Language of document : ECLI:EU:C:2018:638

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

7 de agosto de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Apoio ao desenvolvimento rural — Regulamento (CE) n.o 1257/1999 — Artigos 10.o a 12.o — Apoio à reforma antecipada — Legislação nacional que prevê a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada — Legislação aprovada pela Comissão Europeia — Posterior alteração de posição — Proteção da confiança legítima»

No processo C‑120/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia), por Decisão de 28 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de março de 2017, no processo

Administratīvā rajona tiesa

contra

Ministru kabinets,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Malenovský, presidente de secção, D. Šváby e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de janeiro de 2018,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação do Governo letão, por I. Kucina e G. Bambāne, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Aquilina e I. Naglis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 10.o a 12.o do Regulamento (CE) n.o 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO 1999, L 160, p. 80), bem como do princípio da proteção da confiança legítima.

2        Este pedido surgiu no âmbito de um pedido de fiscalização da constitucionalidade apresentado pelo Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), por ocasião de um litígio entre vários particulares e o Lauku atbalsta dienests (Serviço de Apoio ao Mundo Rural, Letónia), a respeito da validade de convenções de direito público relativas à concessão do apoio à reforma agrícola antecipada com fundamento nos artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 23 do Regulamento n.o 1257/1999 enunciava:

«Considerando que, para melhorar a viabilidade das explorações agrícolas, é conveniente incentivar a reforma antecipada na atividade agrícola, tendo em conta a experiência adquirida com a aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2079/92 [do Conselho, de 30 de junho de 1992, que institui um regime comunitário de ajudas à reforma antecipada na agricultura (JO 1992, L 215, p. 91)].»

4        O capítulo IV, intitulado «Reforma antecipada», do título II, com a epígrafe «Medidas de desenvolvimento rural», do Regulamento n.o 1257/1999 continha os artigos 10.o a 12.o O artigo 10.o, n.o 1, deste regulamento dispunha:

«O apoio à reforma antecipada na agricultura contribuirá para os seguintes objetivos:

—      proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar as suas atividades agrícolas,

—      favorecer a substituição desses agricultores idosos por agricultores que possam, sempre que necessário, melhorar a viabilidade económica das restantes explorações,

—      reafetar terras agrícolas a utilizações não agrícolas quando a sua afetação a fins agrícolas não seja possível em condições satisfatórias de viabilidade económica.»

5        O artigo 11.o, n.os 1 e 5, do referido regulamento previa:

«1.      O cedente de uma exploração agrícola deve:

—      cessar definitivamente qualquer atividade agrícola comercial, podendo, no entanto, continuar a praticar a agricultura para fins não comerciais e conservar a utilização dos edifícios onde continue a habitar,

—      ter uma idade não inferior a 55 anos, sem ter atingido a idade normal da reforma no momento da cessão,

e

—      ter exercido a atividade agrícola nos 10 anos anteriores à cessão.

[…]

5.      As condições previstas no presente artigo serão aplicáveis durante todo o período em que o cedente receba o apoio à reforma antecipada.»

6        Nos termos do artigo 12.o, n.o 2, do mesmo regulamento:

«A duração do apoio à reforma antecipada não excederá um período total de 15 anos para o cedente e de 10 anos para o trabalhador agrícola. A duração desse apoio não continuará após o septuagésimo quinto aniversário de um cedente, nem após a idade normal de reforma de um trabalhador.

Quando, no caso de um cedente, o Estado‑Membro pague uma pensão de reforma normal, o apoio à reforma antecipada será concedido a título de complemento, tendo em conta o montante da pensão nacional de reforma.»

7        O título III do Regulamento n.o 1257/1999, com a epígrafe «Princípios gerais e disposições administrativas e financeiras», continha os artigos 35.o a 50.o

8        Nos termos do artigo 39.o do referido regulamento:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para garantir a compatibilidade e a coerência das medidas de apoio ao desenvolvimento rural nos termos do presente capítulo.

2.      Os planos de desenvolvimento rural apresentados pelos Estados‑Membros incluirão uma avaliação da compatibilidade e da coerência das medidas de apoio ao desenvolvimento rural previstas e uma indicação das medidas tomadas para garantir a compatibilidade e a coerência.

3.      Se necessário, as medidas de apoio serão revistas posteriormente para garantir a sua compatibilidade e coerência.»

9        O artigo 44.o, n.o 2, do dito regulamento previa:

«A Comissão avaliará os planos propostos para determinar a sua coerência com o presente regulamento. A Comissão aprovará, com base nesses planos, nos seis meses seguintes à sua apresentação, documentos de programação em matéria de desenvolvimento rural nos termos do n.o 2 do artigo 50.o do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 [do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os fundos estruturais (JO 1999, L 161, p. 1)].»

 Direito letão

10      O Ministru kabinets (Conselho de Ministros, Letónia) adotou, em 30 de novembro de 2004, o Decreto n.o 1002, que estabelece as modalidades de aplicação do documento de programação «Plano de desenvolvimento rural da Letónia para a execução do programa de desenvolvimento para os anos de 2004 a 2006» (Latvijas Vēstnesis, 2004, n.o 193, a seguir «Decreto n.o 1002»).

11      O ponto 9.3 do Plano de desenvolvimento rural da Letónia para a execução do programa de desenvolvimento para os anos de 2004 a 2006 (a seguir «Plano de Desenvolvimento Rural») previa a possibilidade de os proprietários de explorações agrícolas que, no mínimo, tivessem 55 anos de idade cederem a sua exploração a um terceiro, recebendo um apoio à reforma antecipada (a seguir «apoio à reforma antecipada»), cujas condições de elegibilidade correspondiam, em larga medida, às do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999.

12      O ponto 12.3.2 desse plano continha uma secção, intitulada «Reforma antecipada», cuja alínea a) mencionava que, em caso de falecimento do beneficiário do apoio à reforma antecipada durante o período em que estivesse em vigor uma convenção relativa à concessão de um apoio à reforma antecipada, a pensão mensal de reforma antecipada relativa ao período remanescente continuava a ser paga à pessoa cujos direitos sucessórios estivessem consagrados nos termos do direito nacional.

13      O ponto 1 do Decreto n.o 187 do Conselho de Ministros, de 14 de abril de 2015, que altera o Decreto n.o 1002 (Latvijas Vēstnesis, 2015, n.o 74, a seguir «Decreto n.o 187»), suprimiu a possibilidade de transmissão sucessória desse apoio.

14      Segundo o seu ponto 2, este decreto entrou em vigor em 30 de abril de 2015.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Por Decisão de 30 de julho de 2004, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou o Plano de Desenvolvimento Rural, que previa a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

16      Por iniciativa de vários particulares, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) foi chamado a declarar a validade das convenções de direito público relativas à concessão do apoio à reforma agrícola antecipada, uma vez que, na sequência da entrada em vigor do Decreto n.o 187, o Serviço de Apoio ao Mundo Rural tinha deixado de respeitar os seus compromissos em matéria de transmissão sucessória de apoios à reforma antecipada.

17      Aquele órgão jurisdicional considera que a adoção do Decreto n.o 187 criou uma situação em que os herdeiros do cedente agrícola podem perder o direito ao apoio à reforma antecipada, mesmo quando a exploração agrícola tenha sido cedida a terceiros. Visto que nem o Regulamento n.o 1257/1999 nem o Plano de Desenvolvimento Rural proibiam a cessão da exploração agrícola aos herdeiros do cedente, a celebração de uma convenção relativa à concessão de um apoio à reforma antecipada fez nascer no cedente agrícola e nos seus herdeiros uma confiança legítima no facto de estes últimos poderem herdar o apoio à reforma antecipada se os compromissos que figuram nessa convenção continuassem a ser respeitados.

18      Consequentemente, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) pediu ao Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia) que se pronunciasse sobre a conformidade do Decreto n.o 187 com o artigo 105.o da Latvijas Republikas Satversme (Constituição da República da Letónia, a seguir «Constituição»), relativo ao direito de propriedade.

19      Perante o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional), o Conselho de Ministros defendeu a constitucionalidade do Decreto n.o 187. Sublinha que, na sua reunião de 19 de outubro de 2011, o Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão concluiu que «o FEOGA não se aplicava à transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada». Por conseguinte, essa transmissão não corresponde ao objetivo fixado pelo Regulamento n.o 1257/1999. Ora, uma das finalidades do Decreto n.o 187 consiste em evitar a incompatibilidade do direito letão com as exigências resultantes desse regulamento e com o princípio da utilização útil e eficaz das finanças da União e dos Estados‑Membros.

20      O órgão jurisdicional de reenvio recorda ter declarado que o direito a um apoio direto do Estado sob a forma de uma quantia em dinheiro, previsto por um ato normativo, está abrangido pelo artigo 105.o da Constituição.

21      Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o Regulamento n.o 1257/1999 proibia a inclusão no direito letão de uma disposição relativa à transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada ou se deixou uma margem de apreciação aos Estados‑Membros a este respeito. Todavia, refere que as condições de recebimento desse apoio, que figuram nos artigos 11.o e 12.o daquele regulamento, confirmam o caráter pessoal do referido apoio e que os herdeiros de um cedente agrícola não são partes na convenção relativa à concessão desse apoio.

22      O órgão jurisdicional de reenvio observa, porém, que, no Regulamento n.o 1257/1999, se fazia referência à experiência adquirida com a aplicação do Regulamento n.o 2079/92. A função deste último regulamento era assegurar um rendimento aos agricultores idosos que decidissem cessar a sua atividade agrícola. Assim, a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada poderia incentivar os agricultores a participarem na medida de reforma antecipada.

23      Conclui daí que não se podia considerar que as disposições do Regulamento n.o 1257/1999 relativas à reforma antecipada continham obrigações claras e precisas e podiam ser entendidas no sentido de que concediam uma margem de apreciação aos Estados‑Membros.

24      Salienta igualmente a existência de uma competência partilhada entre a União e os Estados‑Membros, no domínio da agricultura.

25      A este respeito, sublinha que a Comissão adotou, em 30 de julho de 2004, uma decisão que aprova o Plano de Desenvolvimento Rural e, desse modo, aprovou a disposição relativa à transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

26      Todavia, este órgão jurisdicional refere que, em 19 de outubro de 2011, o Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão concluiu, a respeito do regulamento que sucedeu ao Regulamento n.o 1257/1999, que a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada não era conforme com a regulamentação da União então aplicável, posição esta que foi reafirmada ao longo de 2015.

27      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a carta da Comissão de 11 de maio de 2015, segundo a qual deveria ser claro para todos os Estados‑Membros que os pagamentos a título do apoio à reforma antecipada não se transmitem aos herdeiros do cedente agrícola e que, a partir de 19 de outubro de 2011, deixou de ser possível invocar uma confiança legítima, devendo esta data ser considerada a data‑limite para um novo compromisso.

28      Assim, pergunta se o processo que lhe foi submetido não constituirá um caso em que a prática não conforme com o direito da União por parte de um Estado‑Membro pôde produzir efeitos jurídicos, uma vez que um agricultor, parte numa convenção relativa à concessão de um apoio à reforma antecipada, não pode ter conhecimento de um eventual erro desse Estado‑Membro e da Comissão.

29      Nestas circunstâncias, o Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Tendo em conta as competências partilhadas entre a União Europeia e os Estados‑Membros no domínio da agricultura, devem as disposições do Regulamento n.o 1257/1999, [lidas] à luz de um dos seus objetivos — que os agricultores participem na medida de reforma antecipada na atividade agrícola —, [ser interpretadas] no sentido de que se opõem a que, no âmbito das medidas de aplicação do referido regulamento, um Estado‑Membro adote uma legislação que permita [herdar] o apoio à reforma antecipada […]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, [ou seja, no caso de] as disposições do Regulamento n.o 1257/1999 exclu[írem] a possibilidade de […] herdar o apoio à reforma antecipada, [pode uma situação de facto em que a Comissão aprovou validamente uma norma como sendo conforme com as disposições do Regulamento n.o 1257/1999 e em que os agricultores participaram numa medida de reforma antecipada de acordo com a prática em vigor no Estado‑Membro ter feito nascer em benefício de uma pessoa] um direito subjetivo [de] herdar o apoio concedido no âmbito [dessa] medida […]?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão prejudicial, [ou seja, no caso de esse direito subjetivo ter podido nascer em benefício de uma pessoa], a conclusão da reunião do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão […], de 19 de outubro de 2011, segundo a qual o apoio à reforma antecipada […] não pode ser transmitido aos herdeiros do cedente da exploração agrícola, constitui um fundamento para a extinção antecipada do direito subjetivo adquirido [atrás] referido?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

30      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999 devem ser interpretados no sentido de se opõem a que os Estados‑Membros, no âmbito da aplicação destas disposições, adotem medidas que permitam a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

31      Segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros podem adotar medidas de execução de um regulamento, desde que não criem obstáculos à sua aplicabilidade direta, não dissimulem a sua natureza de ato de direito da União e precisem o exercício da margem de apreciação que lhes é conferida por esse regulamento, não deixando de respeitar os limites das suas disposições (Acórdãos de 7 de julho de 2016, Občina Gorje, C‑111/15, EU:C:2016:532, n.o 35, e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 18).

32      É com base nas disposições aplicáveis do regulamento em causa, interpretadas à luz dos seus objetivos, que se deve determinar se estas proíbem, impõem ou permitem que os Estados‑Membros aprovem certas medidas de execução e, nomeadamente neste último caso, se a medida em causa está abrangida pela margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro (Acórdãos de 7 de julho de 2016, Občina Gorje, C‑111/15, EU:C:2016:532, n.o 36, e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 19).

33      No caso vertente, o título II do Regulamento n.o 1257/1999, com a epígrafe «Medidas de desenvolvimento rural», contém um capítulo IV, intitulado «Reforma antecipada», que define, nos artigos 10.o a 12.o, os objetivos, as condições de concessão e as grandes linhas das modalidades de execução de uma medida de apoio à reforma antecipada, atribuído a um agricultor idoso em contrapartida da cessão da sua exploração.

34      Refira‑se que estes artigos não preveem a hipótese do falecimento do beneficiário dessa medida. Mais particularmente, não autorizam nem proíbem a possibilidade de transmitir por sucessão o direito ao apoio à reforma antecipada.

35      Ora, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (Acórdãos de 6 de novembro de 2014, Feakins, C‑335/13, EU:C:2014:2343, n.o 35, e de 12 de novembro de 2015, Jakutis e Kretingalės kooperatinė ŽŪB, C‑103/14, EU:C:2015:752, n.o 93).

36      No caso vertente, poderia entender‑se que certos elementos do enunciado dos artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999, lidos isoladamente, permitem aos Estados‑Membros prever, no âmbito da sua margem de apreciação, a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

37      Assim, o artigo 10.o deste regulamento dispõe que esse apoio tem, nomeadamente, por objetivo proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar a atividade agrícola. Enquanto medida de incentivo à cessação dessa atividade, pode considerar‑se que o apoio à reforma antecipada é suscetível de satisfazer melhor esse objetivo se, em caso de falecimento do cedente agrícola, fosse possível transmiti‑lo aos herdeiros.

38      Por seu lado, o artigo 12.o, n.o 2, do referido regulamento, segundo o qual o pagamento do referido apoio não pode exceder um período total de quinze anos, sem mais explicações, pode ser entendido, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 37 das suas conclusões, no sentido de que institui um limite que respeita tanto ao cedente agrícola como aos seus herdeiros, uma vez que não referem características próprias ao cedente.

39      Todavia, não obstante estes elementos, decorre do conjunto dos artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999, lidos à luz das finalidades da medida de apoio à reforma antecipada que instituem, que esta medida está sujeita a condições estritamente pessoais do cedente agrícola e que, consequentemente, esses artigos devem ser entendidos no sentido de que não autorizam os Estados‑Membros a prever a transmissão sucessória do referido apoio.

40      Assim, primeiro, o artigo 11.o desse regulamento enuncia, no seu n.o 1, condições que estão todas relacionadas com a pessoa do cedente agrícola. O mesmo se diga da obrigação de cessar definitivamente qualquer atividade comercial, de ter idade não inferior a 55 anos, sem ter atingido a idade normal da reforma no momento da cessão, e de ter exercido a atividade agrícola nos dez anos anteriores à cessão. Este artigo 11.o prevê igualmente, no seu n.o 5, que o beneficiário do apoio à reforma antecipada, a saber, o cedente agrícola, deve respeitar estas condições durante todo o período em que recebe esse apoio.

41      Segundo, embora fixe uma duração máxima de quinze anos para o pagamento do apoio à reforma antecipada, o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1257/1999 prevê um segundo limite temporal, a saber, que esse pagamento não continuará após o septuagésimo quinto aniversário do cedente agrícola. Ao fazê‑lo, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que confere um direito incondicional ao pagamento do apoio durante um período de quinze anos. Com efeito, não apenas sublinha o caráter não duradouro desse apoio como implica, a fortiori, que o falecimento do cedente agrícola põe termo ao seu pagamento.

42      Terceiro, as finalidades do Regulamento n.o 1257/1999 conduzem igualmente a considerar que o apoio à reforma antecipada não pode ser objeto de uma transmissão sucessória.

43      Com efeito, desde logo, o artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento fixa vários objetivos para a medida de apoio à reforma antecipada, a saber, proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar a atividade agrícola, favorecer a substituição desses agricultores idosos por agricultores que possam melhorar a viabilidade das restantes explorações e reafetar terras agrícolas a utilizações não agrícolas, quando a sua afetação a fins agrícolas não seja possível em condições satisfatórias de viabilidade económica.

44      Seguidamente, o Tribunal de Justiça deduziu da existência desses diferentes objetivos que o legislador da União tinha pretendido encorajar a reforma antecipada no setor da agricultura, com o objetivo de melhorar a viabilidade das explorações agrícolas e fornecer um incentivo económico aos agricultores idosos para que cessassem antecipadamente as suas atividades, em circunstâncias em que normalmente não o fariam, sendo o complemento da pensão de reforma ou o rendimento adicional apenas uma das consequências da aplicação do Regulamento n.o 1257/1999 (v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2016, Polónia/Comissão, C‑210/15 P, não publicado, EU:C:2016:529, n.o 39).

45      Conclui‑se, por um lado, que o apoio à reforma antecipada é concedido ao cedente agrícola de acordo com condições que lhe são estritamente pessoais e, por outro, que o objetivo determinante deste apoio não consiste em completar o rendimento desse cedente. Por conseguinte, tendo em conta o seu caráter pessoal, o referido apoio não pode ser transmitido aos herdeiros do cedente agrícola na eventualidade de este falecer.

46      Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que os artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no âmbito da aplicação desses artigos, os Estados‑Membros adotem medidas que permitam a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada como o que está em causa no processo principal.

 Quanto à segunda e terceira questões

47      Com a sua segunda e terceira questões, que convém apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que uma norma nacional como a que está em causa no processo principal, que previa a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada e tinha sido aprovada pela Comissão como sendo conforme com o Regulamento n.o 1257/1999, fez nascer uma confiança legítima nos herdeiros dos agricultores que beneficiaram desse apoio e, em caso afirmativo, se uma conclusão como a mencionada na ata da reunião do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão de 19 de outubro de 2011, segundo a qual o apoio à reforma antecipada não é transmissível por sucessão, pôs termo a essa confiança legítima.

48      A este respeito, decorre de jurisprudência constante, por um lado, que quando os Estados‑Membros adotam medidas através das quais aplicam o direito da União, devem respeitar os princípios gerais deste direito, entre os quais figuram, nomeadamente, o princípio da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2006, Elmeka, C‑181/04 a C‑183/04, EU:C:2006:563, n.o 31, e de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău, C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.o 54).

49      Conclui‑se que, na execução do apoio à reforma antecipada previsto nos artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar o princípio da proteção da confiança legítima.

50      Por outro lado, o direito de invocar este princípio estende‑se a todos os particulares a quem uma autoridade administrativa nacional tenha criado expectativas fundadas devido às garantias precisas por ela fornecidas (Acórdãos de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 44, e de 14 de junho de 2017, Santogal M‑Comércio e Reparação de Automóveis, C‑26/16, EU:C:2017:453, n.o 76).

51      A este respeito, importa verificar se os atos da autoridade administrativa em questão criaram no espírito do particular em causa uma confiança razoável e, se for esse o caso, apurar a legitimidade dessa confiança (v. Acórdãos de 14 de setembro de 2006, Elmeka, C‑181/04 a C‑183/04, EU:C:2006:563, n.o 32, e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 45).

52      Todavia, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser invocado contra uma disposição precisa de um diploma do direito da União, e o comportamento de uma autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União, que seja contrário a este último, não é suscetível de gerar num particular uma confiança legítima em que pode beneficiar de um tratamento contrário ao direito da União (Acórdãos de 1 de abril de 1993, Lageder e o., C‑31/91 a C‑44/91, EU:C:1993:132, n.o 35; de 20 de junho de 2013, Agroferm, C‑568/11, EU:C:2013:407, n.o 52; e de 20 de dezembro de 2017, Erzeugerorganisation Tiefkühlgemüse, C‑516/16, EU:C:2017:1011, n.o 69).

53      Em primeiro lugar, importa verificar, de acordo com a jurisprudência citada no n.o 51 do presente acórdão, se os atos das autoridades letãs, a saber, o Decreto n.o 1002 e as convenções relativas à concessão de um apoio à reforma antecipada pelo Serviço de Apoio ao Mundo Rural, criaram no espírito dos herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio em causa uma confiança razoável no facto de o referido apoio ser transmissível por sucessão.

54      Primeiro, decorre do exame da primeira questão que os artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999 não precisam de modo algum se, para efeitos da sua aplicação, um Estado‑Membro pode prever a transmissão sucessória do direito a receber o apoio à reforma antecipada.

55      Por conseguinte, os referidos artigos 10.o a 12.o não podem ser considerados disposições precisas do direito da União, no sentido de que as pessoas que beneficiam dos direitos neles estabelecidos pudessem ter compreendido sem ambiguidade que os mesmos proibiam os Estados‑Membros de prever a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

56      Segundo, cabe sublinhar que, em aplicação do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1257/1999, a Comissão aprovou, em 30 de julho de 2004, o Plano de Desenvolvimento Rural, que previa a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

57      Ora, nos termos desse artigo 44.o, n.o 2, a Comissão apreciava os planos que lhe eram submetidos, em função da sua coerência com o Regulamento n.o 1257/1999, o que implicava um exame do conteúdo desses planos, a fim de verificar a sua coerência com os diferentes requisitos e obrigações fixados por esse regulamento.

58      No caso vertente, foi na sequência da aprovação do Plano de Desenvolvimento Rural pela Comissão que as autoridades letãs adotaram o Decreto n.o 1002, que estabelece as modalidades de execução desse plano, e introduziram, assim, na alínea a) do ponto 12.3.2 da secção intitulada «Reforma antecipada» desse decreto, a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada.

59      Além disso, a assinatura das convenções relativas à concessão de um apoio à reforma antecipada pelo Serviço de Apoio ao Mundo Rural só veio reforçar a confiança quer dos agricultores, cossignatários dessas convenções, quer dos respetivos herdeiros na legalidade da transmissão sucessória desse apoio previsto no Decreto n.o 1002.

60      Terceiro, já passaram mais de sete anos entre o momento em que a Comissão aprovou, em 30 de julho de 2004, o Plano de Desenvolvimento Rural e a data de 19 de outubro de 2011, em que o Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão concluiu que «o FEOGA não se aplicava à transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada». O decurso desse período de tempo até que os artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999 fossem interpretados no sentido de que proíbem a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada podia reforçar a confiança dos herdeiros na legalidade dessa transmissão prevista pelo Plano de Desenvolvimento Rural.

61      Decorre das considerações anteriores que os atos das autoridades letãs, a saber, o Decreto n.o 1002 e as convenções relativas à concessão de um apoio à reforma antecipada pelo Serviço de Apoio ao Mundo Rural, criaram uma confiança razoável no espírito dos herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada em que este era transmissível por sucessão.

62      Em segundo lugar, é necessário determinar, em conformidade com a jurisprudência citada no n.o 51 do presente acórdão, se a confiança desses herdeiros na possibilidade da transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada é legítima.

63      Ora, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, a legitimidade da confiança deve ser reconhecida quando o particular que a invoca se encontre numa situação especial, digna de proteção, como a que está em causa no processo principal.

64      Com efeito, os herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada fundavam os seus direitos sucessórios numa regulamentação nacional cujo conteúdo tinha sido aprovado pela Decisão da Comissão de 30 de julho de 2004 e da qual não decorria de forma evidente que, não obstante essa provação, a referida regulamentação era contrária aos artigos 10.o a 12.o do Regulamento n.o 1257/1999. Além disso, esses direitos sucessórios tinham sido concretizados em convenções relativas à concessão de um apoio à reforma antecipada, celebradas entre um serviço habilitado a assumir a responsabilidade do Estado para a concessão desse apoio, o Serviço de Apoio ao Mundo Rural, e os agricultores que haviam cedido as suas explorações em contrapartida do apoio à reforma antecipada, convenções essas em que os herdeiros não eram partes.

65      Nestas circunstâncias, a confiança razoável que os herdeiros puderam depositar na legalidade dos seus direitos sucessórios é legítima.

66      Em terceiro lugar, importa recordar que, como salienta o Governo letão, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente, que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições da União ou das autoridades que aplicam o direito da União (Acórdãos de 22 de outubro de 2009, Elbertsen, C‑449/08, EU:C:2009:652, n.o 45, e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C‑335/09, EU:C:2012:385, n.o 180).

67      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não pretende saber se o princípio da proteção da confiança legítima pode ser invocado para precaver os efeitos da modificação regulamentar introduzida pelo Decreto n.o 187. Pretende apenas saber se os herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada podem invocar uma confiança legítima relativamente ao período anterior a 30 de abril de 2015, data da entrada em vigor daquele decreto.

68      Por conseguinte, a jurisprudência mencionada no n.o 66 do presente acórdão não pode influenciar a resposta a dar a esse órgão jurisdicional.

69      Em último lugar, importa sublinhar que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre o impacto das conclusões do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão, adotadas na reunião de 19 de outubro de 2011, na confiança legítima suscetível de ser invocada pelos herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada.

70      Ora, decorre dos autos que essas conclusões se dirigiram apenas aos Estados‑Membros e que, no que respeita à República da Letónia, não se traduziram numa modificação da regulamentação que previa a transmissão sucessória do apoio à reforma antecipada, antes da adoção do Decreto n.o 187, em 14 de abril de 2015.

71      Por outro lado, os herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada não tiveram conhecimento nem da reunião do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão nem das suas conclusões.

72      Além disso, não se pode exigir a esses herdeiros que tivessem sido suficientemente diligentes para se informar pessoalmente do conteúdo dessas conclusões.

73      Nestas condições, as conclusões adotadas na referida reunião não podem afetar a confiança legítima suscetível de ser invocada pelos herdeiros dos agricultores que beneficiaram do apoio à reforma antecipada.

74      Atendendo às considerações anteriores, há que responder à segunda e terceira questões que o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que uma norma nacional como a que está em causa no processo principal, que previa a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada e que foi aprovada pela Comissão como sendo conforme com o Regulamento n.o 1257/1999, fez nascer uma confiança legítima nos herdeiros dos agricultores que beneficiaram desse apoio e de que uma conclusão como a mencionada na ata da reunião do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão de 19 de outubro de 2011, segundo a qual o referido apoio não é transmissível por sucessão, não pôs termo a essa confiança legítima.

 Quanto às despesas

75      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      Os artigos 10.o a 12.o do Regulamento (CE) n.o 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que, no âmbito da aplicação desses artigos, os EstadosMembros adotem medidas que permitam a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada como o que está em causa no processo principal.

2)      O princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que uma norma nacional como a que está em causa no processo principal, que previa a transmissão sucessória de um apoio à reforma antecipada e que foi aprovada pela Comissão Europeia como sendo conforme com o Regulamento n.o 1257/1999, fez nascer uma confiança legítima nos herdeiros dos agricultores que beneficiaram desse apoio e de que uma conclusão como a mencionada na ata da reunião do Comité do Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia de 19 de outubro de 2011, segundo a qual o referido apoio não é transmissível por sucessão, não pôs termo a essa confiança legítima.

Assinaturas


*      Língua do processo: letão.