Language of document : ECLI:EU:T:2009:530

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

18 de Dezembro de 2009 (*)

«Responsabilidade extracontratual – União aduaneira – Acção por incumprimento – Parecer fundamentado – Supressão na legislação francesa do monopólio detido pela profissão dos ‘courtiers interprètes’ e dos ‘conducteurs de navires’ – Violação suficientemente caracterizada – Nexo de causalidade»

Nos processos apensos T‑440/03, T‑121/04, T‑171/04, T‑208/04, T‑365/04 e T‑484/04,

Jean Arizmendi, residente em Bayonne (França), e os outros 60 demandantes cujos nomes figuram em anexo, representados, no processo T‑440/03, por J.‑F. Péricaud, P. Péricaud e M. Tournois e, nos processos T‑121/04, T‑171/04, T‑208/04, T‑365/04 e T‑484/04, por J.‑F. Péricaud e M. Tournois, advogados,

demandantes,

apoiados por

Chambre nationale des courtiers maritimes de France, com sede em Paris (França), representada por J.‑F. Péricaud, advogado,

interveniente no processo T‑440/03,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por J.‑P. Jacqué e M. Giorgi Fort, e em seguida por F. Florindo Gijón e M. Balta, na qualidade de agentes,

e

Comissão Europeia, representada por X. Lewis e, no processo T‑121/04, por X. Lewis e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto uma acção de indemnização, intentada nos termos do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, na qual se pede que a Comunidade seja condenada a indemnizar os prejuízos resultantes da supressão do monopólio detido pela profissão dos «courtiers interprètes» e dos «conducteurs de navires» franceses,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi (relator), presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Junho de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 4.°, n.° 17, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302 p. 1), define a declaração aduaneira como o acto pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro.

2        O artigo 4.°, n.° 19, do Regulamento n.° 2913/92 define a apresentação na alfândega como a comunicação às autoridades aduaneiras, segundo as modalidades estipuladas, da chegada de mercadorias à estância aduaneira ou a qualquer outro local designado ou aprovado pelas autoridades aduaneiras.

3        O artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 dispõe:

«1.      Nas condições previstas no n.° 2 do artigo 64.° e sob ressalva das disposições adoptadas no âmbito do n.° 2, alínea b), do artigo 243.°, qualquer pessoa pode fazer‑se representar perante as autoridades aduaneiras para o cumprimento dos actos e formalidades previstos na legislação aduaneira.

2.      A representação pode ser:

–        directa; neste caso, o representante age em nome e por conta de outrem,

ou

–        indirecta; neste caso, o representante age em nome próprio mas por conta de outrem.

Os Estados‑Membros podem restringir o direito de apresentar nos seus territórios declarações aduaneiras

–        por representação directa,

ou

–        por representação indirecta,

de modo a que o representante tenha de ser um despachante aduaneiro que exerça a sua actividade no seu território.»

4        O artigo 64.° do Regulamento n.° 2913/92 preceitua:

«Sob ressalva do disposto no artigo 5.°, a declaração aduaneira pode ser feita por qualquer pessoa habilitada para apresentar ou mandar apresentar ao serviço aduaneiro competente a mercadoria em causa, bem como qualquer documento cuja apresentação seja necessária para permitir a aplicação dos regimes aduaneiros para que a mercadoria foi declarada.

2.      Contudo:

a)      Quando da aceitação de uma declaração aduaneira resultarem obrigações especiais para determinada pessoa, essa declaração deve ser feita por essa pessoa ou por sua conta […]»

5        O artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2913/92 preceitua:

«As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade devem ser conduzidas, no mais curto prazo, pela pessoa que procedeu a essa introdução, utilizando, se for caso disso, a via determinada pelas autoridades aduaneiras e com conformidade com as regras fixadas por essas autoridades:

a)      Quer à estância aduaneira designada pelas autoridades aduaneiras ou a qualquer outro local designado ou autorizado por essas autoridades;

b)      Quer a uma zona franca, caso a colocação das mercadorias nessa zona franca se deva efectuar directamente:

–        por via marítima ou aérea,

–        por via terrestre sem passagem por outra parte do território aduaneiro da Comunidade, quando se tratar de uma zona franca contígua à fronteira terrestre entre um Estado‑Membro e um país terceiro.»

6        O artigo 40.° do Regulamento n.° 2913/92, na versão aplicável ao caso em apreço, dispõe:

«As mercadorias que, por força do n.° 1, alínea a), do artigo 38.°, cheguem a uma estância aduaneira ou a qualquer outro lugar destinado ou autorizado pelas autoridades aduaneiras devem ser apresentadas à alfândega pela pessoa que introduziu as mercadorias no território aduaneiro da Comunidade ou, se for caso disso, pela pessoa responsável pelo transporte das mercadorias, após a respectiva introdução no referido território.»

7        O artigo 43.° do Regulamento n.° 2913/92, na versão aplicável ao caso em apreço, dispõe:

«Com ressalva do disposto no artigo 45.°, as mercadorias apresentadas à alfândega, na acepção do artigo 40.°, devem ser objecto de uma declaração sumária.

A declaração sumária deve ser entregue logo que as mercadorias sejam apresentadas à alfândega. Todavia, as autoridades aduaneiras podem conceder para esta entrega um prazo que termine, o mais tardar, no primeiro dia útil seguinte ao da apresentação das mercadorias à alfândega.»

8        O artigo 44.° do Regulamento n.° 2913/92 na versão aplicável ao presente caso, estabelece o seguinte:

«A declaração sumária deve ser feita em formulário conforme com o modelo estabelecido pelas autoridades aduaneiras. Todavia, a autoridade aduaneira pode aceitar que se utilize, como declaração sumária, qualquer documento comercial ou administrativo que contenha o enunciado dos dados necessários à identificação das mercadorias.

2.      A declaração sumária será entregue:

a)      Quer pela pessoa que introduziu as mercadorias no território aduaneiro da Comunidade ou, se for caso disso, pela pessoa responsável pelo transporte das mercadorias, após a referida introdução;

b)      Quer pela pessoa em nome da qual actuaram quaisquer das pessoas referidas na alínea a).»

 Factos

 Estatuto inicial dos courtiers maritimes

 História e natureza do estatuto de courtier maritime

9        No Código Comercial francês (code de commerce français, a seguir «code de commerce»), a profissão dos «courtiers interprètes» e dos «conducteurs de navires» (a seguir «courtiers maritimes») gozava de um estatuto híbrido, conjugando o estatuto de funcionário público, que detinha o monopólio de determinadas operações, com o estatuto de comerciante.

10      Este estatuto nasceu da vontade do legislador francês de proteger os capitães estrangeiros que não dominavam a língua francesa e os capitães franceses de intermediários que praticassem preços excessivos.

 Consequências do estatuto híbrido dos courtiers maritimes

–       Quadro geral das obrigações e dos direitos relevantes

11      Da qualidade de comerciantes e de funcionários públicos dos courtiers maritimes decorria um determinado número de direitos e de obrigações (a seguir «privilégio»).

12      Assim, do estatuto de comerciante decorria a necessidade de manterem um livro contabilístico e de registarem as operações contabilísticas, de aplicarem a legislação relativa à insolvência e a proibição de se reagruparem em sociedades civis.

13      O estatuto de funcionário público, previsto nos artigos L‑131‑1 e seguintes do code de commerce, implicava que fosse feita uma nomeação por despacho do Ministro dos Transportes francês, estando o exercício das suas funções restringido a um mercado reservado pelo legislador.

14      O artigo L‑13l‑2 do code de commerce previa o seguinte:

«Os [courtiers maritimes] fazem a corretagem de navios, estando‑lhes, além disso, reservado o direito de traduzir, em caso de contestação judicial, declarações, contratos de fretamento, conhecimentos do embarque, contratos e todos os actos de comércio cuja tradução se verifique ser necessária; por último, incumbe‑lhes fixar o custo do frete.

Nos processos do contencioso comercial, e para o serviço das alfândegas, só os courtiers maritimes poderão ser intérpretes de todos os estrangeiros, mestres de navios, mercadores, tripulações e outras pessoas cujas profissões estão ligadas ao mar.»

–       Âmbito de aplicação material do privilégio

15      No âmbito do seu privilégio, os courtiers maritimes exerciam duas missões distintas consistentes, por um lado, no cumprimento das formalidades impostas pelas administrações alfandegárias e/ou pelas entidades que geriam os portos, e, por outro lado, no exercício da função de intérprete ajuramentado junto dos órgãos jurisdicionais.

16      No que respeita ao monopólio para o cumprimento dos actos e formalidades relacionados com a apresentação na alfândega, esses actos e essas formalidades incluíam o controlo da rotação dos navios à chegada e à partida, a comunicação das características físicas que permitiam determinar o volume tributável, a elaboração das «declarações de navio» (entrada e saída), a elaboração de atestados e de certificados visados pela alfândega e o envio das cópias das listas das tripulações às entidades competentes como a alfândega, a polícia, a polícia aérea e das fronteiras e a polícia marítima.

–       Âmbitos de aplicação territorial e pessoal do privilégio

17      O privilégio detido pelos courtiers maritimes limitava‑se geograficamente ao porto para o qual o courtier maritime tinha sido nomeado e aplicava‑se, regra geral, a todos os navios. Este privilégio podia ser partilhado com courtiers maritimes da mesma circunscrição.

–       Obrigações decorrentes da função de funcionário público

18      A missão de serviço público, que constitui um dos elementos inerentes ao desempenho de um cargo de funcionário público implicava, que o courtier maritime estava obrigado a prestar os seus serviços a todos aqueles que a ele recorriam.

19      Além disso, cada courtier maritime estava obrigado a desempenhar as suas atribuições na íntegra, sendo‑lhe proibido, a fim de garantir a sua independência, realizar operações comerciais ou bancárias por sua conta.

–       Direitos decorrentes da função de funcionário público

20      Por um lado, cada courtier maritime tinha o direito de receber, pelos serviços que prestava, honorários cujas tarifas eram fixadas por decreto.

21      Por outro, cada courtier maritime dispunha de um «direito de apresentação» do seu sucessor para efeitos da sua aprovação pelo ministro responsável pela marinha mercante. Este «direito de apresentação» era entendido como um direito patrimonial que se podia ceder e que podia prescrever e que representava uma contrapartida pela aquisição a título oneroso do cargo de funcionário público.

 Supressão do privilégio dos courtiers maritimes

 Adopção do Regulamento n.° 2913/92 e acção por incumprimento

22      O Regulamento n.° 2913/92, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, liberalizou o exercício de determinadas profissões ligadas ao comércio portuário. Em especial, consagrou o princípio da liberdade de representação junto das autoridades aduaneiras, proibindo, no seu artigo 5.°, a dupla representação na alfândega.

23      Em 1997, o artigo L‑131‑2 do code de commerce, que concedia aos courtiers maritimes um monopólio para o cumprimento dos actos e formalidades ligados à apresentação na alfândega, ainda estava em vigor. Considerando que esta legislação não era conforme com o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, a Comissão das Comunidades Europeias deu início a um processo por incumprimento contra a República Francesa.

24      Deste modo, em 12 de Fevereiro de 1997, Comissão convidou a República Francesa a apresentar as suas observações sobre o monopólio da apresentação na alfândega reservado aos courtiers maritimes.

25      Em 3 de Dezembro de 1997, a Comissão emitiu um parecer fundamentado na acepção do artigo 226.°, primeiro parágrafo, CE, respeitante à violação do artigo 5.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2913/92.

26      Nesse parecer, a Comissão considerou nomeadamente o seguinte:

«No que respeita aos courtiers maritimes, o artigo [L‑131‑2] do code de commerce francês reserva‑lhes o privilégio da representação junto dos serviços alfandegários. São responsáveis pela apresentação do navio, ou seja, por todas as formalidades administrativas e aduaneiras a efectuar à entrada e à saída do seu navio.

[O] artigo 5.°, n.° 2, [segundo] parágrafo, [do Regulamento n.° 2913/92] permite que os Estados‑Membros restrinjam a representação mas, atendendo ao seu carácter derrogatório do princípio da liberdade de representação, esta disposição tem que interpretada stricto sensu. Só pode ter por objecto a elaboração da declaração aduaneira e não pode assim ser alargada a actos e formalidades para além dos que estão directamente relacionados com a declaração aduaneira nos termos em que esta foi definida nos artigos 4.°, [n.os ] 17 e 62 a 77, do [Regulamento n.° 2913/92].

[…]

Por estes motivos, a Comissão [...] emite o parecer fundamentado, nos termos do artigo [226.°, primeiro parágrafo, CE], porquanto, […] ao ter reservado aos courtiers maritimes, nos termos do artigo [L‑131‑2] do code du commerce francês, a representação para cumprir actos e formalidades relacionados com a apresentação na alfândega, [...] a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 5.°, n.os 1 e 2, do [Regulamento n.° 2913/92].

A Comissão convida a República Francesa a adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento ao presente parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da notificação do mesmo.»

 Alteração da legislação francesa

27      O legislador francês adoptou a Lei n.° 2001‑43, de 16 de Janeiro de 2001, relativa a diversas disposições de adaptação ao direito comunitário no domínio dos transportes (JORF de 17 de Janeiro de 2001, p. 848). Esta lei revogou o monopólio detido pelos courtiers maritimes.

28      Com efeito, o artigo 1.° da referida lei dispõe:

«I.      O artigo L‑131‑2 do Código Comercial é revogado.

II.      A corretagem de navios, a fixação do custo do frete, as formalidades relacionadas com a apresentação na alfândega, a tradução das declarações, dos contratos de fretamento, dos conhecimentos de embarque, dos contratos e de quaisquer actos de comércio, quando respeitem a navios, são efectuadas livremente pelo armador ou pelo seu representante, que pode ser o capitão.»

29      Os artigos 2.° e 4.° da Lei n.° 2001‑43 prevêem as condições que têm de estar reunidas para os courtiers maritimes poderem ser indemnizados pela perda do seu direito.

30      O artigo 5.° da Lei n.° 2001‑43 precisa que serão fixadas por decreto as condições nas quais os courtiers maritimes poderão aceder às profissões de agente de transportes, de secretário do tribunal de comércio, oficial de justiça ou de mandatário judicial na liquidação de empresas, no que respeita nomeadamente às dispensas totais ou parciais de diplomas e de formação profissional.

 Processo

31      Por petições que deram entrada na secretaria do Tribunal entre 29 de Dezembro de 2003 e 9 de Dezembro de 2004, os demandantes, Jean Arizmendi e os outros 60 courtiers maritimes cujos nomes figuram em anexo, intentaram as presentes acções de indemnização.

32      Por requerimento separado que deu entrada na secretaria do Tribunal em 8 de Março de 2004, a Chambre nationale des courtiers maritimes de France pediu para intervir no presente processo em apoio dos demandantes no processo T‑440/03. Por despacho de 30 de Junho de 2004, o presidente da Terceira Secção do Tribunal admitiu essa intervenção. A interveniente apresentou as suas observações no prazo fixado.

33      Por requerimentos separados que deram entrada na secretaria do Tribunal entre 29 de Março de 2004 e 19 de Janeiro de 2005, o Conselho da União Europeia suscitou duas excepções de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, em cada um dos presentes processos.

34      Por requerimentos separados que deram entrada na secretaria do Tribunal entre 30 de Março de 2004 e 20 de Janeiro de 2005, a Comissão a suscitou três excepções de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo, em cada um dos presentes processos, às quais se juntou uma quarta excepção de inadmissibilidade no processo T‑121/04.

35      Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de 28 de Abril de 2005, os processos T‑440/03, T‑121/04, T‑171/04, T‑208/04, T‑365/04 e T‑484/04 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

36      Por despacho do Tribunal de 5 de Dezembro de 2005, as excepções de inadmissibilidade do Conselho e da Comissão foram reservadas para a apreciação do mérito da causa, nos termos do artigo 114.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, e as despesas foram reservadas para final.

37      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Terceira Secção), decidiu dar início à fase oral e, a título de medidas de organização do processo, convidou as partes principais a responderem por escrito a determinadas questões. As partes satisfizeram estes pedidos.

38      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 30 de Junho de 2009.

 Pedidos das partes

39      Os demandantes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar improcedentes as excepções de inadmissibilidade suscitadas pelo Conselho e pela Comissão e declarar as acções admissíveis;

–        a título principal, reconhecer que a Comunidade Europeia é responsável para com cada um dos demandantes por ter adoptado, e em seguida lhes ter aplicado, o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 de forma ilícita;

–        a título subsidiário, reconhecer que a Comunidade Europeia é responsável para com cada um dos demandantes por ter adoptado, mesmo de forma lícita, e em seguida aplicado o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, tendo causado a estes últimos um prejuízo anormal e especial;

–        por conseguinte, condenar solidariamente o Conselho e a Comissão a pagar os montantes especificados nos seus articulados a título de indemnização pelos prejuízos sofridos;

–        condenar solidariamente o Conselho e a Comissão nas despesas.

40      A Chambre nationale des courtiers maritimes de France conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção no processo T‑440/03 admissível e julgá‑la procedente;

–        condenar o Conselho e a Comissão a suportarem as suas despesas.

41      O Conselho e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar as acções inadmissíveis;

–        a título subsidiário, julgar as acções improcedentes;

–        condenar os demandantes nas despesas.

42      Por outro lado, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne condenar a Chambre nationale des courtiers maritimes de France a suportar as suas próprias despesas caso o acórdão seja favorável aos demandantes.

 Observações preliminares

 Quanto aos princípios relativos à responsabilidade extracontratual

43      Como foi reconhecido por jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da Comunidade está sujeita à reunião de um conjunto de pressupostos, a saber, a ilicitude do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2006, Agraz e o./Comissão, C‑243/05 P, Colect., p. I‑10833, n.° 26; de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colect., p. I‑6513, n.° 106, e de 30 de Abril de 2009, CAS Succhi di Frutta/Comissão, C‑497/06 P, não publicado na Colectânea, n.° 39).

44      O carácter cumulativo destes pressupostos implica que, não estando um deles preenchido, a acção de indemnização deve ser totalmente julgada improcedente, sem que seja necessário examinar os restantes pressupostos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.os 14 e 63; de 8 de Maio de 2003, T. Port/Comissão, C‑122/01 P, Colect., p. I‑4261, n.° 30, e CAS Succhi di Frutta/Comissão, n.° 43 supra, n.° 40).

 Quanto ao âmbito da acção

 Resumo dos argumentos das partes

45      Nas suas petições, os demandantes, que exerciam a profissão de courtiers maritimes, pedem que a Comunidade, representada pela Comissão e pelo Conselho, seja condenada a indemnizá‑los pelas perdas decorrentes da supressão do seu privilégio. Anexaram às suas petições uma avaliação que indica, a título principal, o montante das perdas sofridas por cada um deles e, a título subsidiário, o mesmo montante após a dedução das indemnizações recebidas nos termos da Lei n.° 43‑2001. Os demandantes formulam dois pedidos alternativos, destinando‑se os dois a obter uma indemnização pelas referidas perdas.

46      A título principal, os demandantes requerem que lhes seja concedida uma indemnização pelo prejuízo que sofreram por, nos termos do artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, ter sido suprimido o privilégio que o estatuto de courtier maritime lhes conferia. Este pedido baseia‑se na premissa de que o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 proíbe que o privilégio seja mantido. Mais concretamente, o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 constitui a causa da adopção, por parte da República Francesa, da Lei n.° 2001‑43, que aboliu o monopólio dos courtiers maritimes. Ora, da adopção do artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 decorre tanto a responsabilidade por acto ilícito como a responsabilidade objectiva da Comunidade. Com efeito, os demandantes consideram que a adopção do artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 é ilegal, pois viola o artigo 45.° CE, o princípio da segurança jurídica, o princípio da confiança legítima, o princípio da não discriminação, o princípio da proporcionalidade e o seu direito de propriedade. Por outro lado, consideram que, independentemente da questão da legalidade desta disposição, o prejuízo que os courtiers maritimes sofreram por o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 ter sido adoptado tem um carácter especial e anormal.

47      A título subsidiário, os demandantes requerem que lhe seja concedida uma indemnização pelo prejuízo que sofreram por ter sido suprimido o privilégio que o estatuto de courtier maritime lhes conferia, depois de a Comissão ter dado início, sem razão, a um processo por incumprimento contra a República Francesa. Este pedido baseia‑se na premissa de que o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, relativo à representação na alfândega, não se aplica às actividades dos courtiers maritimes, que actuam como intermediários na alfândega. Por conseguinte, ao enviar à República Francesa, em 3 de Dezembro de 1997, um parecer fundamentado no qual considerava, em substância, que a manutenção do monopólio dos courtiers maritimes era incompatível com o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, a Comissão cometeu um erro. Este parecer fundamentado compeliu a República Francesa a adoptar a Lei n.° 2001‑43, que aboliu o monopólio dos courtiers maritimes, pelo que a Comunidade é responsável pelos danos causados aos demandantes por o seu privilégio ter sido suprimido.

48      A Comissão e o Conselho contestam a admissibilidade e a justeza das acções, tanto relativamente ao pedido principal como ao pedido subsidiário. Por outro lado, no processo T‑121/04, a Comissão arguiu a inadmissibilidade da petição de Anne Le Boutillier por não ter sido especificado a que título esta pessoa passou a ocupar a posição de Martine Le Boutillier.

 Precisões sobre o âmbito do litígio apresentadas pelas partes no decurso da instância

49      As partes precisaram no decurso da instância o âmbito do litígio que os opõe.

50      Na sua contestação, a Comissão desistiu da excepção de inadmissibilidade por si suscitada na acção intentada por A. Le Boutillier no processo T‑121/04.

51      Por outro lado, nas respostas às questões escritas do Tribunal, os demandantes, depois de terem recordado que os courtiers maritimes são intermediários e não representantes, precisaram que apresentam na alfândega navios e não mercadorias. O artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 é‑lhes, por conseguinte, inaplicável na medida em que este artigo só se aplica à representação na apresentação na alfândega das mercadorias.

52      Na audiência, os demandantes indicaram que a actividade dos courtiers maritimes perante as autoridades aduaneiras é abrangida pelos artigos 38.°, 43.° e 44.° do Regulamento n.° 2913/92, que regulam a apresentação na alfândega de mercadorias introduzidas no território aduaneiro. Segundo os demandantes, a declaração sumária junto das autoridades aduaneiras visada no artigo 43.° do Regulamento n.° 2913/92 corresponde à apresentação do «Manifesto», que é assumida pelos courtiers.

53      Por último, os demandantes declararam na audiência que na origem do seu prejuízo não está o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, mas o parecer fundamentado da Comissão de 3 de Dezembro de 1997, no qual esta consagrou uma interpretação errada desta disposição ao considerar que este artigo proibia a manutenção do monopólio dos courtiers maritimes.

 Apreciação do Tribunal

54      Em primeiro lugar, o Tribunal constata que, à luz da contestação da Comissão, já não há que decidir quanto à excepção de inadmissibilidade suscitada por aquela na acção intentada por A. Le Boutillier no processo T‑121/04.

55      Em seguida, o Tribunal considera que, à luz da declaração dos demandantes na audiência, reproduzida no n.° 53 supra, segundo a qual o parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997 constitui a causa do seu prejuízo, já não há que decidir sobre o pedido de indemnização formulado pelos demandantes a título principal nas suas petições, que se baseia na premissa de que o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92 constitui a causa do prejuízo alegado por proibir a manutenção do monopólio dos courtiers maritimes (v. n.° 46 supra). As questões relativas à admissibilidade e ao mérito suscitadas nos pedidos de indemnização dos recorrentes que se baseiam nesta última premissa não serão, por conseguinte, examinadas pelo Tribunal.

56      Por conseguinte, o Tribunal examinará apenas o pedido de indemnização dos demandantes formulado a título subsidiário nas suas petições iniciais, que se baseia na premissa de que os prejuízos que sofreram têm a sua origem no parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997. O Tribunal examinará em primeiro lugar a excepção de inadmissibilidade das acções suscitada pela Comissão por a Comunidade não poder ser obrigada a reparar um prejuízo causado por ter dado início um processo por incumprimento. Com efeito, esta excepção é a única, entre as excepções suscitadas nos presentes processos, que se baseia nesta última premissa e que não se refere à questão da imputabilidade, que é relativa ao mérito e não à admissibilidade de uma acção de indemnização (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 29 de Janeiro de 1998, Dubois e Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.° 34). Em seguida, caso esta excepção venha a ser julgada improcedente, o Tribunal examinará as questões de mérito suscitadas nas presentes acções.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

57      A Comissão arguiu a inadmissibilidade das acções por não poder ser obrigada a reparar um prejuízo causado pelo facto de ter dado início um processo por incumprimento.

58      A Comissão recorda que a Comunidade não pode ser responsabilizada por não ter dado início um processo por incumprimento (v. despacho do Tribunal Geral de 14 de Janeiro de 2004, Makedoniko Metro e Michaniki/Comissão, T‑202/02, Colect., p. II‑181, n.° 43, e jurisprudência aí indicada). Segundo a Comissão, se um particular não pode contestar que a Comissão não tenha dado início a um processo por incumprimento, é totalmente lógico que um particular também não possa contestar que a Comissão tenha instaurado esse processo. No âmbito do artigo 226.° CE, só o Estado‑Membro em causa pode contestar que se tenha dado início a um processo por incumprimento.

59      A Comissão considera que as consequências que um Estado‑Membro retira do facto de ter sido dado início a um processo por incumprimento contra ele não lhe podem ser imputadas. A Comissão não pode ser responsabilizada pela acção do Estado‑Membro em causa, ou pela sua inacção, tal como também não pode ser responsabilizada pelo facto de ter ou não dado início ao processo.

60      Os demandantes, apoiados pela interveniente, entendem que as suas acções não são inadmissíveis apenas por a Comissão não poder ser responsabilizada pelos danos causados pelo facto de ter dado início a um processo por incumprimento.

 Apreciação do Tribunal

61      A Comissão considera que uma acção de indemnização que se baseia no facto de ter dado início a um processo por incumprimento é inadmissível na medida em que, se não pode ser responsabilizada por não ter dado início a um processo por incumprimento, é totalmente lógico que não possa ser responsabilizada por ter dado início a esse processo.

62      A este respeito, há que recordar que, como foi reconhecido por jurisprudência assente, é inadmissível uma acção de indemnização que se baseie no facto de a Comissão não ter dado início a um processo por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE [actual artigo 258.° TFUE]. Com efeito, segundo esta jurisprudência, não estando a Comissão obrigada a dar início a um processo por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, a sua decisão de não dar início a esse processo não constitui, de modo algum, uma ilegalidade, pelo que não existe nenhuma responsabilidade extracontratual da Comunidade (despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1990, Asia Motor France/Comissão, C‑72/90, Colect., p. I‑2181, n.os 13 a 15, e despachos do Tribunal Geral de 3 de Julho de 1997, Smanor e o./Comissão, T‑201/96, Colect., p. II‑1081, n.os 30 e 31; Makedoniko Metro e Michaniki/Comissão, referido no n.° 58 supra, n.os 43 e 44). Deste modo, não existindo nenhuma obrigação de a Comissão dar início a um processo por incumprimento, a Comunidade não pode ser responsabilizada pela inacção da Comissão.

63      No entanto, não se pode deduzir que essa inexistência de responsabilidade, pelo facto de não se ter dado início a um processo por incumprimento, exclui igualmente a responsabilidade da Comunidade por a Comissão ter dado início a um processo por incumprimento.

64      A este respeito, há que recordar que a acção de indemnização é um meio de tutela jurisdicional autónomo, com uma função particular no quadro do sistema dos meios de tutela jurisdicional (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 Abril 1971, Lütticke/Comissão, 4/69, Recueil, p. 325, n.° 6, Colect., p. 111, n.° 6, e do Tribunal Geral de 27 de Novembro de 2007, Pitsiorlas/Conselho e BCE, T‑3/00 e T‑337/04, Recueil, p. 325, Colect., p. II‑4779, n.° 283). Tem por objecto a reparação de um prejuízo decorrente de um acto ou de um comportamento ilícito imputável a uma instituição (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2004, Médiateur/Lamberts, C‑234/02 P, Colect., p. I‑2803, n.° 59, e jurisprudência aí indicada).

65      Por conseguinte, independentemente da questão de saber se constitui um acto impugnável através de um recurso de anulação (v. n.° 69 infra), qualquer acto de uma instituição, ainda que adoptado por esta no exercício de um poder discricionário é, em princípio, susceptível de ser objecto de uma acção de indemnização (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de Junho de 1999, Ismeri Europa/Tribunal de Contas, T‑277/97, Colect., p. II‑1825, n.os 109 e 110, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2001, Ismeri Europa/Tribunal de Contas, C‑315/99 P, Colect., p. I‑5281, n.° 41).

66      Com efeito, o poder discricionário de que uma instituição dispõe não tem por consequência exonerá‑la da sua obrigação de agir em conformidade tanto com as normas superiores de direito, entre as quais o Tratado e os princípios gerais de direito comunitário, como com o direito derivado relevante. Quando a legalidade de um acto é questionada numa acção de indemnização, esta legalidade é susceptível de ser analisada à luz das obrigações que incumbem à referida instituição.

67      Uma abordagem oposta seria contrária a uma Comunidade de direito e retiraria à acção de indemnização o seu efeito útil, na medida em que impediria o juiz de apreciar a legalidade de um acto de uma instituição no âmbito dessa acção (acórdão Médiateur/Lamberts, n.° 64 supra, n.° 61).

68      Por conseguinte, se, no âmbito das suas competências previstas no artigo 226.° CE, a Comissão aprecia livremente a oportunidade de instaurar ou não uma acção por incumprimento contra um Estado‑Membro sem ter de justificar a sua escolha (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2001, Comissão/Portugal, C‑70/99, Colect., p. I‑4845, n.° 17) e se pode, assim, enviar‑lhe nas mesmas condições um parecer fundamentado no âmbito do exercício das suas competências, não se pode excluir que, em circunstâncias totalmente excepcionais, uma pessoa possa demonstrar que esse parecer fundamento está viciado por uma ilegalidade que constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito susceptível de lhe causar um prejuízo (v., neste sentido, acórdão Médiateur/Lamberts, referido no n.° 64 supra, n.° 52, e acórdão do Tribunal Geral de 10 de Abril de 2002, Lamberts/Médiateur, T‑209/00, Colect., p. II‑2203, n.° 57).

69      O facto de um parecer fundamentado da Comissão adoptado nos termos do artigo 226.°, primeiro parágrafo, CE não constituir um acto destinado a produzir efeitos jurídicos vinculativos relativamente a terceiros e, por conseguinte, de o referido parecer não ser susceptível de ser objecto de um recurso de anulação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Março de 1966, Lütticke e o./Comissão, 48/65, Colect. 1965‑1968, p. 305, em especial p. 308; despachos do Tribunal Geral de 16 de Fevereiro de 1998, Smanor e o./Comissão, T‑182/97, Colect., p. II‑271, n.° 28, e de 5 de Setembro de 2006, AEPI/Comissão, T‑242/05, não publicado na Colectânea, n.° 30) não afecta a apreciação acima efectuada. Com efeito, um parecer fundamentado pode, em princípio, devido ao seu conteúdo ilegal, causar prejuízos a terceiros. Assim, por exemplo, não se pode excluir que a Comissão cause prejuízos a pessoas que lhe transmitiram informações confidenciais se divulgar essas informações num parecer fundamentado. Do mesmo modo, não se pode excluir que um parecer fundamentado contenha informações incorrectas sobre determinadas pessoas e que sejam susceptíveis de lhes causar um prejuízo.

70      Ora, a questão de saber se a Comunidade pode ser responsabilizada por um parecer fundamentado diz respeito ao exame do mérito e não da admissibilidade da acção.

71      Por conseguinte, há que julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

 Quanto ao mérito

 Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada

 Argumentos das partes

72      Os demandantes sustentam, em substância, que o parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997, que convidou a República Francesa a alterar o artigo L‑131‑2 do code de commerce por este conferir aos courtiers maritimes um privilégio incompatível com o artigo 5.° do Regulamento n.° 2913/92, contém um erro pelo facto de este artigo não ser aplicável às actividades dos courtiers maritimes.

73      A Comissão e o Conselho contestam esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal

74      Antes de mais, há que recordar que, quando se questiona a ilegalidade de um acto jurídico, a responsabilidade extracontratual da Comunidade depende da existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que tem por objecto atribuir direitos aos particulares (v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de Setembro de 2007, Nikolaou/Comissão, T‑259/03, não publicado na Colectânea, n.° 39, e jurisprudência aí indicada). Relativamente a este pressuposto, o critério decisivo para considerar que existe uma violação do direito comunitário suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, por parte de uma instituição, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação [acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 43 e 44, e de 19 de Abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C‑282/05 P, Colect., p. I‑2941, n.° 47].

75      Em seguida, há que recordar que o processo por incumprimento tal como previsto no artigo 226.° CE constitui um processo específico destinado a permitir que a Comissão, enquanto guardiã do Tratado (v., neste sentido, artigo 211.° CE), vele pelo cumprimento do direito comunitário pelos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha, C‑431/92, Colect., p. I‑2189, n.° 21). O processo por incumprimento permite que a Comissão obtenha, após a adopção de um parecer fundamentado, quando o Estado‑Membro ao qual foi dirigido não lhe der seguimento, a declaração judicial dos incumprimentos que são imputados ao Estado‑Membro. Só o Tribunal de Justiça é competente para declarar que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no direito comunitário (despacho de 16 de Fevereiro de 1998, Smanor e o./Comissão, referido no n.° 69 supra, n.° 28).

76      Deste modo, embora a Comissão aprecie livremente a oportunidade de dar início a um processo por incumprimento (acórdão Comissão/Portugal, referido no n.° 68 supra, n.° 17), não pode constatar de forma vinculativa esse incumprimento. Com efeito, no decurso de um processo por incumprimento, a Comissão só pode formular um parecer sobre a violação por parte de um Estado‑Membro do direito comunitário. Limitando‑se a Comissão, nesse parecer, a tomar uma posição sobre a existência de um incumprimento por parte de um Estado‑Membro das respectivas obrigações de direito comunitário, a adopção desse parecer não pode constituir uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que tem por objecto atribuir direitos aos particulares.

77      Por conseguinte, mesmo uma tomada de posição errada por parte da Comissão, num parecer fundamentado, sobre o âmbito do direito comunitário não constitui uma violação suficientemente caracterizada que responsabiliza a Comunidade. Os pedidos de indemnização dos demandantes são, assim, improcedentes.

78      Pelo contrário, se as apreciações formuladas num parecer fundamentado excederem a determinação da existência de um incumprimento por parte de um Estado‑Membro ou se outros actos da Comissão por ocasião de um processo por incumprimento excederem as competências que lhe são atribuídas, como por exemplo a divulgação culposa de segredos de negócios ou de informações que prejudicam a reputação de uma pessoa, essas apreciações ou esses actos podem constituir uma violação susceptível de responsabilizar a Comunidade. Há que constatar que tal violação não foi, no entanto, alegada nos presentes processos.

 Quanto ao nexo de causalidade

 Introdução

79      Independentemente da questão da existência de uma violação suficientemente caracterizada, o Tribunal considera que há que verificar igualmente a existência de um nexo de causalidade entre a adopção por parte da Comissão do parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997 e o prejuízo alegado pelos demandantes.

 Argumentos das partes

80      Segundo os demandantes, o Conselho reconhece que foi com base no parecer fundamentado da Comissão de 3 de Dezembro de 1997 que a Lei n.° 2001‑43, que consagrou a perda do privilégio dos courtiersmaritimes, e por conseguinte originou o prejuízo por eles sofrido, foi adoptada.

81      A República Francesa, destinatária desse parecer fundamentado, não teve nenhuma liberdade de apreciação para adoptar a medida nacional de aplicação do direito comunitário. O título da Lei n.° 2001‑43 comprova que as autoridades francesas se limitaram a ceder às injunções da Comissão constantes do parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997.

82      A Lei n.° 2001‑43 não pode, assim, interpor‑se entre o acto comunitário gerador do prejuízo e este último. O prejuízo sofrido pelos demandantes é, por conseguinte, totalmente imputável à Comissão, não obstante a República Francesa ter adoptado a Lei n.° 2001‑43, e só o juiz comunitário é competente para se pronunciar sobre um pedido de indemnização desse prejuízo.

83      Os demandantes sublinham que a responsabilidade exclusiva da Comunidade, representada pela Comissão devido ao seu papel na elaboração do acto controvertido, constitui a contrapartida das limitações e da renúncia à soberania dos Estados‑Membros necessárias para a criação da união aduaneira.

84      O Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal

85      No âmbito de uma acção de indemnização, admite‑se que existe um nexo de causalidade quando há um nexo suficientemente directo de causa e efeito entre o comportamento imputado à instituição e o prejuízo invocado, nexo que o demandante tem de provar. O comportamento censurado deve ser a causa determinante do prejuízo (v., neste sentido, acórdão CAS Succhi di Frutta/Comissão, referido no n.° 43 supra, n.° 59; acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão, T‑149/96, Colect., p. II‑3841, n.° 101; v. despacho do Tribunal Geral de 12 de Dezembro de 2000, Royal Olympic Cruises e o./Conselho e Comissão, T‑201/99, Colect., p. II‑4005, n.° 26, e jurisprudência aí indicada, confirmado em sede de recurso por despacho do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2002, Royal Olympic Cruises e o./Conselho e Comissão, C‑49/01 P, não publicado na Colectânea; acórdão Pitsiorlas/Conselho e BCE, referido no n.° 64 supra, n.° 292).

86      Ora, no que se refere à existência de um nexo de causalidade entre o parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997 e o dano alegado pelos demandantes, há que observar, em primeiro lugar, que os únicos actos que a Comissão pode ser levada a adoptar no âmbito de um processo por incumprimento regulado pelo artigo 226.° CE são actos que têm por destinatários os Estados‑Membros (v. despacho do Tribunal Geral de 2 de Dezembro de 2003, Viomichania Syskevasias Typopoiisis Kai Syntirisis Agrotikon Proïonton/Comissão, T‑334/02, Colect., p. II‑5121, n.° 44, e jurisprudência aí indicada). Esse processo só diz, assim, respeito às relações entre a Comissão e os Estados‑Membros.

87      Em seguida, há que observar que no processo por incumprimento previsto no artigo 226.° CE há que distinguir entre uma fase pré‑contenciosa ou administrativa e uma fase contenciosa ou judicial. Assim, se a Comissão considerar que um Estado‑Membro não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem, dá primeiro início a uma fase pré‑contenciosa no decurso da qual dá ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de tomar posição sobre o incumprimento que lhe é imputado. A Comissão conclui essa fase pré‑contenciosa com o envio de um parecer fundamentado a esse Estado‑Membro. O procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 226.° CE tem por objectivo dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do direito comunitário ou de apresentar utilmente os seus argumentos de defesa contra as acusações formuladas pela Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C‑490/04, Colect., p. I‑6095, n.° 25). O Estado‑Membro não tem, deste, modo obrigação de seguir esse parecer fundamentado, antes podendo, se considerar que a Comissão o acusa erradamente, não respeitar esse parecer.

88      Só no caso de o referido Estado‑Membro não dar cumprimento, no prazo fixado para esse efeito, ao parecer fundamentado que lhe foi enviado é que a Comissão pode, nos termos do artigo 226.°, segundo parágrafo, CE, dar início à fase contenciosa através da propositura de uma acção por incumprimento no Tribunal de Justiça (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, Comissão/Espanha, C‑221/04, Colect., p. I‑4515, n.° 22, e jurisprudência aí indicada).

89      A acção intentada nos termos do artigo 226.° CE tem por objecto a declaração do incumprimento por um Estado‑Membro das suas obrigações comunitárias, e é a declaração desse incumprimento que obriga o Estado‑Membro em causa a tomar as medidas necessárias para dar execução ao acórdão do Tribunal de Justiça (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2005, Comissão/Alemanha, C‑104/02, Colect., p. I‑2689, n.° 49).

90      Na medida em que o processo por incumprimento a que a Comissão deu início, nos termos do artigo 226.° CE, apenas diz respeito à relação entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa e em que, por outro lado, esse processo conduz num primeiro momento a um parecer fundamentado que o Estado‑Membro pode seguir ou ignorar, há que analisar se, nos presentes processos, o parecer fundamentado da Comissão de 3 de Dezembro de 1997 podia constituir, devido ao seu conteúdo, a causa determinante do dano alegado pelos demandantes.

91      A este respeito, há que salientar que, no referido parecer fundamentado, a Comissão constatou que, ao limitar aos courtiers maritimes, ao abrigo do artigo L‑131‑2 do code de commerce, a representação para o cumprimento de actos e formalidades relacionados com a apresentação na alfândega, a República Francesa não cumprira as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 5.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2913/92. A Comissão convidou igualmente a República Francesa a adoptar as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer fundamentado no prazo de dois meses.

92      Ora, o facto de, no parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997, a Comissão ter considerado que o artigo L‑131‑2 do code de commerce era incompatível com o direito comunitário – e de se ter eventualmente enganado a esse respeito – é, na realidade, indiferente nos presentes casos, uma vez que o referido parecer fundamentado não impunha ao Estado‑Membro que alterasse a sua legislação. Com efeito, no âmbito de um processo por incumprimento, só um acórdão do Tribunal de Justiça pode ter esse efeito vinculativo.

93      Por não existir um efeito vinculativo do parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997, na parte em que a Comissão alega um incumprimento por parte da República Francesa das suas obrigações decorrentes do direito comunitário, aquele não pode ser considerado a causa determinante do prejuízo alegado pelos demandantes. Consequentemente, não está provado o nexo de causalidade entre o prejuízo alegado e o facto gerador que está na origem daquele, ou seja, segundo os demandantes, o parecer fundamentado de 3 de Dezembro de 1997.

94      Por conseguinte, as acções são julgadas improcedentes.

 Quanto às despesas

95      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

96      Tendo a Comissão e o Conselho pedido a condenação dos demandantes e tendo estes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas.

97      Por outro lado, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente suporte as suas próprias despesas.

98      Nos presentes casos, a interveniente interveio, no processo T‑440/03, em apoio dos demandantes, que foram vencidos. Por conseguinte, o Tribunal considera que há que condenar a interveniente nas suas próprias despesas.

99      A Comissão e o Conselho suportarão as suas próprias despesas causadas pela intervenção, porquanto não requereram, para o caso de improcedência da acção, a condenação da interveniente nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      As acções são julgadas improcedentes.

2)      Jean Arizmendi e os 60 outros demandantes cujos nomes figuram no anexo suportarão as suas próprias despesas e as do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia.

3)      A Chambre nationale des courtiers maritimes de France suportará as suas próprias despesas.

4)      O Conselho e a Comissão suportarão as suas próprias despesas causadas pela intervenção da Chambre nationale des courtiers maritimes de France.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Dezembro de 2009.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Azizi

Anexo

Processo T‑440/03,

Alain Assier de Pompignan, residente em Fort‑de‑France (França),

Bruno Bachemont, residente em Dunquerque (França),

Héritiers de Frédéric Blanchy, residente em Bordéus (França),

Stéphane De Borville, residente em Dunquerque,

Jean‑Pierre Caradec, residente em Brest (França),

Jean‑Jacques Caruel, residente em Baie Mahault (França),

Christian Colin‑Olivier, residente no Havre (França),

Édouard Croze, residente em Nice (França),

Philippe Demonchy, residente em Boulogne‑sur‑mer (França),

Héritier de Jacques Durand‑Viel, residente em Lacanau (França),

Michel Elain, residente em Brest,

Bernard Flandin, residente em Rouen (França),

Patrick Foissey, residente em Calais (França),

François Boyer de la Giroday, residente em Bassens (França),

Thierry Gelée, residente em Tréport (França),

Stanislas Gomercic, residente em Marselha (França),

Michel Hecquet, residente em Dunquerque,

Jacques Héliard, residente em Nantes (França),

Xavier Humann, residente no Havre,

Francis Humann, residente em Rouen,

Michel Jolivet, residente em Montoir (França),

Guy Jourdan‑Barry, residente em Marselha,

Pierre Lambot, residente em Sables‑d’Olonne (France),

Pierre Laurent, residente em Rochefort (França),

Joachim Lefebvre, residente em Dunquerque,

Didier Levavasseur, residente no Havre,

Alexis Lobadowski, residente no Havre,

Héritiers d’Erik Martin, residente no Havre,

Éric Mascle, residente em Port‑la‑Nouvelle (França),

Catherine Meclot, residente em Basse‑Terre (França),

Loïc Morice, residente em Brest,

Roger Phelippeau, residente em Toulon (França),

Serge Pierre, residente em Dunquerque,

Jean‑Pierre Porry, residente em Fort‑de‑France,

Antoine Ravisse, residente em Calais,

Héritier de Félix Rogliano, residente em Port‑de‑Bouc (França),

François Sédard, residente em Venosc (França),

Raymond Schmit, residente em Pointe‑à‑Pitre (França),

Jean‑Philippe Taconet, residente no Havre,

Lionel Taconet, residente em Rouen,

Philippe Thillard, residente no Havre,

Olivier Vallois, residente em Dunquerque,

Daniel‑Guy Voillot, residente no Havre.

Processo T‑121/04,

Henri Boquien, residente em Bordéus,

Yves Delamaire, residente em Saint‑Malo (França),

Éric Eltvedt, residente em Marselha,

Thierry Ferran, residente em Port‑Vendres (França),

Didier Frisch, residente em Sète (França),

Merri Jacquemin, residente em Larmor‑Plage (França),

Héritiers d’Anne Le Boutillier, residente em La Rochelle (França),

Pierre‑Olivier Le Normand de Bretteville, residente em Port‑de‑Bouc,

Gérard Lesaignoux, residente em Sète,

Jean‑Pierre Roger, residente em Plerin (França),

Michel Roy, residente em Saint‑Malo,

Léon Ruggiero, residente em Sète,

Pascal Vialard, residente em Sète.

Processo T‑171/04,

Daniel Surget, residente em Cherbourg (França).

Processo T‑208/04,

Dominique Hardy, residente em Coudeville‑Plage (França).

Processo T‑365/04,

Dominique Cantoni, residente em Marselha.

Processo T‑484/04,

François Pilat, residente em Honfleur (França).

Índice


Quadro jurídico

Factos

Estatuto inicial dos courtiers maritimes

História e natureza do estatuto de courtier maritime

Consequências do estatuto híbrido dos courtiers maritimes

– Quadro geral das obrigações e dos direitos relevantes

– Âmbito de aplicação material do privilégio

– Âmbitos de aplicação territorial e pessoal do privilégio

– Obrigações decorrentes da função de funcionário público

– Direitos decorrentes da função de funcionário público

Supressão do privilégio dos courtiers maritimes

Adopção do Regulamento n.° 2913/92 e acção por incumprimento

Alteração da legislação francesa

Processo

Pedidos das partes

Observações preliminares

Quanto aos princípios relativos à responsabilidade extracontratual

Quanto ao âmbito da acção

Resumo dos argumentos das partes

Precisões sobre o âmbito do litígio apresentadas pelas partes no decurso da instância

Apreciação do Tribunal

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito

Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao nexo de causalidade

Introdução

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.