Language of document : ECLI:EU:C:2018:386

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 5 de junho de 2018 (1)

Processo C73/17

República Francesa

contra

Parlamento Europeu

«Recurso de anulação — Sede das instituições — Parlamento Europeu — Exercício do poder orçamental — Sessões plenárias ordinárias em Estrasburgo ou sessões plenárias suplementares em Bruxelas — Pedido de manutenção dos efeitos jurídicos em caso de anulação»






I.      Introdução

1.        Com o seu recurso, interposto em 9 de fevereiro de 2018, a República Francesa, apoiada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pede ao Tribunal de Justiça a anulação de quatro atos do Parlamento Europeu relativos à adoção do orçamento geral da União Europeia para o exercício de 2017, concretamente:

–        a ordem do dia da sessão de 30 de novembro de 2016, na medida em que nela estão inscritos debates sobre o projeto comum de orçamento geral [documento P8_ OJ(2016)11‑30];

–        a ordem do dia da sessão de 1 de dezembro de 2016, na medida em que nela está inscrita a votação seguida de explicações de voto acerca do projeto comum de orçamento geral [documento P8_OJ(2016)12‑01];

–        a Resolução legislativa do Parlamento Europeu de 1 de dezembro de 2016 sobre o projeto comum de orçamento geral [documento T8‑0475/2016, P8_TA‑PROV(2016)0475 na sua versão provisória]; e

–        o ato pelo qual o presidente do Parlamento Europeu declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado (a seguir, em conjunto, «atos impugnados»).

2.        Segundo a República Francesa, os debates sobre o projeto comum de orçamento geral, a votação do Parlamento sobre esse projeto e o ato do presidente do Parlamento que declara a adoção do orçamento deveriam ter ocorrido numa sessão plenária ordinária do Parlamento em Estrasburgo (França), e não no período da sessão plenária suplementar que se realizou em Bruxelas (Bélgica) em 30 de novembro e 1 de dezembro de 2016.

3.        Por conseguinte, este litígio aumenta a lista dos processos relativos à sede do Parlamento (2). É evidente que não ignoro as considerações de ordem política e as preocupações ambientais ou orçamentais, ou até de orgulho nacional, em torno da repartição das atividades do Parlamento entre Estrasburgo e Bruxelas, e que acompanham as mudanças mensais entre estas duas cidades. Todavia, como sublinhou com pertinência o advogado‑geral P. Mengozzi no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796), «[a]pesar de o Tribunal de Justiça não poder ignorar o contexto de forte contestação à obrigação do Parlamento se reunir em Estrasburgo […], é importante recordar que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se [sobre o direito]» (3), e unicamente sobre o direito.

II.    Quadro jurídico

4.        Em 12 de dezembro de 1992, os Governos dos Estados‑Membros adotaram, com fundamento no artigo 216.o do Tratado CEE, no artigo 77.o do Tratado CECA e no artigo 189.o do Tratado CEEA, de comum acordo, a decisão relativa à fixação das sedes das instituições e de determinados organismos e serviços das Comunidades Europeias (4) (a seguir «Decisão de Edimburgo»).

5.        Após ter sido inscrita no Protocolo n.o 12 anexo aos Tratados UE, CE, CECA e CEEA, a redação do artigo 1.o, alínea a), da Decisão de Edimburgo está atualmente inscrita no Protocolo n.o 6 anexo aos Tratados UE e FUE e no Protocolo n.o 3 anexo ao Tratado CEEA, relativos à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços da União Europeia (a seguir, em conjunto, «Protocolos sobre as Sedes das Instituições»).

6.        Nos termos do artigo único, alínea a), dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições: «O Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental. As sessões plenárias suplementares realizam‑se em Bruxelas. As comissões do Parlamento Europeu reúnem‑se em Bruxelas. O Secretariado‑Geral do Parlamento Europeu e os seus serviços permanecem no Luxemburgo.»

III. Antecedentes do litígio

7.        Em 18 de julho de 2016, a Comissão Europeia publicou um projeto de orçamento anual para o exercício de 2017. Em 12 de setembro de 2016, o Conselho da União Europeia transmitiu ao Parlamento a sua posição sobre este projeto. Após votação na Comissão dos Orçamentos e debates durante a sessão plenária ordinária que se realizou em Estrasburgo de 24 a 27 de outubro de 2016, o Parlamento adotou, em 26 de outubro de 2016, uma resolução legislativa através da qual apresentou alterações ao referido projeto. Em 27 de outubro de 2016, foi dado início ao procedimento de conciliação orçamental entre o Parlamento e o Conselho, que conduziu a um acordo sobre um projeto comum, em 17 de novembro de 2016, transmitido no mesmo dia ao Parlamento e ao Conselho.

8.        O Conselho aprovou o projeto comum em 28 de novembro de 2016. O Parlamento não inscreveu o debate e a votação sobre este projeto na ordem do dia do período de sessão plenária ordinária que se realizou em Estrasburgo de 21 a 24 de novembro de 2016, mas na do período de sessão plenária suplementar que se realizou em Bruxelas em 30 de novembro e 1 de dezembro de 2016.

9.        Através da Resolução legislativa de 1 de dezembro de 2016, o Parlamento aprovou o projeto comum. No mesmo dia, o presidente do Parlamento declarou, ainda em Bruxelas, que o orçamento da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado. O último período de sessão plenária ordinária do ano de 2016 decorreu em Estrasburgo de 12 a 15 de dezembro de 2016.

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

10.      Em 9 de fevereiro de 2017, a República Francesa interpôs o presente recurso. Pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular os atos impugnados;

–        manter os efeitos do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado, até que este orçamento seja definitivamente adotado por um ato conforme aos Tratados, num prazo razoável a partir da data da prolação do acórdão; e

–        condenar o Parlamento nas despesas.

11.      O seu recurso assenta num fundamento único relativo ao facto de os atos impugnados serem contrários aos Protocolos sobre as Sedes das Instituições.

12.      O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar o recurso inadmissível, na medida em que respeita às duas ordens do dia e à resolução impugnadas;

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas;

–        a título subsidiário, manter os efeitos do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral tinha sido definitivamente adotado até à entrada em vigor, num prazo razoável, de um novo ato destinado a substituí‑lo.

13.      O Grão‑Ducado do Luxemburgo foi admitido a intervir em apoio dos pedidos da República Francesa por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2017.

V.      Análise

A.      Quanto à admissibilidade

14.      O Parlamento considera que o recurso é inadmissível, na medida que se refere às duas ordens do dia das sessões do Parlamento de 30 de novembro de 2016 e de 1 de dezembro de 2016, assim como à resolução de 1 de dezembro de 2016 sobre o projeto comum de orçamento geral. As ordens do dia são apenas medidas de organização puramente interna do Parlamento que não produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros; a resolução é apenas um ato preparatório da adoção do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado.

15.      O Tribunal de Justiça rejeitou reiteradamente este tipo de argumentos com o fundamento de que a apreciação dos efeitos jurídicos dos atos em causa estava indissociavelmente ligada à apreciação do seu conteúdo e, por conseguinte, à apreciação do mérito dos recursos (5).

16.      Dito isto, constato que os atos em causa nos referidos acórdãos não eram ordens do dia ou resoluções adotadas no âmbito do procedimento orçamental. Ora, afigura‑se que, neste último caso, o problema se apresenta sob um ângulo diferente. Com efeito, as duas ordens do dia impugnadas são formalidades necessárias para que o Parlamento possa debater e votar o projeto comum de orçamento geral estabelecido no Comité de Conciliação em conformidade com as modalidades e prazos previstos no artigo 314.o, n.os 6 e 7, TFUE. A Resolução de 1 de dezembro de 2016 sobre o projeto comum de orçamento geral formaliza, por sua vez, a aprovação do Parlamento que ocorreu no termo destes debates. É com base nisto, nomeadamente, que o presidente do Parlamento pode, em conformidade com o artigo 314.o, n.o 9, TFUE, declarar que o orçamento se encontra definitivamente adotado. Assim, parece‑me que cada um dos atos impugnados tem caráter orçamental.

17.      Ora, com base no artigo 314.o, n.o 10, TFUE — que precisa que cada instituição que participa na adoção do orçamento anual da União «exerce os poderes que lhe são atribuídos pelo [artigo 314.o TFUE] na observância dos Tratados e dos atos adotados por força destes» —, o Tribunal de Justiça declarou que a natureza orçamental de um ato não impedia que fosse interposto um recurso de anulação do mesmo (6). Com efeito, «[s]e não fosse possível sujeitar os atos da autoridade orçamental ao controlo do Tribunal, as instituições que exercem essa autoridade poderiam usurpar as competências dos Estados‑Membros ou ultrapassar os limites que foram fixados às suas competências» (7).

18.      Por conseguinte, considero que o recurso interposto pela República Francesa é admissível não só na medida em que se refere ao ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado (8), mas igualmente na medida em que se refere às ordens do dia das sessões do Parlamento de 30 de novembro de 2016 e de 1 de dezembro de 2016, assim como à Resolução legislativa do Parlamento de 1 de dezembro de 2016 sobre o projeto comum de orçamento geral.

B.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao princípio da organização das sessões orçamentais em Estrasburgo

19.      Nos termos do artigo único, alínea a), dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições, «[o] Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental».

20.      O Governo francês considera que o facto de estar referida «a sessão orçamental» não pode ser interpretado no sentido de que se refere especificamente ao período de sessão durante o qual o projeto de orçamento inicial, tal como alterado pelo Conselho, é apreciado e geralmente alterado pelo Parlamento, em conformidade com o artigo 314.o, n.o 4, TFUE. Admitindo que este conceito remete para um período de sessão único e específico, nada permite considerar que se refere precisamente a este período ao invés daquele durante o qual o projeto comum adotado pelo Comité de Conciliação é debatido e votado.

21.      No termo de uma interpretação textual e histórica dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições, considerados nas suas diferentes versões linguísticas e à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Parlamento afirma, em contrapartida, que a expressão «a sessão orçamental», deve ser lida no sentido de que se refere ao período de sessão durante o qual o Parlamento exerce os poderes que lhe foram inicialmente conferidos pelo artigo 203.o do Tratado CEE de propor alterações ao projeto de orçamento inicial, tal como alterado pelo Conselho.

22.      Com efeito, considera que decorre da utilização da expressão «a sessão orçamental» no singular que esta expressão se refere a um único período específico de sessão. Através da Decisão de Edimburgo, os Estados‑Membros pretenderam unicamente consagrar a prática anterior do Parlamento que consistia em organizar, no fim do mês de outubro ou no início do mês de novembro, um período de sessão plenária em Estrasburgo, designado «período de sessão de outubro II», que acrescia aos períodos de sessões plenárias ordinárias mensais e era utilizado, em substância, para a primeira leitura do orçamento anual. Em contrapartida, nada nos Protocolos sobre as Sedes das Instituições obriga o Parlamento a realizar igualmente os debates e a votação subsequentes sobre o projeto comum adotado pelo Comité de Conciliação num período de sessão plenária ordinária em Estrasburgo.

23.      Esta interpretação não pode ser seguida.

24.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (9).

25.      Com efeito, embora «a letra de uma disposição constitu[a] sempre o ponto de partida e ao mesmo tempo o limite de qualquer interpretação» (10), a interpretação teleológica só é facultativa se o texto em causa for absolutamente claro e inequívoco(11). Ora, no caso em apreço, há que constatar que a redação do artigo único, alínea a), dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições não permite, por si só, determinar o âmbito de aplicação da expressão «a sessão orçamental».

26.      A utilização do artigo definido singular «a» em vez da sua versão no plural «as» visa designar uma única sessão plenária. Todavia, esta interpretação restritiva não é compatível com o procedimento de adoção do orçamento tal como se encontra previsto no artigo 314.o TFUE. Com efeito, caso o Conselho não aprove as alterações adotadas pelo Parlamento no termo da sua apreciação do projeto de orçamento, o artigo 314.o, n.o 6, TFUE prevê um novo debate parlamentar para chegar a acordo sobre o projeto comum concluído no Comité de Conciliação.

27.      É certo que foi o Tratado de Lisboa que introduziu no procedimento de adoção do orçamento anual da União a participação de um Comité de Conciliação. Em contrapartida, a eventualidade de uma segunda sessão parlamentar consagrada à adoção do orçamento não é uma novidade. A possibilidade de uma segunda leitura do orçamento anual já existia sob a égide do artigo 203.o do Tratado CEE (12), ou seja, bem antes da adoção da Decisão de Edimburgo e da sua consagração nos Protocolos sobre as Sedes das Instituições.

28.      Por conseguinte, na falta de precisão, é impossível fazer prevalecer uma sessão sobre a outra. Se os Estados‑Membros tivessem pretendido limitar a obrigação de organizar os debates relativos ao projeto de orçamento da União em Estrasburgo a uma das duas fases parlamentares, deveriam tê‑lo especificado.

29.      Em contrapartida, ao indicarem simplesmente que «a sessão orçamental» devia realizar‑se em Estrasburgo, pode legitimamente admitir‑se que os Governos dos Estados‑Membros «entenderam referir que o exercício pelo Parlamento do seu poder orçamental em sessão plenária, em conformidade com o artigo 203.o do Tratado CE, dev[ia] realizar‑se no decurso de um dos períodos de sessões plenárias ordinárias que decorrem na sede da instituição» (13). Assim, não é referida uma das fases específicas da adoção do orçamento mas o exercício da competência no seu conjunto.

30.      Aliás, no Acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (C‑345/95, EU:C:1997:450), o Tribunal de Justiça interpretou a Decisão de Edimburgo «no sentido de que define a sede do Parlamento como sendo o local onde devem ser realizados, a um ritmo regular, doze períodos de sessões plenárias ordinárias dessa instituição, incluindo as sessões no decurso das quais o Parlamento deve exercer os poderes orçamentais» (14).

31.      Esta interpretação explica‑se pela importância da adoção do orçamento anual da União de um ponto de vista democrático. Com efeito, como já sublinhou o Tribunal de Justiça, «o exercício pelo Parlamento da sua competência orçamental em sessão plenária constitui […] um momento fundamental da vida democrática da União Europeia e deve, por isso, ser realizado com toda a atenção, rigor e empenho que tal responsabilidade exige. O exercício desta competência implica, nomeadamente, um debate público, em sessão plenária, que permita aos cidadãos da União tomar conhecimento das diversas orientações políticas manifestadas e, deste modo, formar uma opinião política acerca da ação da União» (15).

32.      Uma vez que os Protocolos sobre as Sedes das Instituições retomaram a Decisão de Edimburgo, não há razões para rejeitar esta interpretação. Isto justifica‑se ainda mais pelo facto de o novo procedimento de conciliação estabelecido no artigo 314.o, n.o 5, TFUE não ser público e apenas implicar a participação de 28 membros do Parlamento. Um debate parlamentar, em sessão plenária e pública, sobre o projeto comum adotado pelo Comité de Conciliação reforça o papel do Parlamento e assume, por conseguinte, uma importância acrescida para a legitimidade democrática da União.

2.      Quanto à exceção relativa ao bom funcionamento da instituição

33.      Todavia, os Protocolos sobre as Sedes das Instituições regem‑se pelo respeito mútuo das respetivas competências dos Estados‑Membros e do Parlamento (16). Isto significa que a disposição única, alínea a), destes protocolos não pode ser aplicada sem ter em conta os deveres de cooperação leal que se impõem aos Estados‑Membros e às instituições da União. Concretamente, embora o Parlamento tenha a obrigação de respeitar os Protocolos sobre as Sedes das Instituições quando regula a sua organização interna, isso não pode dificultar o bom funcionamento desta instituição (17) nem, a fortiori, o da União.

34.      Foi com base nestas considerações que o Tribunal de Justiça declarou que as decisões provisórias dos Governos dos Estados‑Membros relativas às sedes das instituições não excluíam que o Parlamento, no exercício da competência para estabelecer a sua organização interna, possa decidir realizar uma sessão plenária fora de Estrasburgo desde que essa decisão, por um lado, seja excecional e, por outro, seja justificada por razões objetivas inerentes ao bom funcionamento do Parlamento (18). Ora, no processo que lhe foi então submetido, as razões invocadas pelo Parlamento, e que o Tribunal de Justiça aceitou, eram relativas à necessidade de poder organizar, a curto prazo, sessões de curta duração, nomeadamente no âmbito do procedimento orçamental (19).

35.      Embora o Acórdão de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, EU:C:1988:431), seja anterior à adoção da Decisão de Edimburgo, afigura‑se que o princípio e a metodologia seguida não perderam a sua relevância. Por um lado, a Decisão de Edimburgo assenta na decisão de 8 de abril de 1965, assinada aquando da assinatura do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, que foi expressamente recordada e confirmada pelo considerando dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições. Por outro lado, a possibilidade de realizar sessões plenárias suplementares em Bruxelas é expressamente consagrada no artigo único, alínea a), dos Protocolos sobre as Sedes das Instituições.

36.      Neste âmbito, afigura‑se‑me que a possibilidade de realizar a segunda sessão parlamentar relativa ao orçamento numa sessão plenária suplementar em Bruxelas não viola os Protocolos sobre as Sedes das Instituições desde que esta forma de proceder seja excecional e justificada pela vontade de assegurar a adoção do orçamento no respeito do procedimento e dos prazos fixados no artigo 314.o TFUE.

37.      Numa União democrática, o interesse para o funcionamento da União — e, por conseguinte, para os cidadãos! — de dispor de um verdadeiro orçamento anual em vez de recorrer ao sistema dos «duodécimos provisórios» previsto no artigo 315.o TFUE deve necessariamente prevalecer sobre o respeito rigoroso da sede do Parlamento, uma vez que uma sessão plenária suplementar do Parlamento em Bruxelas oferece as mesmas garantias em termos de seriedade e de publicidade dos debates que uma sessão plenária ordinária em Estrasburgo.

38.      Como sublinha o artigo 13.o TUE, se a União dispõe de um quadro institucional, é para «promover os seus valores, prosseguir os seus objetivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos Estados‑Membros, bem como assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas e das suas ações». Para o efeito, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, os Estados‑Membros «facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm‑se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União». Por conseguinte, as instituições são instrumentos ao serviço da União, dos seus cidadãos e dos Estados‑Membros, não são obstáculos ao seu funcionamento.

3.      Quanto à aplicação ao caso em apreço

39.      A fim de respeitar os Protocolos sobre as Sedes das Instituições, a organização do debate e da votação sobre o projeto comum numa sessão plenária suplementar do Parlamento em Bruxelas deve, assim, ser excecional e justificada pela vontade de assegurar a adoção do orçamento no respeito do procedimento e dos prazos fixados no artigo 314.o TFUE.

40.      Quanto ao primeiro requisito, o caráter excecional desta forma de proceder não se afigura questionável. Com efeito, desde a Decisão de Edimburgo, o orçamento anual da União apenas foi votado pelo Parlamento (ou a sua adoção declarada pelo presidente do Parlamento) num período de sessão plenária suplementar em Bruxelas em seis ocasiões (20).

41.      O segundo requisito deve, por sua vez, ser apreciado à luz do artigo 314.o, n.o 6, TFUE, que impõe ao Parlamento e ao Conselho a adoção do projeto comum de orçamento num prazo de catorze dias a contar da data do acordo obtido no Comité de Conciliação.

42.      No caso em apreço, uma vez que o projeto comum de orçamento foi adotado em 17 de novembro de 2016, estava excluído que pudesse ser apreciado na sessão plenária ordinária do Parlamento prevista para Estrasburgo, de 12 a 15 de dezembro de 2016. A sessão plenária ordinária que se realizou em Estrasburgo de 21 a 24 de novembro de 2016 continuava, assim, a ser o único período durante o qual o Parlamento poderia, em teoria, ter debatido e votado o projeto comum de orçamento para o exercício de 2017.

43.      No entanto, o Parlamento alega que, antes de submeter o projeto comum à aprovação do Conselho e do Parlamento, é necessário «transpor» o que ainda é apenas um acordo político para textos orçamentais e jurídicos. É igualmente indispensável que estes sejam traduzidos nas vinte e quatro línguas oficiais da União. Ora, os serviços do Conselho e do Parlamento só foram informados pela Comissão de que os documentos necessários já estavam disponíveis através de uma mensagem de correio eletrónico de 24 de novembro de 2016, às 16h42, ou seja, menos de uma hora antes do termo do período da sessão ordinária do Parlamento (21).

44.      Em minha opinião, esta circunstância constitui uma razão objetiva que justifica uma derrogação ao princípio segundo o qual o orçamento anual da União deve ser discutido e votado pelo Parlamento numa sessão plenária ordinária em Estrasburgo.

45.      Com efeito, para retomar os termos utilizados pelo Governo francês nas suas observações escritas, os debates e a votação sobre o projeto comum resultante da conciliação constituem, tanto quanto a apreciação da posição do Conselho sobre o projeto de orçamento, um momento fundamental da vida democrática da União (22). Referindo‑se ao Acórdão de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:7), o Governo francês considera, corretamente, que ambos devem ser realizados com toda a atenção, rigor e compromisso que tal responsabilidade exige.

46.      Neste contexto, não é possível defender que «os debates e a votação do projeto comum constituem atualmente uma nova fase fundamental do processo orçamental, e [que], assim, não pode considerar‑se que esta fase é menos importante que aquela em que as instituições se pronunciam pela primeira vez sobre o projeto […] de orçamento [da União]» (23), e afirmar, simultaneamente, que a disponibilidade em todas as línguas oficiais da União do projeto comum nos textos orçamentais e jurídicos corretos não constitui o pré‑requisito para que o Parlamento possa exercer a sua competência orçamental com a atenção, rigor e todo o compromisso que tal responsabilidade exige.

47.      Neste contexto, afigura‑se efetivamente que a única forma de poder adotar o orçamento geral para o exercício de 2017 nos prazos previstos no artigo 314.o, n.o 6, TFUE, sem dificultar o bom funcionamento do Parlamento, era inscrever o tema na ordem do dia da sessão plenária suplementar cuja realização tinha sido prevista para Bruxelas, nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro de 2016, aquando da adoção, em 20 de maio de 2015, do calendário das sessões plenárias do ano 2016.

48.      No que respeita ao ato pelo qual o presidente do Parlamento, na sua qualidade de órgão desta instituição, confere caráter obrigatório ao orçamento da União, não é possível contestar que este é parte integrante do procedimento orçamental (24), apesar de ser unicamente o artigo 91.o do Regimento do Parlamento Europeu, e não o Tratado, que prevê que, quando o presidente considera que o orçamento foi adotado em conformidade com as disposições do artigo 314.o TFUE, «declara em sessão plenária que o orçamento foi definitivamente aprovado».

49.      Dito isto, se o artigo 314.o, n.o 9, TFUE não impõe qualquer formalidade para esta declaração, também não impõe um prazo ao presidente do Parlamento para a fazer. Por conseguinte, não é legitimamente possível afirmar que este «ato» não podia ter lugar na última sessão plenária ordinária do Parlamento que se realizou em Estrasburgo de 12 a 15 de dezembro de 2016.

50.      Decorre das considerações anteriores que o ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado deve ser anulado.

VI.    Quanto à manutenção dos efeitos no tempo do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado

51.      Caso o Tribunal de Justiça decida anular o ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado, o Governo francês pede ao Tribunal de Justiça que mantenha os efeitos deste ato até que o referido orçamento seja definitivamente adotado por um ato conforme aos Tratados.

52.      A anulação do ato do presidente do Parlamento tem por efeito privar o orçamento 2017 da sua validade (25). Ora, quando a declaração da invalidade do orçamento da União tem lugar num momento em que já decorreu numa parte substancial do exercício em causa, a necessidade de garantir a continuidade do serviço público europeu, bem como razões ponderosas de segurança jurídica justificam que o Tribunal de Justiça determine os efeitos do orçamento que devem ser considerados definitivos (26). A aplicação do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE impõe‑se ainda mais no presente processo, uma vez que o exercício de 2017 está completamente terminado.

53.      Nestas circunstâncias, justifica‑se manter os efeitos do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral tinha sido definitivamente adotado até à entrada em vigor, num prazo razoável, de um novo ato, validamente adotado e destinado a substituí‑lo.

VII. Quanto às despesas

54.      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, segundo o n.o 3 do referido artigo, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas se obtiverem vencimento parcial. Sendo o recurso da República Francesa improcedente relativamente a três dos quatro atos impugnados, há que aplicar esta disposição.

55.      Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o Grão‑Ducado do Luxemburgo suportará as suas próprias despesas.

VIII. Conclusão

56.      Tendo em consideração o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que decida o seguinte:

1)      É anulado o ato pelo qual o presidente do Parlamento Europeu declarou que o orçamento geral da União Europeia para o exercício de 2017 tinha sido definitivamente adotado.

2)      São mantidos os efeitos do ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral tinha sido definitivamente adotado até à entrada em vigor, num prazo razoável, de um novo ato, validamente adotado e destinado a substituí‑lo.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.


1      Língua original: francês.


2      V. Acórdãos de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento (230/81, EU:C:1983:32); de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento (C‑213/88 e C‑39/89, EU:C:1991:449); de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (C‑345/95, EU:C:1997:450); e de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796).


3      Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:545, n.o 44).


4      JO 1992, C 341, p. 1.


5      V. Acórdãos de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento (230/81, EU:C:1983:32, n.o 30); de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, EU:C:1988:431, n.o 15); de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento (C‑213/88 e C‑39/89, EU:C:1991:449, n.o 16); e de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento, C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.o 20).


6      V. Acórdão de 3 de julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, EU:C:1986:291, n.o 13).


7      Acórdão de 3 de julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, EU:C:1986:291, n.o 12).


8      Ninguém contesta que o ato pelo qual o presidente do Parlamento declarou que o orçamento geral da União para o exercício de 2017 estava definitivamente adotado é um ato impugnável na aceção do artigo 263.o TFUE. A este respeito, v. Acórdão de 17 de setembro de 2013, Conselho/Parlamento (C‑77/11, EU:C:2013:559, n.o 60).


9      V., nomeadamente, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 35); de 25 de janeiro de 2017, Vilkas (C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 30); e de 15 de março de 2017, Flibtravel International e Leonard Travel International (C‑253/16, EU:C:2017:211, n.o 18).


10      Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Agrana Zucker (C‑33/08, EU:C:2009:99, n.o 37).


11      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Schulte (C‑350/03, EU:C:2004:568, n.o 88).


12      V. artigo 4.o do Tratado que altera algumas disposições orçamentais dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias e do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, assinado no Luxemburgo em 22 de abril de 1970 (JO 1971, L 2, p. 1), assim como artigo 12.o do Tratado que altera algumas disposições financeiras dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias e do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, assinado em Bruxelas em 22 de julho de 1975 (JO 1977, L 359, p. 1).


13      Acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (C‑345/95, EU:C:1997:450, n.o 28); o sublinhado é meu.


14      N.o 29 do referido acórdão. V., igualmente, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.o 40).


15      Acórdão de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.o 68).


16      Acórdão de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.o 60).


17      V., neste sentido, Acórdãos de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento (230/81, EU:C:1983:32, n.os 37 e 38); de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, EU:C:1988:431, n.os 34 e 35); de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (C‑345/95, EU:C:1997:450, n.os 31 e 32); e de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento (C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.os 41 e 42).


18      V., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, EU:C:1988:431, n.o 36).


19      V. Acórdão de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, EU:C:1988:431, n.o 39).


20      Segundo a contestação do Parlamento, trata‑se da adoção dos orçamentos para os exercícios de 1996, 1997, 2007, 2012, 2017 e 2018. Por outro lado, constato que a República Francesa interpôs um recurso de anulação apenas dos atos adotados pelo Parlamento em Bruxelas nas sessões orçamentais de 2016 e 2017 (ou seja, o presente processo e o processo pendente sob o número C‑92/18).


21      O correio eletrónico, relativo à versão em língua inglesa dos documentos relevantes, precisa que as versões destes documentos, traduzidas em todas as outras línguas oficiais, são transmitidas diretamente pelo Serviço das Publicações da União Europeia aos secretariados do Comité Orçamental do Conselho e da Comissão «BUDG» do Parlamento.


22      V., n.o 53 da réplica da República Francesa.


23      V., n.o 52 da réplica da República Francesa.


24      No processo que deu origem ao Acórdão de 3 de julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, EU:C:1986:291, n.os 7 e 8), o Tribunal de Justiça rejeitou expressamente a tese invocada pelo Parlamento segundo a qual o presidente do Parlamento apenas intervém após o termo do procedimento orçamental.


25      V., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, EU:C:1986:291, n.o 46).


26      V., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, EU:C:1986:291, n.o 48).