Language of document : ECLI:EU:C:2018:438

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 de junho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Artigos 28.o e 30.o TFUE — Encargos de efeito equivalente — Artigo 110.o TFUE — Imposições internas — Contribuição social de solidariedade das sociedades — Encargo — Base de cálculo — Volume de negócios anual global das sociedades — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 17.o — Transferência de um bem para outro Estado‑Membro — Valor do bem transferido — Inclusão no volume de negócios anual global»

No processo C‑39/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por decisão de 19 de janeiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de janeiro de 2017, no processo

Lubrizol France SAS

contra

Caisse nationale du Régime social des indépendants (RSI) participations extérieures,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de novembro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Lubrizol France SAS, por A. Beetschen, avocate,

–        em representação da Caisse nationale du Régime social des indépendants (RSI) participations extérieures, por A. Delvolvé, avocat,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, E. de Moustier, A. Alidière e S. Ghiandoni, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels, R. Lyal e F. Clotuche‑Duvieusart, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 31 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 28.o e 30.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lubrizol France SAS (a seguir «Lubrizol») à Caisse nationale du Régime social des indépendants (RSI) participations extérieures [Caixa nacional do regime social dos trabalhadores independentes (RSI) participações externas, a seguir «CNRSI»] a propósito da base de cálculo da contribuição social de solidariedade das sociedades (a seguir «C3S») e da contribuição adicional a esta (a seguir, conjuntamente, «contribuições controvertidas») devidas pela Lubrizol para o ano de 2008.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA»), «entende‑se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».

4        O artigo 17.o desta diretiva prevê:

«1.      É assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a transferência por um sujeito passivo de um bem da sua empresa com destino a outro Estado‑Membro.

Entende‑se por “transferência com destino a outro Estado‑Membro” qualquer expedição ou transporte de um bem móvel corpóreo efetuada pelo sujeito passivo ou por sua conta, para fora do território do Estado‑Membro em que se encontra o bem, mas na Comunidade, para os fins da sua empresa.

[…]»

 Direito francês

5        O artigo L. 245‑13 do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social), na redação aplicável à data da exigibilidade das contribuições controvertidas (a seguir «Código da Segurança Social»), prevê que é instituída, em benefício da Caisse nationale de l’assurance maladie des travailleurs salariés (Caixa nacional do seguro de doença dos trabalhadores por conta de outrem), a contribuição adicional à C3S, prevista pelos artigos L. 651‑1 e seguintes deste código, que é estabelecida, cobrada, exigível e fiscalizada nas mesmas condições que a C3S e cuja taxa é de 0,03%.

6        O artigo L. 651‑1 do Código da Segurança Social prevê que é instituída uma contribuição social de solidariedade em benefício do regime social dos trabalhadores independentes, bem como do Fundo de solidariedade velhice e do Fundo de reserva para os reformados, a cargo, nomeadamente, das sociedades anónimas e das sociedades por ações simplificadas.

7        O artigo L. 651‑3 do referido código prevê:

«A contribuição social de solidariedade é anual. A sua taxa é fixada por decreto, dentro do limite de 0,13% do volume de negócios definido no artigo L. 651‑5. A contribuição não é cobrada quando o volume de negócios da sociedade é inferior a 760 000 euros.

[…]»

8        O artigo L. 651‑5 do Código da Segurança Social enuncia:

«As sociedades e empresas sujeitas à contribuição social de solidariedade devem indicar anualmente ao organismo responsável pela cobrança dessa contribuição o montante do seu volume de negócios global declarado à Administração Fiscal, calculado sem o imposto sobre o valor acrescentado e encargos equiparados […]»

9        O artigo 256.o, III, do code général des impôts (Código Tributário), na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «CT»), dispõe:

«A transferência por um sujeito passivo de um bem da sua empresa com destino a outro Estado‑Membro da Comunidade Europeia é equiparada a entrega de bens.

É considerada uma transferência, na aceção das disposições que precedem, a expedição ou o transporte, por um sujeito passivo ou por sua conta, de um bem móvel corpóreo para as necessidades da sua empresa, com exceção da expedição ou do transporte de um bem que, no Estado‑Membro de chegada, se destine a:

a)      ser utilizado temporariamente para as necessidades de prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo ou em condições que lhe dariam direito, se esse bem fosse importado, ao benefício da admissão temporária com isenção total de direitos;

b)      ser utilizado em trabalhos, na condição de o bem ser reexpedido ou transportado em França com destino a esse sujeito passivo;

c)      ser utilizado numa instalação ou montagem;

d)      ser objeto de entregas a bordo dos meios de transporte, efetuadas pelo sujeito passivo, nas condições referidas no artigo 37.o da Diretiva [IVA].

[…]»

10      O artigo 262.o‑B do CT prevê:

«I.      Estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado:

1.o      As entregas de bens expedidos ou transportados no território de outro Estado‑Membro da Comunidade Europeia com destino a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo.

[…]

2.o      As transferências equiparadas às entregas referidas no ponto III do artigo 256.o, que beneficiariam da isenção prevista em 1.o, supra, se tivessem sido efetuadas com destino a um outro sujeito passivo.

[…]»

 Factos no processo principal e questão prejudicial

11      A Lubrizol, sociedade do setor químico, fabrica e vende aditivos para lubrificantes. Enquanto sociedade por ações simplificada com sede em França, está sujeita às contribuições controvertidas.

12      Na sequência de uma verificação da base de cálculo relativa às contribuições controvertidas devidas pela Lubrizol para o ano de 2008, a CNRSI apurou uma divergência entre o volume de negócios do ano de 2007 declarado à CNRSI e aquele comunicado à Administração Fiscal correspondente a uma dedução, operada pela Lubrizol, do valor das transferências intracomunitárias da base de cálculo das contribuições.

13      Consequentemente, em 13 de março de 2012, a CNRSI enviou à Lubrizol uma liquidação adicional e depois uma notificação para pagamento. A Lubrizol contestou ser devedora das quantias reclamadas, considerando que o valor das mercadorias que transferiu com destino a outros Estados‑Membros da União Europeia não era abrangido pela base de cálculo das contribuições controvertidas que devia pagar para o ano de 2008. Na sua opinião, à data dessas transferências, ainda era proprietária dessas mercadorias e ainda não as tinha vendido aos seus clientes, de modo que as referidas transferências não eram constitutivas de uma venda e, por conseguinte, de um volume de negócios.

14      Tendo a sua ação sido julgada improcedente em primeira instância e em sede de recurso, a Lubrizol interpôs recurso na Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), invocando que, contrariamente ao que foi declarado pelo tribunal de recurso, as contribuições controvertidas deviam ser consideradas encargos de efeito equivalente, uma vez que as transferências de mercadorias com destino a outro Estado‑Membro estão incluídas na sua base de cálculo, contrariamente às transferências de mercadorias no interior do território nacional ou com destino a um país terceiro.

15      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a C3S foi aprovada em benefício do regime de seguro de doença e maternidade dos trabalhadores independentes das profissões não agrícolas e dos regimes de segurança na velhice das profissões artesanais, industriais, comerciais e liberais. O referido órgão jurisdicional sublinha que, durante o ano de 2008, a receita da C3S estava afetada essencialmente à CNRSI que assegura a respetiva cobrança.

16      Além disso, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) salienta que a contribuição adicional à C3S foi introduzida pela Lei n.o 2004‑810, de 13 de agosto de 2004, e que a sua receita, durante o ano de 2008, estava afetada essencialmente à Caixa nacional do seguro de doença dos trabalhadores por conta de outrem e depois ao Fundo de solidariedade velhice.

17      No entender do órgão jurisdicional de reenvio, a base de cálculo destas duas contribuições, que revestem, na aceção do direito interno, a natureza de encargos de qualquer tipo, é constituída pelo volume de negócios global sem impostos declarados à Administração Fiscal. As entregas de bens, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, entram na base de cálculo das contribuições controvertidas.

18      Ora, ainda segundo esse órgão jurisdicional, sem prejuízo de determinadas exceções não pertinentes no caso em apreço e de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva IVA, o artigo 256.o, III, do CT equipara a transferência de um bem da sua empresa realizada por um sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, com destino a outro Estado‑Membro da União a uma entrega de bens. Essa transferência deve ser mencionada na declaração subscrita pelo contribuinte junto da Administração Fiscal, estando, todavia, isenta de IVA nos termos do artigo 262.o‑B do CT.

19      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio já declarou que o valor representativo das mercadorias transferidas por uma empresa, a partir de França com destino a outro Estado‑Membro da União, entra na base de cálculo das contribuições controvertidas, mesmo que essa transferência não gere por si só um volume de negócios. Em contrapartida, as transferências no interior do território nacional e aquelas realizadas com destino a um Estado terceiro não são equiparadas a uma entrega de bens, de modo que o seu valor representativo não entra na base de cálculo das contribuições controvertidas.

20      Nestas condições, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 28.o e 30.o [TFUE] opõem‑se a que o valor dos bens transferidos de França com destino a outro Estado‑Membro da União Europeia, por um sujeito passivo [das contribuição controvertidas], ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, seja tomado em consideração para determinar o volume de negócios global que constitui a base de cálculo dessas contribuições?»

 Quanto à questão prejudicial

21      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que a base de cálculo de contribuições cobradas sobre o volume de negócios anual das sociedades, sempre que este último atinja ou exceda um certo montante, seja calculada tendo em conta o valor representativo dos bens transferidos por um sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, desse Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da União, sendo este valor tido em consideração desde essa transferência, ao passo que, quando esses mesmos bens são transferidos pelo sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, no território do Estado‑Membro em causa, o seu valor só é tido em consideração, na referida base de cálculo, aquando da sua venda posterior.

22      Segundo o direito nacional aplicável, no caso em apreço no processo principal, as contribuições controvertidas são cobradas sobre o volume de negócios anual das sociedades, desde que este seja, para o exercício fiscal referido, de um montante de pelo menos 760 000 euros. Do direito nacional decorre igualmente que uma transferência de bens, efetuada por um sujeito passivo dessas contribuições ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, de França para outro Estado‑Membro da União, é equiparada a uma entrega de bens, para efeitos da cobrança das referidas contribuições, e integra o volume de negócios da sociedade em causa.

23      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em especial, que o valor representativo das mercadorias que são simplesmente transferidas, sem perda de propriedade, para outro Estado‑Membro da União integra a base de cálculo das contribuições controvertidas, ao passo que tal não é o caso quando uma transferência ocorre no interior do território francês. No caso de transferências efetuadas no interior do território francês, só à data da venda das mercadorias em causa é que o seu valor é tido em consideração no volume de negócios da sociedade em apreço e integra a base de cálculo das contribuições controvertidas. Por conseguinte, tendo em conta o método de cálculo da base dessas contribuições, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se estas últimas constituem encargos de efeito equivalente aos direitos aduaneiros de exportação contrários aos artigos 28.o e 30.o TFUE.

24      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer encargo pecuniário unilateralmente imposto, ainda que mínimo, sejam quais forem as suas designação e técnica, que incida sobre mercadorias por passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito. Em contrapartida, os encargos pecuniários que decorrem de um regime geral de imposições internas que compreende sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino são abrangidos pelo artigo 110.o TFUE, que proíbe as imposições internas discriminatórias (Acórdão de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.o 21 e jurisprudência referida).

25      Neste contexto, há que recordar que as disposições do Tratado FUE relativas aos encargos de efeito equivalente e as relativas às imposições internas discriminatórias não são aplicáveis cumulativamente, de forma que uma medida abrangida pelo artigo 110.o TFUE não pode, no sistema do Tratado, ser qualificada de «encargo de efeito equivalente» (v., neste sentido, Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 20 e jurisprudência referida).

26      Um encargo pecuniário escapa à qualificação de «encargo de efeito equivalente» se for cobrado, em determinadas condições, em virtude de controlos efetuados para se conformar com obrigações impostas pelo direito da União ou se constitui a contrapartida de um serviço efetivamente prestado ao operador que está obrigado a pagá‑lo, de um montante proporcionado ao referido serviço (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 1992, Sanders Adour e Guyomarc’h Orthez Nutrition animale, C‑149/91 e C‑150/91, n.o 17, e de 9 de setembro de 2004, Carbonati Apuani, C‑72/03, EU:C:2004:506, n.o 31).

27      É necessário, por conseguinte, determinar se as contribuições controvertidas correspondem à definição de um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, tal como decorre dos elementos indicados nos n.os 24 a 26 do presente acórdão.

28      Neste contexto, importa salientar, em primeiro lugar, que as contribuições controvertidas constituem encargos pecuniários unilateralmente impostos por um Estado‑Membro. Não sendo relevante o objetivo para o qual esses encargos são impostos, pouco importa que se trate de encargos destinados a financiar um sistema de segurança social (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 17).

29      Convém, em segundo lugar, analisar se as contribuições controvertidas incidem sobre as mercadorias.

30      A este respeito, importa recordar que, no âmbito da interpretação do artigo 110.o TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que um encargo que não incide sobre os produtos enquanto tais deve contudo ser considerado como incidindo sobre uma mercadoria quando se repercute imediatamente no custo do produto em causa (Acórdãos de 16 de fevereiro de 1977, Schöttle, 20/76, EU:C:1977:26, n.o 15, e de 8 de novembro de 2007, Stadtgemeinde Frohnleiten e Gemeindebetriebe Frohnleiten, C‑221/06, EU:C:2007:657, n.o 43). Esta jurisprudência deve ser igualmente aplicada no contexto da interpretação dos artigos 28.o e 30.o TFUE.

31      No processo principal, as contribuições controvertidas são calculadas sobre o volume de negócios anual das sociedades a elas sujeitas e não diretamente sobre o valor representativo ou sobre o preço de venda das mercadorias comercializadas por essas sociedades.

32      No entanto, uma vez que o volume de negócios anual destas sociedades atinge um valor de pelo menos 760 000 euros, a totalidade desse volume de negócios constitui a base de cálculo dos impostos em causa, cuja taxa é fixada, respetivamente, em 0,13% e em 0,03% do referido volume de negócios. Na medida em que este mesmo volume de negócios é gerado pela venda em França e pela transferência de produtos para outro Estado‑Membro, as contribuições controvertidas incidem sobre estes produtos, em si mesmos, embora sejam cobradas não à data da sua venda ou da sua transferência para outro Estado‑Membro, mas de forma global e anual.

33      Conforme salientou o advogado‑geral no n.o 89 das suas conclusões, essas contribuições influenciam diretamente os custos de introdução no mercado dos produtos em causa, uma vez que cada venda ou cada transferência para outro Estado‑Membro de um desses produtos implica necessariamente o aumento da base de cálculo das referidas contribuições que são cobradas sobre o volume de negócios assim gerado, quando este atinge um valor de pelo menos 760 000 euros por ano.

34      Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que as contribuições controvertidas incidem sobre mercadorias.

35      Esta conclusão não é posta em causa pelo Acórdão de 27 de novembro de 1985, Rousseau Wilmot (295/84, EU:C:1985:473), em cujo n.o 16 o Tribunal de Justiça declarou que uma contribuição como a C3S se insere no conceito de «direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios» constante do artigo 33.o da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na medida em que, nomeadamente, é calculada com base no volume de negócios anual sem interferir diretamente no preço dos bens e dos serviços. Com efeito, esse acórdão dizia respeito especificamente ao sistema comum do IVA e, em especial, ao referido artigo 33.o que visa impedir que o funcionamento deste sistema seja comprometido por medidas fiscais de um Estado‑Membro que onerem a circulação dos bens e dos serviços e tributem as transações de forma comparável à que caracteriza o IVA.

36      Há que verificar, em terceiro lugar, se as contribuições controvertidas incidem sobre estas mercadorias em razão da passagem de uma fronteira ou se, pelo contrário, resultam de um sistema geral de imposições internas que onera sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino.

37      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a característica essencial de um encargo de efeito equivalente, que o distingue de uma imposição interna de natureza geral, reside na circunstância de o primeiro incidir exclusivamente sobre o produto importado como tal, enquanto a segunda incide quer sobre os produtos importados, quer sobre os produtos exportados, quer sobre os produtos nacionais (Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 28).

38      No caso em apreço, é pacífico que as contribuições controvertidas incidem, de acordo com a mesma taxa, tanto sobre os produtos transferidos para outro Estado‑Membro como sobre aqueles vendidos no território nacional.

39      No entanto, em primeiro lugar, para ser abrangido por um sistema geral de «imposições internas», na aceção do artigo 110.o TFUE, o encargo fiscal considerado deve atingir o produto interno e o produto exportado idêntico com o mesmo imposto no mesmo estádio da comercialização e o facto gerador do imposto deve, também ele, ser idêntico para os dois produtos (Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 29 e jurisprudência referida).

40      Ora, o preço da mercadoria integra a base de cálculo das contribuições controvertidas unicamente no momento da venda dessa mercadoria, quando esta permaneça no território nacional, enquanto o valor representativo da referida mercadoria, se esta última for transferida para outro Estado‑Membro, integra esta mesma base de cálculo desde a referida transferência.

41      Contudo, esta circunstância não é suscetível de pôr em causa a constatação de que o encargo pecuniário que resulta das contribuições controvertidas se aplica no mesmo estádio da comercialização, na medida em que visa essencialmente, como invocou o Governo francês nas suas observações submetidas ao Tribunal de Justiça, o produto vendido no mercado nacional e o produto transferido para outro Estado‑Membro para aí ser vendido.

42      Com efeito, por um lado, a venda desse produto no território nacional e, por outro, a transferência do produto para outro Estado‑Membro para a sua venda podem ser consideradas abrangidas, em termos de realidade económica, pelo mesmo estádio de comercialização para efeitos da aplicação do artigo 110.o TFUE (v., por analogia, Acórdãos de 11 de junho de 1992, Sanders Adour e Guyomarc’h Orthez Nutrition animale, C‑149/91 e C‑150/91, EU:C:1992:261, n.o 18; de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.o 25; e de 23 de abril de 2002, Nygård, C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 30).

43      Contudo, a situação seria diferente se, como defende a Lubrizol nas suas observações submetidas ao Tribunal de Justiça, a transferência dos produtos em causa no processo principal para outro Estado‑Membro fosse tida em conta no cálculo da base das contribuições controvertidas apesar de essa transferência não resultar numa venda subsequente dos referidos produtos nesse outro Estado‑Membro. Com efeito, essa transferência não estaria abrangida pelo mesmo estádio de comercialização que a venda no mercado nacional.

44      Como salienta a Comissão Europeia, deveria considerar‑se que o encargo pecuniário que resulta das contribuições controvertidas incide sobre esses produtos em estádios de comercialização diferentes, se o valor dos produtos transferidos para outro Estado‑Membro não pudesse ser deduzido da base de cálculo das contribuições controvertidas, quando estes não se destinassem a serem vendidos ou tivessem sido reencaminhados em França sem terem sido vendidos noutro Estado‑Membro. Nesse caso, na medida em que seriam calculadas tendo em conta o valor representativo desses produtos, as contribuições controvertidas deveriam ser consideradas encargos de efeito equivalente.

45      Além disso, se o valor dos bens transferidos para outro Estado‑Membro fosse contabilizado, uma segunda vez, na base de cálculo das contribuições controvertidas aquando da sua venda nesse Estado‑Membro, os produtos exportados suportariam duas vezes o encargo fiscal em causa, contrariamente aos produtos destinados ao mercado nacional. Nesse caso, essas contribuições, na medida em que seriam calculadas tendo em conta o preço de venda desses bens, deveriam também ser consideradas encargos de efeito equivalente (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 1997, Fricarnes, C‑28/96, EU:C:1997:412, n.o 28).

46      Em segundo lugar, há que salientar que, se as vantagens resultantes da afetação do produto de uma contribuição integrada num regime geral de imposições internas, que incide sistematicamente sobre os produtos nacionais comercializados no mercado nacional e sobre os produtos exportados, compensarem integralmente o encargo suportado pelo produto nacional comercializado no mercado nacional aquando da sua introdução no mercado, essa imposição constitui igualmente um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, contrário aos artigos 28.o e 30.o TFUE (Acórdão de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.o 24).

47      No entanto, no caso em apreço, nada indica que tal seja o efeito das contribuições controvertidas. Com efeito, como salientou em substância o advogado‑geral no n.o 94 das suas conclusões, o produto dessas contribuições é destinado a financiar o orçamento dos organismos de segurança social, cujas prestações não têm como objetivo e não parecem ter como consequência compensar integralmente o encargo decorrente, para os produtos nacionais comercializados no território nacional, da cobrança das referidas contribuições.

48      Em quarto lugar, importa salientar que, conforme sublinhou o advogado‑geral, em substância, no n.o 71 das suas conclusões, nada indica, nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, que as contribuições controvertidas sejam cobradas em virtude de fiscalizações efetuadas para cumprimento de obrigações impostas pelo direito da União ou que constituam a contrapartida de um serviço efetivamente prestado ao operador, de um montante proporcional ao referido serviço.

49      Daqui resulta que, sem prejuízo do que foi referido nos n.os 43 a 47 do presente acórdão, as contribuições controvertidas parecem ser imposições internas, na aceção do artigo 110.o TFUE, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

50      Tendo a Lubrizol indicado, na audiência no Tribunal de Justiça, não invocar a violação do artigo 110.o TFUE e que o Tribunal de Justiça não era questionado a este respeito, não há que analisar se contribuições como as contribuições controvertidas são discriminatórias na aceção deste artigo 110.o

51      Resulta do exposto que os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que a base de cálculo de contribuições cobradas sobre o volume de negócios anual das sociedades, sempre que este último atinja ou exceda um certo montante, seja calculada tendo em conta o valor representativo dos bens transferidos por um sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, desse Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da União, sendo este valor tido em consideração desde essa transferência, ao passo que, quando esses mesmos bens são transferidos pelo sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, no território do Estado‑Membro em causa, o seu valor só é tido em consideração, na referida base de cálculo, aquando da sua venda posterior, desde que:

–        em primeiro lugar, o valor desses bens não seja novamente tido em conta na referida base de cálculo aquando da sua venda posterior nesse Estado‑Membro;

–        em segundo lugar, o seu valor seja deduzido da referida base de cálculo quando esses bens não se destinem a ser vendidos noutro Estado‑Membro ou tenham sido reencaminhados no Estado‑Membro de origem sem terem sido vendidos; e,

–        em terceiro lugar, os benefícios resultantes da afetação das referidas contribuições não compensem totalmente o encargo suportado pelo produto nacional comercializado no mercado nacional aquando da sua introdução no mercado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 28.o e 30.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um EstadoMembro que prevê que a base de cálculo de contribuições cobradas sobre o volume de negócios anual das sociedades, sempre que este último atinja ou exceda um certo montante, seja calculada tendo em conta o valor dos bens transferidos por um sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, desse EstadoMembro para outro EstadoMembro da União Europeia, sendo este valor tido em consideração desde essa transferência, ao passo que, quando esses mesmos bens são transferidos pelo sujeito passivo ou por sua conta, para as necessidades da sua empresa, no território do EstadoMembro em causa, o seu valor só é tido em consideração, na referida base de cálculo, aquando da sua venda posterior, desde que:

–        em primeiro lugar, o valor desses bens não seja novamente tido em conta na referida base de cálculo aquando da sua venda posterior nesse EstadoMembro;

–        em segundo lugar, o seu valor seja deduzido da referida base de cálculo quando esses bens não se destinem a ser vendidos noutro EstadoMembro ou tenham sido reencaminhados no EstadoMembro de origem sem terem sido vendidos; e,

–        em terceiro lugar, os benefícios resultantes da afetação das referidas contribuições não compensem totalmente o encargo suportado pelo produto nacional comercializado no mercado nacional aquando da sua introdução no mercado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.