Language of document : ECLI:EU:C:2018:403

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de junho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2001/42/CE — Artigo 2.o, alínea a) — Conceito de “planos e programas” — Artigo 3.o — Avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente — Regulamento regional de urbanismo relativo ao bairro das instituições europeias de Bruxelas (Bélgica)»

No processo C‑671/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), por decisão de 14 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de dezembro de 2016, no processo

InterEnvironnement Bruxelles e o.

Groupe d’animation du quartier européen de la ville de Bruxelles ASBL,

Association du quartier Léopold ASBL,

Brusselse Raad voor het Leefmilieu ASBL,

Pierre Picard,

David Weytsman

contra

Région de BruxellesCapitale,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader (relatora), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de novembro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Inter-Environnement Bruxelles ASBL, do Groupe d’animation du quartier européen de la ville de Bruxelles ASBL, da Association du quartier Léopold ASBL, do Brusselse Raad voor het Leefmilieu ASBL e de P. Picard e D. Weytsman, por J. Sambon, avocat,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, L. Van den Broeck e J. Van Holm, na qualidade de agentes, assistidas por P. Coenraets e L. Thommès, avocats,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e L. Dvořáková, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Thiran e C. Zadra, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO 2001, L 197, p. 30, a seguir «Diretiva AAE»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito do litígio que opõe a Inter‑Environnement Bruxelles ASBL, o Groupe d’animation du quartier européen de la ville de Bruxelles ASBL, a Association du quartier Léopold ASBL, o Brusselse Raad voor het Leefmilieu ASBL, reunidos na «Coordination Bruxelles‑Europe», e Pierre Picard e David Weytsman à Région de Bruxelles‑Capitale (Região de Bruxelas‑Capital) (Bélgica), a propósito da validade do Decreto do Governo dessa região, de 12 de dezembro de 2013, que aprova o regulamento regional de urbanismo de zona e a composição do processo de pedido de certificado e de licença urbanística para o perímetro da rue de la Loi e sua área limítrofe (Moniteur belge de 30 de janeiro de 2014, p. 8390, a seguir «decreto impugnado»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do considerando 4 da Diretiva AAE:

«A avaliação ambiental constitui um instrumento importante de integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de determinados planos e programas que possam ter efeitos significativos no ambiente nos Estados‑Membros, uma vez que garante que os efeitos ambientais da aplicação dos planos e programas são tomados em consideração durante a sua preparação [e] antes da sua aprovação.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objetivos», prevê:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um nível elevado de proteção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Planos e programas”, qualquer plano ou programa, incluindo os cofinanciados pela [União] Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

–        seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional [ou] local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

–        seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas;

b)      “Avaliação ambiental”, a elaboração de um relatório ambiental, a realização de consultas, a tomada em consideração do relatório e dos resultados das consultas na tomada de decisões e o fornecimento de informação sobre a decisão em conformidade com os artigos 4.o a 9.o;

[…]»

6        Nos termos do artigo 3.o da Diretiva AAE, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«1.      No caso dos planos e programas referidos nos n.os 2 a 4[,] suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, deve ser efetuada uma avaliação ambiental nos termos dos artigos 4.o a 9.o

2.      Sob reserva do disposto no n.o 3, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas:

a)      Que tenham sido preparados para a agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva [2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1)] […]

[…]»

7        O artigo 5.o da Diretiva AAE, sob a epígrafe «Relatório ambiental», especifica, no seu n.o 3:

«As informações pertinentes disponíveis sobre os efeitos ambientais dos planos e programas, obtidas a outros níveis de tomada de decisões ou por via de outros atos legislativos comunitários, podem ser utilizadas a fim de fornecer as informações a que se refere o anexo I.»

8        O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Consultas», dispõe:

«1.      Deve ser facultado às autoridades a que se refere o n.o 3 e ao público o projeto de plano ou programa e o relatório ambiental elaborado nos termos do artigo 5.o

2.      Deve ser dada às autoridades a que se refere o n.o 3 e ao público a que se refere o n.o 4 a possibilidade efetiva e atempada de, em prazos adequados, apresentarem as suas observações sobre o projeto de plano ou programa e sobre o relatório ambiental de acompanhamento antes da aprovação do plano ou programa ou de o mesmo ser submetido ao procedimento legislativo.

3.      Os Estados‑Membros devem designar as autoridades a consultar às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, sejam suscetíveis de interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação dos planos e programas.

4.      Os Estados‑Membros devem identificar o público para efeitos do n.o 2, incluindo o público afetado ou que possa ser afetado pelo processo de tomada de decisões, ou que esteja interessado no mesmo, ao abrigo da presente diretiva, incluindo as organizações não governamentais pertinentes, como as que promovem a proteção ambiental e outras organizações interessadas.

5.      As regras em matéria da informação e consulta das autoridades e do público serão determinadas pelos Estados‑Membros.»

9        O artigo 11.o da Diretiva AAE, sob a epígrafe «Relações com outros atos legislativos comunitários», dispõe, no seu n.o 1:

«As avaliações ambientais executadas nos termos da presente diretiva não prejudicam qualquer das exigências impostas na Diretiva [2011/92] nem quaisquer outras exigências do direito comunitário.»

10      Por força do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2011/92 (a seguir «Diretiva AIA»), os Estados‑Membros determinarão, relativamente aos projetos incluídos no anexo II, se o projeto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o da referida diretiva. Entre os projetos abrangidos pelo título 10 desse anexo, sob a epígrafe «Projetos de infraestruturas», inclui‑se, na alínea b), o «[o]rdenamento urbano, incluindo a construção de centros comerciais e de parques de estacionamento».

 Direito belga

11      Como resulta do seu artigo 1.o, segundo parágrafo, o Code bruxellois de l’aménagement du térritoire (Código do ordenamento do território de Bruxelas) (Moniteur belge de 26 de maio de 2004, p. 40738, a seguir «CoBAT») destina‑se, nomeadamente, a transpor a Diretiva AAE para o direito belga.

12      O CoBAT distingue, por um lado, os instrumentos de desenvolvimento e ordenamento do território e, por outro, os instrumentos de urbanismo. Os primeiros enquadram‑se no título II desse código, sob a epígrafe «Da planificação», ao passo que os segundos são objeto do título III do referido código, sob a epígrafe «Dos regulamentos de urbanismo».

13      Quanto aos instrumentos de desenvolvimento e ordenamento do território, o artigo 13.o do CoBAT dispõe:

«O desenvolvimento da Região de Bruxelas‑Capital é concebido e o ordenamento do seu território é fixado pelos planos seguintes:

1.      O plano regional de desenvolvimento;

2.      O plano regional de utilização do solo;

3.      Os planos municipais de desenvolvimento;

4.      O plano específico de utilização do solo. […]»

14      No tocante aos instrumentos de urbanismo, o artigo 87.o desse código precisa:

«O urbanismo da Região de Bruxelas‑Capital é fixado pelos seguintes regulamentos:

1.      Os regulamentos de urbanismo regionais;

2.      Os regulamentos de urbanismo municipais.»

15      O procedimento de elaboração dos planos a que se refere o artigo 13.o do CoBAT compreende a elaboração de um relatório sobre o impacto ambiental, como resulta, respetivamente, do artigo 18.o, n.o 1, do artigo 25.o, n.o 1, do artigo 33.o, primeiro parágrafo, e do artigo 43.o, n.o 1, desse código.

16      Em contrapartida, os artigos 88.o e seguintes do CoBAT, que descrevem o procedimento de elaboração dos regulamentos a que se refere o artigo 87.o desse código, não preveem um procedimento semelhante de avaliação do impacto ambiental para os referidos regulamentos.

17      O artigo 88.o do referido código dispõe:

«O Governo pode aprovar um regulamento ou regulamentos de urbanismo regionais que contêm disposições suscetíveis de assegurar, nomeadamente:

1.o      A salubridade, a conservação, a solidez e a beleza das construções, das instalações e das suas envolventes, e a sua segurança, nomeadamente a respetiva proteção contra incêndios e inundações;

2.o      A qualidade térmica e acústica das construções, as economias de energia e a recuperação de energia;

3.o      A conservação, a salubridade, a segurança, a viabilidade e a beleza dos arruamentos e dos respetivos acessos e envolventes;

4.o      A ligação dos imóveis a equipamentos de interesse geral, no respeitante, nomeadamente, à distribuição de água, gás, eletricidade, aquecimento, telecomunicações e à recolha de detritos;

5.o      As normas mínimas de habitabilidade dos alojamentos;

6.o      A qualidade habitacional e a comodidade das circulações lentas, nomeadamente através do impedimento dos ruídos, poeiras e emanações que acompanham a execução de obras, e a proibição destas em determinadas horas e determinados dias;

7.o      O acesso aos imóveis, edificados ou não, ou às partes desses imóveis acessíveis ao público, às instalações e aos arruamentos, por pessoas com mobilidade reduzida;

8.o      A segurança da utilização de um bem aberto ao público.

Esses regulamentos podem disciplinar, nomeadamente, as construções sobre e sob o solo, a sinalética, os dispositivos de publicidade e de afixação de informações, as antenas, as canalizações, as cercas, os depósitos, os terrenos não edificados, as plantações, as alterações ao relevo do solo e o ordenamento dos lugares destinados à circulação e estacionamento de veículos automóveis, fora da via pública.

Esses regulamentos de urbanismo não podem derrogar as prescrições impostas quanto às grandes vias rodoviárias.

Os mesmos são aplicáveis a todo o território regional, ou a parte desse território, cujos limites fixam.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

18      Em 24 de abril de 2008, o Governo da Região de Bruxelas‑Capital homologou definitivamente um plano diretor para o bairro das instituições europeias de Bruxelas (a seguir «bairro das instituições europeias»), para fazer deste um bairro denso e misto, que combina um polo de postos de trabalho internacionais, um polo habitacional e um polo cultural e recreativo acessível a todos.

19      Em 16 de dezembro de 2010, esse Governo aprovou, simultaneamente, as linhas mestras do «Projeto urbano Loi», que constituíam orientações sem força vinculativa, e um decreto sobre a execução, através de um plano especial de utilização dos solos a aprovar pela Câmara Municipal de Bruxelas, do projeto de definição de uma forma urbana para a rue de la Loi e suas envolventes, no bairro das instituições europeias.

20      Em 15 de dezembro de 2011, o Governo da Região de Bruxelas‑Capital aprovou um primeiro projeto de regulamento regional de urbanismo de zona (a seguir «RRUZ»), sobre o perímetro mencionado no número anterior. Uma sondagem pública, organizada entre 19 de março e 18 de abril de 2012, deu lugar a reclamações e observações, provenientes nomeadamente da Coordination Bruxelles‑Europe, que destacavam, entre outras críticas, a inexistência de avaliação do impacto ambiental. Em 19 de julho de 2012, esse Governo aprovou uma comunicação para lançar um estudo do impacto desse primeiro projeto de RRUZ.

21      Na sequência desse estudo, o referido Governo aprovou, em 28 de fevereiro de 2013, um segundo projeto de RRUZ, que foi igualmente alvo de uma consulta que, por sua vez, deu lugar a reclamações e observações, entre as quais as provenientes da Coordination Bruxelles‑Europe.

22      Em 12 de dezembro de 2013, pelo decreto impugnado, o Governo da Região de Bruxelas‑Capital aprovou o RRUZ em causa.

23      Por requerimento apresentado em 31 de março de 2014, os recorrentes no processo principal interpuseram recurso de anulação desse decreto. Nomeadamente, os recorrentes acusaram o referido Governo de não ter observado os procedimentos previstos na Diretiva AAE, porquanto não procedeu a uma avaliação ambiental nos termos dessa diretiva. Em especial, o estudo do impacto não cumpria as exigências impostas pela referida diretiva.

24      No seu recurso, os recorrentes no processo principal alegam, fundamentalmente, que o direito belga faz uma distinção entre as medidas que se enquadram no ordenamento do território e as que se enquadram no urbanismo, prevendo unicamente para as primeiras a realização de uma avaliação do impacto ambiental. Ora, a Diretiva AAE refere os «planos e programas», sem fazer semelhante diferenciação.

25      Em sua defesa, o Governo da Região de Bruxelas‑Capital alega que o decreto impugnado não constitui um plano nem um programa, e que, consequentemente, os deveres processuais que esta enuncia não são aplicáveis à aprovação desse decreto.

26      O órgão jurisdicional de reenvio indica que a eventual procedência do recurso nele pendente depende de saber se o referido decreto está abrangido pelo conceito de «planos e programas».

27      Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva [AAE] ser interpretado no sentido de que inclui no conceito de “planos e programas” um regulamento de urbanismo adotado por uma autoridade regional:

–        que contém uma cartografia que fixa o seu perímetro de aplicação, limitado a um único bairro, e que delimita neste perímetro diferentes setores a que se aplicam regras distintas no que se refere à implantação e à altura das construções; e

–        que também prevê disposições específicas de ordenamento para as zonas situadas nas imediações dos imóveis, bem como indicações precisas sobre a aplicação espacial de certas regras que fixa tomando em consideração as ruas, as linhas retas traçadas perpendicularmente a essas ruas e as distâncias relativamente ao alinhamento das mesmas ruas; e

–        que prossegue um objetivo de transformação do bairro em causa; e

–        que fixa as regras de composição dos processos de pedidos de autorização urbanística sujeitos a uma avaliação ambiental nesse bairro?»

 Quanto à questão prejudicial

28      Importa desde já salientar que, embora a questão prejudicial se refira unicamente ao artigo 2.o da Diretiva AAE, como alegam vários participantes no processo no Tribunal de Justiça, com o pedido de decisão prejudicial tanto se pretende determinar se um RRUZ como o em causa no processo principal é abrangido pelo conceito de «planos e programas», na aceção dessa disposição, como saber se esse regulamento se conta entre os que estão sujeitos a uma avaliação ambiental, na aceção do artigo 3.o dessa diretiva.

29      Ora, o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado a questão prejudicial por referência a determinadas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, quer tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões Compete, a este respeito, ao Tribunal de Justiça extrair de todos os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos de direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 22 de junho de 2017, E.ON Biofor Sverige, C‑549/15, EU:C:2017:490, n.o 72 e jurisprudência aí referida).

30      A este propósito, decorre do artigo 3.o da Diretiva AAE que essa disposição deve ser interpretada no sentido de que sujeita o dever de submeter um plano ou programa específico a uma avaliação ambiental à condição de esse plano ou programa, a que essa disposição se refere, ser suscetível de ter efeitos significativos no ambiente.

31      Há, pois, que entender a questão do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que se pergunta, fundamentalmente, se o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o da Diretiva AAE devem ser interpretados no sentido de que um RRUZ como o que está em causa no processo principal, que fixa determinadas prescrições para a realização de projetos imobiliários, está abrangido pelo conceito de «planos e programas», suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, na aceção dessa diretiva, e, consequentemente, deve ser submetido a uma avaliação do impacto ambiental.

32      A título preliminar, importa, antes de mais, recordar que resulta do considerando 4 da Diretiva AAE que a avaliação ambiental constitui um instrumento importante de integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de determinados planos e programas.

33      Em seguida, nos termos do seu artigo 1.o, essa diretiva tem por objetivo estabelecer um nível elevado de proteção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Associazione Italia Nostra Onlus, C‑444/15, EU:C:2016:978, n.o 47).

34      Por último, tendo em conta a finalidade da mesma diretiva, que consiste em garantir um nível elevado de proteção do meio ambiente, as disposições que delimitam o seu âmbito de aplicação, designadamente as que enunciam as definições dos atos nela previstos, devem ser interpretadas em sentido amplo (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o., C‑290/15, EU:C:2016:816, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

35      É à luz destas considerações gerais que há que responder à questão prejudicial.

 Quanto ao artigo 2.o, alínea c), da Diretiva AAE

36      O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE define os «planos e programas» a que se refere como os que cumprem duas condições cumulativas, a saber, por um lado, terem sido preparados e/ou aprovados por uma autoridade a nível nacional, regional ou local, ou preparados por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e, por outro, serem exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas.

37      O Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no sentido de que devem ser considerados «exigido[s]» na aceção e em aplicação da Diretiva AAE e, por conseguinte, sujeitos à avaliação dos seus efeitos ambientais, nas condições que ela fixa, os planos e os programas cuja adoção está enquadrada por disposições legislativas ou regulamentares nacionais, as quais determinam as autoridades competentes para os adotar, bem como o seu procedimento de preparação (Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o., C‑567/10, EU:C:2012:159, n.o 31).

38      Com efeito, excluir do âmbito de aplicação da Diretiva AAE os planos e programas cuja aprovação não tem natureza obrigatória comprometeria o efeito útil da referida diretiva, face à sua finalidade, que consiste em garantir um nível elevado de proteção do ambiente (v., nesse sentido, Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o., C‑567/10, EU:C:2012:159, n.os 28 e 30).

39      No caso vertente, resulta da matéria de facto apurada pelo órgão jurisdicional de reenvio que o decreto impugnado foi aprovado por uma autoridade regional com fundamento nos artigos 88.o e seguintes do CoBAT.

40      Daqui se conclui que são cumpridas as condições enumeradas no n.o 36 do presente acórdão.

 Quanto ao artigo 3.o da Diretiva AAE

41      Há que observar que, por força do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE, são submetidos a uma avaliação ambiental sistemática os planos e programas que, por um lado, são elaborados para determinados setores e que, por outro, definem o quadro em que a execução dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva AIA pode vir a ser autorizada (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, C‑105/09 e C‑110/09, EU:C:2010:355, n.o 43).

42      Quanto à primeira destas condições, resulta da letra do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE que essa disposição visa, nomeadamente, o setor do «ordenamento urbano e rural ou [da] utilização dos solos».

43      Como a Comissão Europeia alega, a circunstância de essa disposição se referir quer ao «ordenamento do território» quer à «utilização dos solos» indica claramente que o setor referido não se limita à utilização do solo, em sentido estrito, a saber, a divisão do território em zonas e a definição das atividades permitidas dentro dessas zonas, mas sim que esse setor cobre necessariamente um domínio mais amplo.

44      Resulta do artigo 88.o do CoBAT que um regulamento regional de urbanismo versa sobre, nomeadamente, as construções e as suas envolventes, no plano, entre outros, dos arruamentos, da conservação, da salubridade, da energia, da acústica, da gestão dos resíduos e da estética.

45      Logo, tal ato enquadra‑se no setor do «ordenamento urbano e rural ou [da] utilização dos solos», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE.

46      No que se refere à segunda dessas condições, para determinar se um regulamento regional de urbanismo, como o que está em causa no processo principal, define o quadro em que a execução dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva AIA pode vir a ser autorizada, há que examinar o conteúdo e a finalidade desses programas, tendo em conta o alcance da avaliação ambiental dos projetos, conforme previsto na referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, C‑105/09 e C‑110/09, EU:C:2010:355, n.o 45).

47      Em primeiro lugar, no tocante aos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva AIA, importa recordar que do título 10 deste último anexo constam os projetos de infraestruturas, os quais compreendem, na alínea b) desse título, o ordenamento urbano.

48      Importa salientar que o ato impugnado contém regras aplicáveis a todas as construções, isto é aos imóveis, seja qual for a sua natureza, e a todas as suas envolventes, incluindo as «zonas de espaço aberto» e as «zonas de caminhos», quer sejam privativos, quer sejam acessíveis ao público.

49      Nesse aspeto, este ato contém uma cartografia que não se limita a prever o seu perímetro de aplicação, mas que delimita vários quarteirões a que se aplicam regras distintas quanto à implantação e altura das construções.

50      Mais especificamente, o referido ato contém disposições sobre o número, implantação e dimensão dos edifícios, assim como a sua afetação do solo; os espaços livres, incluindo as plantações nesses espaços; a recolha de águas pluviais, incluindo a construção de bacias de águas pluviais e de cisternas de recuperação, a conceção dos edifícios em conexão com os respetivos destinos, a respetiva longevidade e o respetivo desmantelamento; o coeficiente de biótopo, isto é, a relação entre as superfícies adaptáveis ecologicamente e a superfície do terreno; a configuração dos telhados, nomeadamente sob o ângulo da integração paisagística e da cobertura vegetal.

51      Quanto à finalidade do ato impugnado, este prossegue um objetivo de transformação do bairro num bairro «urbano, denso e misto», e destina‑se a «redesenvolver todo o bairro das instituições europeias». Mais especificamente, o referido ato contém um capítulo epigrafado «Disposições sobre a composição do processo de pedido de certificado e de licença urbanística», que prevê não só regras substantivas que devem ser aplicadas à emissão dos certificados mas também regras processuais sobre a composição dos pedidos de licenças e de certificados urbanísticos.

52      Daqui se conclui que um decreto como o que está em causa no processo principal contribui, pelo seu conteúdo e pela sua finalidade, para a concretização dos projetos enumerados no referido anexo.

53      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o ato impugnado define o quadro em que a execução desses projetos pode vir a ser autorizada, o Tribunal de Justiça já decidiu que o conceito de «planos e programas» engloba qualquer ato que, ao definir regras e processos de controlo para o setor em causa, estabelece um conjunto significativo de critérios e modalidades para a autorização e execução de um ou vários projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o., C‑290/15, EU:C:2016:816, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

54      Esta interpretação do conceito de «planos e programas» destina‑se a assegurar, como referiu a advogada‑geral no n.o 23 das suas conclusões, que prescrições suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente sejam objeto de uma avaliação do impacto ambiental.

55      Por isso, como salientou a advogada‑geral nos n.os 25 e 26 das suas conclusões, o conceito de «conjunto significativo de critérios e modalidades» deve ser entendido em sentido qualitativo, e não quantitativo. Com efeito, há que evitar eventuais estratégias que contornem as obrigações enunciadas pela Diretiva AAE, que podem materializar‑se numa fragmentação das medidas, reduzindo assim o efeito útil da mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o., C‑290/15, EU:C:2016:816, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

56      Resulta da leitura do ato impugnado que este contém, nomeadamente, prescrições sobre o ordenamento das zonas situadas nas envolventes dos imóveis e outros espaços livres, as zonas de caminhos, as zonas de pátios e jardins, as cercas, as ligações das construções às redes e aos esgotos, a recolha de águas pluviais e várias características das construções, nomeadamente a natureza convertível e duradoura destas, alguns dos seus aspetos exteriores e ainda os acessos de veículos aos mesmos.

57      Atendendo à forma como estão definidos, os critérios e as modalidades estabelecidos por semelhante ato podem, como observou a advogada‑geral no n.o 30 das suas conclusões, ter efeitos significativos no ambiente urbano.

58      Com efeito, esses critérios e modalidades são, como a Comissão sublinhou, suscetíveis de ter influência na iluminação, nos ventos, na paisagem urbana, na qualidade do ar, na biodiversidade, na gestão da água, na durabilidade das construções e, mais genericamente, nas emissões na zona em causa. Mais especificamente, como o preâmbulo do ato impugnado menciona, o gabarito e a disposição dos imóveis de dimensão elevada são suscetíveis de provocar efeitos indesejáveis de sombra e de vento.

59      Atendendo a estes elementos, cuja realidade e alcance face ao ato impugnado compete, não obstante, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, há que considerar que um ato como o que está em causa no processo principal entra no conceito de «planos e programas», na aceção do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva AAE, e deve ser submetido a uma avaliação do impacto ambiental.

60      Esta consideração não pode ser posta em causa pela objeção suscitada pelo Governo belga, relativa à dimensão geral da regulamentação em causa no processo principal. Com efeito, além de que resulta da própria letra do artigo 2.o, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva AAE que o conceito de «planos e programas» pode abranger atos normativos aprovados por via legislativa ou regulamentar, essa diretiva não contém, precisamente, disposições específicas sobre políticas ou regulamentações gerais que careceriam de delimitação relativamente aos planos e programas, na aceção da referida diretiva. De resto, a circunstância de um RRUZ como o que está em causa no processo principal conter regras gerais, apresentar um certo grau de planificação e prosseguir um objetivo de transformação do bairro constitui uma ilustração da sua dimensão programática ou planificadora e não obsta à sua inclusão no conceito de «planos e programas» (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o., C‑290/15, EU:C:2016:816, n.os 52 e 53).

 Quanto à eventual cumulação de avaliações do impacto ambiental

61      O órgão jurisdicional de reenvio indica que os ulteriores pedidos de autorização urbanística, para os quais as regras relativas à composição dos respetivos processos são fixadas pelo RRUZ em causa no processo principal, serão submetidos a avaliação do impacto ambiental.

62      Importa recordar que o objetivo essencial da Diretiva AAE consiste em submeter os planos e programas suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, na sua elaboração e antes da sua adoção, a uma avaliação ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

63      A este respeito, resulta do artigo 6.o, n.o 2, dessa diretiva que, supostamente, a avaliação ambiental é efetuada tão cedo quanto possível, para que as suas conclusões possam ainda influenciar eventuais decisões. Com efeito, é nessa fase que podem ser analisadas as várias vertentes alternativas e feitas opções estratégicas.

64      Além disso, embora o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva AAE preveja a possibilidade de utilizar as informações pertinentes obtidas a outros níveis de tomada de decisões ou por via de outros atos legislativos da União, o artigo 11.o, n.o 1, dessa diretiva especifica que as avaliações ambientais executadas nos termos daquela não prejudicam qualquer das exigências impostas na Diretiva AIA.

65      Acresce que uma avaliação dos efeitos no ambiente efetuada nos termos da Diretiva AIA não pode dispensar do dever de efetuar a avaliação ambiental exigida pela Diretiva AAE, para responder aos aspetos ambientais específicos desta.

66      Assim, a circunstância, assinalada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que os pedidos ulteriores de autorização urbanística serão objeto de um procedimento de avaliação do impacto, na aceção da Diretiva AIA, não é suscetível de pôr em causa a necessidade de proceder a uma avaliação ambiental de um plano ou programa abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE que estabelece o quadro em que os projetos de urbanização virão a ser autorizados, a menos que a avaliação do impacto desse plano ou programa já tenha sido efetuada, na aceção do n.o 42 do Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159).

67      Por todo o exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE devem ser interpretados no sentido de que um regulamento regional de urbanismo, como o que está em causa no processo principal, que fixa determinadas prescrições para a realização de projetos imobiliários, está abrangido pelo conceito de «planos e programas», suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, na aceção dessa diretiva, e, consequentemente, deve ser submetido a uma avaliação do impacto ambiental.

 Quanto às despesas

68      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, devem ser interpretados no sentido de que um regulamento regional de urbanismo, como o que está em causa no processo principal, que fixa determinadas prescrições para a realização de projetos imobiliários, está abrangido pelo conceito de «planos e programas», suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, na aceção dessa diretiva, e, consequentemente, deve ser submetido a uma avaliação do impacto ambiental.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.