Language of document : ECLI:EU:C:2017:647

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 7 de setembro de 2017 (1)

Processo C‑158/16

Margarita Isabel Vega González

contra

Consejería de Hacienda y Sector Público del Gobierno del Principado de Asturias

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 1 de Oviedo (Tribunal Administrativo n.o 1 de Oviedo, Espanha)]

«Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 4.o — Significado de “condições de emprego” — Licença especial para exercer um cargo político — Princípio da não discriminação»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE (2). O pedido foi apresentado no âmbito de um processo entre Margarita Isabel Vega González e a Consejería de Hacienda y Sector Público del Gobierno del Principado de Asturias (Ministério das Finanças e da Função Pública do Governo do Principado das Astúrias, Espanha). No essencial, o litígio prende‑se com a questão de saber se a «licença especial» solicitada por M. Vega González, que exerce funções como funcionária interina, a fim de poder assumir funções como representante eleita numa assembleia legislativa, deveria ter sido autorizada. Se M. Vega González fosse funcionária efetiva (caso em que seria trabalhadora permanente na aceção do acordo‑quadro), teria usufruído do direito à referida licença especial nas circunstâncias em causa.

2.        O órgão jurisdicional de reenvio pede orientações sobre a aplicação do princípio da não discriminação e sobre o significado do conceito de «condições de emprego» que consta do artigo 4.o do acordo‑quadro. Conforme pedido pelo Tribunal de Justiça, nas presentes conclusões limitar‑me‑ei a analisar a interpretação do conceito de «condições de emprego» na referida disposição.

 Quadro jurídico

 Diretiva 1999/70

3.        O artigo 1.o da Diretiva 1999/70 refere explicitamente que a mesma tem como objetivo «a aplicação do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

4.        O primeiro parágrafo do artigo 2.o tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva [e devem] tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente diretiva. […]»

5.        O artigo 1.o do acordo‑quadro estabelece que o objetivo do mesmo consiste em «[m]elhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação» e «[e]stabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo».

6.        O artigo 2.o («Âmbito de aplicação») prevê que o acordo‑quadro é aplicável aos «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro».

7.        Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, entende‑se por «trabalhador contratado a termo» «o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento». O conceito de «trabalhador permanente em situação comparável» encontra‑se definido no artigo 3.o, n.o 2, como sendo «um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa, realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências».

8.        O artigo 4.o consagra o princípio da não discriminação e dispõe:

«1.      No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.

[…]»

 Direito nacional

9.        No seu artigo 64.o, n.o 1, alínea g), a Ley del Principado de Asturias 3/1985, de 26 de diciembre, de Ordenación de la Función Pública de la Administración del Principado de Asturias (Lei 3/1985 do Principado das Astúrias, de 26 de dezembro, relativa à organização da função pública da Administração do Principado das Astúrias, a seguir «Lei 3/1985»), prevê o direito incondicional dos funcionários de carreira a uma «licença especial» quando forem eleitos deputados da Junta General del Principado de Asturias (Parlamento Regional do Principado das Astúrias. A situação de licença especial é concedida através da colocação do funcionário numa «situação administrativa» especial. A colocação nesta situação está reservada exclusivamente aos funcionários de carreira (3).

10.      A decisão de reenvio e os elementos submetidos ao Tribunal de Justiça sugerem que a Ley del Estatuto básico del empleado público (Lei espanhola sobre a regulamentação de base aplicável aos funcionários públicos), que não está aqui diretamente em causa, contém disposições que, no essencial, são semelhantes às da legislação regional aplicável. Na decisão de reenvio não figuram quaisquer afirmações a esse respeito.

 Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

11.      M. Vega González afirma ter estado ao serviço das autoridades administrativas do Principado das Astúrias, no exercício de diferentes funções, desde 26 de maio de 1989. Embora o órgão jurisdicional de reenvio não tenha corroborado explicitamente tal afirmação, no pedido de decisão prejudicial refere‑se claramente que M. Vega González foi nomeada funcionária interina (isto é, como trabalhador temporário na função pública) em 15 de abril de 2011, a fim de substituir um funcionário de carreira em destacamento, tendo sido colocada na categoria superior do pessoal administrativo.

12.      Em 24 de maio de 2015, M. Vega González foi eleita deputada do Parlamento Regional do Principado das Astúrias. A fim de poder assumir o cargo, em 13 de junho de 2015, apresentou à sua entidade empregadora um pedido de reconhecimento da situação administrativa de licença especial ou, a título subsidiário, de licença sem vencimento. No procedimento subsequente, o seu pedido parece ter sido formulado como solicitando o direito a regressar ao seu posto de trabalho quando cessasse o seu mandato se, nesse momento, o posto de trabalho que ocupava não tivesse sido (a) extinto, nem (b) preenchido por um funcionário de carreira.

13.      O referido pedido foi indeferido por decisão de 23 de junho de 2015 da Dirección general de función pública (Direção‑Geral da Função Pública, Espanha). M. Vega González requereu a reapreciação dessa decisão inicial à Consejería de Hacienda y Sector Público del Gobierno del Principado de Asturias (Ministério das Finanças e da Função Pública do Governo do Principado das Astúrias), que indeferiu o pedido por decisão de 22 de outubro de 2015. Posteriormente, interpôs recurso junto do órgão jurisdicional de reenvio, com vista a obter a revisão desta última decisão.

14.      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, ao abrigo da legislação nacional espanhola e da legislação regional asturiana aplicável ‑ que não deixa à entidade empregadora qualquer poder discricionário nesta matéria ‑, um funcionário de carreira que tivesse sido eleito para o Parlamento Regional teria tido direito à situação de licença especial, mas que M. Vega González desempenha funções como funcionária interina e a legislação aplicável não concede o referido direito a essa categoria de trabalhadores. Foi por essa razão que o seu pedido de reconhecimento da situação de licença especial foi recusado.

15.      Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 1 de Oviedo (Tribunal Administrativo n.o 1 de Oviedo, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a expressão “condições de emprego” do artigo 4.o do [acordo‑quadro], ser interpretada no sentido de que tal conceito abrange a situação jurídica que permite a um trabalhador com uma relação de trabalho a termo que foi eleito para um cargo de representação política requerer e obter, tal como o pessoal permanente, a suspensão da sua relação profissional com a entidade empregadora e regressar ao seu posto de trabalho assim que cessar o respetivo mandato parlamentar?

2)      Deve o princípio da não discriminação consagrado no artigo 4.o do [acordo‑], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação regional, como o artigo 59.o, n.o 2, da [Lei 3/1985], que impede de forma total e absoluta os funcionários interinos de obterem o reconhecimento de uma situação administrativa de serviço especial quando sejam eleitos deputados ao Parlamento, apesar de este direito ser reconhecido aos funcionários de carreira?»

16.      Apresentaram observações escritas M. Vega González, o Governo espanhol e a Comissão. Embora o Governo espanhol tenha solicitado a realização de uma audiência, o Tribunal de Justiça entendeu que, com base nas alegações apresentadas durante a fase escrita do processo, dispunha de informações suficientes para se pronunciar, e, por conseguinte, decidiu, nos termos do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não realizar audiência.

 Apreciação

17.      A título de introdução, recordo que o processo principal diz respeito a um pedido de reconhecimento da situação de licença especial apresentado por uma funcionária interina «temporária» que, nos quatro anos anteriores, preenchera um posto de trabalho em substituição de um funcionário de carreira ausente em regime de destacamento, o qual, por conseguinte, tinha direito a ausentar‑se. O pedido de M. Vega González teve origem na sua eleição para o Parlamento Regional do Principado das Astúrias. Nas suas observações escritas, M. Vega González argumenta que, embora, em teoria, pudesse desempenhar a tempo parcial as suas funções como representante democraticamente eleita, na prática, tem de se dedicar a tempo inteiro às novas funções, a fim de as realizar eficazmente e cumprir plenamente a sua missão ao serviço do Parlamento Regional do Principado das Astúrias e das suas várias comissões. As observações apresentadas pelo Governo espanhol em nada contradizem essa argumentação, que, pessoalmente, considero inteiramente convincente. Como tal, aceito a sugestão do órgão jurisdicional de reenvio de que, na ausência de qualquer direito dos funcionários interinos ao reconhecimento da situação de licença especial, não restava a M. Vega González (nem a qualquer pessoa na sua situação), caso pretendesse exercer a tempo inteiro as suas funções como representante eleita, outra opção que não a renúncia ao seu posto de trabalho, sem direito a retomá‑lo quando terminasse o mandato parlamentar.

18.      Não é difícil entender em que medida tal facto pode dissuadir esses funcionários interinos de se candidatarem a eleições, o que, por sua vez, pode comprometer a diversidade e a representatividade do órgão legislativo em questão.

19.      Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a expressão «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, deve ser interpretada no sentido de que abrange o direito ao reconhecimento da situação de licença especial como o em causa no processo principal, nos casos em que tem esse direito um funcionário de carreira que pretenda assumir o cargo de deputado eleito para um órgão como o Parlamento Regional do Principado das Astúrias, mas não tem o mesmo direito um funcionário com contrato a termo num posto de trabalho semelhante. Procurarei explicar por que razão — contrariamente à posição defendida pelo Governo espanhol — a referida expressão deve, efetivamente, ser interpretada nesse sentido, com base numa interpretação tanto literal como teleológica daquela disposição.

20.      Segundo jurisprudência constante — e efetivamente o Governo espanhol não faz qualquer tentativa de contestar este ponto — os funcionários interinos contratados a termo, como é o caso de M. Vega González, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação ratione personae da Diretiva 1999/70 e do acordo‑quadro (4).

21.      O órgão jurisdicional de reenvio explica que o reconhecimento da «situação administrativa de [licença] especial» (tal como solicitado por M. Vega González) «produz o efeito de suspender a relação profissional e de reservar o posto e a função ocupados, de modo que, assim que cessar a situação que origina o serviço especial (neste caso, quando expirar o mandato parlamentar), o funcionário em causa pode regressar à [Administração pública]». E acrescenta que o artigo 64.o, n.o 2, da Lei 3/1985 dispõe que «[o]s funcionários em situação de serviço especial terão direito à reserva do seu posto e função e a duração desta situação será tida em conta para efeitos de prémios trienais e promoção no grau». Resulta claramente desta descrição que um funcionário de carreira mantém determinados benefícios resultantes da relação laboral subjacente enquanto se encontra ausente em situação de licença especial. Esses benefícios estão associados tanto ao posto de trabalho propriamente dito (trata‑se de um emprego garantido) como à progressão na carreira e aos níveis de remuneração.

22.      Nas presentes conclusões, tomarei como ponto de partida o significado natural das palavras «condições de emprego». Em minha opinião, esta expressão deve ser entendida como designando os direitos e as obrigações que definem uma determinada relação de trabalho, isto é, as condições com base nas quais uma pessoa assume um emprego (5). Isto inclui evidentemente aspetos como a remuneração, o horário de trabalho, o direito a férias pagas ou não, etc.

23.      O Tribunal de Justiça já esclareceu o significado do conceito de «condições de emprego», na aceção constante do acordo‑quadro em diversos processos. Na sua maioria (embora não exclusivamente), esses processos tratam os aspetos económicos da relação laboral. Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que os seguintes aspetos, entre outros, estão abrangidos pelo conceito de «condições de emprego»: a compensação que um empregador está obrigado a pagar a um trabalhador na sequência da cessação do contrato de trabalho a termo (6), o prazo de pré‑aviso da rescisão dos contratos de trabalho a termo (7), a indemnização que um empregador está obrigado a pagar a um trabalhador, em razão da fixação ilegal de um termo no seu contrato de trabalho (8), os subsídios e prémios de antiguidade (9), as condições relativas às remunerações e às pensões que dependem da relação laboral, com exclusão das condições relativas às pensões de um regime legal de segurança social (10), a redução do horário de trabalho para metade e a consequente redução da remuneração (11), e o direito de participação no plano de avaliação da função docente e no correspondente incentivo económico(12).

24.      Cada uma destas «condições» se caracteriza, a meu ver, por fazer parte do conjunto específico de direitos e obrigações que definiu a relação laboral em causa em cada um desses processos. Além disso, é claro que os benefícios de que um funcionário de carreira continua a usufruir quando em situação de serviço especial se prendem com aspetos da relação laboral que já foram reconhecidos pelo Tribunal de Justiça como fazendo parte das «condições de emprego» (13).

25.      Cumpre acrescentar que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, a recusa das autoridades públicas de conceder a licença especial colocou M. Vega González numa situação em que teria de terminar o seu contrato de trabalho para poder assumir e exercer a tempo inteiro o seu mandato democrático no Parlamento Regional do Principado das Astúrias. O Tribunal de Justiça já reconheceu que as condições relativas à rescisão de um contrato a termo fazem parte das «condições de emprego» abrangidas pelo artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro (14). Pode afirmar‑se indiretamente que isso reforça o argumento de que, em tais circunstâncias, o direito à referida licença também se inscreve nesse conceito.

26.      O Tribunal de Justiça já afirmou reiteradamente que «o critério decisivo para determinar se uma medida está incluída nas ”condições de trabalho” […] é precisamente o do emprego, isto é, a relação de trabalho entre o trabalhador e o seu empregador» (15). Por outras palavras, as condições que fazem parte da relação de trabalho estão abrangidas.

27.      Os direitos suscetíveis de implicar a suspensão de certos elementos normais da relação de trabalho, como o direito à licença sem vencimento e o direito à licença parental, também devem, em minha opinião, à luz dessa mesma leitura do acordo‑quadro, ser considerados como estando abrangidos. Também eles fazem parte do conjunto de direitos e obrigações que definem a relação de trabalho entre o trabalhador e o seu empregador. Durante o período em situação de licença especial, determinados direitos e obrigações são suspensos (nomeadamente, o direito a receber salário e a obrigação de desempenhar funções). Contudo, existem outros direitos inerentes ao trabalhador que subsistem.

28.      O Governo espanhol discorda desta posição. Sustenta que a situação em causa não respeita às «condições de emprego», uma vez que a concessão da suspensão da relação de trabalho não faz parte da relação entre um trabalhador e a sua entidade empregadora. Salienta que a suspensão solicitada decorre da decisão deliberada e unilateral de M. Vega González de participar nas eleições regionais e assumir a tempo inteiro o cargo de deputada eleita do Parlamento Regional do Principado das Astúrias.

29.      Tenho dificuldade em seguir esse raciocínio.

30.      M. Vega González pretende ter direito a que a sua relação de trabalho se mantenha nos mesmos termos ‑ ou em termos tão semelhantes quanto possível — que aqueles a que um funcionário de carreira tem direito. Esses termos fazem claramente parte dos direitos e obrigações que definem a relação de trabalho entre a trabalhadora e a entidade empregadora em questão isto é, das «condições de emprego». A questão fundamental é que um funcionário de carreira em circunstâncias semelhantes às de M. Vega González continua a acumular determinados benefícios associados ao seu contrato de trabalho e pode regressar ao seu posto de trabalho uma vez terminado o seu mandato como membro eleito da assembleia legislativa em questão, ao passo que um trabalhador contratado a termo (neste caso, uma funcionária interina) que desempenhe exatamente as mesmas funções não usufrui desses direitos.

31.      É totalmente irrelevante o facto de a necessidade que M. Vega González teve de requerer o reconhecimento da situação de licença especial decorrer da sua «decisão deliberada e unilateral» de se candidatar a um cargo de representação política. O raciocínio exposto equivale a afirmar que, uma vez que o empregador de uma trabalhadora não tem (pelo menos, normalmente) envolvimento na sua decisão de engravidar, ela não deve poder usufruir da licença de maternidade. Manifestamente, tal argumento (e o seu corolário neste caso) é, no fundamental, erróneo.

32.      O direito ao reconhecimento da situação de licença especial em causa no processo principal faz claramente parte do conjunto de direitos e obrigações que definem a relação de trabalho entre a funcionária e a entidade empregadora. Como tal, é um direito que faz parte das «condições de emprego», na aceção do acordo‑quadro e da diretiva.

33.      Recusar esse direito, a que os funcionários de carreira têm acesso incondicional, aos seus homólogos interinos com base no pressuposto de que tal direito não faz parte das «condições de emprego» do funcionário contratado a termo não só viola o texto no seu mais elementar significado, como também vai contra os objetivos do acordo‑quadro e da diretiva.

34.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não apenas os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (16).

35.      Nos termos do artigo 1.o, alínea a), do acordo‑quadro, o objetivo deste consiste, nomeadamente, em «melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação». Tal objetivo deve ser entendido no contexto dos objetivos estabelecidos no artigo 151.o TFUE de promoção do emprego e melhoria das condições de trabalho.

36.      O Tribunal de Justiça tem afirmado em numerosas ocasiões que o artigo 4.o do acordo‑quadro se destina a aplicar o princípio da não discriminação aos trabalhadores contratados a termo, com vista a impedir que uma relação laboral dessa natureza seja utilizada por um empregador para privar estes trabalhadores dos direitos que são reconhecidos aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado, e expressa um «princípio do direito social comunitário [que] não pode ser interpretado de modo restritivo» (17).

37.      Uma interpretação do conceito de «condições de emprego» constante do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro que exclua os direitos a licença (como o direito ao reconhecimento da situação administrativa de licença especial em causa no processo principal) do âmbito de aplicação desse conceito seria contrária aos objetivos da Diretiva 1999/70 e do acordo‑quadro, uma vez que permitiria que «direitos que são reconhecidos aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado» fossem negados aos trabalhadores com contrato a termo (18). Se os direitos a licença fossem excluídos do âmbito de aplicação do princípio da não discriminação, é incontestável que isso reduziria a qualidade do trabalho a termo em lugar de melhorá‑la.

38.      Daí se conclui que recusar esse direito a um trabalhador contratado a termo infringe o princípio da não discriminação consignado no artigo 4.o do acordo‑quadro, se a) um funcionário de carreira com direito ao reconhecimento da referida situação administrativa de licença especial for um «trabalhador permanente numa situação comparável» em relação ao trabalhador contratado a termo, e b) a diferença de tratamento não for justificada por razões objetivas.

39.      No que diz respeito a essas questões, limitar‑me‑ei a três breves observações.

40.      Em primeiro lugar, nos elementos do processo submetidos ao Tribunal de Justiça, nada encontro que sugira que o trabalho efetuado por M. Vega González como funcionária interina (com pelo menos quatro anos de serviço ininterrupto) (19) fosse radicalmente diferente do trabalho efetuado pelo funcionário de carreira que ela está a substituir. Embora seja ao órgão jurisdicional nacional que compete, em última instância, dirimir as questões de facto, afigura‑se‑me razoavelmente provável que M. Vega González possa ser acertadamente comparada ao funcionário de carreira seu colega para tais efeitos.

41.      Em segundo lugar, não foram apresentados ao Tribunal de Justiça quaisquer elementos que justifiquem adequadamente a manifesta diferença de tratamento. O Governo espanhol alega, no essencial, que os direitos a licença estão interligados com a estrutura de carreira dos funcionários públicos efetivos. Se bem entendo, porém, em termos objetivos esses direitos podem ser vantajosos tanto para os funcionários de carreira como para os funcionários interinos.

42.      Por último, recordo que M. Vega González não pediu uma garantia incondicional de reintegração no posto de trabalho após a cessação do seu mandato no Parlamento Regional do Principado das Astúrias. O que pediu foi o direito de retomar as suas anteriores funções se, ao tempo, o posto que ocupara não tivesse sido (a) extinto, nem (b) ocupado por um funcionário de carreira. É um pedido que se me afigura, pelo menos prima facie, ter em conta, de forma proporcionada, quaisquer diferenças reais que existam entre funcionários de carreira e funcionários interinos no que se refere ao direito de reintegrar a administração pública após um período de serviço como representante democraticamente eleito. O direito dos primeiros a retomar ativamente funções é incondicional; no caso dos segundos, por definição, não o é.

 Conclusão

43.      À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à primeira questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio:

«A expressão “condições de emprego”, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, deve ser interpretada no sentido de que abrange o direito ao reconhecimento da situação administrativa de licença especial como o que está em causa no processo principal, quando um funcionário de carreira tem direito a uma licença especial para assumir o cargo de deputado eleito a um parlamento regional, enquanto um funcionário contratado a termo que ocupa um posto de trabalho semelhante não tem esse direito.»


1      Língua do processo: inglês.


2      Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43). CES, UNICE e CEEP são as abreviaturas das denominações em francês da Confederação Europeia de Sindicatos, da União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa e do Centro Europeu de Empresas de Serviços de Interesse Geral, respetivamente.


3      Parece decorrer das observações escritas da Comissão e de M. Vega González que a legislação regional asturiana em questão (artigo 59.o, n.o 1, da Lei 3/1985) permite aos funcionários de carreira oito situações administrativas diferentes: a) serviço ativo; b) licença sem vencimento; c) licença parental; d) passagem à disponibilidade; e) licença especial; f) serviços noutras Administrações; g) serviços no setor público autónomo; e h) suspensão. Nos termos do artigo 59.o, n.o 2, da Lei 3/1985, os funcionários públicos que não sejam funcionários de carreira apenas podem ser colocados nas situações a) («serviço ativo») ou h) («suspensão»).


4      Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819, n.os 40 a 45 e jurisprudência aí referida).


5      V., no mesmo sentido, as minhas conclusões nos processos Epitropos tou Elegktikou Sinedriou (C‑363/11, EU:C:2012:584, n.o 67) e Rosado Santana (C‑177/10, EU:C:2011:301, n.o 55).


6      Acórdão de 14 de setembro de 2016, de Diego Porras (C‑596/14, EU:C:2016:683).


7      Acórdão de 13 de março de 2014, Nierodzik (C‑38/13, EU:C:2014:152).


8      Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Carratù (C‑361/12, EU:C:2013:830).


9      Acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, EU:C:2007:509); de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819); e de 9 de julho de 2015, Regojo Dans (C‑177/14, EU:C:2015:450).


10      Acórdão de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223).


11      Despacho do Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2017, Rodrigo Sanz (C‑443/16, EU:C:2017:109).


12      Despacho do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2016, Álvarez Santirso (C‑631/15, EU:C:2016:725).


13      Com efeito, os prémios trienais de antiguidade já foram explicitamente classificados pelo Tribunal de Justiça como fazendo parte das «condições de emprego»: v. acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, EU:C:2007:509, n.os 47 e 48), e de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819, n.os 50 a 58); e despacho de 18 de março de 2011, Montoya Medina (C‑273/10, não publicado, EU:C:2011:167, n.os 32 a 34).


14      Acórdão de 13 de março de 2014, Nierodzik (C‑38/13, EU:C:2014:152); v., igualmente, n.o 23 das presentes conclusões.


15      V., mais recentemente, o despacho de 9 de fevereiro de 2017, Rodrigo Sanz (C‑443/16, EU:C:2017:109, n.o 32, e jurisprudência aí referida).


16      V., entre muitos outros, os acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck/Hauptzollamt (292/82, EU:C:1983:335, n.o 12); de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, ECLI:EU:C:2002:741, n.o 203); e, mais recentemente, acórdão de 14 de junho de 2017, Khorassani (C‑678/15, EU:C:2017:451, n.o 26).


17      V. acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, EU:C:2007:509, n.o 38); de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 114), e de 14 de setembro de 2016, de Diego Porras (C‑596/14, EU:C:2016:683, n.o 27); e despachos de 21 de setembro de 2016, Álvarez Santirso (C‑631/15, EU:C:2016:725, n.o 33), e de 9 de fevereiro de 2017, Rodrigo Sanz (C‑443/16, EU:C:2017:109, n.o 30).


18      V., entre outros, acórdãos de 13 de setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, EU:C:2007:509, n.o 37); de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro ae Iglesias Torres (C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819, n.o 48); de 13 de março de 2014, Nierodzik (C‑38/13, EU:C:2014:152, n.o 23); e de 14 de setembro de 2016, de Diego Porras (C‑596/14, EU:C:2016:683, n.o 26).


19      Recorde‑se que M. Vega González alega que, de facto, esteve ao serviço das autoridades administrativas asturianas, no exercício de diferentes funções, desde 26 de maio de 1989 (v. n.o 11 das presentes conclusões). Se isso corresponder à verdade — o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar ‑, tal significa que tinha quase 26 anos de trabalho na função pública quando foi eleita para o Parlamento Regional do Principado das Astúrias, em 24 de maio de 2015. Desde 2011 que estava a substituir um funcionário de carreira ausente em regime de licença (v. n.o 11 das presentes conclusões).