Language of document : ECLI:EU:C:2005:177

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de Março de 2005 (*)

«Marcas – Directiva 89/104/CEE – Artigo 6.°, n.º 1, alínea c) – Limitações da protecção conferida pela marca – Uso da marca por um terceiro quando esta seja necessária para indicar o destino de um produto ou de um serviço»

No processo C‑228/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Korkein oikeus (Finlândia), por decisão de 23 de Maio de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Maio de 2003, no processo

The Gillette Company,

Gillette Group Finland Oy

contra

LA-Laboratories Ltd Oy,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Borg Barthet, S. von Bahr, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh (relator), juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,

secretário: R. Grass,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Outubro de 2004,

vistas as observações apresentadas:

·em representação das The Gillette Company e Gillette Group Finland Oy, por R. Hilli e T. Groop, asianajajat,

·em representação da LA-Laboratories Ltd Oy, por L. Latikka, hallituksen puheenjohtaja,

·em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

·em representação do Governo do Reino Unido, por C. Jackson, na qualidade de agente, assistida por M. Tappin, barrister,

·em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Huttunen e N. B. Rasmussen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 9 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe as sociedades The Gillette Company e Gillete Group Finland Oy (a seguir «Gillette Company», «Gillette Group Finland» e, em conjunto, «sociedades Gillette») à sociedade LA‑Laboratories Ltd Oy (a seguir «LA‑Laboratories»), relativamente à aposição por parte desta última das marcas Gillette e Sensor nas embalagens dos produtos que comercializa.

 Quadro jurídico

 Disposições comunitárias

3        De acordo com o primeiro considerando da Directiva 89/104, as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas comportam disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum. Nos termos desse considerando, importa, pois, aproximar as legislações dos Estados‑Membros com vista ao estabelecimento e funcionamento do mercado interno. O terceiro considerando desta directiva especifica que não se afigura necessário proceder a uma aproximação total das legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas.

4        O décimo considerando da referida directiva recorda, designadamente, que o objectivo da protecção conferida pela marca registada consiste, designadamente, em garantir a função de origem da marca.

5        O artigo 5.°, n.° 1, dessa directiva dispõe:

«A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

6        O artigo 5.°, n.° 3, alíneas a) e b), da Directiva 89/104 prevê:

«Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim […]»

7        O artigo 6.° da referida directiva, intitulado «Limitação dos efeitos da marca», dispõe:

«1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial:

[…]

c)      Da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes,

desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

[…]»

8        A Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à publicidade enganosa e à publicidade comparativa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55), na redacção alterada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997 (JO L 290, p. 18), tem por objectivo, nos termos do seu artigo 1.º, proteger os consumidores e as pessoas que exercem uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, bem como os interesses do público em geral, contra a publicidade enganosa e suas consequências desleais, e estabelecer as condições em que a publicidade comparativa é considerada lícita.

9        Nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 1, da referida directiva:

«A publicidade comparativa é autorizada, no que se refere exclusivamente à comparação, quando se reúnam as seguintes condições:

[…]

d)      Não gerar confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente ou entre as marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e do concorrente;

e)      Não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente;

[…]

g)      Não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

h)      Não apresentar um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida.»

 Disposições nacionais

10      Na Finlândia, o direito das marcas é regido pela tavaramerkkilaki (lei relativa às marcas) (7/1964) de 10 de Janeiro de 1964, na redacção alterada pela Lei 39/1993, de 25 de Janeiro de 1993 (a seguir «tavaramerkkilaki»).

11      O artigo 4.°, n.º 1, da tavaramerkkilaki, relativa ao conteúdo dos direitos exclusivos do titular da marca, dispõe:

«O direito, previsto nos artigos 1.° a 3.° da presente lei, de apor um sinal distintivo nas suas próprias mercadorias implica que nenhuma outra pessoa além do titular do sinal possa, na vida comercial, utilizar como sinal para as suas mercadorias menções que possam criar confusão, quer seja nas mercadorias quer nas embalagens, na publicidade ou documentos comerciais ou de outra forma, incluindo o uso verbal. […]»

12      Nos termos do n.º 2 do referido artigo:

«Considera‑se utilização não autorizada, na acepção do n.º 1, entre outros, a comercialização de peças sobressalentes, acessórios, etc., que sejam compatíveis com um produto fabricado ou vendido por outrem e cuja marca façam lembrar de forma a gerar a impressão de que o produto comercializado provém do titular da marca ou que o titular autorizou a utilização da sua marca.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      A Gillette Company registou na Finlândia as marcas Gillette e Sensor para os produtos incluídos na classe 8, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na redacção revista e alterada, a saber: utensílios e aparelhos para trabalhos manuais; facas, garfos e colheres; armas brancas; aparelhos de barbear. A Gilette Group Finland, que detém o direito exclusivo de utilizar estas marcas na Finlândia, comercializou neste Estado‑Membro aparelhos de barbear, nomeadamente aparelhos compostos por um cabo e uma lâmina substituível bem como lâminas separadas.

14       A sociedade LA Laboratories também vende na Finlândia aparelhos de barbear compostos por um cabo e uma lâmina substituível e lâminas separadas idênticas às comercializadas pela Gillette Group Finland. Estas lâminas são vendidas sob a marca Parason Flexor, em cujas embalagens está aposta uma etiqueta vermelha com a inscrição «todos os cabos Parason Flexor e Gillette Sensor são compatíveis com esta lâmina».

15      Resulta da decisão de reenvio que a LA‑Laboratories não estava autorizada, ao abrigo de uma licença de marca ou por qualquer outro contrato, a usar as marcas de que a Gillette Company é titular.

16      As sociedades Gillete propuseram uma acção no Helsingin käräjäoikeus (tribunal de primeira instância de Helsínquia) (Finlândia) na qual alegam que a LA‑Laboratries violou as marcas registadas Gillette e Sensor. De acordo com estas sociedades, as práticas da LA‑Laboratories criavam no espírito dos consumidores uma associação entre os produtos comercializados por esta última e os das sociedades Gillette e levavam a que se pensasse que esta sociedade estava autorizada, ao abrigo de uma licença ou por outra razão, a utilizar as marcas Gillette e Sensor, o que não era o caso.

17      Na sua decisão de 30 de Março de 2000, o Helsingin käräjäoikeus considerou que, por força do artigo 4.°, n.º 1, da tavaramerkkilaki, as sociedades Gillette detinham o direito exclusivo de aposição das marcas Gillette e Sensor nos seus produtos e nas embalagens, bem como de utilizar estas marcas na publicidade. Consequentemente, ao mencionar, de forma visível, essas marcas nas embalagens dos seus produtos, a LA‑Laboratories tinha violado esse direito exclusivo. Além disso, segundo o Helsingin käräjäoikeus, o artigo 4.°, n.º 2, da tavaramerkkilaki, que prevê uma excepção a este princípio de exclusividade, deve ser interpretado de forma estrita à luz do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104. Com efeito, essa disposição não diz respeito às partes essenciais de um produto, mas unicamente às peças sobressalentes, aos acessórios e a outras peças similares, compatíveis com o produto fabricado ou comercializado por outrem.

18      Este órgão jurisdicional considerou que tanto o cabo como a lâmina devem ser considerados partes essenciais do aparelho de barbear e não peças sobressalentes ou acessórios deste. Em consequência, decidiu que a excepção prevista no artigo 4.°, n.º 2, da tavaramerkkilaki não se aplica. Por estes motivos, o referido órgão jurisdicional decidiu proibir a LA‑Laboratories de prosseguir ou de reiterar a violação dos direitos que as sociedades Gillette detêm sobre as marcas Gillette e Sensor e condenou‑a, por um lado, a retirar e destruir as etiquetas utilizadas na Finlândia com as menções Gillette e Sensor e, por outro, a pagar às sociedades Gilette, a título de indemnização pelos danos sofridos por estas, o montante total de 30 000 FIM.

19      Em sede de recurso, o Helsingin hovioikeus (tribunal de recurso de Helsínquia) (Finlândia), por acórdão de 17 de Maio de 2001, considerou, em primeiro lugar, que, visto que o aparelho de barbear de tipo corrente em causa no processo principal é composto por um cabo e uma lâmina, o consumidor pode substituir esta última parte obtendo uma nova lâmina, vendida em separado. Uma vez que esta substitui uma antiga parte do aparelho de barbear, pode assim ser equiparada a uma peça sobressalente na acepção do artigo 4.°, n.º 2, da tavaramerkkilaki.

20      Em segundo lugar, este órgão jurisdicional considerou que a indicação constante da etiqueta aposta na embalagem de lâminas para aparelhos de barbear comercializadas pela LA‑Laboratories, segundo a qual, para além dos cabos do tipo Parason Flexor, as referidas lâminas também são compatíveis com os comercializados pelas sociedades Gillete, pode ser útil para o consumidor e que, assim, a LA‑Laboratories pode justificar a necessidade de mencionar as marcas Gillette e Sensor na referida etiqueta.

21      Em terceiro lugar, o Helsingin hovioikeus decidiu que as embalagens de lâminas dos aparelhos de barbear comercializados pela LA‑Laboratories contém de forma visível as marcas Parason e Flexor, que indicam inequivocamente a origem do produto. Além disso, este órgão jurisdicional admitiu que a menção das marcas Gillette e Sensor indicadas em caracteres normalizados de tamanho pequeno em etiquetas de tamanho relativamente modesto apostas na parte exterior das referidas embalagens, não pode de forma alguma levar a que se pense que existe uma relação comercial entre as sociedades Gillette e LA‑Laboratories e que esta última tinha, consequentemente, feito menção das referidas marcas nas condições admitidas pelo artigo 4.°, n.º 2, da tavaramerkkilaki. O Helsingin hovioikeus revogou, por este motivo, a decisão do Helsingin käräjäoikeus e negou provimento ao recurso interposto pelas sociedades Gillette.

22      As sociedades Gillette recorreram para o Korkein oikeus, o qual considerou que o processo principal levanta questões de interpretação do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104 no que respeita aos critérios que permitem determinar se um produto é, por natureza, equiparável ou não a uma peça sobressalente ou a um acessório, à exigência segundo a qual o uso de uma marca pertencente a outrem deve ser necessário para indicar o destino de um produto e ao conceito de práticas honestas em matéria industrial ou comercial, devendo a interpretação destas disposições ter em conta a Directiva 84//450.

23      Nestas condições, o Korkein oikeus decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Para efeitos da aplicação do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas,

1)      Quais os critérios

a)      que permitem decidir se um produto deve ser considerado peça sobressalente ou acessório, e

b)      que permitem determinar os produtos que, não sendo de considerar peças sobressalentes ou acessórios, podem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da disposição referida?

2)      A licitude do uso da marca de outrem deve ser apreciada de modo diferente consoante o produto seja equiparável a uma peça sobressalente ou a um acessório ou se trate de um produto susceptível de, por qualquer outra razão, pertencer ao âmbito de aplicação da disposição acima referida?

3)      Como se deve interpretar a exigência de o uso ser ‘necessário’ para indicar o destino de um produto? Pode o requisito da necessidade estar preenchido mesmo quando é possível indicar esse destino sem fazer referência expressa à marca de outrem, por exemplo, limitando‑se a referência ao princípio técnico do funcionamento do produto? Qual é, então, a relevância do facto de, para os consumidores, o modo de apresentar o produto ser, eventualmente, de mais difícil compreensão sem a menção expressa da marca de outrem?

4)      Quais os elementos a tomar em consideração para apreciar o respeito das práticas honestas em matéria industrial ou comercial? O facto de se mencionar a marca de outrem na comercialização dos seus próprios produtos indica que esses produtos são equivalentes, quer pela sua qualidade quer pelas suas características técnicas ou outras, aos produtos vendidos sob a marca de outrem?

5)      O facto de o operador económico que se refere à marca de outrem comercializar não só peças sobressalentes ou acessórios mas também o próprio produto com o qual se prevê a utilização dessa peça sobressalente ou desse acessório tem influência na regularidade do uso da marca de outrem?»

 Quanto às primeira, segunda e terceira questões

24      Com as suas primeira, segunda e terceira questões, que há que apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, quais são os critérios segundo os quais deve ser interpretada a exigência de que o uso por um terceiro da marca de que não é titular deva ser necessário para indicar o destino de um produto, na acepção do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104. O referido órgão jurisdicional pergunta igualmente, por um lado, quais os critérios segundo os quais se devem considerar os produtos acessórios ou peças sobressalentes, na acepção da referida disposição e, por outro, se os critérios de apreciação do carácter lícito do uso da marca no que respeita a estes últimos produtos são diferentes dos aplicáveis aos outros produtos.

25      Há que recordar, a título liminar, que o direito de marca constitui efectivamente um elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado CE pretende criar e manter. Neste sistema, as empresas devem poder conservar a clientela pela qualidade dos respectivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitem identificá-los (v., designadamente, acórdãos de 17 de Outubro de 1990, HAG, C‑10/89, Colect., p. I‑3711, n.° 13; de 4 de Outubro de 2001, Merz & Krell, C‑517/99, Colect., p. I‑6959, n.° 21; e de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 47).

26      Nesta perspectiva, a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, este produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa. Com efeito, para que a marca possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter, ela deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados ou prestados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (v., designadamente, acórdãos de 23 de Maio de 1978, Hoffmann‑La Roche, 102/77, Colect, p. 391, n.° 7; de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.° 30, e Arsenal Footbal Club, já referido, n.° 48).

27      O artigo 5.° da Directva 89/104 define os «[d]ireitos conferidos pela marca» e o artigo 6.° da mesma contém regras relativas à «[l]imitação dos efeitos da marca».

28      Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, primeiro período, da Directiva 89/104, a marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. Nos termos da alínea a) do mesmo número, este direito exclusivo habilita o seu titular a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso, na vida comercial, de um sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada. O artigo 5.°, n.° 3, desta directiva enumera de forma não exaustiva os tipos de uso que o titular pode proibir nos termos do n.° 1 deste artigo.

29      Há que observar que, através de uma limitação dos efeitos dos direitos que para o titular de uma marca decorrem do artigo 5.° da Directiva 89/104, o artigo 6.° desta directiva visa conciliar os interesses fundamentais da protecção dos direitos de marca com os da livre circulação de mercadorias e da livre prestação de serviços no mercado comum, de forma a que o direito de marca possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência não falseado que o Tratado pretende estabelecer e manter (v., designadamente, acórdãos de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C‑63/97, Colect., p. I‑905, n.° 62, e de 7 de Janeiro de 2004, Gerolsteiner Brunnen, C‑100/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 16).

30      A esse respeito, em primeiro lugar, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104, o titular da marca não pode proibir a um terceiro o uso, na vida comercial, da marca sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes.

31      Há que observar que esta disposição não estabelece critérios para determinar se o destino de um produto cai no seu âmbito de aplicação, exigindo apenas que o uso da marca seja necessário para indicar esse destino.

32      Além disso, uma vez que o destino dos produtos enquanto acessórios ou peças sobressalentes só é indicado a título de exemplo, por se tratar, ao que parece, de situações correntes nas quais é necessário usar uma marca para indicar o destino de um produto, a aplicação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104 não está limitada a estas situações, como o Governo do Reino Unido e a Comissão das Comunidades Europeias salientaram com razão nas suas observações. Consequentemente, nas circunstâncias do processo principal, não é necessário determinar se um produto deve ser considerado um acessório ou uma peça sobressalente.

33      Em segundo lugar, há que salientar, por um lado, que o Tribunal de Justiça já declarou que o uso de uma marca para informar o público de que o anunciante é especializado (ou especialista) na venda, ou que garante a reparação e a manutenção dos produtos dessa marca colocados no comércio sob a marca pelo seu titular ou com o seu consentimento, constitui um uso que indica o destino de um produto ou de um serviço na acepção do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104 (v. acórdão BMW, já referido, n.os 54 e 58 a 63). Esta informação é necessária para preservar o sistema de concorrência não falseado no mercado desse produto ou desse serviço.

34      A situação é idêntica no processo principal, sendo as marcas de que a Gillette Company é titular utilizadas por um terceiro a fim de fornecer ao público uma informação compreensível e completa quanto ao destino do produto que comercializa, ou seja, quanto à compatibilidade deste com o que ostenta as referidas marcas.

35      Por outro lado, basta observar que esse uso de uma marca é necessário nos casos em que a referida informação não pode, na prática, ser comunicada ao público por um terceiro sem que seja feito uso da marca de que este último não é titular (v., neste sentido, acórdão BMW, já referido, n.° 60). Como observou o advogado‑geral nos n.os 64 e 71 das suas conclusões, este uso deve constituir, na prática, o único meio de fornecer uma informação desse tipo.

36      A este respeito, a fim de verificar se podem ser utilizados outros meios para fornecer essa informação, é necessário ter em consideração, por exemplo, a eventual existência de padrões técnicos ou de normas geralmente utilizadas para o tipo de produto comercializado pelo terceiro que sejam conhecidas do público a quem se destina este tipo de produto. Estas normas, ou outras características, devem ser susceptíveis de fornecer ao dito público uma informação compreensível e completa quanto ao destino do produto comercializado por esse terceiro, a fim de preservar o sistema de concorrência não falseado no mercado desse produto.

37      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, nas circunstâncias do processo principal, o uso da marca é necessário, tendo em conta as exigências mencionadas nos n.os 33 a 36 do presente acórdão, bem como a natureza do público a quem se destina o produto comercializado pela LA‑Laboratories.

38      Em terceiro lugar, o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104 não faz qualquer distinção entre os destinos possíveis dos produtos quando da apreciação do carácter lícito do uso de uma marca. Os critérios de apreciação do carácter lícito da utilização de uma marca, designadamente como acessórios ou peças sobressalentes, não são, por isso, diferentes dos aplicáveis às outras categorias de destinos possíveis.

39      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às primeira, segunda e terceira questões que o carácter lícito do uso da marca ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104 depende da questão de saber se esse uso é necessário para indicar o destino do produto.

O uso da marca por um terceiro que não é o seu titular é necessário para indicar o destino de um produto comercializado por esse terceiro quando este uso constitui, na prática, o único meio para fornecer ao público uma informação compreensível e completa quanto a esse destino a fim de preservar o sistema de concorrência não falseado no mercado desse produto.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no processo principal, se esse uso é necessário, tendo em conta a natureza do público a quem se destina esse produto comercializado pelo terceiro em causa.

Não fazendo o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104 qualquer distinção entre os destinos possíveis dos produtos quando da apreciação do carácter lícito do uso da marca, os critérios de apreciação do carácter lícito do uso da marca, designadamente como acessórios ou peças sobressalentes, não são, por isso, diferentes dos aplicáveis às outras categorias de destinos possíveis dos produtos.

 Quanto à quarta questão

40      Com a primeira parte da quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber como deve ser interpretada a exigência prevista no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104, segundo a qual o uso da marca por um terceiro, na acepção desta disposição, deve ser feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial. Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o uso da marca por um terceiro constitui uma indicação de que os produtos comercializados por esse terceiro são equivalentes, tanto pela sua qualidade como pelas suas características técnicas ou outras, aos produtos que ostentam a referida marca

41      No que diz respeito à primeira parte desta questão, há que observar que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a condição de «práticas honestas», na acepção do artigo 6.°, n.º 1, da Directiva 89/104, constitui, em suma, a expressão de uma obrigação de lealdade face aos interesses legítimos do titular da marca (acórdãos já referidos, BMW, n.º 61, e Gerolsteiner Brunnen, n.º 24). Uma obrigação destas é análoga à que está sujeito o revendedor quando utiliza a marca de outrem para anunciar a revenda de produtos dessa marca (v. acórdãos de 4 de Novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C‑337/95, Colect., p. I‑6013, n.º 45, e BMW, já referido, n.º 61).

42      A este respeito, o uso da marca não está em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial quando, à primeira vista, seja feito de modo a que possa dar a impressão de que existe uma relação comercial entre o terceiro e o titular da marca (acórdão BMW, já referido, n.º 51).

43      Em seguida, o uso da marca não deve afectar o valor da marca, beneficiando indevidamente do seu carácter distintivo ou da sua reputação (acórdão BMW, já referido, n.º 52).

44      Além disso, como o Governo do Reino Unido e a Comissão salientaram com razão nas suas observações, o uso da marca não é feito em conformidade com o artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104 quando desacredita ou deprecia essa marca.

45      Por último, no caso de o terceiro apresentar o seu produto como uma imitação ou reprodução do produto de cuja marca não é titular, o uso dessa marca não está em conformidade com práticas honestas, na acepção do referido artigo 6.°, n.º 1, alínea c).

46      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no processo principal, se o uso das marcas de que a Gillette Company é titular foi feito em conformidade com práticas honestas, tendo em conta, designadamente, as condições recordadas nos n.os 42 a 45 do presente acórdão. A este respeito, é importante ter em consideração a apresentação global do produto comercializado pelo terceiro, designadamente as condições em que a marca de que o terceiro não é titular é posta em evidência nessa apresentação, as condições em que é feita a diferença entre esta marca e a marca ou o sinal do terceiro, bem como o esforço desenvolvido por este para se assegurar de que os consumidores distinguem os seus produtos daqueles de cuja marca não é titular.

47      No que diz respeito à segunda parte desta questão, como o Governo do Reino Unido afirmou com razão nas suas observações, o facto de um terceiro usar a marca de que não é titular, a fim de indicar o destino do seu produto, não significa necessariamente que o apresenta como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto dessa marca. Uma apresentação desse tipo depende dos factos do caso em apreço e compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a sua eventual existência em função das circunstâncias do processo principal.

48      Por outro lado, a eventualidade de uma apresentação das características do produto comercializado pelo terceiro como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto da marca usada constitui um elemento que o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em consideração quando verifica se esse uso é feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

49      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quarta questão que a condição de «práticas honestas», na acepção do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104, constitui, no essencial, a expressão de uma obrigação de lealdade face aos interesses legítimos do titular da marca.

O uso da marca não está em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial, designadamente quando:

–        é feito de forma que leve a que se pense que existe uma relação comercial entre o terceiro e o titular da marca;

–        afecte o valor da marca, beneficiando indevidamente do seu carácter distintivo ou da sua reputação;

–        desacredite ou deprecie a referida marca,

–        ou que o terceiro apresente o seu produto como uma imitação ou reprodução do produto de cuja marca não é titular.

O facto de um terceiro usar a marca de que não é titular a fim de indicar o destino do produto que comercializa não significa necessariamente que o apresenta como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto dessa marca. Uma apresentação desse tipo depende dos factos do caso em apreço e compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a sua existência em função das circunstâncias do processo principal.

A eventualidade de uma apresentação do produto comercializado pelo terceiro como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto da marca usada constitui um elemento que o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em consideração quando verifica se esse uso é feito em conformidade com as práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

 Quanto à quinta questão

50      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a impossibilidade de o titular da marca proibir a um terceiro o uso desta, prevista no artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104, se aplica no caso de o terceiro comercializar, além de uma peça sobressalente ou de um acessório, o próprio produto para o qual se prevê a utilização da peça sobressalente ou do acessório.

51      Há que recordar, como o Governo finlandês e o do Reino Unido afirmaram nas suas observações, que nenhuma disposição da referida directiva exclui, num caso destes, que um terceiro se possa prevalecer do referido artigo 6.°, n.º 1, alínea c). Contudo, o uso da marca por esse terceiro deve ser necessário para indicar o destino do produto comercializado por este e deve ser feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

52      A questão de saber se o uso de uma marca por um terceiro nas circunstâncias acima descritas é necessário para indicar o destino do produto comercializado por aquele e se é feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional apreciar em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto.

53      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quinta questão que, no caso de um terceiro que usa uma marca de que não é titular comercializar, além de uma peça sobressalente ou de um acessório, o próprio produto para o qual se prevê a utilização da peça sobressalente ou do acessório, esse uso é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104, na medida em que seja necessário para indicar o destino do produto comercializado por aquele e em que seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O carácter lícito do uso da marca ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, alínea c), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, depende da questão de saber se esse uso é necessário para indicar o destino do produto.

O uso da marca por um terceiro que não é o seu titular é necessário para indicar o destino de um produto comercializado por esse terceiro, quando este uso constitui, na prática, o único meio para fornecer ao público uma informação compreensível e completa quanto a esse destino a fim de preservar o sistema de concorrência não falseado no mercado desse produto.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no processo principal, se esse uso é necessário, tendo em conta a natureza do público a quem se destina esse produto comercializado pelo terceiro em causa.

Não fazendo o artigo 6.º, n.º 1, alínea c), da Primeira Directiva 89/104 qualquer distinção entre os destinos possíveis dos produtos quando da apreciação do carácter lícito do uso da marca, os critérios de apreciação do carácter lícito do uso da marca, designadamente em relação aos acessórios ou peças sobressalentes, não são, por isso, diferentes dos aplicáveis às outras categorias de destinos possíveis dos produtos.

2)      A condição de «práticas honestas», na acepção do artigo 6.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104, constitui, no essencial, a expressão de uma obrigação de lealdade face aos interesses legítimos do titular da marca.

O uso da marca não está em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial, designadamente quando:

–        é feito de forma que leve a que se pense que existe uma relação comercial entre o terceiro e o titular da marca;

–        afecte o valor da marca, beneficiando indevidamente do seu carácter distintivo ou da sua reputação;

–        desacredite ou deprecie a referida marca,

–        o terceiro apresente o seu produto como uma imitação ou reprodução do produto de cuja marca não é titular.

O facto de um terceiro usar a marca de que não é titular, a fim de indicar o destino do produto que comercializa, não significa necessariamente que o apresenta como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto dessa marca. Uma apresentação desse tipo depende dos factos do caso em apreço e compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a sua eventual existência em função das circunstâncias do processo principal.

A eventualidade de uma apresentação do produto comercializado pelo terceiro como sendo de qualidade igual ou como tendo características equivalentes às do produto da marca usada constitui um elemento que o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em consideração quando verifica se esse uso é feito em conformidade com as práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

3)      No caso de um terceiro que usa uma marca de que não é titular comercializar, além de uma peça sobressalente ou de um acessório, o próprio produto para o qual se prevê a utilização da peça sobressalente ou do acessório, esse uso é abrangido pela âmbito de aplicação do artigo 6.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 89/104, na medida em que seja necessário para indicar o destino do produto comercializado por aquele e em que seja feito em conformidade com as práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

Assinaturas.


* Língua do processo: finlandês.