo 7.° da directiva. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, designadamente, se a protecção conferida pelo direito sui generis abrange igualmente os casos de utilização de dados que, embora provenientes de uma base de dados protegida, tenham sido obtidos pelo utilizador junto de outras fontes.

44
A protecção pelo direito sui generis instituída pelo artigo 7.°, n.° 1, da directiva concede à pessoa que constituiu uma base de dados a possibilidade de impedir a extracção e/ou a reutilização não autorizadas da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo desta, segundo os termos do quadragésimo primeiro considerando da directiva. Além disso, o artigo 7.°, n.° 5, da directiva proíbe, em determinadas condições, a extracção e/ou a reutilização não autorizadas de partes não substanciais do conteúdo de uma base de dados.

45
Os conceitos de extracção e de reutilização devem ser interpretados à luz do objectivo prosseguido pelo direito sui generis. Este visa proteger a pessoa que constituiu a base contra «actos do utilizador que ultrapassam os direitos legítimos deste e prejudicam assim o investimento» desta pessoa, tal como indicado no quadragésimo segundo considerando da directiva.

46
Decorre do quadragésimo oitavo considerando da mesma directiva que o direito sui generis assenta numa justificação económica que consiste em garantir à pessoa que constituiu uma base de dados a protecção e a remuneração do investimento afectado à constituição e ao funcionamento da referida base.

47
Nestas condições, é irrelevante, para efeitos da apreciação do alcance da protecção pelo direito sui generis, que o acto de extracção e/ou de reutilização tenha por objectivo a constituição de outra base de dados, concorrente ou não da base originária, de dimensão idêntica ou diferente desta, ou que este acto se inscreva no contexto de outra actividade que não a constituição de uma base de dados. O quadragésimo segundo considerando da directiva confirma a tal propósito que «o direito de impedir a extracção e/ou a reutilização total ou de uma parte substancial do conteúdo visa não apenas o fabrico de um produto parasita concorrente, mas também o utilizador que, pelos seus actos, atente de modo substancial contra o investimento, tanto em termos qualitativos, como quantitativos».

48
Deve igualmente salientar‑se que, embora a Proposta de directiva do Conselho, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO 1992, C 156, p. 4), apresentada pela Comissão em 15 de Abril de 1992, limitasse, no artigo 2.°, n.° 5, o âmbito da tutela conferida pelo direito sui generis aos actos de extracção e/ou de reutilização não autorizados efectuados «para fins comerciais», a ausência de referência, no artigo 7.° da directiva, a essa finalidade significa que é irrelevante, para efeitos da apreciação da licitude de um acto à luz deste artigo, que o acto prossiga um fim comercial ou não comercial.

49
No artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva, a extracção é definida como «a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for», enquanto, nesse mesmo artigo, n.° 2, alínea b), a reutilização é definida como «qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma».

50
A referência a «uma parte substancial» na definição dos conceitos de extracção e de reutilização presta‑se a confusão, quando resulta do artigo 7.°, n.° 5, da directiva que uma extracção ou uma reutilização podem igualmente incidir sobre uma parte não substancial de uma base de dados. Como realça a advogada‑geral no n.° 90 das conclusões, a referência, no artigo 7.°, n.° 2, da directiva, ao carácter substancial da parte extraída ou reutilizada não se refere à definição destes conceitos como tal, antes devendo ser entendida como visando uma das condições de aplicação do direito sui generis instituído pelo artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

51
A utilização de expressões como «seja por que meio ou sob que forma for» e «qualquer forma de pôr à disposição do público» mostra que o legislador comunitário pretendeu dar um sentido amplo aos conceitos de extracção e de reutilização. À luz do objectivo prosseguido pela directiva, estes conceitos devem, portanto, ser interpretados como referindo‑se a qualquer acto que consista, respectivamente, na apropriação e na colocação à disposição do público, sem o consentimento da pessoa que constituiu a base de dados, dos resultados do seu investimento, privando assim esta última dos rendimentos que se considera permitirem‑lhe amortizar o custo desse investimento.

52
Neste contexto e contrariamente à tese defendida pela William Hill e pelos Governos belga e português, os conceitos de extracção e de reutilização não podem ser circunscritos aos casos de extracção e de reutilização operados directamente a partir da base de origem, isto sob pena de deixar a pessoa que constituiu a base de dados sem protecção perante actos de cópia não autorizados, realizados a partir de uma cópia da sua base. Esta interpretação é confirmada pelo artigo 7.°, n.° 2, alínea b), da directiva, segundo o qual a primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar «a revenda» dessa cópia na Comunidade, mas não o de controlar a extracção e a reutilização do conteúdo desta cópia.

53
Visto que os actos de extracção e/ou de reutilização não autorizados, efectuados por um terceiro a partir de uma fonte diferente da base de dados em causa, são tão susceptíveis, como os actos efectuados directamente a partir da referida base, de prejudicarem o investimento da pessoa que constituiu essa base, é de considerar que os conceitos de extracção e de reutilização não pressupõem um acesso directo à base de dados em causa.

54
Importa, contudo, observar que a protecção pelo direito sui generis se refere unicamente aos actos de extracção e de reutilização tal como definidos no artigo 7.°, n.° 2, da directiva. Esta protecção não visa, ao invés, os actos de consulta de uma base de dados.

55
É certo que a pessoa que constituiu a base de dados se pode reservar um direito de acesso exclusivo à sua base ou reservar o acesso à mesma a determinadas pessoas. Contudo, se é ela própria que torna acessível ao público o conteúdo da sua base ou de uma parte dela, o seu direito sui generis não lhe permite opor‑se à consulta desta base por terceiros.

56
O mesmo sucede se a pessoa que constituiu a base de dados autorizar um terceiro a reutilizar o conteúdo da sua base, isto é, a divulgar esta junto do público. Resulta, com efeito, da definição do conceito de reutilização que figura no artigo 7.°, n.° 2, alínea b), da directiva, conjugado com o quadragésimo primeiro considerando da mesma, que o facto de esta pessoa autorizar a reutilização da sua base de dados ou de uma parte substancial desta significa que ela consente que a sua base ou a parte em causa fique acessível ao público através do terceiro que beneficia desta autorização. Ao autorizar a reutilização, a pessoa que constituiu a base cria, assim, para as pessoas interessadas, uma fonte alternativa de acesso ao conteúdo da sua base e de consulta da mesma.

57
O facto de a base de dados poder ser consultada por terceiros através de um «reutilizador» que beneficia de uma autorização da pessoa que constituiu a base não impede, aliás, esta última de recuperar o valor do seu investimento. Com efeito, é‑lhe lícito fixar uma renda pela reutilização da totalidade ou de uma parte da base, que tenha em conta, designadamente, as perspectivas de consulta subsequentes e que lhe garanta, assim, uma remuneração suficiente dos seus investimentos.

58
Ao invés, o utilizador legítimo de uma base de dados, ou seja, o utilizador cujo acesso ao conteúdo da base de dados, com o objectivo de consulta, assenta no consentimento directo ou indirecto da pessoa que constituiu a base, pode ser impedido por esta, por força do direito sui generis instituído pelo artigo 7.°, n.° 1, da directiva, de praticar actos que consistam em extrair e/ou reutilizar, por seu turno, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base. O consentimento da pessoa que constituiu a base de dados no que toca à consulta desta não conduz, com efeito, a um esgotamento do seu direito sui generis.

59
No que concerne à extracção, esta análise é confirmada pelo quadragésimo quarto considerando da directiva, de acordo com o qual «sempre que a visualização do conteúdo de uma base de dados em ecrã exigir a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial desse conteúdo para outro suporte é para tal necessária a autorização do titular do direito». No que se refere à reutilização, o quadragésimo terceiro considerando da directiva esclarece, no mesmo sentido, que, «em caso de transmissão em linha, o direito de proibir a reutilização não se esgota relativamente à base de dados, nem a qualquer cópia material dessa mesma base ou de parte dela feita pelo destinatário da transmissão com o consentimento do titular do direito».

60
Todavia, importa notar que a proibição do artigo 7.°, n.° 1, da directiva se refere unicamente às extracções e/ou às reutilizações da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados cuja constituição tenha exigido um investimento substancial. Resulta do artigo 8.°, n.° 1, da directiva que, além dos casos previstos no seu artigo 7.°, n.° 5, o direito sui generis não proíbe um utilizador legítimo de proceder a extracções e reutilizações de partes não substanciais do conteúdo de uma base de dados.

61
Decorre do que precede que os actos de extracção, a saber, a transferência do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, e os actos de reutilização, ou seja, a colocação à disposição do público do conteúdo de uma base de dados, que incidem sobre a totalidade ou sobre uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados exigem a autorização da pessoa que constituiu a base, mesmo que esta tenha tornado a sua base acessível, no todo ou em parte, ao público ou tenha autorizado um ou terceiros determinados a divulgá‑la ao público.

62
A directiva contém uma excepção ao princípio enunciado no número anterior. O artigo 9.° define taxativamente três hipóteses em que os Estados‑Membros podem prever que o utilizador legítimo de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, possa, sem autorização da pessoa que constituiu a base, extrair e/ou reutilizar uma «parte substancial» do seu conteúdo. Trata‑se de uma extracção, para fins privados, do conteúdo de uma base de dados não electrónica, da extracção para fins de ilustração didáctica ou de investigação científica e da extracção e/ou da reutilização para fins de segurança pública ou para efeitos de um processo administrativo ou judicial.

63
No processo principal, o despacho de reenvio refere que os dados relativos às corridas de cavalos que a William Hill coloca no seu sítio Internet e que têm origem na base de dados da BHB são extraídos, por um lado, dos jornais publicados na véspera da corrida e, por outro, dos RDF fornecidos pela SIS.

64
Segundo o despacho de reenvio, as informações publicadas nos jornais são fornecidas à imprensa directamente pela Weatherbys Group Ltd, a sociedade que gere a base de dados da BHB. Quanto à outra fonte de informação da William Hill, recorde‑se que a SIS está autorizada pela Racing Pages Ltd, controlada em parte pela Weatherbys Group Ltd, a transmitir informações relativas às corridas de cavalos, sob a forma de RDF, aos seus próprios assinantes, entre os quais se inclui a William Hill. Os dados da base da BHB relativos às corridas de cavalos foram, portanto, postos à disposição do público para efeitos de consulta, com a autorização da BHB.

65
Se bem que a William Hill seja um utilizador legítimo da base de dados posta à disposição do público, pelo menos no que concerne à parte desta base correspondente às informações relativas às corridas, resulta do despacho de reenvio que ela procede a actos de extracção e de reutilização na acepção do artigo 7.°, n.° 2, da directiva. Por um lado, extrai dados cuja fonte é a base de dados da BHB e transfere‑os de um suporte para outro. Com efeito integra esses dados no seu próprio sistema electrónico. Por outro lado, reutiliza esses dados, colocando‑os, por seu turno, à disposição do público no sítio Internet, a fim de permitir aos seus clientes apostarem nas corridas de cavalos.

66
Ora, resulta do despacho de reenvio que estas extracções e reutilizações foram efectuadas sem a autorização da BHB e o. Uma vez que o presente processo não corresponde a nenhuma das hipóteses do artigo 9.° da directiva, actos como os realizados pela William Hill podem, portanto, ser proibidos pela BHB e o., por força do seu direito sui generis, desde que incidam sobre a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base de dados da BHB, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva. Se tais actos incidirem sobre partes não substanciais desta base, apenas são proibidos se se verificarem as condições do artigo 7.°, n.° 5, da directiva.

67
Atento o que precede, é de responder do seguinte modo à sétima, à oitava e à nona questão submetidas:

Os conceitos de extracção e de reutilização na acepção do artigo 7.° da directiva devem ser interpretados como referindo‑se a qualquer acto não autorizado de apropriação e de divulgação pública de todo ou de parte do conteúdo de uma base de dados. Estes conceitos não pressupõem um acesso directo à base de dados em causa.

A circunstância de o conteúdo da base de dados ter sido posto à disposição do público pela pessoa que a constituiu ou com o seu consentimento não afecta o direito de esta última proibir os actos de extracção e/ou de reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados.

Quanto à primeira, à quarta, à quinta e à sexta questão, relativas aos conceitos de parte substancial e de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.° da directiva

68
Com a quarta, a quinta e a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o significado dos conceitos de parte substancial e de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados no contexto do artigo 7.° da directiva. Na primeira questão, pergunta ainda se elementos que provêm de uma base de dados escapam à qualificação de parte, substancial ou não, desta base, quando a sua disposição sistemática ou metódica e as condições da sua acessibilidade individual sejam alteradas pelo autor da extracção e/ou da reutilização.

69
A este propósito, deve recordar‑se que a protecção conferida pelo direito sui generis se refere às bases de dados cuja constituição tenha exigido um investimento substancial. Neste âmbito, o artigo 7.°, n.° 1, da directiva proíbe a extracção e/ou a reutilização não só da totalidade de uma base de dados protegida pelo direito sui generis mas também de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta. Esta disposição visa evitar, de acordo com o quadragésimo segundo considerando da directiva, que um utilizador, «pelos seus actos, atente de modo substancial contra o investimento, tanto em termos qualitativos, como quantitativos». Resulta deste considerando que a apreciação, na perspectiva qualitativa, do carácter substancial da parte em causa deve, tal como a apreciação na perspectiva quantitativa, reportar‑se ao investimento ligado à constituição da base de dados e ao prejuízo causado ao investimento pelo acto de extracção e/ou de reutilização relativo a esta parte.

70
O conceito de parte substancial, avaliada em termos quantitativos, do conteúdo da base na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva refere‑se ao volume de dados extraído e/ou reutilizado da base e deve ser apreciado em relação ao volume do conteúdo total desta. Com efeito, se um utilizador extrair e/ou reutilizar uma parte quantitativamente importante do conteúdo de uma base de dados cuja constituição tenha exigido o emprego de meios significativos, o investimento relativo à parte extraída e/ou reutilizada é, em proporção, igualmente substancial.

71
O conceito de parte substancial, avaliada em termos qualitativos, do conteúdo da base de dados refere‑se à importância do investimento ligado à obtenção, à verificação ou à apresentação do conteúdo do objecto do acto de extracção e/ou de reutilização, independentemente da questão de saber se este objecto representa uma parte quantitativamente substancial do conteúdo geral da base de dados protegida. Uma parte quantitativamente negligenciável do conteúdo de uma base de dados pode, com efeito, representar, em termos de obtenção, de verificação ou de apresentação, um importante investimento humano, técnico ou financeiro.

72
Importa acrescentar que, não criando a existência do direito sui generis, de acordo com o quadragésimo sexto considerando da directiva, um novo direito sobre as obras, os dados ou mesmo os elementos da base de dados, o valor intrínseco dos elementos a que o acto de extracção e/ou de reutilização diz respeito não constitui um critério pertinente para se apreciar o carácter substancial da parte em causa.

73
No que toca ao conceito de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados, há que considerar que é abrangida por este conceito toda e qualquer parte que não caiba no conceito de parte substancial numa perspectiva quer quantitativa quer qualitativa.

74
A este propósito, resulta do despacho de reenvio que os elementos reproduzidos nos sítios Internet da William Hill, provenientes da base de dados da BHB, representam apenas uma proporção ínfima da dimensão total desta base, como realçado no n.° 19 do presente acórdão. Numa perspectiva quantitativa, deve, portanto, considerar‑se que os referidos elementos não constituem uma parte substancial do conteúdo desta base.

75
De acordo com o despacho de reenvio, as informações publicadas pela William Hill referem‑se unicamente aos seguintes elementos da base de dados da BHB: nomes de todos os cavalos que participam na corrida em causa, data, hora e/ou nome da corrida e nome do hipódromo, como foi igualmente referido no n.° 19 do presente acórdão.

76
Para apreciar se estes elementos representam uma parte substancial do conteúdo da base de dados da BHB, numa perspectiva qualitativa, há que analisar se os esforços humanos, técnicos e financeiros consentidos pela pessoa que constituiu a base, para a obtenção, a verificação e a apresentação destes dados, representam um investimento substancial.

77
A BHB e o. defendem, a este propósito, que os dados extraídos e reutilizados pela William Hill são capitais porque, na falta da lista dos participantes, as corridas de cavalos não podem ter lugar. Acrescentam que estes dados representam um investimento importante, caracterizado pela intervenção de um centro de chamadas que emprega mais de 30 operadores.

78
Importa, entretanto, lembrar, antes de mais, que o valor intrínseco dos dados a que o acto de extracção e/ou de reutilização diz respeito não constitui um critério relevante para apreciar o carácter substancial da parte em causa, numa perspectiva qualitativa. O facto de os dados extraídos e reutilizados pela William Hill serem essenciais à organização das corridas de cavalos de que a BHB e o. estão encarregados não é, portanto, relevante para avaliar se os actos da William Hill incidem sobre uma parte substancial do conteúdo da base de dados da BHB.

79
Seguidamente, há que lembrar que os meios afectados à própria criação dos elementos que figuram numa base de dados não podem entrar em linha de conta para se apreciar o carácter substancial do investimento ligado à constituição desta base, tal como foi indicado nos n.os 31 a 33 do presente acórdão.

80
Ora, os meios afectados pela BHB e o. à determinação, para efeitos da organização de corridas de cavalos, da data, do horário, do local e/ou do nome da corrida e dos cavalos que nela participam correspondem a um investimento ligado à criação de elementos contidos na base de dados da BHB. Por conseguinte, e uma vez que, como resulta do despacho de reenvio, os elementos extraídos e reutilizados pela William Hill não exigiram à BHB e o. um investimento autónomo relativamente aos meios exigidos para a sua criação, deve entender‑se que estes elementos não representam uma parte substancial da base de dados da BHB, avaliada numa perspectiva qualitativa.

81
Nestas condições, não há que responder à primeira questão submetida. A modificação, feita pelo autor do acto de extracção e de reutilização, da disposição ou das condições de acessibilidade individual dos dados a que esse acto diz respeito não pode, de todo o modo, ter como resultado transformar em parte substancial do conteúdo da base em causa uma parte que não se reveste dessa qualidade.

82
À luz do que precede, é de responder do seguinte modo à quarta, à quinta e à sexta questão submetidas:

O conceito de parte substancial, avaliada em termos quantitativos, do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.° da directiva refere‑se ao volume de dados extraído e/ou reutilizado da base e deve ser apreciado em relação ao volume do conteúdo total da base.

O conceito de parte substancial, avaliada em termos qualitativos, do conteúdo de uma base de dados refere‑se à importância do investimento relacionado com a obtenção, a verificação ou a apresentação do conteúdo do objecto do acto de extracção e/ou de reutilização, independentemente da questão de saber se este objecto representa uma parte quantitativamente substancial do conteúdo geral da base de dados protegida.

É abrangida pelo conceito de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados toda e qualquer parte que não caiba no conceito de parte substancial, numa perspectiva quer quantitativa quer qualitativa.

Quanto à décima questão, relativa ao alcance da proibição enunciada no artigo 7.°, n.° 5, da directiva

83
Na décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta que tipo de actos é visado pela proibição enunciada no artigo 7.°, n.° 5, da directiva. Além disso pretende saber se actos como os praticados pela William Hill são atingidos por esta proibição.

84
A este propósito, resulta do artigo 8.°, n.° 1, e do quadragésimo segundo considerando da directiva que, em princípio, a pessoa que constituiu uma base de dados não pode impedir o utilizador legítimo desta base de proceder a actos de extracção e de reutilização de uma parte não substancial do seu conteúdo. O artigo 7.°, n.° 5, da directiva, que autoriza a pessoa que constituiu uma base de dados a opor‑se, em determinadas condições, a tais actos, constitui, portanto, excepção a este princípio.

85
Na Posição comum (CE) n.° 20/95, adoptada pelo Conselho em 10 de Julho de 1995 (JO C 288, p. 14), é referido no décimo quarto considerando que, «a fim de evitar que esta ausência de protecção de partes não substanciais possa dar origem a extracções e/ou reutilizações repetidas e sistemáticas das mesmas de forma abusiva, foi introduzida uma cláusula de salvaguarda no n.° 5 deste artigo da posição comum».

86
Por conseguinte, o artigo 7.°, n.° 5, da directiva tem por objectivo evitar que seja contornada a proibição do artigo 7.°, n.° 1, da mesma. O objectivo desta disposição é obstar a extracções e/ou reutilizações repetidas e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo de uma base de dados que, pelo seu efeito cumulativo, possam prejudicar gravemente o investimento da pessoa que constituiu a base, à semelhança das extracções e/ou reutilizações visadas no artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

87
Assim, a disposição proíbe os actos de extracção realizados por utilizadores da base de dados, que, pelo seu carácter repetido e sistemático, levam a reconstituir, sem autorização da pessoa que a constituiu, a base de dados no seu conjunto ou, no mínimo, uma parte substancial desta, quer com vista à constituição de outra base de dados quer ao exercício de uma actividade diferente da constituição dessa base.

88
Do mesmo modo, o artigo 7.°, n.° 5, da directiva proíbe um terceiro de contornar a proibição de reutilização enunciada no artigo 7.°, n.° 1, da directiva, pondo à disposição do público de modo sistemático e reiterado partes não substanciais do conteúdo da base.

89
Nestas condições, os «actos contrários à exploração normal [de uma] base de [dados], ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base» referem‑se a comportamentos não autorizados, que visem reconstituir, pelo efeito cumulativo de actos de extracção, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados protegida pelo direito sui generis e/ou colocar à disposição do público, pelo efeito cumulativo de actos de reutilização, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo dessa base e que prejudicam, assim, gravemente o investimento da pessoa que constituiu essa base.

90
Verifica‑se que, no processo principal, os actos de extracção e de reutilização realizados pela William Hill, face às indicações fornecidas no despacho de reenvio, incidem sobre partes não substanciais do conteúdo da base de dados da BHB, como realçado nos n.os 74 a 80 do presente acórdão. De acordo com o despacho de reenvio, são efectuados sempre que se organiza uma corrida. Revestem‑se, portanto, de carácter reiterado e sistemático.

91
Esses actos não visam, contudo, contornar a proibição enunciada no artigo 7.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, está excluído que, pelo efeito cumulativo dos seus actos, a William Hill reconstitua e ponha à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base de dados da BHB, prejudicando assim gravemente o investimento dedicado pela BHB e o. à constituição desta base.

92
Deve ser realçado a este propósito que, de acordo com o despacho de reenvio, os elementos provenientes da base de dados da BHB, publicados diariamente nos sítios Internet da William Hill, incidem unicamente sobre as corridas do dia e limitam‑se às informações mencionadas no n.° 19 do presente acórdão.

93
Ora, tal como exposto no n.° 80 do presente acórdão, resulta do despacho de reenvio que a presença, na base de dados das demandantes, dos elementos afectados pelos actos da William Hill não exigiu à BHB e o. um investimento autónomo relativamente aos meios dedicados à sua criação.

94
Por conseguinte, deve considerar‑se que a proibição prevista no artigo 7.°, n.° 5, da directiva não visa actos como os da William Hill.

95
Atento o que precede, é de responder à décima questão submetida que a proibição enunciada no artigo 7.°, n.° 5, da directiva visa os actos não autorizados de extracção e/ou de reutilização que, pelo seu efeito cumulativo, tendam a reconstituir e/ou a pôr à disposição do público, sem autorização da pessoa que constituiu a base de dados, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da referida base e que prejudiquem, assim, gravemente o investimento dessa pessoa.

96
Nestas condições, não é necessário responder à décima primeira questão.


Quanto às despesas

97
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, para além das despesas das referidas partes, não são reembolsáveis.




Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)
O conceito de investimento ligado à obtenção do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados, deve ser entendido no sentido de que designa os meios dedicados à procura dos elementos existentes e à sua reunião na referida base. Não inclui os meios utilizados para a criação dos elementos constitutivos do conteúdo de uma base de dados.

O conceito de investimento ligado à verificação do conteúdo da base de dados na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 96/9 deve ser entendido como visando os meios utilizados, com vista a assegurar a fiabilidade da informação constante da referida base, no controlo da exactidão dos elementos procurados, aquando da constituição desta base e durante o período de funcionamento da mesma. Os meios dedicados a operações de verificação no decurso da fase de criação de elementos posteriormente reunidos numa base de dados não se integram neste conceito.

Os meios afectados à elaboração de uma lista de cavalos que participam numa corrida e às operações de verificação efectuadas neste âmbito não correspondem a um investimento ligado à obtenção e à verificação do conteúdo da base de dados na qual figura esta lista.

2)
Os conceitos de extracção e de reutilização na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9 devem ser interpretados como referindo‑se a qualquer acto não autorizado de apropriação e de divulgação pública de todo ou de parte do conteúdo de uma base de dados. Estes conceitos não pressupõem um acesso directo à base de dados em causa.

A circunstância de o conteúdo da base de dados ter sido posto à disposição do público pela pessoa que a constituiu ou com o seu consentimento não afecta o direito de esta última proibir os actos de extracção e/ou de reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados.

3)
O conceito de parte substancial, avaliada em termos quantitativos, do conteúdo de uma base de dados na acepção do artigo 7.° da Directiva 96/9 refere‑se ao volume de dados extraído e/ou reutilizado da base e deve ser apreciado em relação ao volume do conteúdo total da base.

O conceito de parte substancial, avaliada em termos qualitativos, do conteúdo de uma base de dados refere‑se à importância do investimento relacionado com a obtenção, a verificação ou a apresentação do conteúdo do objecto do acto de extracção e/ou de reutilização, independentemente da questão de saber se este objecto representa uma parte quantitativamente substancial do conteúdo geral da base de dados protegida.

É abrangida pelo conceito de parte não substancial do conteúdo de uma base de dados toda e qualquer parte que não caiba no conceito de parte substancial, numa perspectiva quer quantitativa quer qualitativa.

4)
A proibição enunciada no artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 96/9 visa os actos não autorizados de extracção e/ou de reutilização que, pelo seu efeito cumulativo, tendam a reconstituir e/ou a pôr à disposição do público, sem autorização da pessoa que constituiu a base de dados, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da referida base e que prejudiquem, assim, gravemente o investimento dessa pessoa.


Assinaturas.


1
Língua do processo: inglês.