Language of document : ECLI:EU:C:2008:401

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 10 de Julho de 2008 1(1)

Processo C‑304/07

Directmedia Publishing GmbH

contra

Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg


«Protecção jurídica das bases de dados – Directiva 96/9/CE – Conceito de ‘extracção’ no artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9/CE»





1.        O Bundesgerichtshof (Tribunal Supremo Federal), Alemanha, pergunta ao Tribunal de Justiça se a transferência de dados constantes de uma base de dados protegida ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 96/9/CE (a seguir «directiva relativa à protecção das bases de dados») (2) e a sua integração noutra base de dados pode ser considerada uma extracção na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), dessa directiva, mesmo quando estes dados são individualmente apreciados após a consulta da base de dados e antes de serem utilizados dessa forma, ou se a extracção na acepção dessa disposição abrange apenas a cópia (física) dos dados (3).

 Quadro jurídico

 Directiva relativa à protecção das bases de dados

2.        A directiva contém os seguintes considerandos relevantes:

«[…]

(7)      […] o fabrico de uma base de dados exige o investimento de recursos humanos, técnicos e financeiros consideráveis, podendo‑se copiar ou aceder a essas bases a um custo muito inferior ao de uma concepção autónoma de uma base de dados;

(8)      […] a extracção e/ou reutilização não autorizadas do conteúdo de uma base de dados constituem actos que podem ter graves consequências económicas e técnicas;

(9)      […] as bases de dados são um instrumento vital no desenvolvimento de um mercado da informação a nível [da] Comunidade; […] este instrumento será igualmente útil em muitos outros domínios;

(10)      […] o aumento exponencial, na Comunidade e a nível mundial, do volume de informações geradas e processadas anualmente em todos os sectores do comércio e da indústria exige investimentos em sistemas avançados de gestão da informação em todos os Estados‑Membros;

(11)      […] existe presentemente um grande desequilíbrio entre os níveis de investimento praticados no sector das bases de dados, tanto entre os Estados‑Membros como entre a Comunidade e os principais países terceiros produtores;

(12)      […] um investimento desta natureza em sistemas modernos de armazenamento e tratamento da informação não poderá ser realizado na Comunidade sem um regime jurídico estável e homogéneo de protecção dos direitos de fabricantes das bases de dados;

[…]

(17)      […] o termo ‘base de dados’ deverá ser entendido como incluindo quaisquer recolhas de obras literárias, artísticas, musicais ou outras, ou quaisquer outros materiais como textos, sons, imagens, números, factos e dados; […] deverá tratar[-se] de recolhas de obras, dados ou outros elementos independentes, ordenados de modo sistemático ou metódico e individualmente acessíveis […];

(18)      […] a protecção das bases de dados pelo direito sui generis não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo e, designadamente, quando um autor ou titular de um direito conexo autoriza a inserção de algumas das suas obras ou das suas prestações numa base de dados em execução de um contrato de licença não exclusiva, um terceiro pode explorar essas obras ou prestações mediante a autorização requerida do autor ou do titular do direito conexo sem que a tal se oponha o direito sui generis do fabricante da base de dados, na condição de que essas obras ou prestações não sejam nem extraídas da base de dados nem reutilizadas a partir desta;

[…]

(21)      […] a protecção prevista na presente directiva [refere‑se] às bases de dados em que as obras, dados ou outros elementos tenham sido ordenados de modo sistemático ou metódico; […] não se exige que essas matérias tenham sido fisicamente armazenadas de modo organizado;

[…]

(26)      […] as obras protegidas pelo direito de autor e as prestações protegidas por direitos conexos incorporadas numa base de dados continuam a ser objecto dos direitos exclusivos respectivos e não podem, por conseguinte, ser incorporados na base de dados nem dela extraídas sem a autorização do titular dos direitos ou dos seus sucessores legítimos;

(27)      […] os direitos de autor sobre as obras e os direitos conexos sobre prestações incorporadas numa base de dados em nada são afectados pela existência de um direito distinto sobre a selecção ou a disposição dessas obras e prestações numa base de dados;

[…]

(38)      […] a utilização crescente da tecnologia digital expõe o fabricante de base de dados ao risco de o conteúdo da sua base de dados ser directamente carregado e reordenado por meios electrónicos sem a sua autorização a fim de produzir uma base de dados de conteúdo idêntico mas que não constitua uma violação de qualquer direito de autor sobre a disposição da primeira base de dados;

(39)      […] para além da protecção pelo direito de autor da originalidade da selecção ou disposição do conteúdo da base de dados, a presente directiva pretende salvaguardar a posição dos fabricantes de bases de dados relativamente à apropriação abusiva dos resultados do investimento financeiro e profissional realizado para obter e coligir o conteúdo, protegendo o conjunto ou partes substanciais da base de dados de certos actos cometidos pelo utilizador ou por um concorrente;

[…]

(42)      […] o direito específico de impedir a extracção e/ou a reutilização não autorizadas visa os actos do utilizador que ultrapassam os direitos legítimos deste e prejudicam assim o investimento; […] o direito de impedir a extracção e/ou a reutilização total ou de uma parte substancial do conteúdo visa não apenas o fabrico de um produto parasita concorrente, mas também o utilizador que, pelos seus actos, atente de modo substancial contra o investimento, tanto em termos qualitativos, como quantitativos;

(43)      […] em caso de transmissão em linha, o direito de proibir a reutilização não se esgota relativamente à base de dados, nem a qualquer cópia material dessa mesma base ou de parte dela feita pelo destinatário da transmissão com o consentimento do titular do direito;

[…]

(45)      […] o direito de impedir a extracção e/ou a reutilização não autorizada não representa de modo algum uma extensão da protecção do direito de autor aos factos em si ou aos dados;

[…]

(48)      […] o objectivo da presente directiva, de garantir um nível de protecção das bases de dados adequado e uniforme enquanto meio de assegurar a remuneração do fabricante da base de dados, é diferente dos objectivos prosseguidos pela Directiva 95/46/CE […] [(4)], de garantir a livre circulação dos dados pessoais com base em regras harmonizadas destinadas a proteger os direitos fundamentais, nomeadamente o direito ao respeito da vida privada consagrado no artigo 8.° da Convenção europeia de protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; […] as disposições da presente directiva em nada prejudicam a aplicação da legislação em matéria de protecção de dados;

[…]»

3.        O artigo 1.°, n.° 1, define o âmbito da directiva como a «protecção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam».

4.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, entende­‑se por «base de dados», «uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros».

5.        O artigo 3.°, n.° 1, dispõe que «as bases de dados que, devido à selecção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respectivo autor, serão protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas podem beneficiar dessa protecção».

6.        O artigo 7.° estabelece uma protecção sui generis para as bases de dados:

«1.   Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extracção e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2.     Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a)      ‘Extracção’: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b)      ‘Reutilização’: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na Comunidade.

[…]

4.     O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. A protecção das bases de dados pelo direito previsto no n.° 1 não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo.

5.     Não serão permitidas a extracção e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham actos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

 Legislação nacional relevante

7.        O § 87a da Urheberrechtsgesetz (a seguir «UrhG») (lei alemã dos direitos de autor ) (5) dispõe:

«1)      Nos termos desta lei, entende­‑se por ‘base de dados’ uma colectânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e susceptíveis de acesso individual por meios electrónicos ou outros, e cuja a obtenção, verificação ou apresentação exijam um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo. Considera‑­se uma nova base de dados aquela cujo conteúdo tenha sido alterado de modo substancial, qualitativa ou quantitativamente, desde que essa alteração implique um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2)      Nos termos da presente lei, entende‑se por ‘fabricante de uma base de dados’ a pessoa que tenha realizado o investimento definido no n.° 1.»

8.        O § 87b da UrhG dispõe:

«1)      O fabricante da base de dados tem o direito exclusivo de reproduzir, distribuir e transmitir ao público a totalidade ou uma parte substancial, qualitativa ou quantitativamente, da base de dados. A reprodução, distribuição ou transmissão ao público, de forma repetida ou sistemática, de partes não substanciais, qualitativa ou quantitativamente, da base de dados serão consideradas equivalentes à reprodução, distribuição ou transmissão de uma parte substancial, qualitativa ou quantitativamente, da base de dados sempre que estes actos forem contrários à exploração normal da base de dados ou causem um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base de dados.

[…]» (6).

 Matéria de facto e a questão prejudicial

9.        O Professor Dr. Ulrich Knoop é professor catedrático no Departamento de Alemão I da Albert‑Ludwigs‑Universität Freiburg (a seguir «Universidade de Friburgo»). Coordena o projecto «vocabulário dos clássicos» (Klassikerwortschatz), que esteve na origem da publicação da Antologia de Friburgo, uma colectânea de poemas de 1720 a 1933.

10.      No âmbito do projecto «vocabulário dos clássicos», o Professor Knoop elaborou uma lista de títulos de poemas que foi publicada na Internet com o título «Os 1100 poemas mais importantes da literatura alemã no período entre 1730 e 1900» (Die 1100 wichtigsten Gedichte der deutschen Literatur zwischen 1730 und 1900) (7), que serviu de base à Antologia de Friburgo. A lista indica, por ordem do número de referências ao poema (8), o autor, o título, a primeira linha e o ano de publicação de cada poema.

11.      A selecção de poemas que serviu de base à lista foi elaborada do seguinte modo: de um total de cerca de 3000 antologias de poesia publicadas, foram seleccionadas 14, tendo‑se ainda recorrido à compilação bibliográfica de 50 antologias de língua alemã da autoria de Anneliese Dühmert, com o título «A quem pertence o poema?» (Von wem ist das Gedicht?). No total, a selecção compreendeu cerca de 20 000 poemas. Foram escolhidos para inclusão na lista os poemas citados em pelo menos três antologias ou referidos no mínimo por três vezes na compilação bibliográfica de Dühmert. Como condição prévia para essa análise estatística, foram uniformizados os títulos e as linhas iniciais dos poemas, tendo sido então elaborada uma lista de todos os títulos de poemas. Por fim, indicou‑se as obras em que os poemas foram publicados e determinou‑se o ano da sua criação.

12.      Este trabalho de elaboração da lista, realizado por Klemens Wolber com o apoio de assistentes, sob a direcção geral do Professor Knoop, durou aproximadamente dois anos e meio. As despesas, no valor total de 34 900 euros foram assumidas pela Universidade de Friburgo.

13.      A Directmedia Publishing GmbH (a seguir «Directmedia») comercializa um CD‑ROM com o título «1000 poemas que todos devem ter» (1000 Gedichte, die jeder haben muss’), colocado no mercado em 2002. Dos poemas incluídos no CD‑ROM, 876 são do período entre 1720 e 1900, estando 856 deles referidos também na lista de títulos de poemas elaborada no âmbito do projecto «vocabulário dos clássicos».

14.      Para seleccionar os poemas a serem incluídos no seu CD‑ROM, a Directmedia orientou‑se pela lista de títulos de poemas do projecto «vocabulário dos clássicos». Analisou atentamente a selecção feita pelo Professor Knoop, optando por não incluir alguns dos poemas constantes da lista e acrescentando outros por si escolhidos. A Directmedia extraiu os textos dos poemas dos seus próprios recursos digitais.

15.      O Professor Knoop e a Universidade de Friburgo entendem que, com a reprodução e a distribuição do seu CD‑ROM, a Directmedia violou os direitos de autor do Professor Knoop, como autor de uma antologia, bem como os direitos conexos da Universidade de Friburgo, como fabricante de uma base de dados. Por consequência, propuseram uma acção na qual pediram que a Directmedia fosse condenada a fazer cessar a reprodução e/ou a distribuição do CD‑ROM «1000 poemas que todos devem ter». Pediram ainda que a Directmedia fosse condenada a pagar uma indemnização, bem como a prestar informações e a entregar todas as cópias da colecção de poemas ainda na sua posse para que sejam destruídas.

16.      No entanto, a Directmedia alegou que ela própria tinha coligido para o seu CD‑ROM os poemas mais apreciados do período 1720‑1900. Durante o trabalho de selecção, recorreu à lista de títulos de poemas do projecto «vocabulário dos clássicos» apenas como referência. Aplicou critérios de selecção adicionais, como, por exemplo, se cada um dos poemas consta de enciclopédias de literatura. Também foi a própria que datou os poemas. Na sua opinião e na medida em que a lista de títulos de poemas do projecto «vocabulário dos clássicos» não envolveu uma actividade criativa para a selecção e organização da matéria, não pode constituir uma obra protegida por direitos de autor. Além disso, a compilação de dados não constituía, como tal, uma base de dados na acepção do § 87a da UrhG.

17.      O Landgericht (tribunal regional) julgou procedente a acção intentada pelo Professor Knoop e pela Universidade de Friburgo.

18.      Tendo o Oberlandesgericht (tribunal de recurso) negado provimento ao seu recurso, a Directmedia interpôs recurso de “Revision” para o Bundesgerichtshof.

19.      O Bundesgerichtshof, por decisão interlocutória, negou provimento ao recurso da decisão favorável ao Professor Knoop (9). Seguidamente, considerou o recurso da decisão favorável à Universidade de Friburgo.

20.      A Universidade de Friburgo sustenta que a Directmedia violou os seus direitos enquanto fabricante da base de dados, invocando os § 97, n.° 1, e § 98, n.° 1 (10), em conjugação com os § 87a e § 87b da UrhG. Estas disposições foram introduzidas na UrhG para transpor a directiva relativa à protecção das bases de dados. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio é de opinião que o resultado do recurso interposto pela Directmedia depende da interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), dessa directiva.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a lista de títulos de poemas «Os 1100 poemas mais importantes da literatura alemã no período entre 1730 e 1900» publicada a Internet constitui uma base de dados na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da directiva relativa à protecção das bases de dados (11). O órgão jurisdicional de reenvio considera também que a Universidade de Friburgo goza de um direito sui generis relativamente a essa base de dados, tendo realizado investimentos substanciais para a obtenção, a verificação e a apresentação do seu conteúdo.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio expõe que, como base para a selecção de poemas incluída no seu CD‑ROM, a Directmedia utilizou repetida e sistematicamente partes substanciais dos dados que constam da base de dados da Universidade de Friburgo. A selecção de poemas referente ao período 1720‑1900 corresponde quase integralmente à lista de títulos de poemas da Universidade de Friburgo: dos 876 poemas do referido período, 856 (quase 98%) já se encontravam referidos na base de dados da Universidade de Friburgo. A Directmedia obteve ela própria os textos dos poemas, uma vez que a lista da Universidade de Friburgo se limita a apresentar os respectivos títulos.

23.      O órgão jurisdicional de reenvio observa que, de acordo com as conclusões do órgão jurisdicional de recurso, a Directmedia utilizou a lista de títulos de poemas da Universidade de Friburgo apenas como uma orientação na selecção dos poemas para o seu CD‑ROM. A própria Directmedia analisou criticamente cada poema seleccionado pela Universidade de Friburgo. Consequentemente, optou por não incluir alguns poemas constantes da lista de títulos de poemas e acrescentou outros. Portanto, a questão é a de saber se a utilização do conteúdo de uma base de dados desta forma (após uma apreciação individual) constitui, mesmo assim, uma extracção na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva relativa à protecção das bases de dados.

24.      A doutrina entende que o fabricante de uma base de dados não pode proibir, com base no seu direito sui generis, que esta seja utilizada como fonte de informação, mesmo que desta forma sejam, a pouco e pouco, apropriadas partes substanciais dos dados constantes dessa base para serem incorporadas noutra base de dados. A protecção jurídica apenas se aplica se a totalidade (ou partes substanciais) do conteúdo da base de dados for transferida «fisicamente», isto é, for copiada para outro suporte. O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta posição encontra apoio nos considerandos 38, 42, 45 e 48 do preâmbulo da directiva, na própria redacção do seu artigo 7.°, n.° 2, alínea a), no acórdão The British Horseracing Board do Tribunal de Justiça, na sua própria percepção da finalidade e do objecto específico do direito sui generis, em determinadas passagens das conclusões da advogada-geral C. Stix‑Hackl no processo Svenska Spel (12) e no interesse da segurança jurídica. O órgão jurisdicional de reenvio reconhece, contudo, que também é possível uma interpretação diferente.

25.      Consequentemente, o Bundesgerichtshof submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A transferência de dados constantes de uma base de dados protegida (nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da [Directiva 96/9/CE]) para outra base de dados pode também ser considerada uma extracção na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), [dessa directiva] quando é realizada [depois de uma apreciação individual dos dados após consulta dessa base], ou a extracção na acepção da referida disposição pressupõe um processo de cópia (física) dos dados constantes de uma base?»

26.      Foram apresentadas observações escritas pela Directmedia e pela Universidade de Friburgo, pelo Governo italiano e pela Comissão.

27.      No essencial, a Directmedia alega que a «extracção» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva exige que a base de dados seja fisicamente copiada, directa ou indirectamente. Não há extracção se a base de dados for apenas utilizada como fonte de informação. A Universidade de Friburgo (apoiada pela Itália e pela Comissão) adopta a posição contrária, defendendo que uma «extracção» com base na consulta prévia da base de dados e na apreciação individual dos dados continua a ser uma «extracção».

28.      Não foi requerida e não foi realizada audiência.

 Apreciação

29.      Constitui claramente uma extracção a cópia directa da totalidade ou de partes substanciais do conteúdo de uma base de dados de um suporte para outro (13). É também claro que não constitui uma extracção a simples consulta de uma base de dados sem qualquer transferência de dados (14). A utilização pela Directmedia da base de dados da Universidade de Friburgo parece situar‑se entre estes dois pontos opostos.

30.      O órgão jurisdicional de reenvio considera, no essencial, que tanto a redacção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva como o objecto e a finalidade do direito sui generis militam a favor de uma interpretação restritiva do conceito de «extracção», isto é, como estando limitado à cópia «física» da totalidade ou de partes substanciais do conteúdo de uma base de dados para outro suporte. Por conseguinte, examinarei sequencialmente estes três elementos.

 Redacção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva relativa à protecção das bases de dados

31.      O artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva define «extracção» como «a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for».

32.      No acórdão The British Horseracing Board, o Tribunal de Justiça declarou que a utilização, no artigo 7.°, n.° 2, de expressões como «seja por que meio ou sob que forma for» (na definição do conceito de «extracção») e «qualquer forma de pôr à disposição do público» (na definição de «reutilização») mostra que o legislador comunitário pretendeu definir estes conceitos em sentido amplo. O Tribunal de Justiça acrescentou que, à luz do objectivo prosseguido pela directiva, estes conceitos «devem, portanto, ser interpretados como referindo‑se a qualquer acto que consista, respectivamente, na apropriação e na colocação à disposição do público, sem o consentimento da pessoa que constituiu a base de dados, dos resultados do seu investimento, privando assim esta última dos rendimentos que se considera permitirem‑lhe amortizar o custo desse investimento» (15).

33.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a redacção sugere que não existe extracção quando um utilizador que consulta uma base de dados electrónica transcreve dados do ecrã para outra base de dados, após apreciação individual destes. Entende que «extracção» se refere a um procedimento no qual, por via de «processos de cópia», os dados constantes de uma base de dados são «transferidos» para outro suporte. O considerando 38 sustenta esta interpretação, uma vez que aí se afirma que «a utilização crescente da tecnologia digital expõe o fabricante de base de dados ao risco de o conteúdo da sua base de dados ser directamente carregado e reordenado por meios electrónicos sem a sua autorização a fim de produzir uma base de dados de conteúdo idêntico […]» (16).

34.      Na minha perspectiva e deste modo, o órgão jurisdicional de reenvio limita o conceito de «extracção» de duas formas. Por um lado, introduz um critério qualitativo, nomeadamente, o esforço intelectual que realiza a pessoa que copia a informação da base de dados, e considera que, quando este critério está satisfeito, não existe extracção. Por outro, liga o conceito de «extracção» a uma definição específica (e limitada) do que se entende por «copiar» dados de uma base de dados.

35.      Nenhuma destas limitações é convincente.

36.      Em primeiro lugar, o facto de o artigo 7.°, n.° 1, proibir a extracção da «totalidade ou de uma parte substancial» (17) do conteúdo da base de dados pressupõe pelo menos algum grau de escolha e de análise crítica, no mínimo para determinar que partes é que vão ser extraídas. De modo semelhante (como salientou a Universidade de Friburgo), a proibição do artigo 7.°, n.° 5, relativa à «extracção e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados» pressupõe alguma apreciação individual dos elementos a serem extraídos. Quando o utilizador decide copiar de uma vez a base de dados inteira, isso pode acontecer depois de ter examinado todo o seu conteúdo e decidido que todo ele merece ser extraído.

37.      Como observa correctamente a Comissão, o facto de a Directmedia ter procedido a uma «análise crítica» do conteúdo da base de dados da Universidade de Friburgo pode ser relevante para determinar se o CD‑ROM da Directmedia é (por seu turno) o resultado da sua «criação intelectual específica», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da directiva, ou se constitui o resultado de «um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo», na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva, de modo a proteger o CD‑ROM pela via dos direitos de autor ou do direito sui generis, respectivamente. No entanto e ainda que assim fosse, não podia infringir o direito sui generis (anterior) da Universidade de Friburgo. Neste contexto, a Comissão traça um paralelo com o artigo 2.°, n.° 3, da Convenção de Berna (18), que dispõe que «as traduções, adaptações, arranjos musicais e outras transformações de uma obra literária ou artística» são protegidas como obras originais, sem prejuízo dos direitos de autor da obra original.

38.      Em segundo lugar, não me parece claro com que base o órgão jurisdicional de reenvio pretende limitar o que se deve entender por «copiar» dados. Parece sugerir que copiar pressupõe (no caso de uma base de dados electrónica) a efectiva cópia electrónica de dados, presumivelmente através de uma operação semelhante às funções de «copiar» e «colar» num programa de tratamento de texto, ou (no caso de uma base de dados em suporte de papel) (19) tirar uma fotocópia. Não encontro qualquer fundamento para esta restrição na actual redacção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva.

39.      No acórdão OPAP (20), o Tribunal de Justiça indicou vários elementos que traduzem a vontade de o legislador comunitário conferir ao próprio conceito de «base de dados», na acepção da directiva, um alcance amplo, livre de considerações de ordem formal, técnica ou material. A qualificação de uma recolha como base de dados pressupõe que os elementos independentes constitutivos dessa recolha sejam dispostos de forma sistemática ou metódica e estejam individualmente acessíveis de uma maneira ou de outra (21). Como indica claramente o considerando 21 da directiva, não é necessário que esta disposição sistemática ou metódica seja fisicamente visível (22).

40.      Por conseguinte, é tanto inadequado como arbitrário limitar o conceito de «extracção» a um processo pelo qual os dados constantes de uma base são transferidos para outro suporte mediante uma cópia ou cópias «físicas» destes. O facto de se copiar, um a um, a maioria dos dados de uma base de dados mediante a consulta desta base no ecrã e de a seguir se inserir manualmente os dados noutro suporte não pode plausivelmente ser considerado menos prejudicial para o investimento realizado pelo criador da base de dados do que se fazer uma cópia electrónica destes elementos da base original e colá‑los directamente noutro suporte electrónico.

41.      Também não interpreto o considerando 38 da directiva no sentido de apoiar uma interpretação restritiva do termo «extracção». Este considerando refere‑se apenas aos riscos específicos para o criador da base de dados que resultam da cópia electrónica da sua obra. Não quer dizer que seja esta a única forma de copiar bases de dados que possa causar prejuízo. Com efeito, o facto de a protecção conferida pela directiva também abranger as bases de dados não electrónicas (23) implica que assim não pode ser. Se um utilizador, depois de consultar a base de dados no ecrã, copiar parte do seu conteúdo para outra base de dados, nesta inserindo manualmente a informação, limita‑se a realizar – de forma mais incómoda – uma operação equivalente à de «carrega[r] e reordena[r] por meios electrónicos» o conteúdo da base de dados. Como observa correctamente a Comissão, o que importa é que a disposição dos dados de forma sistemática e metódica que se encontra na base original seja a seguir reproduzida de algum modo noutro suporte.

42.      Devo acrescentar que, em minha opinião, o considerando 43 também não sustenta a interpretação sugerida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Afirma­‑se neste considerando que «em caso de transmissão em linha, o direito de proibir a reutilização não se esgota relativamente à base de dados, nem a qualquer cópia material dessa mesma base ou de parte dela feita pelo destinatário da transmissão com o consentimento do titular do direito» (24). Entendo que este considerando se limita a salientar que o direito sui generis não se esgota apenas pelo facto de a base de dados ter sido transmitida em linha. A referência a uma «cópia material dessa mesma base» esclarece simplesmente que a cópia material dessa base de dados transmitida em linha não pode igualmente prejudicar o direito sui generis do titular do direito. Não interpreto a expressão «cópia material» no sentido de limitar a protecção sui generis às circunstâncias nas quais o utilizador faz uma cópia material da base de dados.

43.      Em meu entender, a redacção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva e estes considerandos militam, pelo contrário, a favor de uma interpretação ampla do conceito de «extracção».

44.      A análise do objecto e da finalidade do direito sui generis sustentam esta conclusão.

 O objecto do direito sui generis

45.      O órgão jurisdicional de reenvio observa com razão que o direito sui generis não é um direito sobre a informação armazenada na base de dados (25). No entanto e como correctamente salienta Comissão, isto não implica que o direito sui generis diga respeito à base de dados tangível enquanto tal. Pelo contrário, este direito protege o resultado do investimento numa classificação metódica e sistemática de dados independentes como um bem intangível, independentemente do suporte através do qual é disponibilizado. A este respeito, parece‑se mais com um texto, que permanece o mesmo independentemente de ser disponibilizado como um livro em papel, como um livro electrónico, na Internet, projectado sobre um edifício ou através de qualquer outro tipo de suporte. A «cópia» de um texto tanto pode ser feita fotocopiando o livro em papel, copiando‑o por meios electrónicos a partir de um livro electrónico ou da Internet para outro documento, como tirando uma fotografia digital da projecção e manipulando‑a digitalmente num novo documento.

 A finalidade do direito sui generis

46.      A finalidade da instituição e protecção do direito sui generis pode ser inferida, designadamente, do preâmbulo da directiva. Neste, salienta‑se o considerável investimento em recursos que é necessário para criar bases de dados (descrito como «um instrumento vital no desenvolvimento de um mercado da informação a nível [da] Comunidade»), contrastando‑o com o facto de se poder copiar ou aceder a essas bases a um custo muito inferior ao de uma concepção autónoma de uma base de dados (26). Afirma­‑se que a extracção e/ou reutilização não autorizadas do conteúdo de uma base de dados podem ter graves consequências económicas e técnicas (27). O preâmbulo menciona também o aumento exponencial, na Comunidade e a nível mundial, do volume de informações geradas e processadas anualmente em todos os sectores do comércio e da indústria que exige investimentos em «sistemas avançados de gestão da informação» em todos os Estados‑Membros, mas observa que existe um grande desequilíbrio entre os níveis de investimento praticados no sector das bases de dados, tanto entre os Estados‑Membros como entre a Comunidade e os principais países terceiros produtores (28). O investimento necessário não poderá ser realizado na Comunidade «sem um regime jurídico estável e homogéneo de protecção dos direitos de fabricantes das bases de dados» (29). Com base nos seus considerandos 9, 10 e 12, o Tribunal de Justiça interpretou o objectivo de protecção das bases de dados prosseguido pela directiva como sendo o de «encorajar e proteger os investimentos em sistemas de ‘armazenamento’ e de ‘tratamento’ de dados […]» (30).

47.      A directiva pretende também «salvaguardar a posição dos fabricantes de bases de dados relativamente à apropriação abusiva dos resultados do investimento financeiro e profissional realizado para obter e coligir o conteúdo, protegendo o conjunto ou partes substanciais da base de dados de certos actos cometidos pelo utilizador ou por um concorrente» (31). Assim, o direito sui generis visa garantir a protecção de um investimento feito para a obtenção, a verificação ou a apresentação do conteúdo de uma base de dados (que pode consistir na utilização de meios financeiros e/ou de ocupação do tempo, de esforços e de energia) e conceder ao fabricante de uma base de dados a possibilidade de impedir a extracção e/ou a reutilização não autorizada da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo da base de dados (32).

48.      O enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão The British Horseracing Board indica claramente como se deve responder à questão prejudicial.

49.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça declarou que os conceitos de «extracção» e «reutilização» constantes do artigo 7.°, n.os 1 e 5, devem ser interpretados à luz do objectivo prosseguido pelo direito sui generis, que visa proteger a pessoa que constituiu a base contra «actos do utilizador que ultrapassam os direitos legítimos deste e prejudicam assim o investimento» desta pessoa (33). Além disso, «o direito de impedir a extracção e/ou a reutilização total ou de uma parte substancial do conteúdo visa não apenas o fabrico de um produto parasita concorrente, mas também o utilizador que, pelos seus actos, atente de modo substancial contra o investimento, tanto em termos qualitativos, como quantitativos» (34). Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que factos tais como a extracção e/ou de reutilização que tenham por objectivo a constituição de outra base de dados, concorrente ou não da base originária, de dimensão idêntica ou diferente desta, ou que se inscreva no contexto de outra actividade que não a constituição de uma base de dados, são irrelevantes para determinar o alcance do direito sui generis (35).

50.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça salientou que os conceitos de «extracção» e «reutilização» não podem ser circunscritos aos casos de extracção e reutilização directa da base de dados original, sob pena de deixar a pessoa que constituiu a base de dados sem protecção perante actos de cópia não autorizados, realizados a partir de uma cópia da sua base (36). O Tribunal de Justiça concluiu que, visto que os actos de extracção e/ou de reutilização não autorizados, efectuados por um terceiro a partir de uma fonte diferente da base de dados em causa, são tão susceptíveis de prejudicarem o investimento da pessoa que constituiu essa base como os actos efectuados directamente a partir da referida base, os conceitos de extracção e de reutilização não podem pressupor um acesso directo à base de dados (37).

51.      De igual modo, considero que a transcrição do conteúdo de uma base de dados, após a sua consulta no ecrã, para outra base pode prejudicar o investimento do fabricante da base original tanto como os factos de copiar essa base de dados por meios electrónicos ou de fotocopiá‑la. A análise do Tribunal de Justiça no acórdão The British Horseracing Board não implica que a «extracção» deva ser limitada a estas últimas formas de copiar (partes de) uma base de dados.

52.      O facto de o Tribunal de Justiça ter enunciado que a protecção do direito sui generis se refere unicamente aos actos de extracção e de reutilização tal como definidos no artigo 7.°, n.° 2, da directiva, não visando os actos de consulta de uma base de dados, também não implica essa limitação. Com efeito, o consentimento da pessoa que constituiu a base de dados no que toca à sua consulta não conduz a um esgotamento do respectivo direito sui generis. O Tribunal declarou que essa análise é confirmada, quanto à extracção, pelo considerando 44 do preâmbulo da directiva, que indica que a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo da visualização em ecrã de uma base de dados para outro suporte está sujeita a autorização do titular do direito (38).

53.      Por último, o Tribunal de Justiça esclareceu o âmbito do artigo 7.°, n.° 5, da directiva. O objectivo desta disposição é obstar a extracções e/ou reutilizações repetidas e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo de uma base de dados que, pelo seu efeito cumulativo, possam prejudicar gravemente o investimento da pessoa que constituiu a base, à semelhança das extracções e/ou reutilizações visadas no artigo 7.°, n.° 1, da directiva (39). Quanto à «extracção», a expressão «actos contrários à exploração normal [de uma] base de [dados], ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base» refere‑se a comportamentos não autorizados, que visem reconstituir, pelo efeito cumulativo de actos de extracção, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados protegida pelo direito sui generis, prejudicando, assim, gravemente o investimento da pessoa que constituiu essa base (40).

54.      Portanto e na minha opinião, a finalidade do direito sui generis conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça não sustenta uma interpretação restritiva do conceito de «extracção». Com efeito, o facto de no processo The British Horseracing Board a demandada não ter podido copiar «fisicamente» todos os seus dados para o seu próprio sistema electrónico claramente não impediu que o Tribunal de Justiça declarasse que procedeu «a actos de extracção e de reutilização na acepção do artigo 7.°, n.° 2,» da directiva (41).

55.      Por conseguinte, a questão crucial é a de saber se a extracção (seja qual for a forma como tenha sido efectuada) afecta a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados e se, consequentemente, prejudica o investimento realizado para criar a base de dados original. É o que ocorre quando o processo de cópia envolve não só a totalidade ou uma parte substancial dos próprios dados que constavam dessa base, mas também o modo sistemático e metódico como estes dados foram dispostos nessa base. Em minha opinião, é irrelevante saber se essa extracção foi efectuada por meio de cópia do conteúdo da base original ou pela sua reprodução após consulta da base de dados no ecrã.

56.      O órgão jurisdicional de reenvio sugere que se obtém uma maior segurança jurídica quando, como propõe, se considerar que não existe «extracção» se a base de dados for utilizada apenas como fonte de informação, mesmo que o seja de forma muito significativa. Entende que os utilizadores que não retiram os seus dados directamente da própria base, mas de fontes derivadas, em muitos casos não têm a possibilidade de saber se, e eventualmente de que forma, esses dados foram retirados de uma base protegida, e se os dados transferidos constituem uma parte substancial de uma base de dados ou se foram obtidos por via de uma extracção não autorizada, repetida e sistemática.

57.      Em meu entender, a tutela da segurança jurídica é utilizada neste processo como um argumento contra a conclusão de que a cópia indirecta de bases de dados constitui uma infracção ao direito sui generis. À primeira vista, este argumento não deixa de ser sedutor. Porém, o Tribunal de Justiça já enunciou implicitamente que considerações relativas à segurança jurídica não são necessariamente conclusivas, na medida em que já declarou que não é necessário que haja acesso directo à base de dados original para existir «extracção» não autorizada. Assim, a cópia indirecta de uma base de dados pode, de facto, infringir o direito sui generis (42).

58.      Em qualquer caso, resulta do despacho prejudicial que, de facto, a Directmedia utilizou directamente a base de dados da Universidade de Friburgo. Por conseguinte, não se levanta no presente pedido prejudicial a questão do acesso indirecto a uma base de dados. Competirá, obviamente, ao órgão jurisdicional nacional, e não ao Tribunal de Justiça, decidir, com base nos factos, se a utilização da base de dados da Universidade de Friburgo pela Directmedia equivale a uma extracção.

59.      Por conseguinte, concluo que a «extracção» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva não pressupõe a cópia (física) de dados. Para constituir uma «extracção» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva, é irrelevante que a transferência de dados constantes de uma base protegida nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da directiva e a sua integração noutra base de dados seja realizada depois de uma apreciação individual dos dados após a consulta dessa base.

 Conclusão

60.      Pelas razões acima indicadas, sou de opinião que a questão prejudicial submetida pelo Bundesgerichtshof deve ser respondida do seguinte modo:

–        A «extracção» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados, não pressupõe a cópia (física) de dados;

–        Para constituir uma «extracção» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), da directiva, é irrelevante que a transferência de dados constantes de uma base protegida nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da directiva e a sua integração noutra base de dados seja realizada depois de uma apreciação individual dos dados após a consulta dessa base.


1 – Língua original: inglês.


2 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 1996, relativa à protecção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).


3 – O Tribunal de Justiça pronunciou-se pela primeira vez sobre a interpretação desta directiva nos processos The British Horseracing Board e o. (C‑203/02, Colect., p.  I-10415); Fixtures Marketing/Veikkaus (C‑46/02, Colect., p.  I-10365); Fixtures Marketing/Svenska Spel (C‑338/02, Colect., p.  I-10497); e Fixtures Marketing/OPAP (C‑444/02, Colect., p.  I-10549). Referir‑me‑ei aos três últimos processos individualmente pelo nome da demandada. Os acórdãos nos quatro processos foram proferidos em 9 de Novembro de 2004. Foi submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7.°, n.os 1 e 5, e 9.° da directiva, que foi subsequentemente retirado, no processo Verlag Schawe (C‑215/07).


4 –      Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).


5 – Lei de 9 de Setembro de 1965 (BGBl. I, p. 1273).


6 –      Nota não relevante para a versão portuguesa.


7 – Disponível no sítio da Internet http://www.klassikerwortschatz.uni‑freiburg.de/Lyrik.htm.


8 – V. número seguinte.


9 – Por conseguinte, o Professor Knoop não é parte no pedido de decisão prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça.


10 – O § 97, n.° 1, dispõe que o lesado pode propor uma acção com vista a obter uma injunção contra a pessoa que viola um direito de autor ou qualquer outro direito protegido pela UrhG, no sentido de esta cessar e desistir dessa violação, e, se for caso disso, uma acção de indemnização ou de condenação na entrega dos benefícios que o infractor obteve. O § 98, n.° 1, estabelece a possibilidade de o lesado requerer a destruição de todas as cópia ilegítimas que se encontrem na posse do infractor ou das quais seja proprietário.


11 – A decisão de reenvio apresenta as razões do Bundesgerichthof para chegar a essa conclusão.


12 – Ambos acórdãos já referidos na nota 3.


13 – V., neste sentido, as conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl nos processos British Horseracing Board, n.os 62 a 70; Veikkaus, n.os 78 a 86; e OPAP, n.os 84 a 92, já referidos na nota 3.


14 – Acórdão British Horseracing Board e o., já referido na nota 3, n.os 54 e 55.


15 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.° 51. Nas suas conclusões nesse processo, a advogada‑geral C. Stix‑Hackl sugeriu de igual modo que a expressão «seja por que meio ou sob que forma for» permite concluir que o legislador comunitário adoptou um conceito amplo de «extracção», acrescentando que «[a]ssim, não só é abrangida a transferência para um suporte do mesmo tipo, como também para outro tipo de suporte. A simples impressão é, por conseguinte, igualmente abrangida pelo conceito de ‘extracção’» (n.os 98 e 99). V. também as suas conclusões no processos Veikkaus, n.os 113 e 114; Svenska Spel, n.os 94 e 95; e OPAP, n.os 119 e 120 (todos já referidos na nota 3).


16 – Realçado por mim.


17 – Realçado por mim.


18 – Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1886, com a redacção que lhe foi dada em 28 de Setembro de 1979.


19 – O considerando 14 do preâmbulo da directiva indica que convém estender a protecção concedida pela directiva às bases de dados não electrónicas.


20 – Já referido na nota 3.


21 – V. também o considerando 17 do preâmbulo da directiva.


22 – No entanto, esta condição implica que a recolha conste de um suporte fixo, de qualquer natureza, e que inclua um meio técnico, tal como um processo electrónico, electromagnético ou electroóptico, conforme indicado no considerando 13 da directiva, ou outro meio, como um índice, um índice de matérias, um plano ou um modo de classificação especial, que permita a localização de qualquer elemento independente nela contido (acórdão OPAP, já referido na nota 3, n.os 20 e 30).


23 – Considerando 14.


24 – Realçado por mim.


25 – V. artigo 7.°, n.° 4, da directiva e considerandos 18, 26 e 27 do preâmbulo da directiva.


26 – Considerandos 7 e 9.


27 – Considerando 8.


28 – Considerandos 10 e 11.


29 – Considerando 12.


30 – Acórdãos The British Horseracing Board, n.° 30; Veikkaus, n.° 33; Svenska Spel, n.° 23; e OPAP, n.° 39, já referidos na nota 3 (realçado por mim).


31 – Considerando 39.


32 – Considerandos 40 e 41.


33 – No n.° 45. O Tribunal de Justiça citava o considerando 42.


34 – Ibidem. O Tribunal de Justiça remeteu também [no n.° 46] para o considerando 48, que explica que o direito sui generis assenta numa justificação económica, que consiste em garantir à pessoa que constituiu uma base de dados a protecção e a remuneração do investimento efectuado com a constituição e o funcionamento da referida base.


35 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 45 a 47.


36 – Declarou que esta interpretação é confirmada pelo artigo 7.°, n.° 2, alínea b), da directiva, segundo o qual a primeira venda de uma cópia de uma base de dados na Comunidade efectuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar «a revenda» dessa cópia na Comunidade, mas não o de controlar a extracção e a reutilização do conteúdo desta cópia.


37 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 52 e 53.


38 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 54 a 59.


39 – V. também as conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl nos processos The British Horseracing Board, n.° 34; Svenska Spel, n.° 121; e OPAP, n.° 146 (todos já referidos na nota 3).


40 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 86 a 89.


41 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 63 a 66. O despacho de reenvio nesse processo afirmava que os dados relativos às corridas de cavalos que a demandada divulgou no seu sítio da Internet e que tinham origem na base de dados da British Horseracing Board (BHB) provinham de jornais publicados no dia anterior à corrida e de informação não tratada fornecida por um terceiro. A demandada extraía dados (cuja fonte é a base de dados da BHB) dessas duas fontes, integrando‑os no seu próprio sistema electrónico. A seguir re‑utilizava esses dados, colocando‑os à disposição do público no seu sítio da Internet de modo a permitir que os seus clientes apostassem em corridas de cavalos.


42 – Acórdão The British Horseracing Board, já referido na nota 3, n.os 52 e 53. V. n.° 51 supra.