Language of document : ECLI:EU:C:2012:90

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 16 de fevereiro de 2012 (1)

Processo C‑523/10

Wintersteiger AG

contra

Products 4U Sondermaschinenbau GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Cooperação judiciária em matéria civil ― Competência judiciária ― Regulamento (CE) n.° 44/2001 ― Violação dos direitos de marca em consequência da inscrição, por um concorrente, de um sinal idêntico à marca num prestador de serviços de pesquisa na Internet ― Inscrição de uma ‘palavra‑chave’ ― Proteção nacional da marca num Estado‑Membro diferente do da inscrição da ‘palavra‑chave’ ― Determinação do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso»





1.        O Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à determinação da competência judiciária internacional dos tribunais austríacos, no caso de uma alegada violação de uma marca austríaca cometida através da Internet. Em particular, a infração que é alegada pela recorrente, titular de uma marca austríaca, foi cometida na Alemanha, dado que a recorrida, uma concorrente com sede nesse país, inscreveu o nome da recorrente, «Wintersteiger», como palavra‑chave no serviço AdWord que o Google oferece através do seu domínio de topo correspondente à Alemanha.

2.        O presente processo proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer uma questão que afeta tanto a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial (2), cujo texto fixa a competência judiciária para conhecer de ações de responsabilidade civil extracontratual, como o direito da propriedade intelectual. Trata‑se, em conclusão, de conciliar as dificuldades que suscitam o caráter territorial de uma marca e o caráter potencialmente ubíquo de uma infração cometida através da Internet, mas a partir de outro Estado‑Membro.

I ―    Quadro jurídico

3.        O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 prevê que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro, «[e]m matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso».

II ― Matéria de facto, tramitação processual no órgão jurisdicional nacional e questões prejudiciais

4.        A Wintersteiger AG é uma empresa que se dedica ao fabrico e à comercialização em todo o mundo de máquinas de manutenção de esquis e pranchas de snowboard, incluindo peças sobresselentes e acessórios. Tem a sua sede na Áustria, onde é titular da marca austríaca «Wintersteiger» desde 1993. Embora o órgão jurisdicional de reenvio indique que a marca se encontra registada unicamente na Áustria, a empresa, nas suas observações escritas, indicou que a marca se encontra igualmente protegida noutros Estados, entre eles, a própria Alemanha.

5.        A Products 4U Sondermaschinenbau GmbH (a seguir «Products 4U») é uma empresa com sede na Alemanha, país a partir do qual desenvolve e comercializa em todo o mundo máquinas de manutenção de esquis e pranchas de snowboard. Vende, entre outros produtos, acessórios para as máquinas fabricadas pela Wintersteiger. Consta dos autos que a Wintersteiger não fornece nem autoriza a venda dos seus produtos à Products 4U. Apesar disso, a empresa alemã reservou, no dia 1 de dezembro de 2008, a «palavra‑chave» «Wintersteiger» no serviço de pesquisa com publicidade oferecido pelo Google, embora limitando a inscrição às pesquisas realizadas a partir de um domínio de topo correspondente à Alemanha («.de»).

6.        Segundo a descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a referida reserva da «palavra‑chave» implica que cada vez que se introduz o termo «Wintersteiger» no motor de busca Google correspondente ao domínio de topo «.de», apareça, na margem lateral direita, para além de uma ligação para a página web da empresa Wintersteiger, uma hiperligação de publicidade sob a rubrica «Anúncios». O texto do referido anúncio contém expressões como as seguintes: «Acessórios para oficinas de reparação de esquis», «Máquinas para esquis e pranchas de snowboard» e «Manutenção e Reparação». Ao clicar na hiperligação do anúncio, o utilizador é direcionado para uma secção da página web da Products 4U que tem por título «Acessórios Wintersteiger».

7.        Como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, apesar de o Google explorar um domínio de topo austríaco («.at»), a página Internet www.google.de pode ser consultada na Áustria.

8.        A Wintersteiger intentou, nos tribunais austríacos, uma ação em inibitória, conexa com um pedido de providências cautelares, com o objetivo de que a Products 4U se abstenha de utilizar a marca «Wintersteiger» como «palavra‑chave» no motor de busca do google.de. Em primeira instância, o pedido da recorrente não foi admitido com fundamento em incompetência internacional do tribunal, uma vez que este tribunal considerou que, dado tratar‑se de uma «palavra‑chave» limitada ao google.de, não existia uma relação suficiente com o território austríaco. O tribunal de segunda instância, o Oberlandesgericht Linz, rejeitou esta apreciação e confirmou a jurisdição dos tribunais austríacos, mas julgou o pedido improcedente quanto ao mérito. Tendo sido interposto recurso da decisão de segunda instância para o Oberster Gerichtshof, os factos suscitaram dúvidas a este último quanto à sua competência judiciária, pelo que submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve a expressão ‘lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso’, constante do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 (Regulamento Bruxelas I), em caso de alegada violação de uma marca do Estado do foro por parte de uma pessoa residente noutro Estado‑Membro mediante a utilização de uma palavra‑chave (AdWord) idêntica a esta marca num motor de busca da Internet que oferece os seus serviços em diferentes domínios de topo nacionais específicos, ser interpretada no sentido de que:

1.1.      A competência apenas é estabelecida se a palavra‑chave for utilizada no sítio Internet do motor de busca cujo domínio de topo seja o do Estado do foro;

1.2.      A competência apenas é estabelecida se o sítio Internet do motor de busca em que a palavra‑chave é utilizada puder ser consultado no Estado do foro;

1.3.      A competência depende da verificação de outros requisitos para além da possibilidade de consulta do sítio Internet?

2.      Em caso de resposta afirmativa à questão 1.3:

Que critérios devem ser utilizados para determinar se a competência conferida pelo artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento Bruxelas I resulta da utilização de uma marca do Estado do foro como palavra‑chave (AdWord) num sítio Internet de um motor de busca com um domínio de topo nacional específico diferente do do Estado do foro?»

9.        Apresentaram observações escritas a recorrente e a recorrida no processo principal, bem como os Governos da Áustria, Espanha, Reino Unido e Itália, e a Comissão.

III ― Análise das questões prejudiciais

A ―    Considerações prévias

10.      A título preliminar, cabe abordar alguns aspetos que condicionarão a análise de mérito da questão prejudicial submetida.

11.      Como já foi indicado, o Oberster Gerichtshof tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, aplicado a um pedido de cessação de um comportamento na Internet alegadamente lesivo de uma marca nacional. Para tal fim, o órgão jurisdicional de reenvio coloca‑nos duas questões, a primeira das quais subdividida, por sua vez, em três subquestões, refletindo em cada uma as diferentes interpretações que a referida norma admite. Não obstante, considero que o Tribunal de Justiça oferecerá uma solução perfeitamente útil se, em vez de analisar e propor uma resposta para cada uma das referidas questões, se limitar a expor os critérios que eventualmente podem justificar a competência judiciária internacional de um órgão jurisdicional nacional num caso como o do processo em apreço. Portanto, abordarei o presente processo reformulando as questões numa só.

12.      Em seguida, parece, também, oportuno destacar que a recorrente no processo principal, a empresa Wintersteiger, solicitou em primeira instância não só uma decisão jurisdicional quanto ao mérito, mas também a adoção de uma providência cautelar. O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, em várias ocasiões, a esta circunstância, embora as suas questões se cinjam exclusivamente à interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

13.      Como é sabido, a adoção de uma providência cautelar num contexto transnacional europeu exige a aplicação do artigo 31.° do referido regulamento e suscita problemas específicos. No entanto, e apesar de este assunto parecer ter sido abordado nas diferentes instâncias do processo principal, a verdade é que a questão que nos foi submetida no presente processo prejudicial se limita exclusivamente ao pedido de cessação e, por conseguinte, à interpretação do artigo 5.°, n.° 3, já referido. Portanto, nestas conclusões cingir‑me‑ei rigorosamente ao objeto da questão, deixando de lado a problemática cautelar que aparentemente subsiste no processo principal (3).

14.      Finalmente, convém, também, esclarecer um aspeto suscetível de alterar o enfoque necessário com vista à solução do processo. O órgão jurisdicional de reenvio informa‑nos de que a recorrente é titular de uma marca austríaca e resulta do despacho de reenvio que este é o único título de propriedade industrial que atualmente protege a marca «Wintersteiger». No entanto, o articulado de observações da recorrente contesta abertamente esta descrição dos factos e destaca que a mesma é titular de «várias marcas internacionais que incluem o elemento verbal ‘Wintersteiger’». Para esse efeito, a recorrente refere «as marcas internacionais 615.770 WINTERSTEIGER (WB) e 992.008 WINTERSTEIGER (WB), protegidas em vários países, incluindo a Alemanha».

15.      Embora seja verdade que esta circunstância, caso se confirmasse, modificaria o alcance do litígio do processo principal, não pode ser esquecido que o órgão jurisdicional de reenvio nos questiona exclusivamente sobre a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, num contexto no qual uma marca se encontra registada unicamente na Áustria. Aprofundar outras situações de facto significaria entrar num terreno sobre o qual nenhuma das partes, salvo a recorrente, se pronunciou. Portanto, limitar‑me‑ei, em seguida, a dar uma resposta à questão suscitada, tal como nos foi colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B ―    Quanto à interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001

1.      O lugar de ocorrência do dano, na aceção do artigo 5.°, n.° 3, aplicado a um comportamento suscetível de violar uma marca nacional através da Internet

16.      No presente processo, o ponto problemático de interpretação reside na determinação do lugar ou lugares onde ocorreu ou pode ter ocorrido o dano, na aceção do referido artigo 5.°, n.° 3, e isto num contexto no qual a atividade que alegadamente viola uma marca nacional é realizada através de um meio como a Internet.

17.      A título preliminar, convém recordar que quando existe uma unidade factual mas o lugar de origem do dano e o lugar de resultado divergem, o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, tal como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça a partir do acórdão Mines de potasse, reconhece competência a dois tribunais diferentes: os do lugar no qual o dano efetivamente ocorre e os do lugar de realização do evento causal, cabendo ao demandante a escolha do foro que melhor se adequa aos seus interesses (4). Esta solução garante a eficácia prática da regra enunciada na referida disposição, ao mesmo tempo que concede à vítima do dano uma margem de decisão que, também, preserva a proximidade entre o foro e os factos relevantes do litígio. A questão básica que há que examinar neste caso é, em conclusão, a da projeção desta doutrina quando o facto causal do alegado dano tem como meio a Internet. Para este efeito, haverá que acrescentar, no entanto, diversas considerações complementares.

18.      Existem algumas exceções à regra estabelecida no acórdão Mines de potasse, em particular, quando o dano é sofrido por uma mesma vítima em vários Estados. Assim sucede quando a violação afeta os direitos de personalidade. Nestes casos, o Tribunal de Justiça introduziu, no acórdão Shevill, uma limitação ao alcance da competência do tribunal competente (5). Com o referido acórdão, foi introduzida a chamada «regra mosaico», segundo a qual o demandante poderá recorrer aos tribunais do Estado onde o dano se originou para reclamar a totalidade do dano, ou aos dos Estados onde o dano efetivamente ocorreu, mas apenas para efeitos de pedir o ressarcimento dos danos sofridos no seu território.

19.      A abordagem adotada no acórdão Shevill tem sido, recentemente, adaptada às particularidades colocadas pela Internet. No processo eDate e Martinez (6), o Tribunal de Justiça considerou que quando são violados direitos de personalidade na Internet, a lesão apresenta contornos de especial gravidade, por causa do impacto geográfico da informação danosa. Em consequência, os critérios de conexão enunciados no acórdão Shevill foram ampliados, embora limitados ao caso das violações de um direito de personalidade. Para além dos critérios expostos no número anterior, o acórdão eDate e Martinez permite à pretensa vítima reclamar a totalidade dos danos sofridos, perante os tribunais do Estado onde esta tiver «o centro dos seus interesses».

20.      Mas, a abordagem adotada nos acórdãos Shevill e eDate e Martinez não se mostra aplicável ao caso em apreço. Com efeito, ambas as decisões dizem respeito a violações de direitos de personalidade, que diferem significativamente dos direitos de propriedade industrial, cuja proteção é territorial e que têm por objeto a exploração comercial de um bem (7). Portanto, os critérios de conexão previstos no artigo 5.°, n.° 3, não podem ser indistintamente aplicados a situações como as que deram origem aos referidos processos e ao presente caso, mas, pelo contrário, deve fazer‑se uma interpretação da referida disposição adaptada às circunstâncias particulares do direito da propriedade industrial.

21.      Situados já neste contexto específico, há que partir do pressuposto de que, caso ocorra um comportamento potencialmente infrator de uma marca nacional, o Regulamento n.° 44/2001 concede ao demandante, como regra geral, a possibilidade de recorrer ao tribunal do domicílio do demandado, ao abrigo do foro geral previsto no seu artigo 2.°, ou ao tribunal do lugar onde tiver ocorrido ou puder ocorrer o dano, de acordo com o referido artigo 5.°, n.° 3. O cambiante desta regra surge quando o dano foi provocado num Estado e consumado noutro, caso em que é aplicável o critério introduzido no referido acórdão Mines de potasse. Assim, quando uma marca nacional austríaca foi violada através da produção, na Alemanha, de mercadorias falsas destinadas ao mercado austríaco, para além do foro do demandado, nada impede que o titular da marca invoque o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, com o objetivo de litigar na Alemanha (lugar de produção do facto causal) ou na Áustria (lugar onde se consumou o dano) (8).

22.      Esta solução torna‑se problemática quando o comportamento danoso tem lugar com recurso ao meio técnico da Internet. Neste caso, dever‑se‑ia entender que a simples acessibilidade à informação danosa gera já um dano, multiplicando‑se assim os foros em todos os Estados da União. Igualmente, a pessoa que põe a circular na rede uma informação danosa atua como causador do dano, atomizando assim o lugar de origem da infração (9).

23.      Por estas razões, embora em circunstâncias alheias ao direito da propriedade industrial, o Tribunal de Justiça recusou reiteradamente que a simples acessibilidade ou a mera circulação na rede de uma informação danosa, tenham a importância suficiente para justificar a aplicação das disposições em matéria de competência judiciária do Regulamento n.° 44/2001 (10).

24.      Portanto, convém reiterar que, para efeitos da determinação do território no qual ocorreu ou poderá ocorrer o dano, quando este é realizado através da Internet, o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado, em coerência com a jurisprudência proferida no processo Mines de potasse, no sentido de que fundamenta, por um lado, a competência dos tribunais do lugar onde ocorre o facto causal e, por outro, do lugar onde o dano é consumado, de acordo com critérios específicos que passarei a detalhar.

25.      No que diz respeito ao lugar onde o dano é consumado, já antes adiantei que este será, sempre e em qualquer caso, o do Estado onde a marca está registada, pois só se gera um prejuízo onde existe proteção jurídica. No entanto, a existência de uma informação danosa na Internet não basta para determinar a competência do tribunal do Estado de registo. Para que isso seja possível, é necessário, no meu entender, que a informação em causa seja suscetível de produzir uma violação efetiva da marca.

26.      Do mesmo modo, o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, permite fundamentar a competência dos tribunais do Estado onde ocorre o facto causal do dano. No contexto específico da propriedade industrial, considero que o referido lugar é o lugar onde foram utilizados os meios necessários para que se tenha produzido a efetiva violação da marca. Este critério não toma em consideração a intencionalidade do infrator nem o centro dos interesses da vítima, mas sim a capacidade dos referidos meios para a produção de uma violação efetiva de uma marca noutro Estado‑Membro através da Internet. É certo que, na maioria dos casos, este lugar coincidirá com o do domicílio do demandado, mas deve salientar‑se, também, que podem existir situações nas quais o referido domicílio e o lugar onde ocorre o facto causal não se encontrem no mesmo Estado.

27.      Para determinar tanto o lugar do facto causal como o lugar onde o dano é consumado, é necessário tomar em consideração uma série de critérios que nos proporcionarão a localização precisa de ambos os acontecimentos. Como se observará a seguir, os critérios que passarei a enumerar servem, de igual modo, para determinar tanto o lugar do facto causal como o lugar onde ocorre o dano, pois dizem respeito a circunstâncias factuais aplicáveis a ambas as dimensões do acontecimento.

28.      O fator ou elemento fundamental é saber se a informação distribuída na Internet se destina realmente a ter um impacto no território no qual a marca se encontra registada (11). Não é suficiente que o conteúdo da informação incorra num risco de violação da marca, mas, pelo contrário, tem que ser comprovada a existência de elementos objetivos que permitam identificar um comportamento que, em si mesmo, tem uma vocação extraterritorial. Para este efeito, podem ser úteis diversos critérios, como a língua utilizada na informação, a sua acessibilidade, ou a presença comercial do demandado no mercado em que a marca nacional está protegida.

29.      É necessário, igualmente, determinar o espaço territorial do mercado em que a recorrida opera e a partir do qual foi distribuída a informação na rede (12). A este respeito, devem ser apreciadas circunstâncias como, entre outras, o domínio de topo, o domicílio ou outros dados de localização fornecidos na página web, ou o lugar onde o responsável pela informação tem o centro operacional da sua atividade na rede.

30.      Em resultado deste exame, o órgão jurisdicional concluirá se está perante os meios necessários para causar a priori uma violação efetiva de uma marca noutro Estado‑Membro através da Internet. Assim, será possível esclarecer tanto o lugar do facto causal como o da ocorrência efetiva do dano. Esta solução é coerente com o caráter territorial da marca nacional, pois não perde de vista, em nenhum momento, que o efeito lesivo ocorreu no Estado onde o título se encontra protegido. Do mesmo modo, permite à recorrente dirigir‑se aos foros em que existe uma estreita conexão entre os factos danosos e a jurisdição, mas sem cair numa atomização da competência que poria em risco a orientação do Regulamento n.° 44/2001. A tudo o que foi exposto anteriormente, acrescente‑se que se trata de uma solução adaptada às particularidades da propriedade intelectual, mas conforme com o espírito que inspira a jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida até à data.

31.      Esta análise exige, evidentemente, uma apreciação dos factos próxima da apreciação do mérito do processo, mas, obviamente, os dois planos são diferentes e é necessário que não sejam confundidos (13). O critério dos meios necessários, que se limita à fase da determinação da competência judiciária, não toma em consideração a infração cometida e consumada, mas sim o potencial de infração de um determinado comportamento. Esta diferença entre os dois planos torna‑se patente no presente processo: é oportuno recordar que o tribunal austríaco que conheceu do litígio em segunda instância se declarou competente e, em seguida, julgou improcedente o pedido quanto ao mérito.

2.      O critério proposto à luz das circunstâncias do presente processo

32.      Uma vez solucionado o critério de interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, e a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, analisarei as consequências da proposta nas circunstâncias específicas do presente processo.

33.      Na medida em que a recorrente no processo principal é titular da marca «Wintersteiger» na Áustria, os critérios anteriormente expostos permitem invocar o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 para fundamentar a competência dos tribunais austríacos. Com efeito, uma vez comprovado que foram utilizados os meios necessários para eventualmente produzir uma violação efetiva da marca, confirma‑se a competência dos tribunais do lugar no qual a atividade causal foi realizada, mas também a dos tribunais do lugar em que o dano foi consumado, que são os do território onde a marca está protegida, neste caso os austríacos.

34.      Como consta dos autos, a Products 4U é uma empresa domiciliada na Alemanha cuja atividade é desenvolvida em todo o mundo. No entanto, o seu centro operacional encontra‑se estabelecido na Alemanha e determinadas atividades publicitárias cingem‑se a esse território, como é o caso da reserva no Google de determinadas «palavras‑chave». A inscrição da «palavra‑chave» «Wintersteiger» solicitada pela recorrida limitou‑se aos serviços de pesquisa que o Google oferece através de um domínio de topo circunscrito territorialmente e correspondente à Alemanha (.de).

35.      A potencialidade da violação da marca austríaca é notória.

36.      Como o Tribunal de Justiça afirmou no processo Google France, uma questão prejudicial que, recordemos, se referia à violação substantiva de uma marca e não à competência judiciária, a função de uma marca pode ser prejudicada «quando é mostrado aos internautas, a partir de uma palavra‑chave idêntica a uma marca, um anúncio de um terceiro, como um concorrente do titular dessa marca» (14). É certo que, a seguir, o acórdão Google France acrescentou que a violação dependerá, no entanto, da maneira como esse anúncio é apresentado. Mas, em qualquer caso, a função de indicação de origem da marca é prejudicada «quando o anúncio não permite ou permite dificilmente ao internauta normalmente informado e razoavelmente atento saber se os produtos ou os serviços objeto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este ou, pelo contrário, de um terceiro» (15).

37.      Recorde‑se que a jurisprudência acima referida é relativa às infrações efetivamente produzidas através da inscrição de «palavras‑chave». No nosso caso, que diz respeito, unicamente, à determinação da competência judiciária, devemos referir‑nos, pelo contrário, unicamente ao potencial lesivo, como já indiquei no n.° 31 destas conclusões. Desta perspetiva, parece claro que a inscrição da «palavra‑chave» limitada ao domínio de topo «.de», o qual utiliza a língua alemã e ao qual se pode aceder na Áustria, país fronteiriço da Alemanha, é suscetível de causar a priori uma violação efetiva da marca austríaca.

38.      Com efeito, e como concluiu a recorrente no seu articulado de observações, o facto de a inscrição da palavra‑chave ter, por vocação, uma dimensão geográfica limitada à Alemanha, não impede, de forma alguma, que os clientes da marca Wintersteiger na Áustria recorram ao serviço de pesquisas do google.de, tanto a partir da Áustria como da Alemanha. Que o mercado da recorrente seja internacional, e que a sua concorrente alemã atue a partir de um Estado fronteiriço e através de um meio, como o Google.de, cujo acesso na Áustria é livre e que utiliza a mesma língua, é uma circunstância bem reveladora do impacto que o comportamento da recorrida objetivamente tem, na Áustria, sobre a marca «Wintersteiger».

39.      Do mesmo modo, o facto de a «palavra‑chave» «Wintersteiger» ter uma ligação que remete o utilizador diretamente para a página web da recorrida, sem qualquer alusão ao facto de se tratar de uma marca nacional associada a uma empresa austríaca, é outro fator que pode, objetivamente, contribuir para que o utilizador, que pode estar na Áustria a aceder sem qualquer restrição ao Google.de, incorra numa confusão entre as duas empresas, concorrentes no mercado interno europeu.

40.      Em consequência, considero que, nas circunstâncias do presente processo, a parte recorrida utilizou os meios necessários para que, objetivamente, pudesse ocorrer uma violação efetiva da marca registada na Áustria. Portanto, há que afirmar que, para efeitos do disposto no artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, o lugar onde ocorreu o dano não é só a Alemanha, lugar do facto causal, mas também a Áustria, na medida em que a recorrida enveredou por um comportamento suscetível a priori de provocar um dano à marca austríaca.

IV ― Conclusão

41.      Tendo em consideração o que foi exposto anteriormente, proponho ao Tribunal de Justiça que, em resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), declare o seguinte:

«O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, deve ser interpretado, no caso de um comportamento, através da Internet, ser suscetível de violar uma marca nacional registada num Estado‑Membro, no sentido de que atribui a competência judiciária:

―      aos tribunais do Estado‑Membro no qual a marca se encontra registada,

―      e aos tribunais do Estado‑Membro onde foram utilizados os meios necessários para produzir uma violação efetiva de uma marca registada noutro Estado‑Membro.»


1 ―      Língua original: espanhol.


2 — JO 2001, L 12, p. 1.


3—      Em data próxima à apresentação destas conclusões, pronuncio‑me sobre a interpretação do artigo 31.° do Regulamento n.° 44/2001, num contexto de direitos de propriedade industrial, no processo Solvay (C‑616/10).


4 — Acórdãos de 30 de novembro de 1976, Mines de potasse d’Alsace SA (21/76, Colet., p. 677, n.os 24 e 25); de 1 de outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, Colet., p. I‑8111, n.° 44); de 5 de fevereiro de 2004, DFDS Torline (C‑18/02, Colet., p. I‑1417, n.° 40), e de 16 de julho de 2009, Zuid‑Chemie (C‑189/08, Colet., p. I‑6917, n.° 24).


5 — Acórdão de 7 de março de 1995 (C‑68/93, Colet., p. I‑00415).


6 — Acórdão de 25 de outubro de 2011 (C‑509/09 e C‑161/10, Colet., p. I‑10269).


7 — A esse respeito, v. Virgós Soriano, M. e Garcimartín Alférez, F. J., Derecho Procesal Civil Internacional. Litigación Internacional, 2ª ed., Thomson‑Civitas, 2007, pp. 194 e 195, e Heinze, C., «The CLIP Principles on Jurisdiction» in Basedow, J., Kono, T. y Metzger, A. (eds.), Intellectual Property in the Global Arena. Jurisdiction, Applicable Law, and the Recognition of Judgments in Europe, Japan and the US, MatIPR 49, Ed. Mohr Siebeck, Tubinga, 2010, pp. 68 e 69.


8 — Sobre a potencialidade de infração de um comportamento extraterritorial sobre a marca, embora num contexto diferente da competência judiciária, v. acórdão de 12 de julho de 2011, L’Oréal SA (C‑324/09, Colet., p. I‑6011, n.° 63).


9 — V. Moura Vicente, D., La propriété intellectuelle en droit international privé, Ed. Martinus Nijhoff, Leiden‑Boston, 2009, pp. 398 a 405.


10 — Acórdão de 7 de dezembro de 2010 (C‑585/08 e C‑144/09, Colet., p. I‑12527). De igual modo, o acórdão L’Oreal, já referido, no seu n.° 64, nega que a simples acessibilidade constitua um elemento juridicamente relevante, embora o faça no contexto da apreciação de mérito da violação de uma marca, e não no da determinação da competência judiciária.


11 — Nesta linha, v., por exemplo, a decisão McBee vs. Delica Co., United States Court of Appeals, 1st Circuit, 417 F.3d 107 (2005) ou o despacho do Tribunal de grande instance de Paris de 16 de maio de 2008, Rueducommerce c. Carrefour Belgium.


12 — V., por exemplo, a decisão Zippo Manufacturing Company vs. Zippo Dot Com, Inc., United States District Court, W.D. Pennsylvania, 952 F. Supp 1119 ou a decisão da Cour de cassation francesa de 11 de janeiro de 2005, Société Hugo Boss c. Société Reemstma Cigarettenfabriken GMBH.


13 — V. acórdão de 15 de maio de 1990, Kongress Agentur Hagen GMBH (C‑365/88, Colet., p. I‑01845, n.os 12 e segs.).


14 — Acórdão de 23 de março de 2010 (C‑236/08 a C‑238/08, Colet., p. I‑02417, n.° 83).


15 — Acórdão Google France, já referido, n.° 84.