Language of document : ECLI:EU:C:2013:243

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de abril de 2013 (*)

«Incumprimento de Estado — Transporte — Desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários — Diretiva 91/440/CEE — Artigo 6.°, n.° 3, e anexo II — Diretiva 2001/14/CE — Artigo 14.°, n.° 2 — Falta de independência jurídica do gestor da infraestrutura ferroviária — Artigo 11.° — Inexistência de regime de melhoria do desempenho — Transposição incompleta»

No processo C‑625/10,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 29 de dezembro de 2010,

Comissão Europeia, representada por J.‑P. Keppenne e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por G. de Bergues, M. Perrot e S. Menez, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator), E. Levits, J.‑J. Kasel e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de setembro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Francesa:

¾        não tendo adotado as medidas necessárias para garantir que a entidade à qual foi atribuído o exercício de uma função determinante prevista no artigo 6.°, n.° 3, e no anexo II da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO L 237, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001 (JO L 75, p. 1, a seguir «Diretiva 91/440»), e no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 (JO L 315, p. 44, a seguir «Diretiva 2001/14»), seja independente da empresa que presta os serviços de transporte ferroviário;

¾        não tendo adotado o regime de melhoria do desemprenho em conformidade com o artigo 11.° da Diretiva 2001/14; e

¾        não tendo introduzido um regime de incentivos como o previsto no artigo 6.°, n.os 2 a 5, da Diretiva 2001/14;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

 Quadro jurídico

 Direito da União

2        Durante o ano de 2001, foram adotadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia três diretivas para redinamizar o transporte ferroviário, abrindo‑o progressivamente à concorrência a nível europeu, a saber, a Diretiva 2001/12, a Diretiva 2001/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 fevereiro de 2001, que altera a Diretiva 95/18/CE do Conselho relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário (JO L 75, p. 26), e a Diretiva 2001/14 (a seguir, conjuntamente, «primeiro pacote ferroviário»).

 Diretiva 91/440

3        O artigo 6.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 91/440 prevê:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as funções determinantes para um acesso equitativo e não discriminatório à infraestrutura, descritas no anexo II, sejam atribuídas a entidades ou empresas que não efetuem, elas próprias, serviços de transporte ferroviário. Independentemente do tipo de estrutura organizacional, deve ser demonstrado que aquele objetivo foi atingido.»

4        O anexo II desta diretiva menciona a lista de funções determinantes a que se refere o n.° 3 do artigo 6.° desta:

«—      preparação e processo de decisão relativo à concessão de licenças a empresas de transporte ferroviário, incluindo a concessão de licenças individuais,

—      processo de decisão relativo à atribuição de canais horários, incluindo a definição e avaliação da disponibilidade e a atribuição de canais horários individuais;

—      processo de decisão relativo à tarificação da utilização da infraestrutura,

—      supervisão do cumprimento das obrigações de serviço público impostas pela prestação de determinados serviços.»

 Diretiva 2001/14

5        Os considerandos 11 e 40 da Diretiva 2001/14 têm a seguinte redação:

«(11)      Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem proporcionar a todas as empresas um acesso equitativo e não discriminatório e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

[...]

(40)      A infraestrutura ferroviária é um monopólio natural. Por conseguinte, é necessário incentivar os gestores da infraestrutura a reduzirem os custos e a gerirem eficientemente a infraestrutura.»

6        O artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Após consulta às partes interessadas, o gestor da infraestrutura deve elaborar e publicar as especificações da rede, que podem ser obtidas contra pagamento de uma taxa que não pode ser superior ao custo de publicação desse documento.»

7        Nos termos do artigo 6.° da referida diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros devem definir as condições necessárias, incluindo, se for caso disso, pagamentos adiantados, para assegurar que, em condições normais de atividade e ao longo de um período de tempo razoável, as contas do gestor da infraestrutura apresentem pelo menos um equilíbrio entre as receitas provenientes das taxas de utilização da infraestrutura, os excedentes provenientes de outras atividades comerciais e o financiamento estatal, por um lado, e as despesas da infraestrutura, por outro.

Sem prejuízo do eventual objetivo, a longo prazo, de cobertura pelo utilizador dos custos de infraestrutura de todos os modos de transporte com base numa concorrência intermodal equitativa e não discriminatória, sempre que o transporte ferroviário esteja em condições de concorrer com outros modos, no quadro da tarifação prevista nos artigos 7.° e 8.°, os Estados‑Membros podem exigir ao gestor de infraestrutura que equilibre as suas contas sem beneficiar de financiamento estatal.

2.      Tendo devidamente em conta as exigências de segurança e a preservação e melhoria da qualidade de serviço da infraestrutura, o gestor de infraestrutura terá acesso a incentivos conducentes à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura e do nível das taxas de acesso à mesma.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que o disposto no n.° 2 seja executado, quer através de um contrato celebrado entre a autoridade competente e o gestor da infraestrutura, válido por um período não inferior a três anos e que preveja o financiamento estatal, quer através da instituição de medidas reguladoras apropriadas, com os poderes necessários.

4.      Se existir um contrato, os seus termos e a estrutura dos pagamentos destinados a assegurar um financiamento ao gestor da infraestrutura devem ser previamente acordados para abranger todo o período de vigência do contrato.

5.      É estabelecido um método de imputação de custos. Os Estados‑Membros podem exigir aprovação prévia. Esse método deve ser adaptado de vez em quando às melhores práticas internacionais.»

8        O artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2001/14 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 e no artigo 8.°, as taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via férrea às instalações de serviços devem corresponder ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário.»

9        O artigo 8.°, n.° 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«A fim de proceder à plena recuperação dos custos do gestor da infraestrutura, os Estados‑Membros podem, se as condições do mercado o permitirem, aplicar sobretaxas adicionais com base em princípios eficazes, transparentes e não discriminatórios, garantindo ao mesmo tempo a maior competitividade possível, em especial no que se refere ao transporte ferroviário internacional de mercadorias. O regime de tarificação deve respeitar os aumentos de produção alcançados pelas empresas de transporte ferroviário.

No entanto, o nível das taxas não deverá excluir a utilização da infraestrutura por segmentos de mercado que possam pelo menos pagar os custos diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário, acrescidos de uma taxa de rentabilidade se o mercado o permitir.»

10      Nos termos do artigo 11.° da referida diretiva:

«1.      Os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizar as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária, através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Esse regime pode incluir sanções para atos que perturbem o funcionamento da rede, compensações para as empresas afetadas pelas perturbações e prémios para os desempenhos superiores às previsões.

2.      Os princípios básicos do regime de melhoria do desempenho são aplicáveis a toda a rede.»

11      O artigo 14.°, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.      Os Estados‑Membros podem definir um quadro para a repartição da capacidade de infraestrutura, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.° da Diretiva [91/440]. Devem ser fixadas regras específicas de repartição da capacidade. O gestor da infraestrutura deve cumprir os procedimentos de repartição da capacidade e garantir em especial que a capacidade de infraestrutura seja repartida de forma equitativa e não discriminatória e segundo o direito comunitário.

2.      Se, no plano jurídico, organizativo e decisório, o gestor da infraestrutura não for independente das empresas de transporte ferroviário, as funções referidas no n.° 1 e descritas no presente capítulo serão desempenhadas por um organismo de repartição independente das empresas de transporte ferroviário, no plano jurídico, organizativo e decisório.»

 Direito francês

12      A Lei n.° 97‑135, de 13 de fevereiro de 1997, que cria o estabelecimento público «Réseau ferré de France» para relançamento do transporte ferroviário (loi n.° 97‑135, du 13 février 1997, portant création de l’établissement public «Réseau ferré de France» en vue du renouveau du transport ferroviaire) (JORF de 15 de fevereiro de 1997, p. 2592), na sua versão aplicável aos factos, resultante das alterações introduzidas em último lugar pela Lei n.° 2009‑1503, de 8 de dezembro de 2009, relativa à organização e à regulação dos transportes ferroviários e que adota diversas disposições relativas aos transportes (loi n.° 2009‑1503, du 8 décembre 2009, relative à l’organisation et à la régulation des transports ferroviaires et portant diverses dispositions relatives au transport) (JORF de 9 de dezembro de 2009, p. 21226, a seguir «Lei n.° 97‑135»), prevê que o Réseau ferré de France (a seguir «RFF») é o gestor da infraestrutura ferroviária francesa.

13      O artigo 1.°, segundo parágrafo, desta lei dispõe:

«Tendo em conta os imperativos de segurança e de continuidade do serviço público, a gestão do tráfego e da circulação na rede ferroviária nacional bem como o funcionamento e a manutenção das instalações técnicas e de segurança desta rede são assegurados pela Société nationale des chemins de fer français [(a seguir ‘SNCF’)] por conta e segundo os objetivos e princípios de gestão definidos pelo [RFF]. O [RFF] renumera a [SNCF] para este efeito. [...]»

14      O artigo 17.°, primeiro parágrafo, do Decreto n.° 2003‑194, de 7 de março de 2003, relativo à utilização da rede ferroviária nacional (décret n.° 2003‑194, du 7 mars 2003, relatif à l’utilisation du réseau ferré national) (JORF de 8 de março de 2003, p. 4063), prevê a elaboração do documento de referência da rede previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14 (a seguir «documento de referência») nos seguintes termos:

«[O RFF] elabora um documento de referência da rede ferroviária nacional que contém todas as informações necessárias para o exercício dos direitos de acesso à rede ferroviária nacional mencionados no título I. [...]»

15      O artigo 18.° deste decreto prevê:

«[O RFF] está encarregado de repartir a capacidade da infraestrutura da rede ferroviária nacional pelas infraestruturas que gere ou cujo gestor de infraestrutura seja titular de um contrato de parceria celebrado nos termos dos artigos 1.°‑1 e 1.°‑2 da Lei [n.° 97‑135], segundo as modalidades fixadas nos artigos 18.° a 27.° do presente decreto. […]»

16      O artigo 21.° do referido decreto foi alterado pelo Decreto n.° 2011/891, de 26 de julho de 2011 (décret n.° 2011/891, du 26 juillet 2011) (JORF de 28 de julho de 2011, p. 12885). No entanto, tendo em conta a data em que expirou o prazo fixado no parecer fundamentado, é a versão do referido artigo anterior a esta alteração que é aplicável ao caso em apreço. Tinha a seguinte redação:

«Os pedidos de canais horários são dirigidos ao [RFF] nas condições e segundo as modalidades previstas no documento de referência da rede ou, no caso de acordo‑quadro, no clausulado desse acordo.

[...]

[O RFF] atribui os estudos técnicos de execução necessários à instrução dos pedidos de canais horários à [SNCF que é] encarregada, por sua conta, da gestão do tráfego e da circulação na rede ferroviária nacional. Estes estudos dão lugar a uma remuneração, a cargo do requerente, igual ao custo diretamente imputável à sua realização.

A [SNCF] toma, sob o controlo do [RFF], as medidas necessárias para garantir a independência funcional do serviço que realiza os relatórios técnicos, para garantir a inexistência de qualquer discriminação no exercício dessas funções. Este serviço respeita a confidencialidade das informações de natureza comercial que lhe forem comunicadas para as necessidades desses relatórios.

[...]»

17      O documento de referência da rede ferroviária nacional para 2011 e 2012 prevê, nomeadamente, no seu artigo 6.4, intitulado «Regime de melhoria do desempenho com as empresas de transporte ferroviário»:

«No âmbito do artigo 11.° da Diretiva [2001/14] acima referida, o regime de melhoria do desempenho instituído pelo [RFF] para otimizar o desempenho da rede ferroviária e oferecer um serviço de qualidade às empresas de transporte ferroviário traduz‑se na tarifação específica aplicável à taxa de reserva dos canais horários para transporte de mercadorias cujo comprimento total seja superior a 300 km e cuja velocidade seja superior ou igual a 70 km/h, fora paragens atribuídas na sequência do pedido do requerente de reserva do canal horário.

O [RFF] está disposto a negociar com todas as empresas de transporte ferroviário que o pretendam um acordo do tipo ‘regime de desempenho’, tendo em conta as disposições comuns definidas pelas organizações profissionais europeias e cujos princípios de base se aplicam a toda a rede.»

18      O Estado francês e o RFF celebraram, em 3 de novembro de 2008, um contrato de desempenho para os anos de 2008 a 2012 (a seguir «contrato de desempenho»).

19      Em anexo ao documento de referência estão as condições gerais aplicáveis ao contrato de utilização da infraestrutura da rede ferroviária nacional e ao contrato de atribuição dos canais horários na rede ferroviária nacional (a seguir «condições gerais RFF»). Estas condições gerais contêm um artigo 18.°, intitulado «Responsabilidade em caso de acidentes ou de danos», que precisa o âmbito da responsabilidade respetiva da empresa de transporte ferroviário e do RFF em caso de acidente ou de danos, e um artigo 20.° que se intitula «Indemnização no caso de supressão dos canais horários pelo RFF» e que define as indemnizações em caso de supressão dos canais horários diários atribuídos pelo RFF às empresas de transporte ferroviário.

20      O artigo 24.°, III, da Lei n.° 82‑1153, de 30 de dezembro de 1982, respeitante à orientação dos transportes nacionais (loi n.° 82‑1153, du 30 décembre 1982, d’orientation des transports intérieurs) (JORF de 30 de dezembro de 1982, p. 4004), conforme alterada pela Lei n.° 2009‑1503, enunciava:

«Na [SNCF], um serviço especializado exerce, a partir de 1 de janeiro de 2010, por conta e segundo os objetivos e princípios de gestão definidos pelo [RFF], as missões de gestão do tráfego e da circulação na rede ferroviária nacional mencionadas no artigo 1.° da Lei n.° 97‑135 […] em condições que garantam a independência das funções determinantes assim exercidas, garantindo uma concorrência livre e leal e a inexistência de discriminação.

[...]

O serviço que gere o tráfego e a circulação dispõe de um orçamento próprio, cujo financiamento é assegurado pelo [RFF] no âmbito de uma convenção celebrada com a [SNCF], também subscrita pelo diretor do serviço gestor. Esta convenção fixa, em conformidade com o artigo 1.° da Lei n.° 97‑135 […], as condições de execução e de remuneração das funções exercidas pelo serviço, nomeadamente no que se refere aos estudos técnicos de execução necessários à instrução dos pedidos de canais horários e à gestão operacional da circulação.

[…]»

 Procedimento pré‑contencioso e processo no Tribunal de Justiça

21      Por carta de 27 de junho de 2008, a Comissão notificou a República Francesa para dar cumprimento às diretivas do primeiro pacote ferroviário. A República Francesa respondeu à notificação para cumprir por cartas de 9 de setembro de 2008 e 14 de julho de 2009.

22      Por ofício de 9 de outubro de 2009, a Comissão enviou à República Francesa um parecer fundamentado em que alegava a insuficiência das medidas adotadas para assegurar a transposição do artigo 6.°, n.° 3, e do anexo II da Diretiva 91/440, bem como dos artigos 4.°, n.° 2, e 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, no que se refere à independência das funções determinantes. De acordo com o seu parecer fundamentado, a Comissão acusava também esse Estado‑Membro de não ter tomado as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações em matéria de tarifação do acesso às infraestruturas ferroviárias previstas nos artigos 4.°, n.° 1, 11.° e 6.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 e no artigo 10.°, n.° 7, da Diretiva 91/440. A República Francesa também não cumpriu as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do artigo 30.°, n.os 1 e 3 a 5, da Diretiva 2001/14, relativas à entidade reguladora. Consequentemente, a Comissão convidou a República Francesa a tomar as medidas exigidas para dar cumprimento a esse parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da receção do mesmo.

23      Por carta de 10 de dezembro de 2009, a República Francesa respondeu ao parecer fundamentado da Comissão, informando‑a de que fora adotada e promulgada a Lei n.° 2009‑1503 e indicando, além disso, que as acusações formuladas por essa instituição eram, em seu entender, infundadas. Em 30 de julho de 2010, a República Francesa forneceu à Comissão diversas informações complementares sobre a implementação do primeiro pacote ferroviário.

24      Não satisfeita com a resposta da República Francesa, a Comissão decidiu intentar a presente ação. Contudo, dada a evolução do quadro regulamentar nacional desde o envio do parecer fundamentado, a Comissão limitou o âmbito da presente ação por incumprimento ao artigo 6.°, n.o 3, e ao anexo II da Diretiva 91/440, bem como aos artigos 6.°, n.os 2 a 5, 11.° e 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14.

25      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2011, foi admitida a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos da República Francesa.

 Quanto à ação

 Quanto à primeira acusação, relativa à independência da função de atribuição dos canais horários ferroviários

 Argumentos das partes

26      A Comissão alega que, por força do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440, sendo a atribuição de canais horários uma função determinante para garantir um acesso equitativo e não discriminatório à infraestrutura ferroviária prevista no anexo II desta diretiva e à qual é aplicável a exigência de independência, uma entidade prestadora de serviços de transporte ferroviário, ou uma direção criada nessa entidade, não pode ser encarregada de funções determinantes em matéria de atribuição de canais horários. Essa instituição considera igualmente que, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, a repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária deve ser atribuída a um organismo de repartição independente.

27      Segundo a Comissão, embora o RFF, que está encarregado da gestão dessa infraestrutura, seja de facto um organismo independente da SNCF, que assegura, ela própria, a exploração dos serviços ferroviários, esta não deixa de estar encarregada de certas funções determinantes em matéria de atribuição de canais horários. A Comissão considera a este respeito que, embora essas funções determinantes sejam atribuídas a um serviço especializado na SNCF, a saber, a Direction des circulations ferroviaires (a seguir «DCF»), esta não é independente da SNCF nos planos jurídico, organizativo e decisório.

28      Segundo a Comissão, as missões atribuídas à DCF contribuem para o exercício das funções determinantes indicadas no anexo II da Diretiva 91/440. A SNCF está assim encarregada de elementos significativos do processo de repartição da capacidade, na aceção do anexo II da referida diretiva, como os estudos técnicos de execução ou a atribuição de canais horários de última hora. A Comissão considera que, ainda que o RFF seja responsável pela atribuição de canais horários individuais, os estudos de que a SNCF está encarregada constituem parte integrante das funções determinantes. Essas funções fazem parte daquelas a que se refere o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, e têm, assim, de ser geridas por um organismo independente.

29      A Comissão sustenta que o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440 e o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 devem ser lidos em conjunto e se completam mutuamente. Com efeito, a regra da independência das funções determinantes, formuladas de modo geral no artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440, está prevista de modo preciso e pormenorizado no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 no que diz respeito à atribuição de canais horários.

30      A Comissão considera que a Diretiva 2001/14 não prevê que funções determinantes possam ser exercidas por uma empresa de transporte ferroviário sob a «supervisão» de um organismo independente nos planos jurídico, organizativo e decisório, mas exige que essas funções sejam «assumidas» por esse organismo independente.

31      O artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 tem por objetivo que as empresas de transporte ferroviário não exerçam nenhuma competência em matéria de atribuição de canais horários, com vista a garantir um tratamento equitativo e não discriminatório entre essas empresas.

32      No que diz respeito à independência da DCF no plano jurídico, a Comissão considera que se trata de um serviço especializado da SNCF, pelo que não é independente neste plano na aceção do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, porquanto a DCF é uma estrutura integrada na SNCF e não dispõe de personalidade jurídica própria.

33      A Comissão sustenta também que, quando o gestor da infraestrutura ferroviária, no caso em apreço o RFF, delega funções determinantes num organismo distinto, como no presente caso à DCF, esse organismo deve satisfazer as mesmas exigências de independência impostas ao gestor dessa infraestrutura. Assim, a exigência de independência «segue» o exercício de funções determinantes. A não ser assim, a exigência de independência perderia todo o efeito útil.

34      Quanto à independência da DCF nos planos organizativo e decisório, a Comissão refere que a mesma está insuficientemente garantida. Com efeito, o cumprimento das obrigações de independência deve ser controlado por uma autoridade independente, função que pode, no caso em apreço, ser assumida pela Autorité de régulation des activités ferroviaires. Além disso, as empresas de transporte ferroviário concorrentes da SNFC não têm possibilidade de apresentar denúncias em caso de desrespeito da exigência de independência, a Autorité de régulation des activités ferroviaires não dá um parecer conforme para a nomeação do diretor da DCF, mas apenas para a sua destituição, as transferências de pessoal da DCF para outros serviços da SNCF não são suficientemente controladas e, por último, a garantia de a DCF dispor de pessoal próprio, de locais separados e de um sistema de informação protegido ainda não está assegurada.

35      Por último, na réplica, a Comissão considera que, ainda que a perspetiva de adoção de um novo decreto pela República Francesa, que entretanto adotou o Decreto n.° 2011‑891, de 26 de julho de 2011, relativo ao serviço gestor do tráfego e da circulação e que regula diversas disposições em matéria de transporte ferroviário (décret n.° 2011‑891, du 26 juillet 2011, relatif au service gestionnaire du trafic et des circulations et portant diverses dispositions en matière ferroviaire) (JORF de 28 de julho de 2011, p. 12885), constitua uma melhoria em relação à situação atual, esse novo decreto não dota a DCF de uma independência suficiente nos planos organizativo e decisório e certamente não a confere no plano jurídico.

36      O Governo francês alega que a independência da DCF está garantida uma vez que as funções determinantes que lhe são atribuídas são delimitadas pelo RFF. A DCF participa no exercício das funções determinantes, mas não as gere, sendo o RFF o único responsável pela atribuição dos canais horários. Assim, o RFF define os processos e as modalidades de processamento dos pedidos que transmite à DCF e fixa as regras de prioridade. No que se refere aos canais horários de última hora, a sua concessão pela DCF justifica‑se pela urgência e é, seja como for, determinada em função da ordem de receção dos pedidos. Por outro lado, o Governo francês alega que a exigência de independência da DCF no plano jurídico não impõe que esta disponha de uma personalidade jurídica distinta da personalidade jurídica da SNCF.

37      Esse governo considera também que a situação francesa não entra no âmbito de aplicação do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, uma vez que esta disposição só se aplica se o gestor da infraestrutura ferroviária não for independente. Ora, o gestor desta infraestrutura, a saber, o RFF, é independente, pelo que aquele artigo não se aplica às atividades da DCF.

38      O Governo francês sustenta que, embora a DCF faça parte integrante de uma pessoa jurídica que é, ela própria, fornecedora de transporte ferroviário, permanece uma entidade independente no plano funcional. Assim, não se pode considerar que a DCF, embora integrada na SNCF, constitua uma entidade que fornece serviços de transporte ferroviário na aceção do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440.

39      O Governo francês rejeita igualmente os argumentos da Comissão relativos à inexistência de independência organizativa e decisória da DCF, nomeadamente no que se refere à nomeação do seu diretor, à transferência do diretor e dos agentes para outros serviços da SNCF e à garantia de a DCF dispor de locais separados, de personalidade jurídica própria e de um sistema de informação protegido.

40      Na tréplica, o Governo francês alega que a transposição do artigo 6.°, n.° 3, e do anexo II da Diretiva 91/440 ficou totalmente concluída desde a adoção do Decreto n.° 2011‑891, adotado em aplicação da Lei n.° 2009‑1503.

 Apreciação do Tribunal

41      Com a sua primeira acusação, a Comissão acusa a República Francesa de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440, lido em conjugação com o anexo II desta diretiva, e do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, na medida em que, em França, embora o gestor da infraestrutura ferroviária, o RFF, seja um organismo independente da SNCF que assegura, ela própria, a exploração dos serviços ferroviários, esta não deixa de estar encarregada de certas funções determinantes em matéria de atribuição dos canais horários dado que a realização de estudos técnicos de execução necessários à instrução dos pedidos de canais horários e à atribuição de canais horários de última hora é confiada a um serviço especializado na SNCF, a saber, a DCF, que não é independente desta nos planos jurídico, organizativo e decisório.

42      A título preliminar, há que salientar que a República Francesa alega que a transposição do artigo 6.°, n.° 3, e do anexo II da Diretiva 91/440 ficou totalmente concluída desde a adoção do Decreto n.° 2011‑891.

43      Ora, segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não devendo o Tribunal de Justiça ter em conta as alterações ocorridas depois disso (v., designadamente, acórdãos de 27 de setembro de 2007, Comissão/França C‑9/07, n.° 8, e de 18 de novembro de 2010, Comissão/Espanha, C‑48/10, n.° 30).

44      Consequentemente, tendo o Decreto n.° 2011‑891 sido adotado depois de terminado o praxo concedido pela Comissão no seu parecer fundamentado de 9 de outubro de 2009, não pode ser tido em consideração no âmbito do exame feito pelo Tribunal de Justiça relativo à procedência da presente ação por incumprimento.

45      Quanto ao mérito, há que recordar que a Diretiva 91/440 iniciou a liberalização do transporte ferroviário com o objetivo de assegurar um acesso equitativo e não discriminatório das empresas de transporte ferroviário à infraestrutura. Para garantir esse acesso, o artigo 6.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 91/440 determinou que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as funções determinantes descritas no anexo II desta diretiva sejam atribuídas a entidades ou empresas que não efetuem, elas próprias, serviços de transporte ferroviário, o que deve ser demonstrado, independentemente do tipo organizacional previsto.

46      Nos termos do anexo II da Diretiva 91/440, consideram‑se funções determinantes, na aceção do artigo 6.°, n.° 3, desta diretiva, a preparação e o processo de decisão relativo à concessão de licenças a empresas de transporte ferroviário, o processo de decisão relativo à atribuição de canais horários, incluindo a definição e a avaliação da disponibilidade destes, bem com a atribuição de canais horários individuais, o processo de decisão relativo à tarificação da utilização da infraestrutura e a supervisão do cumprimento das obrigações de serviço público impostas pela prestação de determinados serviços.

47      Decorre desta enumeração que não pode ser atribuída a uma empresa de transporte ferroviário a realização de estudos técnicos de execução necessários à instrução dos pedidos de canais horários efetuada a montante do processo de decisão e à atribuição dos canais horários de última hora, uma vez que, por um lado, esses estudos fazem parte da definição e da avaliação da disponibilidade dos canais horários e, por outro, a atribuição de canais horários de última hora constitui uma atribuição de canais individuais prevista no anexo II da Diretiva 91/440, devendo, por conseguinte, essas funções ser atribuídas a um organismo independente.

48      Com efeito, deve recordar‑se que o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 prevê que as entidades encarregadas das funções de repartição são independentes das empresas de transporte ferroviário nos planos jurídico, organizativo e decisório.

49      A este propósito, não pode ser acolhido o argumento da República Francesa segundo o qual o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 não é aplicável dado que existe um gestor da infraestrutura independente, o RFF, encarregado das funções determinantes de repartição e de atribuição dos canais horários individuais. Com efeito, contrariamente ao que o referido Estado‑Membro invoca, a independência de que o gestor da infraestrutura deve fazer prova, prevista no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, deve ser verificada mesmo quando esse gestor seja independente das empresas de transporte ferroviário, uma vez que continuam a ser atribuídas funções determinantes a uma empresa de transporte ferroviário. Assim, como sustenta o advogado‑geral no n.° 41 das suas conclusões, a DCF continua sujeita às exigências do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440 e do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, que não podem ser dissociadas uma da outra. A não ser assim, os Estados‑Membros poderiam escapar às disposições das referidas diretivas através da contratação de um gestor da infraestrutura que, embora independente, delegaria funções determinantes numa empresa de transporte ferroviário, o que seria contrário ao objetivo recordado no considerando 11 da Diretiva 2001/14, que consiste em assegurar a cada empresa de transporte ferroviário condições de acesso equitativas e não discriminatórias à infraestrutura ferroviária.

50      No caso em apreço, a DCF, embora seja supervisionada pelo RFF, gestor da infraestrutura independente, está encarregada, nos termos do artigo 24.° da Lei n.° 82‑1153, conforme alterada pela Lei n.° 2009‑1503, e do artigo 21.° do Decreto n.° 2003‑194, de funções determinantes, na aceção do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 91/440, e está integrada na empresa de transporte ferroviário, a saber, a SNCF. Deste modo, para poder assumir as funções de repartição, a DCF deve também ser independente da SNCF nos planos jurídico, organizativo e decisório.

51      Assim, no plano jurídico, a DCF deve dispor de uma personalidade jurídica distinta da personalidade jurídica da SNCF e, por outro lado, deve dispor de órgãos e de recursos próprios, distintos, também eles, dos da SNCF.

52      Contudo, há que declarar que, em França, a DCF não goza de uma personalidade jurídica distinta da personalidade jurídica da SNCF, o que não é contestado pela República Francesa. Assim, a independência jurídica prevista no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 não existe entre a DFC e a SNCF.

53      Uma vez que o critério da independência jurídica não está prenchido, não há que examinar os critérios de independência organizativa e decisória, dado que estes três critérios devem ser cumpridos cumulativamente, bastando a inexistência na DCF de um deles para declarar o incumprimento do artigo 6.°, n.° 3, e do anexo II da Diretiva 91/440, bem como do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14.

54      Resulta das considerações precedentes que a primeira acusação invocada pela Comissão em apoio da sua ação deve ser acolhida.

 Quanto à segunda acusação, relativa à tarifação do acesso à infraestrutura

 Argumentos das partes

55      Com a primeira parte da segunda acusação, a Comissão alega que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 11.° da Diretiva 2001/14, na medida em que a legislação francesa não contém atualmente um regime de melhoria do desempenho que seja conforme com este artigo. As medidas mencionadas pelo Estado‑Membro não constituem um regime desse tipo.

56      Com efeito, o artigo 6.4 do documento de referência, que prevê uma tarifação específica aplicável ao direito de reserva dos canais horários para transporte de mercadorias cujo comprimento total seja superior a 300 km e a velocidade superior a 70 km/h, não pode constituir um regime de melhoria do desempenho na aceção do artigo 11.° da Diretiva 2001/14, uma vez que não contém, nem para os operadores nem para o gestor, obrigações e/ou incentivos que visem melhorar o desempenho.

57      Do mesmo modo, os dois outros documentos mencionados pelas autoridades francesas, a saber, as condições gerais aplicáveis aos contratos de utilização da infraestrutura e o contrato de desempenho, não preenchem as obrigações previstas no artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

58      Com a segunda parte da segunda acusação, a Comissão considera igualmente que, não tendo instituído um regime de incentivos como o previsto no artigo 6.°, n.os 2 a 5, da Diretiva 2001/14, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

59      No que diz respeito às medidas de incentivo para reduzir os custos de fornecimento da infraestrutura, a Comissão sustenta que as medidas tomadas pelas autoridades francesas não são acompanhadas por um regime que permita, a título de incentivo, estimular de modo significativo o gestor da infraestrutura ferroviária para atingir os objetivos que lhe são cometidos.

60      No que se refere à redução das taxas de acesso à infraestrutura, a Comissão constata que o contrato de desempenho não contém nenhum objetivo.

61      O Governo francês alega que o contrato de desempenho define os objetivos de modernização da infraestrutura e as modalidades de desenvolvimento de uma nova proposta comercial da rede ferroviária, para melhorar a qualidade, os serviços e a segurança da mesma. Assim, este contrato contém disposições suscetíveis de incentivar o gestor da infraestrutura a reduzir as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária.

62      O Governo francês considera igualmente que as condições gerais aplicáveis aos contratos de utilização da infraestrutura, na parte em que preveem indemnizações em caso de incumprimento, contêm, por conseguinte, disposições que visam incentivar tanto as empresas de transporte ferroviário como o gestor da infraestrutura a reduzir as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária.

63      No que se refere às medidas destinadas a incentivar a redução dos custos de fornecimento da infraestrutura, as autoridades francesas sustentam que implementaram um mecanismo de bónus para o pessoal diretamente relacionado com a redução desses custos e que adotaram assim medidas de incentivo a esse respeito.

64      No tocante ao objetivo de redução do nível das taxas de acesso à infraestrutura ferroviária, o Governo francês considera que a redução dos encargos de utilização da infraestrutura ferroviária nunca poderia constituir um objetivo absoluto fixado pela Diretiva 2001/14.

65      O Governo espanhol considera que a diretiva não define e não impõe critérios destinados à instituição de um regime de melhoria do desempenho e apenas se refere ao objetivo desse regime.

66      Assim, a Comissão não demonstrou que o regime francês de tarifação da infraestrutura não incentiva a reduzir as perturbações e a melhorar o desempenho da rede ferroviária. Com efeito, a referência às disposições em vigor e a leitura parcial de determinados contratos ou de determinadas disposições não bastam para fazer esta prova, havendo que considerar essas disposições no seu conjunto.

67      No que se refere às medidas destinadas a reduzir o montante das taxas de acesso, o Governo espanhol salienta que a cobrança dessas taxas se insere na perspetiva da instituição de uma rede ferroviária europeia moderna e concorrencial, em conformidade com o objetivo da Diretiva 2001/14, que, segundo esse governo, ainda não foi atingido. Portanto, não é razoável, sem modernizar primeiro a rede ferroviária, reduzir simultaneamente os montantes das taxas de acesso e os custos de manutenção. Esta circunstância exclui desde logo qualquer infração às supramencionadas disposições.

 Apreciação do Tribunal

68      Com a primeira parte da segunda acusação, a Comissão acusa, no essencial, a República Francesa de não ter instituído, no quadro normativo nacional, um regime de melhoria do desempenho como o previsto no artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

69      Em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem incentivar as empresas de transporte ferroviário e o gestor da infraestrutura a minimizarem as perturbações e a melhorarem o desempenho da rede ferroviária, através da instituição de um regime de melhoria do desempenho. Segundo esta mesma disposição, esse regime pode incluir sanções, compensações e prémios.

70      Daqui decorre, por um lado, que os Estados‑Membros devem incluir nos regimes de tarifação de utilização da infraestrutura um regime de melhoria do desempenho para incentivar tanto as empresas de transporte ferroviário como o gestor da infraestrutura a melhorar o desempenho da rede. Por outro lado, no que respeita às medidas de incentivo suscetíveis de serem postas em prática pelos Estados‑Membros, estes continuam a dispor de liberdade para escolher as medidas concretas que fazem parte do referido regime, desde que constituam um conjunto coerente e transparente que possa ser qualificado de «regime de melhoria do desempenho» (v. acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, n.° 64).

71      Para examinar a procedência desta primeira parte, há, assim, que verificar se as medidas previstas na legislação francesa a este respeito cumprem as exigências do artigo 11.° da Diretiva 2001/14.

72      Quanto ao artigo 6.4 do documento de referência, há que observar que esta disposição apenas prevê uma tarifação específica aplicável à taxa de reserva de canais horários para transporte de mercadorias quando o comprimento total seja superior a 300 km e a velocidade seja superior a 70 km/h, pelo que este regime não forma um conjunto coerente e transparente que possa ser qualificado de regime de melhoria do desempenho na aceção do artigo 11.° da Diretiva 2001/14. Ora, como recordado no n.° 70 do presente acórdão, este último artigo exige que os Estados‑Membros instituam efetivamente um regime de melhoria do desempenho no regime de tarifação.

73      No que se refere às condições gerais do RFF, estas contêm disposições que preveem a indemnização do gestor da infraestrutura em caso de não utilização de um canal horário por culpa da empresa de transporte ferroviário e a indemnização da empresa de transporte ferroviário na sequência da supressão de canais horários pelo gestor. Há que salientar que essas disposições não constituem um regime de melhoria do desempenho, na medida em que o artigo 18.° dessas condições gerais apenas contém meras cláusulas de responsabilidade em caso de danos e o artigo 20.° das referidas condições gerais prevê apenas as consequências indemnizatórias em caso de supressão dos canais horários pelo RFF.

74      Por último, no que se refere à implementação a título experimental de um mecanismo específico de melhoria do desempenho previsto no contrato de desempenho, há que observar que esse mecanismo está unicamente a cargo do RFF. Assim, o contrato de desempenho não constitui um regime de melhoria do desempenho que incentivaria não apenas o gestor da infraestrutura mas também as empresas de transporte ferroviário. Além disso, nos termos do artigo 11.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, os princípios de base do regime de melhoria do desempenho aplicam‑se a toda a rede. Ora, as disposições do contrato de desempenho limitam‑se à rede de transporte de mercadorias.

75      Resulta das considerações precedentes que a primeira parte da segunda acusação invocada pela Comissão em apoio da sua ação deve ser acolhida.

76      Com a segunda parte da segunda acusação, a Comissão acusa, no essencial, a República Francesa de não ter previsto mecanismos que incentivem o gestor da infraestrutura a limitar os custos relacionados com o serviço de infraestrutura ou a reduzir o nível das taxas de acesso.

77      Deve recordar‑se que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2001/14, os Estados‑Membros devem definir as condições necessárias para assegurar que, em condições normais de atividade e ao longo de um período de tempo razoável, as contas do referido gestor apresentem pelo menos um equilíbrio entre, por um lado, as receitas provenientes das taxas de utilização da infraestrutura, os excedentes provenientes de outras atividades comerciais e o financiamento estatal e, por outro, as despesas da infraestrutura. Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, desta diretiva, o gestor da infraestrutura ferroviária é encorajado através de medidas de incentivo conducentes à redução dos custos de fornecimento desta infraestrutura e do nível das taxas de acesso.

78      A este respeito, o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 2001/14 prevê que a obrigação decorrente do n.° 2 deste artigo deve ser executada quer através de um contrato plurianual que preveja o financiamento estatal, celebrado entre o gestor da infraestrutura e a autoridade competente, quer através da instituição de medidas regulamentares apropriadas, com os poderes necessários. Consequentemente, os Estados‑Membros podem implementar as medidas de incentivo no âmbito de um contrato plurianual ou através de medidas regulamentares.

79      No caso em apreço, foi assinado em 6 de junho de 2009 um acordo de motivação entre o presidente do RFF e os representantes do pessoal deste último no âmbito da execução do contrato de desempenho. Um acordo deste tipo constitui um mecanismo de incentivo equiparável ao contrato plurianual previsto no artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 2001/14.

80      Com efeito, o acordo de motivação prevê um bónus, a favor do pessoal, que é suscetível de incentivar o gestor da infraestrutura ferroviária a reduzir os custos na medida em que este acordo prevê, nomeademente, a título de critério suscetível de dar lugar a um prémio de motivação a favor de todo o pessoal do RFF, uma redução do custo da unidade da obra que representam os trabalhos de renovação completa de um quilómetro de via férrea. O acompanhamento deste custo permite, com efeito, estabelecer um índice representativo da evolução dos custos unitários de renovação da infraestrutura ferroviária, índice que implementa, como refere o advogado‑geral no n.° 66 das suas conclusões, um mecanismo de bónus para o pessoal diretamente relacionado com a redução dos custos de fornecimento da infraestrutura. Além disso, o prémio associado ao acordo de motivação só é pago se os custos verificados respeitarem os objetivos do contrato de desempenho.

81      Assim, estas medidas incentivam o gestor da infraestrutura a reduzir os custos de fornecimento da infraestrutura ferroviária e, indiretamente, a diminuir o nível das taxas de acesso a essa mesma infraestrutura.

82      No que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual o artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 obriga os Estados‑Membros a preverem medidas de incentivo conducentes à redução das taxas de acesso diferentes das adotadas com vista a incentivar uma diminuição dos custos, há que salientar que o considerando 40 desta diretiva enuncia que a infraestrutura ferroviária é um monopólio natural e que, por conseguinte, é necessário incentivar os gestores da infraestrutura a reduzirem os custos e a gerirem eficientemente a infraestrutura. Ora, este considerando não se refere às taxas, mas unicamente aos custos (v. acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, n.° 106).

83      É certo que o artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14 prevê que devem ser tomadas medidas de incentivo com o intuito de reduzir os custos e as taxas de acesso. Contudo, esta disposição não prevê de forma nenhuma que essas medidas devem ser estabelecidas de forma separada (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 107).

84      Com efeito, acolher a posição da Comissão equivaleria a reconhecer a obrigação de um Estado‑Membro incentivar o gestor da infraestrutura a repercutir nos utilizadores da rede, através de uma diminuição das taxas, uma parte dos excedentes obtidos através de um aumento da sua eficácia, mesmo quando este pudesse não estar em condições de cobrir todos os custos de fornecimento da infraestrutura. Esta interpretação obrigaria o Estado‑Membro, como contrapartida desta repercussão, a financiar a infraestrutura. Há que observar que esta interpretação estaria em contradição com o artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, que prevê, no quadro da tarifação prevista nos artigos 7.° e 8.° desta diretiva, que um Estado‑Membro pode exigir ao gestor da infraestrutura que equilibre as suas contas sem financiamento estatal (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 108).

85      Consequentemente, há que considerar que, no caso em apreço, a obrigação de incentivar o gestor da infraestrutura, através de medidas de incentivo, a reduzir os custos de fornecimento da infraestrutura ferroviária e o nível das taxas de acesso é respeitada através das medidas destinadas a reduzir os custos de fornecimento desta infraestrutura, tendo essas medidas também impacto na redução das taxas, como mencionado nos n.os 79 a 81 do presente acórdão.

86      Além disso, importa observar que as medidas de incentivo conducentes à redução dos custos de fornecimento da infraestrutura não podem deixar de provocar uma redução do nível das taxas de acesso, quer estas sejam fixadas com base no artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2001/14 ou no artigo 8.°, n.° 1, desta diretiva.

87      Resulta das considerações precedentes que não deve ser acolhida a segunda parte da segunda acusação da Comissão, relativa às medidas de incentivo conducentes à redução dos custos.

88      Resulta de todas as considerações precedentes que a República Francesa, não tendo adotado as medidas necessárias para garantir que a entidade à qual foi atribuído o exercício das funções determinantes indicadas no anexo II da Diretiva 91/440 seja independente da empresa que presta os serviços de transporte ferroviário em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, e com o anexo II desta diretiva, bem como com o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14, e não tendo adotado, no prazo fixado, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 11.° da Diretiva 2001/14, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

89      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 Quanto às despesas

90      Por força do disposto no artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Tendo a Comissão e a República Francesa sido vencidas num ou em vários dos seus pedidos, há que decidir que cada uma suportará as suas próprias despesas.

91      Nos termos do artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A República Francesa, não tendo adotado as medidas necessárias para garantir que a entidade à qual foi atribuído o exercício das funções determinantes indicadas no anexo II da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários, conforme alterada pela Diretiva 2001/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, seja independente da empresa que presta os serviços de transporte ferroviário em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, e com o anexo II desta diretiva, bem como com o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança, conforme alterada pela Diretiva 2007/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, e não tendo adotado, no prazo fixado, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 11.° da referida Diretiva 2001/14, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia e a República Francesa suportam as suas próprias despesas.

4)      O Reino de Espanha suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


** Língua do processo: francês.