Language of document : ECLI:EU:C:2014:2151

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

4 de setembro de 2014 (*)

«Recurso de anulação — Ação externa da União Europeia — Acordos internacionais — Proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão — Negociações relativas a uma Convenção do Conselho da Europa — Decisão do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros que autoriza a participação conjunta da União e dos seus Estados‑Membros nas negociações — Artigo 3.°, n.° 2, TFUE — Competência externa exclusiva da União»

No processo C‑114/12,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.° TFUE, interposto em 1 de março de 2012,

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, P. Hetsch, L. Gussetti e J. Samnadda, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por R. Passos e D. Warin, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por H. Legal, J.‑P. Hix, F. Florindo Gijón e M. Balta, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer, D. Hadroušek e J. Králová, na qualidade de agentes,

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze, B. Beutler e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Polónia, representada inicialmente por M. Szpunar, B. Majczyna, M. Drwięcki e E. Gromnicka, e em seguida por estes três últimos, na qualidade de agentes,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Murrell, na qualidade de agente, assistida por R. Palmer, barrister,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, E. Juhász, A. Borg Barthet, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, presidentes de secção, A. Rosas, J. Malenovský, A. Prechal, E. Jarašiūnas, C. Vajda e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de setembro de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação da decisão do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 19 de dezembro de 2011, sobre a participação da União Europeia e dos seus Estados‑Membros nas negociações de uma Convenção do Conselho da Europa sobre a proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão (a seguir «decisão impugnada»).

 Quadro jurídico

 Direito internacional

2        A Convenção Internacional para a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão, celebrada em Roma, em 26 de outubro de 1961 (a seguir «Convenção de Roma»), instituiu, no seu artigo 13.°, pela primeira vez à escala internacional, direitos conexos ao direito de autor para os organismos de radiodifusão, no que respeita à fixação das suas emissões. Esta Convenção, na qual a União Europeia não é parte, instituiu igualmente, no seu artigo 1.°, o princípio retomado em convenções posteriores em matéria de direitos conexos, segundo o qual a proteção concedida aos titulares de tais direitos não deve afetar o direito que um autor possa ter sobre a obra difundida no âmbito de uma emissão, registada por produtores discográficos ou executada por artistas intérpretes ou executantes.

3        O Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), regula igualmente, no seu artigo 14.°, n.os 3, 5, e 6, os direitos conexos dos organismos de radiodifusão. À semelhança da Convenção de Roma, trata exclusivamente da radiodifusão clássica, por meio de ondas radioelétricas.

4        Por seu turno, o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (a seguir «OMPI») sobre direito de autor e o Tratado da OMPI sobre prestações e fonogramas, adotados em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, e aprovados em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6), reforçam os direitos dos autores, produtores de fonogramas e artistas intérpretes ou executantes no domínio das novas tecnologias digitais, mas não os dos organismos de radiodifusão.

 Direito da União

 Diretiva 92/100/CEE, codificada pela Diretiva 2006/115/CE

5        A Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61), regulou, pela primeira vez no direito da União, os direitos conexos dos organismos de radiodifusão. Esta diretiva foi codificada e revogada pela Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 376, p. 28).

6        Sob a epígrafe «Direito de fixação», o artigo 7.° da Diretiva 2006/115 dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      Os Estados‑Membros devem prever que as organizações de radiodifusão tenham o direito exclusivo de permitir ou proibir a fixação das suas emissões, sejam elas efetuadas com ou sem fio, inclusivamente por fio ou satélite.

3.      O distribuidor por fio não tem o direito previsto no n.° 2 sempre que efetue meras retransmissões por fio de emissões de organizações de radiodifusão.»

7        Sob a epígrafe «Radiodifusão e comunicação ao público», o artigo 8.° da referida diretiva prevê, no seu n.° 3:

«Os Estados‑Membros devem prever que as organizações de radiodifusão tenham o direito exclusivo de permitir ou proibir a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas, bem como a sua comunicação ao público, se essa comunicação for realizada em locais abertos ao público com entrada paga.»

8        Sob a epígrafe «Direito de distribuição», o artigo 9.° da mesma diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever um direito exclusivo, a seguir designado ‘direito de distribuição’, de divulgar ao público os objetos referidos nas alíneas a) a d), incluindo as suas cópias, por venda ou de qualquer outra forma, na titularidade:

[...]

d)       Dos organismos de radiodifusão, no que respeita às gravações das suas emissões, tal como estabelecido no n.° 2 do artigo 7.°

2.       O direito de distribuição só se extingue, na Comunidade, relativamente a um objeto referido no n.° 1 aquando da primeira venda desse objeto na Comunidade, quer pelo titular do direito quer com o seu consentimento.

3.       O direito de distribuição não afeta as disposições específicas contidas no Capítulo I e, designadamente, no n.° 2 do artigo 1.°

4.       O direito de distribuição pode ser transmitido, cedido ou ser objeto de licenças contratuais.»

9        O artigo 10.° da Diretiva 2006/115 define os casos em que os Estados‑Membros podem prever limitações a estes diferentes direitos.

10      Nos termos do artigo 12.° da referida diretiva, «[a] proteção dos direitos conexos ao abrigo da presente diretiva não afeta nem prejudica de modo algum a proteção do direito de autor.»

 Diretiva 93/83/CEE

11      Os direitos conexos dos organismos de radiodifusão são também regulados pela Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO L 248, p. 15).

12      Sob a epígrafe «Definições», o artigo 1.° da referida diretiva dispõe, no seu n.° 2, alínea a):

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘comunicação ao público por satélite’ o ato de introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de programas que se destinam a ser captados pelo público numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a terra.»

13      O artigo 4.°, n.° 1, da mesma diretiva remete para as disposições relevantes da Diretiva 92/100, posteriormente codificada e revogada pela Diretiva 2006/115, no que respeita à proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão para fins da comunicação ao público por satélite. O referido artigo 4.° esclarece, no seu n.° 2, que, para efeitos do n.° 1, a expressão «radiodifusão sem fio» utilizada nesta última diretiva abrange também a comunicação ao público por satélite.

14      O artigo 5.° da Diretiva 93/83 dispõe que «[a] proteção dos direitos conexos nos termos da presente diretiva não deve lesar ou afetar de modo algum a proteção do direito de autor».

 Diretiva 2001/29/CE

15      A Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10), regula também os direitos conexos dos organismos de radiodifusão.

16      Sob a epígrafe «Direito de reprodução», o artigo 2.° desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

[...]

e)      Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por fio ou satélite.»

17      Sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», o artigo 3.° da referida diretiva prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2.      Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

[...]

d)      Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

18      O artigo 5.° da mesma diretiva esclarece quais os casos em que os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução.

19      O artigo 6.° da Diretiva 2001/29 regula as «[o]brigações em relação a medidas de caráter tecnológico».

20      O artigo 7.° da referida diretiva regula as «[o]brigações em relação a informações para a gestão dos direitos».

21      O artigo 8.° da mesma diretiva, intitulado «Sanções e vias de recurso», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever as sanções e vias de recurso adequadas para as violações dos direitos e obrigações previstas na presente diretiva e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação efetiva de tais sanções e vias de recurso. As sanções previstas devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas.

2.      Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os titulares dos direitos cujos interesses sejam afetados por uma violação praticada no seu território possam intentar uma ação de indemnização e/ou requerer uma injunção e, quando adequado, a apreensão do material ilícito, bem como dos dispositivos, produtos ou componentes referidos no n.° 2 do artigo 6.°

3.      Os Estados‑Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.»

 Diretiva 2004/48/CE

22      A Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45, e retificação no JO L 195, p. 16), dispõe, no seu artigo 1.°, que «estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual».

23      Nos termos do artigo 2.°, n.° 3, alínea c), desta diretiva, esta não prejudica «[a]s disposições nacionais em vigor nos Estados‑Membros em matéria de processos e sanções penais aplicáveis à violação dos direitos de propriedade intelectual».

 Diretiva 2006/116/CE

24      A Diretiva 2006/116/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao prazo de proteção do direito de autor e de certos direitos conexos (JO L 372, p. 12), que codificou e revogou a Diretiva 93/98/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa à harmonização do prazo de proteção dos direitos de autor e de certos direitos conexos (JO L 290, p. 9), dispõe, no seu artigo 3.°, n.° 4:

«Os direitos dos organismos de radiodifusão caducam cinquenta anos após a primeira difusão, quer a emissão seja efetuada com ou sem fio, incluindo cabo ou satélite.»

 Antecedentes do litígio

 Negociações para uma convenção do Conselho da Europa relativa aos direitos conexos dos organismos de radiodifusão

25      Em 11 de setembro de 2002, o Conselho da Europa adotou a Recomendação Rec(2002)7 sobre as medidas que visam reforçar a proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão (a seguir «recomendação de 2002»).

26      Por decisão de 20 de fevereiro de 2008, o Comité de Ministros do Conselho da Europa incumbiu o Comité Diretor para os Média e os Novos Serviços de Comunicação de realizar um estudo de viabilidade do reforço desses direitos. Em 25 de setembro de 2008, o grupo ad hoc de análise da proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão redigiu um memorando sobre uma possível convenção do Conselho da Europa relativa a esta proteção (a seguir «memorando de 2008»).

27      O referido memorando inclui um anexo intitulado «Lista de possíveis questões a analisar na preparação de um novo instrumento legal», cujo conteúdo é o seguinte:

«I.       Disposições gerais e introdutórias

–        Relação com outras convenções e tratados

–        Obrigações existentes

–        Obrigações futuras

–        Relação com a proteção do direito de autor ou de direitos conexos sobre as emissões

–        Definições

–        Pontos de conexão

–        Tratamento nacional

II. Conteúdo da proteção

–        Direito de fixação

–        Direito de reprodução

–        Direito de retransmissão

–        Direito de disponibilização

–        Direito de comunicação ao público

–        Direito de distribuição

–        Proteção relativa aos sinais portadores de programas pré‑transmitidos

–        Limitações e exceções

–        Duração da proteção

–        Obrigações relativas a medidas de caráter tecnológico

–        Obrigações em relação a informações para a gestão dos direitos

–        Respeito pelos direitos conexos dos organismos de radiodifusão

III. Disposições finais».

28      Em 27 de maio de 2009, à luz do memorando de 2008, o Comité Diretor para os Média e os Novos Serviços de Comunicação decidiu aprovar o mandato do grupo ad hoc de análise da proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão, e, em seguida, após a sua reunião de 20 a 23 de outubro de 2009, prosseguir os trabalhos relativos à elaboração de uma convenção do Conselho da Europa relativa a esta proteção.

29      Anteriormente à constituição do referido grupo, em 28 e 29 de janeiro de 2010, teve lugar uma reunião de consulta para preparação dos seus trabalhos futuros. Esta reunião deu origem à redação de um relatório (a seguir «relatório de 2010»).

 Decisão impugnada

30      Em 9 de fevereiro de 2011, a Comissão apresentou ao Conselho da União Europeia uma recomendação de decisão do Conselho, que a autorizava a negociar a futura convenção do Conselho da Europa em matéria de proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão.

31      Em 19 de dezembro de 2011, o Conselho e os Representantes dos Governos dos Estados‑Membros aí reunidos adotaram a decisão impugnada, notificada à Comissão em 21 de dezembro de 2011.

32      A decisão impugnada prevê o seguinte:

«O Conselho [...] e os representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho,

Tendo em conta o [Tratado FUE], e em especial o seu artigo 218.°, n.os 3 e 4,

Tendo em conta a recomendação da Comissão [...],

Considerando o seguinte:

(1)      A Comissão deverá ser autorizada a participar, em nome da União, nas negociações de uma convenção do Conselho da Europa sobre a proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão, no que respeita às matérias da competência da União e em relação às quais a União tenha adotado regras,

(2)      Os Estados‑Membros deverão participar em nome próprio nas negociações apenas na medida em que, no decurso das mesmas, sejam abordadas matérias da sua competência. Para assegurar a unidade da representação externa da União, os Estados‑Membros e a União deverão cooperar estreitamente no decurso do processo negocial,

[Adotaram] a presente decisão:

Artigo 1.°

1.       A Comissão fica autorizada a participar nas negociações de uma convenção do Conselho da Europa sobre a proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão, e a conduzir essas negociações em nome da União, no que respeita às matérias da competência da União e em relação às quais a União tenha adotado regras, em consulta com o Grupo da Propriedade Intelectual (Direito de autor) (a seguir designado ‘Comité Especial’).

2.       A Comissão deve conduzir estas negociações de acordo com as diretrizes de negociação constantes do anexo da presente decisão e/ou com as posições acordadas da União estabelecidas especificamente para efeitos das referidas negociações no âmbito do Comité Especial.

3.       Quando a matéria das negociações for da competência dos Estados‑Membros, a Presidência deve participar plenamente nas negociações e conduzi‑las em nome dos Estados‑Membros com base numa posição comum previamente acordada. Todavia, se não for possível chegar a acordo sobre uma posição comum, os Estados‑Membros têm o direito de se pronunciar e de votar de forma independente sobre a matéria em causa de forma independente, sem prejuízo do n.° 4.

4.       A Comissão e os Estados‑Membros devem cooperar estreitamente ao longo do processo de negociações, por forma a assegurar a unidade da representação internacional da União e dos seus Estados‑Membros.

5.       A Comissão e/ou a Presidência devem assegurar que os documentos relativos às negociações sejam transmitidos aos Estados‑Membros em tempo útil. Devem informar o Conselho e/ou o Comité Especial, de forma aberta e transparente, sobre o resultado das negociações antes e depois de cada sessão de negociações e, se for caso disso, sobre quaisquer problemas que possam surgir durante as mesmas.

Artigo 2.°

A destinatária da presente decisão é a Comissão.»

33      O anexo da decisão impugnada estabelece as diretrizes de negociação da seguinte forma:

«1.      A Comissão deve assegurar que o projeto de acordo relativo à proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão proposto pelo Conselho da Europa contenha as disposições adequadas que permitam à União ser nele Parte Contratante.

2.      A Comissão conduzirá as negociações de modo a assegurar que as disposições previstas sejam compatíveis com a Diretiva 2006/115 […], a Diretiva 2006/116 […], a Diretiva 93/83 […] e a Diretiva 2001/29 […] e com os compromissos assumidos pela União […] e os seus Estados‑Membros no âmbito do Acordo […] relativo aos aspetos comerciais dos direitos de propriedade intelectual […] sob os auspícios da OMC.

3.      As presentes diretrizes podem ser adaptadas de acordo com a evolução das negociações.»

34      No decurso do procedimento conducente à adoção da decisão impugnada, numa declaração relativa a essa adoção, a Comissão alegou que a União dispõe de competência exclusiva na matéria, tendo‑se oposto à adoção de um «ato híbrido», adotado pelo Conselho e pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros.

 Pedidos das partes e tramitação no Tribunal de Justiça

35      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne anular a decisão impugnada e condenar o Conselho nas despesas.

36      O Conselho pede que seja negado provimento ao recurso e que a Comissão seja condenada nas despesas.

37      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de agosto de 2012, foi admitida a intervenção da República Checa, da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos, da República da Polónia e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em apoio dos pedidos do Conselho, ao passo que o Parlamento Europeu foi admitido a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

 Quanto ao recurso

 Quanto à admissibilidade

38      Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pela República Federal da Alemanha e pelo Reino dos Países Baixos, pede ao Tribunal de Justiça que verifique se o recurso é abrangido pelo âmbito da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça, prevista no artigo 263.° TFUE, na medida em que visa parcialmente uma decisão adotada pelos Representantes dos Estados‑Membros na qualidade de representantes do seu governo e não enquanto membros do Conselho.

39      A este respeito, há que recordar que pode ser interposto recurso de anulação de todas as medidas adotadas pelas instituições, quaisquer que sejam a sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos (acórdãos Comissão/Conselho, dito «AETR», 22/70, EU:C:1971:32, n.° 42; Parlamento/Conselho e Comissão, C‑181/91 e C‑248/91, EU:C:1993:271, n.° 13; e Comissão/Conselho, C‑27/04, EU:C:2004:436, n.° 44).

40      No presente caso, a decisão impugnada, que produz efeitos jurídicos nas relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União, foi adotada tendo por base o artigo 218.°, n.os 3 e 4, TFUE.

41      Além disso, uma vez que a decisão impugnada reagrupa as autorizações de negociação concedidas, por um lado, à Comissão e, por outro, aos Estados‑Membros e à Presidência do Conselho, daí decorre necessariamente que o Conselho participou na concessão de ambas as autorizações. Assim, o recurso é admissível quanto à decisão impugnada no seu todo.

 Quanto ao mérito

42      A Comissão desenvolve quatro fundamentos em apoio do seu recurso.

43      O primeiro fundamento é relativo a uma violação dos artigos 2.°, n.° 2, TFUE e 3.°, n.° 2, TFUE. Os outros três fundamentos, invocados independentemente da natureza exclusiva ou partilhada das competências da União no presente caso, são relativos, respetivamente, o segundo, a uma violação dos procedimentos e dos requisitos relativos à autorização de negociação de acordos internacionais pela União, o terceiro, a uma violação das regras de voto no Conselho, previstas no artigo 218.°, n.° 8, TFUE, e, o quarto, a uma violação dos objetivos definidos nos Tratados FUE e UE, bem como à inobservância do princípio da cooperação leal, previsto no artigo 13.° TUE.

 Quanto ao primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

44      No âmbito do seu primeiro fundamento, a Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega que, ao abrigo da jurisprudência desenvolvida a partir do acórdão AETR (EU:C:1971:32), atualmente codificada no artigo 3.°, n.° 2, TFUE, a União dispõe de uma competência externa exclusiva quando, como no caso vertente, os compromissos internacionais sejam, pelo menos em grande parte, abrangidos pelo âmbito de aplicação das regras comuns por ela criadas.

45      Em primeiro lugar, a Comissão e o Parlamento sustentam que as negociações no Conselho da Europa relativas à proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão terão designadamente por base o acervo da União neste domínio. Passando em revista os diferentes elementos identificados no anexo do memorando de 2008, expõem as razões pelas quais estas negociações podem afetar as regras comuns da União no referido domínio, incluindo quando versarem sobre elementos relativamente aos quais está previsto, nos termos do dito memorando, ir além do previsto nesse acervo.

46      A Comissão alega que a União deve dispor de uma competência exclusiva, quando, como no presente caso, um conjunto de direitos progressivamente instituído pelo direito da União alcança um estado avançado e quando o acordo internacional que se pretende alcançar visa consolidar e, no máximo, melhorar marginalmente a proteção dos titulares implicados em aspetos secundários, atualmente não cobertos por esse direito.

47      Em segundo lugar, a Comissão, apoiada pelo Parlamento neste ponto, alega que a União adotou um conjunto de regras coerentes, que ultrapassam as simples prescrições mínimas, que regulam os direitos conexos dos organismos de radiodifusão de forma a assegurar o bom funcionamento do mercado interno. O facto de esta regulamentação não constituir uma harmonização completa e de deixar aos Estados‑Membros a tarefa de regular certos aspetos do domínio em causa não se opõe a que a competência da União nesta matéria revista natureza exclusiva.

48      A Comissão alega, em terceiro lugar, que os direitos conexos dos organismos de radiodifusão, como regulados pelo direito da União, se inscrevem num conjunto coerente e equilibrado de regras em matéria de propriedade intelectual, destinado a preservar a unidade da ordem jurídica da União nesta matéria. Nestas condições, atendendo ao estreito nexo entre os direitos e atividades dos organismos de radiodifusão e os direitos e atividades dos titulares de direitos de propriedade intelectual, qualquer modificação aos direitos de uns ou de outros é suscetível de influenciar a interpretação e aplicação da regulamentação da União no seu conjunto.

49      O Conselho, apoiado pela República Checa, pela República Federal da Alemanha, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Polónia e pelo Reino Unido, alega que a futura convenção do Conselho da Europa se insere num domínio de competências partilhadas entre a União e os seus Estados‑Membros, concretamente, o do mercado interno, que engloba a proteção da propriedade intelectual. Consequentemente, tanto a União como os Estados‑Membros deverão participar nas negociações futuras, cooperando estreitamente em todas as fases do processo, de forma a assegurar a unidade da representação externa da União. É precisamente esse o objetivo da decisão impugnada.

50      O Conselho e os referidos Estados‑Membros alegam que o facto de uma parte, de resto importante, do acordo internacional em causa se inserir num domínio abrangido pelas regras comuns da União não é suficiente para concluir no sentido da natureza exclusiva da competência da União para negociar esse acordo. Tal conclusão apenas pode decorrer de uma análise precisa e concreta da natureza e do conteúdo das regras da União em questão, bem como da relação entre essas regras e o acordo em causa, análise essa que revelaria que este último pode afetar as referidas regras ou alterar o seu alcance.

51      Estas mesmas partes alegam igualmente que o último membro de frase do artigo 3.°, n.° 2, TFUE deve ser lido em conjugação com o Protocolo (n.° 25) relativo ao exercício das competências partilhadas, anexo aos Tratados UE e FUE.

52      O Conselho, o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido acrescentam que, no último membro de frase do artigo 3.°, n.° 2, TFUE, os signatários do Tratado de Lisboa pretenderam codificar a jurisprudência desenvolvida a partir do acórdão AETR (EU:C:1971:32), como clarificada pelo parecer 1/03 (EU:C:2006:81), recusando‑se a consagrar o critério do «domínio já em grande parte coberto por regras da União», aplicado pelo Tribunal de Justiça, designadamente, no seu parecer 2/91 (EU:C:1993:106) e no acórdão Comissão/Dinamarca (C‑467/98, EU:C:2002:625).

53      À luz destas considerações gerais, o Conselho, a República Checa, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia e o Reino Unido contestam que a União dispõe de uma competência externa exclusiva no presente caso.

54      A este respeito, alegam, em primeiro lugar, que a futura convenção do Conselho da Europa poderá ir além da regulamentação da União existente, quanto a três elementos.

55      Em primeiro lugar, esta futura convenção poderá consagrar um direito exclusivo dos organismos de radiodifusão no que respeita à comunicação das suas emissões ao público fora dos locais acessíveis por meio do pagamento da entrada, quando esse direito não é reconhecido aos referidos organismos pelo direito da União.

56      Em segundo lugar, a referida convenção poderá igualmente regular a proteção dos sinais antes da sua transmissão ao público (a seguir «sinais pré‑transmitidos»), quando esta proteção não é objeto de nenhuma disposição de direito da União. Com efeito, os direitos que a regulamentação da União confere aos autores sobre as suas obras não cobrem os direitos dos organismos de radiodifusão sobre esses sinais.

57      Em terceiro lugar, as negociações sobre a futura convenção do Conselho da Europa poderão versar sobre a introdução de medidas penais destinadas a reforçar o respeito dos direitos em causa, quando tais medidas não são abrangidas pelas regras comuns da União.

58      A República da Polónia acrescenta que é igualmente possível que esta futura convenção inclua uma definição de «organismo de radiodifusão» mais ampla do que a consagrada pelo direito da União, de forma a abranger os transmissores por Internet ou em «simulcast».

59      À semelhança do Reino Unido, a República da Polónia salienta ainda que nenhuma regra comum da União confere atualmente aos organismos de radiodifusão um direito exclusivo de retransmissão por fio.

60      O Conselho, a República Checa, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido acrescentam que admitir uma competência externa exclusiva da União, ainda que não existam regras comuns desta última, pelo facto de o acordo internacional em causa se limitar a ampliar marginalmente um corpo de regras progressivamente aplicado ao nível da União, conduziria a uma extensão ilícita do âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 2, TFUE e violaria o princípio da atribuição de competências.

61      Em segundo lugar, o Conselho, a República Checa, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia e o Reino Unido alegam que o direito da União apenas desenvolveu, a favor dos organismos de radiodifusão, uma harmonização mínima, fragmentada e auxiliar à proteção de outros direitos de propriedade intelectual.

62      Em terceiro lugar, o Conselho, a República da Polónia e o Reino Unido afirmam que a regulamentação da União relativa aos direitos de autor e aos direitos conexos, que não sejam os dos organismos de radiodifusão, é desprovida de qualquer pertinência para efeitos da apreciação da existência de regras comuns da União no domínio em causa. Salientam, a este respeito, a diferença fundamental existente, do ponto de vista histórico assim como em termos de natureza e objeto de proteção, entre os direitos de autor e os direitos dos referidos organismos.

63      Nestas condições, um reforço da proteção concedida aos referidos organismos não pode afetar o equilíbrio geral da proteção dos demais titulares de direitos de propriedade intelectual nem o exercício desses direitos por esses titulares.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

64      O primeiro fundamento baseia‑se, em substância, numa violação do artigo 3.°, n.° 2, TFUE.

65      A título liminar, há que salientar que, entre os diferentes casos de competência externa exclusiva da União previstos nesta disposição, apenas o visado no último membro de frase desta última, e que corresponde à situação em que a celebração de um acordo internacional «seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas», é pertinente para o presente caso.

66      A este respeito, há que salientar que os termos utilizados neste último membro de frase correspondem àqueles com que o Tribunal de Justiça, no n.° 22 do acórdão AETR (EU:C:1971:32), definiu a natureza dos compromissos internacionais que os Estados‑Membros estão proibidos de assumir fora do quadro das instituições da União, quando as regras comuns da União tenham sido adotadas para alcançar os fins do Tratado.

67      Estes termos devem, consequentemente, ser interpretados à luz dos esclarecimentos prestados a esse respeito pelo Tribunal de Justiça no acórdão AETR (EU:C:1971:32) e na jurisprudência desenvolvida a partir desse acórdão.

68      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, há um risco de violação de regras comuns da União através de compromissos internacionais, ou de alteração do alcance destas regras, que justifica a existência de uma competência externa exclusiva da União, uma vez que esses compromissos se inserem no âmbito de aplicação das referidas regras (v., neste sentido, acórdãos AETR, EU:C:1971:32, n.° 30, e Comissão/Dinamarca, EU:C:2002:625, n.° 82).

69      A constatação desse risco não pressupõe uma total concordância entre o domínio abrangido pelos compromissos internacionais e o que é abrangido pela regulamentação da União (v., neste sentido, parecer 1/03, EU:C:2006:81, n.° 126).

70      Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, o alcance das regras comuns da União pode ser afetado ou alterado por tais compromissos, também quando estes últimos se integrem num domínio já em grande parte coberto por essas regras (parecer 2/91, EU:C:1993:106, n.° 25; acórdão Comissão/Dinamarca, EU:C:2002:625, n.° 82; e parecer 1/03, EU:C:2006:81, n.os 120 e 126).

71      Além disso, os Estados‑Membros não podem, fora do quadro das instituições da União, assumir tais compromissos, mesmo que não exista contradição possível entre estes e as regras comuns da União (v., neste sentido, parecer 2/91, EU:C:1993:106, n.os 25 e 26, e acórdão Comissão/Dinamarca, EU:C:2002:625, n.° 82).

72      A análise precedente não é invalidada pela argumentação do Conselho, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido que decorre de uma conceção alegadamente mais restritiva, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em matéria de competência externa exclusiva da União.

73      Com efeito, o Protocolo (n.° 25) relativo ao exercício das competências partilhadas, invocado em apoio desta argumentação, cujo artigo único dispõe que, «quando a União toma medidas num determinado domínio, o domínio desse exercício de competências apenas abrange os elementos regidos pelo ato da União em causa e, por conseguinte, não abrange o domínio na sua totalidade», diz unicamente respeito ao artigo 2.°, n.° 2, TFUE, tal como decorre da sua redação, e não ao artigo 3.°, n.° 2, TFUE. O mesmo visa, pois, precisar o alcance do exercício, pela União, de uma competência partilhada com os Estados‑Membros, que lhe foi atribuída pelos Tratados, e não limitar o alcance da competência externa exclusiva da União nas hipóteses previstas no artigo 3.°, n.° 2, TFUE, como esclarecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça acima recordada.

74      Assim sendo, há que salientar que, na medida em que a União apenas dispõe de competências de atribuição, a existência de uma competência, sobretudo de natureza exclusiva, deve basear‑se nas conclusões resultantes de uma análise concreta da relação existente entre o acordo internacional previsto e o direito da União em vigor, da qual decorra que tal acordo é suscetível de afetar as regras comuns da União ou de alterar o seu alcance (v., neste sentido, parecer 1/03, EU:C:2006:81, n.° 124).

75      De acordo com o princípio da atribuição de competências, enunciado no artigo 5.°, n.os 1 e 2, TUE, cabe à parte em causa apresentar os elementos suscetíveis de determinar, para efeitos de uma tal análise, o caráter exclusivo da competência externa da União que pretende invocar.

76      No caso vertente, importa desde já salientar que a decisão impugnada não dá nenhum esclarecimento sobre o conteúdo das negociações relativas à futura convenção do Conselho da Europa sobre a proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão. A mesma também não identifica os elementos dessas negociações que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, se integram na competência da União nem os que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 3, se integram na competência dos Estados‑Membros.

77      Nestas circunstâncias, tratando‑se do conteúdo das negociações previstas, há que ter em conta, para efeitos da presente análise, a recomendação de 2002, o memorando de 2008 e o relatório de 2010, carreados para os autos pela Comissão em apoio do seu primeiro fundamento, relativamente aos quais nenhuma das partes negou que forneciam as indicações relevantes mais recentes a este respeito.

78      Quanto ao domínio em causa, estes documentos do Conselho da Europa indicam que as negociações em questão visam a adoção de uma convenção relativa aos direitos conexos dos organismos de radiodifusão.

79      Como resulta das Diretivas 93/83, 2001/29, 2004/48, 2006/115 e 2006/116, os referidos direitos são objeto, em direito da União, de um quadro jurídico harmonizado que visa, designadamente, assegurar o bom funcionamento do mercado interno e que, tendo incorporado um certo número de desenvolvimentos ligados aos desafios tecnológicos, ao novo panorama digital e ao desenvolvimento da sociedade da informação, instituiu um regime de proteção elevada e homogénea a favor dos organismos de radiodifusão relativamente às suas emissões.

80      Daqui decorre que a proteção dos direitos conexos destes organismos, objeto das negociações do Conselho da Europa, deve ser vista como o domínio pertinente para efeitos da presente análise.

81      O facto de o referido quadro jurídico harmonizado ter sido posto em prática por diversos instrumentos jurídicos que também regulamentam outros direitos de propriedade intelectual não é suscetível de pôr em causa a admissibilidade desta abordagem.

82      A apreciação da existência de um risco de violação das regras comuns da União, ou de alteração do seu alcance, através de compromissos internacionais não pode, com efeito, depender de uma distinção artificial baseada na presença ou na ausência de tais regras num único instrumento de direito da União.

83      Assim, o Tribunal de Justiça considerou, nomeadamente nos n.os 27 e 29 do acórdão Comissão/França (C‑239/03, EU:C:2004:598), que a proteção das águas contra a poluição, objeto do acordo internacional em causa no processo que deu origem a esse acórdão, era «um domínio», não obstante o facto de a regulamentação pertinente da União estar integrada em diferentes instrumentos legais.

84      Estando assim definido o domínio em causa, há que salientar que, nos termos de diversas passagens do memorando de 2008, concretamente, os seus n.os 49, 52, 57 e 78, a convenção do Conselho da Europa em causa deverá ter por base o acervo da União, no qual se insere em grande medida o direito material da propriedade intelectual, designadamente o respeitante aos organismos de radiodifusão.

85      Como admitem o Conselho e os Estados‑Membros que intervêm em seu apoio, uma grande parte dos elementos das negociações previstas, mencionados na lista que consta do anexo ao memorando de 2008, já está efetivamente coberta por regras comuns da União.

86      Em primeiro lugar, tratando‑se dos elementos identificados no título I desta lista, é certo que a República da Polónia afirma que o conceito de «organismo de radiodifusão», para efeitos da futura convenção em causa, poderá ser definido em sentido amplo, de forma a abranger os transmissores por Internet ou em «simulcast».

87      Todavia, independentemente da questão de saber se, no contexto das novas tecnologias digitais, a referência às emissões difundidas com fio, por fio ou sem fio, que consta dos artigos 2.° e 3.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2001/29, dos artigos 7.°, n.° 2, e 9.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2006/115, bem como do artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2006/116, permite incluir esses transmissores no âmbito de aplicação das regras comuns da União no domínio em causa, é, em todo o caso, inegável, como alega a Comissão, que uma negociação que preveja, de uma forma ou de outra, incluir esses transmissores no âmbito da futura convenção do Conselho da Europa, designadamente através da adoção, para efeitos desta convenção, de uma definição de «organismo de radiodifusão» em termos «tecnologicamente neutros», conforme sugerido no n.° 13 do relatório de 2010, terá uma incidência transversal no alcance do conjunto das regras comuns da União relativas à proteção dos direitos conexos desses organismos.

88      Em segundo lugar, tratando‑se dos elementos identificados no título II da lista que consta do anexo ao memorando de 2008, é pacífico entre as partes que aqueles que dizem respeito ao direito de fixação, ao direito de reprodução, ao direito de disponibilização ao público, ao direito de distribuição, às limitações e às exceções a esses direitos, à duração da proteção dos referidos direitos, às obrigações relativas a medidas de caráter tecnológico e às obrigações relativas às informações para a gestão dos direitos se inserem nas regras comuns da União e que as negociações sobre estes elementos podem afetar ou alterar o alcance destas regras comuns.

89      Em contrapartida, as partes não estão de acordo relativamente a quatro elementos mencionados nesse título II, a saber, o direito de retransmissão, o direito de comunicação ao público, a proteção relativa aos sinais portadores de programas pré‑transmitidos e o respeito pelos direitos conexos dos organismos de radiodifusão.

90      No que respeita, em primeiro lugar, ao direito de retransmissão, a República da Polónia e o Reino Unido alegam que o direito da União apenas procedeu a uma harmonização mínima, na medida em que visa, nos termos do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2006/115, a retransmissão por ondas radioelétricas. Ora, as negociações em causa poderiam conduzir à consagração, a favor dos organismos de radiodifusão, de um direito exclusivo de retransmissão também por fio, designadamente pela Internet.

91      A este respeito, há que salientar que o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2006/115 não se inscreve numa situação comparável à definida nos n.os 18 e 21 do parecer 2/91 (EU:C:1993:106), na qual o Tribunal de Justiça não reconheceu uma competência exclusiva da União com base na natureza de prescrições mínimas tanto das disposições de direito da União como das disposições da convenção internacional em causa. Com efeito, esta disposição atribui um alcance material preciso ao direito de retransmissão no direito da União, circunscrevendo‑o à retransmissão por ondas radioelétricas.

92      Como alega a Comissão, as negociações do Conselho da Europa que, como sugere o n.° 54 do memorando de 2008, pretendiam alargar esse direito à retransmissão por fio ou pela Internet seriam assim suscetíveis de alterar o alcance das regras comuns da União em matéria de direito de retransmissão.

93      De resto, como salienta igualmente a Comissão, o direito dos organismos de radiodifusão em matéria de retransmissão por fio está já parcialmente abrangido, enquanto tal, por regras comuns da União em virtude da interação existente entre os diferentes direitos de propriedade intelectual desses organismos, que são regidos pelo direito da União. Com efeito, conforme o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão ITV Broadcasting e o. (C‑607/11, EU:C:2013:147), o direito exclusivo de comunicação ao público de que gozam os organismos de radiodifusão televisiva terrestre ao abrigo do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, no que respeita às suas emissões protegidas pelo direito de autor, abrange o direito exclusivo de autorizar ou impedir a retransmissão de tais obras por outro organismo através da Internet.

94      Em segundo lugar, no que diz respeito ao direito de comunicação ao público, o Conselho e diversos Estados‑Membros intervenientes em seu apoio alegam que as negociações em causa poderão ir além do acervo da União, ampliando, ao invés do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2006/115, o alcance deste direito fora dos locais acessíveis ao público por meio do pagamento da entrada.

95      A este respeito, há, porém, que constatar, à semelhança da Comissão, que nem o memorando de 2008 nem o relatório de 2010 têm indicações neste sentido e que, pela sua parte, o Conselho e os Estados‑Membros intervenientes não forneceram nenhum elemento em apoio das suas alegações.

96      Pelo contrário, nos termos da recomendação de 2002 e, em particular, da alínea f) da rubrica «Direitos a conferir» constante do anexo a esta recomendação e do n.° 24 da exposição de motivos desta última, o alcance do direito de comunicação ao público é decalcado do artigo 13.°, alínea d), da Convenção de Roma, que o circunscreve aos locais acessíveis ao público por meio do pagamento da entrada.

97      Em terceiro lugar, no que respeita à proteção dos sinais pré‑transmitidos, o Conselho e diversos Estados‑Membros intervenientes em seu apoio salientam, na verdade, que os organismos de radiodifusão não beneficiam, ao abrigo do direito da União em vigor, de uma proteção que abranja estes sinais enquanto tais, podendo as negociações em causa, nos termos dos n.os 41 a 43 e 54 do memorando de 2008 e do n.° 14 do relatório de 2010, levar à instituição dessa proteção, devido à vulnerabilidade dos referidos sinais relativamente a atos de apropriação ou exploração não autorizados.

98      Todavia, uma das soluções, salientada pela Comissão, que, nos termos do n.° 43 do memorando de 2008, é apresentada como sendo digna de consideração, concretamente, o alargamento do conceito de «emissões» aos sinais pré‑transmitidos, de forma a englobar estes últimos no âmbito de proteção dos diferentes direitos reconhecidos aos organismos de radiodifusão, seria inegavelmente suscetível de alterar de forma transversal o alcance das regras comuns da União no domínio em causa.

99      Quanto às demais soluções possíveis, evocadas perante o Tribunal de Justiça, tais como a instituição de uma proteção jurídica sui generis dos sinais pré‑transmitidos ou a aplicação a estes últimos das disposições relativas à proteção das medidas de caráter tecnológico, há que constatar que, na falta de qualquer alusão a esse respeito no memorando de 2008 ou no relatório de 2010, e não tendo o Conselho ou os Estados‑Membros intervenientes fundamentado as suas alegações em qualquer elemento, as mesmas parecem ser, nesta fase, hipotéticas, não podendo, portanto, ser tidas em linha de conta para determinar o caráter exclusivo ou partilhado da competência da União no presente caso.

100    Em quarto lugar, quanto ao respeito dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão, o Conselho e diversos Estados‑Membros intervenientes em seu apoio, sem contestarem que as sanções e as vias de recurso em caso de violação destes direitos são reguladas, no direito da União, pelo artigo 8.° da Diretiva 2001/29, bem como por um conjunto de regras comuns contidas na Diretiva 2004/48, alegam, no entanto, que as negociações em causa poderão conduzir à instituição, ao invés do que dispõe a regulamentação da União, da obrigação de as partes contratantes adotarem sanções penais caso tais violações se verifiquem.

101    Importa, todavia, constatar, à semelhança da Comissão, que nem o memorando de 2008 nem o relatório de 2010 têm indicações neste sentido e que as alegações reproduzidas no número anterior não foram fundamentadas por nenhum elemento relativo às futuras negociações no Conselho da Europa.

102    Decorre da análise precedente que o conteúdo das negociações para uma convenção do Conselho da Europa relativa à proteção dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão, como delimitado pela recomendação de 2002, pelo memorando de 2008 e pelo relatório de 2010, se insere num domínio amplamente coberto por regras comuns da União e que tais negociações podem afetar regras comuns da União ou alterar o seu alcance. Por conseguinte, as referidas negociações inserem‑se na competência exclusiva da União.

103    Daqui decorre que a decisão impugnada foi adotada em violação do artigo 3.°, n.° 2, TFUE.

 Quanto ao segundo a quarto fundamentos

104    Uma vez que o primeiro fundamento é procedente, há, por conseguinte, que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário analisar os demais fundamentos invocados pela Comissão em apoio do seu recurso.

 Quanto às despesas

105    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho sido vencido e tendo a Comissão pedido a condenação deste último, há que condená‑lo nas despesas. De acordo com o disposto no artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio suportam as suas próprias despesas, a República Checa, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, o Reino Unido e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É anulada a decisão do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 19 de dezembro de 2011, sobre a participação da União Europeia e dos seus Estados‑Membros nas negociações de uma convenção do Conselho da Europa sobre a proteção dos direitos dos organismos de radiodifusão.

2)      O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

3)      A República Checa, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países‑Baixos, a República da Polónia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento Europeu suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.