Language of document : ECLI:EU:T:2007:212

Processo T‑351/03

Schneider Electric SA

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Prejuízo sofrido por uma empresa em virtude de uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário que vicia o procedimento de controlo da compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum»

Sumário do acórdão

1.      Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos de forma

[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]

2.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

3.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

4.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

5.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Decisão que declara incompatível com o mercado comum uma operação de concentração

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

6.      Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 18.°, n.os 1 e 3)

7.      Concorrência – Concentrações – Identidade das equipas de funcionários encarregadas das diferentes fases de controlo de uma operação de concentração entre empresas não obstante uma anulação ocorrida entre estas diferentes fases

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 18.°, n.os 3 e 4)

8.      Concorrência – Concentrações – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 8.°, n.° 4)

9.      Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Tomada em consideração pela Comissão dos acordos, lícitos em direito nacional, que vinculam as empresas partes na operação de concentração

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 2.°)

10.    Concorrência – Concentrações – Exame pela Comissão – Decisão de abertura da fase de exame aprofundado – Requisitos

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigos 2.°, n.° 3, 6.°, n.° 1, e 8.°, n.° 3)

11.    Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Decisão de abertura da fase de exame aprofundado

[Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1, alínea c)]

12.    Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

13.    Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Inexistência de presunção

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigos 2.° e 10.°)

14.    Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade (Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

15.    Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE; Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 7.°, n.° 3)

16.    Responsabilidade extracontratual – Prejuízo – Reparação

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

1.      Nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, eventualmente sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que uma acção se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição.

Para satisfazer estes requisitos, uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o recorrente imputa à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido, bem como a natureza e a extensão deste prejuízo.

(cf. n.os 92‑94)

2.      A responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE pressupõe a verificação de um conjunto de requisitos, designadamente a ilegalidade da actuação imputada à instituição, a realidade dos danos e a existência de nexo de causalidade entre o comportamento e os danos invocados.

Quando se invoca a ilegalidade de um acto jurídico como fundamento da acção de indemnização, essa ilegalidade, para poder desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade, deve consubstanciar uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares. O critério decisivo é a violação manifesta e grave, por uma instituição comunitária, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação.

O regime de responsabilidade extracontratual da Comunidade leva em conta, nomeadamente, a complexidade das situações a resolver, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos diplomas e, mais especificamente, a margem de apreciação de que dispõe o autor do acto posto em causa.

Quando a instituição em causa apenas dispuser de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção do direito comunitário pode ser suficiente para que demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário.

O mesmo se passa quando a instituição demandada não cumpre com uma obrigação geral de diligência ou procede a uma aplicação distorcida das normas materiais ou processuais pertinentes.

(cf. n.os 113‑118)

3.      Se o conceito de violação caracterizada do direito comunitário necessário para desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade fosse entendido no sentido de incluir todos os erros ou actuações culposas que, embora apresentem um certo grau de gravidade, não são alheios, pela sua natureza ou dimensão, ao comportamento normal de uma instituição incumbida de velar pela aplicação das regras de concorrência, que são complexas, delicadas e estão sujeitas a uma ampla margem de interpretação, isso poderia comprometer o pleno exercício da função de autoridade reguladora da concorrência, contrariamente ao interesse geral comunitário.

Por conseguinte, não se pode considerar que o incumprimento de uma obrigação legal, que, por mais deplorável que seja, pode encontrar a sua explicação nos condicionalismos objectivos que recaem sobre as instituições e os seus agentes por efeito das disposições que regulam o controlo das concentrações, consubstancie uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário, susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

Em contrapartida, existe direito a reparação dos danos que resultem do comportamento da instituição quando este se traduz num acto manifestamente contrário à norma jurídica e gravemente prejudicial aos interesses de terceiros à instituição, e não encontra justificação nem explicação nos condicionalismos específicos que objectivamente recaem sobre o serviço no âmbito do seu normal funcionamento.

Esta definição do limiar da responsabilidade extracontratual da Comunidade protege a margem de manobra e a liberdade de apreciação de que deve beneficiar, no interesse geral, a autoridade comunitária reguladora da concorrência, tanto na determinação da oportunidade das suas decisões como na sua interpretação e aplicação das disposições pertinentes do direito comunitário primário e derivado, sem, no entanto, fazer suportar por terceiros as consequências de incumprimentos flagrantes e indesculpáveis.

(cf. n.os 121‑125)

4.      Em princípio, não se pode excluir que vícios manifestos e graves que afectam a análise económica que subjaz a decisões tomadas no quadro da política de concorrência possam consubstanciar violações da norma jurídica suficientemente caracterizadas susceptíveis de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Contudo, essa determinação obriga a que, antes de mais, se verifique se a norma omitida pela análise incorrecta se destina a conferir direitos aos particulares. Ora, embora alguns princípios e normas que a análise concorrencial tem de respeitar possuam efectivamente a natureza de regras destinadas a conferir direitos aos particulares, nem todas as normas de direito primário ou secundário ou resultantes da jurisprudência que a Comissão deve respeitar nas suas apreciações económicas podem considerar‑se a priori dotadas de tal carácter.

Em seguida, as análises económicas necessárias à qualificação de uma situação ou de uma operação em direito da concorrência são em geral, tanto no plano dos factos com no do raciocínio elaborado a partir da sua descrição, construções intelectuais complexas e difíceis, que podem padecer de determinadas insuficiências, como aproximações, incoerências, ou mesmo omissões, atentos os condicionalismos de prazo que recaem sobre as instituições. Esta situação agrava‑se quando, como no caso do controlo das concentrações, a análise inclui uma vertente prospectiva. Nem sempre a gravidade de uma insuficiência documental ou lógica, nessas condições, constitui uma circunstância suficiente para desencadear a responsabilidade comunitária.

Por último, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para poder manter o controlo da política comunitária da concorrência, o que implica que não se pode esperar desta instituição uma prática rigorosamente constante e invariável na aplicação das normas pertinentes e que, correlativamente, a mesma instituição goza de uma certa liberdade na escolha dos instrumentos econométricos à sua disposição, bem como na das perspectivas de abordagem adequadas para o estudo de um fenómeno, desde que essas escolhas não sejam manifestamente contrárias às regras aceites da disciplina económica e sejam postas em prática de modo consequente.

(cf. n.os 129‑132)

5.      Os vícios que afectam uma decisão que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum, que não tiveram quaisquer consequências ao nível do resultado do procedimento, nomeadamente que não privaram as empresas partes na operação de concentração, de uma possibilidade de obter uma decisão favorável à operação são, só por si, inadequadas para causar um prejuízo específico às partes e, consequentemente, para desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

(cf. n.os 134, 138, 139)

6.      Enquanto destinatárias de uma decisão de uma autoridade pública que afectam de forma sensível os seus interesses, deve ser dada oportunidade às empresas que participam numa operação de concentração de dimensão comunitária de manifestarem utilmente o respectivo ponto de vista e, para esse efeito, devem ser atempada e claramente informadas do essencial das objecções que a Comissão formula a propósito da operação notificada.

A comunicação de acusações é, sob este aspecto, de particular importância, dado que se destina, especificamente, a permitir às empresas em causa reagir às preocupações manifestadas pela instituição reguladora, por um lado, manifestando o respectivo ponto de vista sobre o assunto e, por outro, ponderando a possibilidade de apresentarem à Comissão medidas destinadas a corrigir o impacto negativo da operação notificada.

Esta garantia, que faz parte das garantias fundamentais que o ordenamento jurídico comunitário associa à tramitação dos procedimentos administrativos, é de particular importância em sede do controlo das operações de concentração entre empresas.

Constitui uma violação manifesta e grave do artigo 18.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, o facto de a Comissão redigir uma comunicação de acusações de forma a que uma empresa não pode saber que, se não apresentar medidas correctivas, não tem qualquer possibilidade de obter a declaração de que a operação é compatível com o mercado comum. Esta violação dos direitos de defesa não encontra justificação nem explicação nos condicionalismos específicos que objectivamente recaem sobre os serviços da Comissão.

(cf. n.os 147‑149, 152, 154, 170)

7.      A identidade total ou parcial das equipas de funcionários encarregados das diferentes fases de controlo de uma operação entre empresas não consubstancia uma violação suficientemente caracterizada, pela Comissão, de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares.

Com efeito, embora seja verdade que o respeito do direito dos administrados a que a sua causa seja examinada por um tribunal independente e imparcial é garantido pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, para o qual remete o artigo 6.°, n.° 2, do Tratado da União Europeia e que foi reafirmado pelo artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que o direito a um processo equitativo constitui manifestamente uma norma que tem por objecto conferir direitos aos administrados, o artigo 6.°, n.° 1, da Convenção não obsta à intervenção prévia de órgãos administrativos que não cumpram, sob todos os aspectos, as normas que se aplicam aos processos nos tribunais, desde que o direito a um tribunal imparcial seja garantido.

Em matéria de controlo das concentrações, o recurso de anulação que, nos termos do artigo 230.° CE, pode ser interposto das decisões tomadas pela Comissão ao abrigo do artigo 8.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89, constitui um meio jurídico que apresenta as garantias exigidas pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção.

Além disso, nenhuma norma jurídica ou princípio obsta a que a Comissão confie aos mesmos funcionários o reexame de uma operação de concentração empreendido em execução de um acórdão que anula uma decisão que declara essa operação incompatível com o mercado comum.

Por último, não se pode consagrar como princípio geral decorrente do dever de imparcialidade o facto de uma instância administrativa ou judiciária ter, depois da anulação de uma primeira decisão, a obrigação de remeter o processo a outra autoridade ou a um órgão dessa autoridade constituído de outra forma.

(cf. n.os 181‑186, 188)

8.      Quando uma operação de concentração já tenha sido realizada no momento em que a Comissão chega à conclusão de que é incompatível com o mercado comum, o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração entre empresas, permite que a instituição ordene qualquer acção adequada ao restabelecimento de uma concorrência efectiva.

Para determinar se, ao exigir das duas empresas partes na operação de concentração, uma separação que salvaguarda a intangibilidade da dimensão das empresas‑alvo e ao proibir a ulterior retrocessão de actividades, a Comissão violou esta disposição de forma manifesta e grave, importa examinar as modalidades da separação, atendendo, designadamente, às posições das empresas notificantes nos mercados em questão, à diferença existente entre as respectivas quotas de mercado e as dos seus concorrentes imediatos, à notoriedade das respectivas marcas nesses mercados, e apurar se o prazo de execução da decisão de separação não foi de brevidade manifestamente excessiva.

(cf. n.os 199‑203, 209)

9.      No exercício da competência de controlo que lhe é atribuída para se pronunciar sobre a compatibilidade das operações de concentração de dimensão comunitária com o mercado comum, a Comissão não pode ignorar as convenções que vinculam as partes notificantes, desde que as respectivas cláusulas sejam lícitas nos termos do direito nacional aplicável.

(cf. n.° 221)

10.    Basta a existência de dúvidas sérias sobre a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum para que seja tomada a decisão de abertura da fase de exame aprofundado, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, enquanto, por força do artigo 2.°, n.° 3, do mesmo regulamento, a Comissão tem de fazer prova da criação ou reforço de uma posição dominante quando, com base no artigo 8.°, n.° 3, conclui que uma concentração é incompatível com o mercado comum.

(cf. n.os 235, 249, 250)

11.    Em matéria de controlo das operações de concentração entre empresas, embora o respeito dos direitos de defesa se imponha antes da adopção de qualquer decisão susceptível de causar prejuízo às empresas em causa, a decisão de abertura da fase de exame aprofundado não constitui um acto que cause prejuízo, cuja legalidade depende do respeito desses direitos.

(cf. n.° 240)

12.    No âmbito de responsabilidade extracontratual da Comunidade, para determinar o prejuízo imputável a um comportamento culposo de uma instituição comunitária, devem tomar‑se em consideração os efeitos do incumprimento que deu origem à responsabilidade e não os do acto em que se insere, desde que a instituição pudesse ou devesse ter adoptado um acto que produzisse os mesmos efeitos sem violar a norma jurídica.

Por outras palavras, a análise do nexo de causalidade não pode partir da premissa incorrecta segundo a qual, caso não existisse o acto ilegal, a instituição se teria abstido de actuar ou teria adoptado um acto contrário, o que também poderia representar um comportamento ilegal da sua parte, mas sim proceder por comparação entre a situação que a actuação culposa gerou para o terceiro em causa e a situação que para este teria resultado de um comportamento da instituição respeitador da norma jurídica.

Quando o comportamento culposo que justifica o pedido de indemnização se insere numa decisão cujo efeito é recusar uma autorização ou outra medida favorável a quem a requeira, não se pode presumir, para fins da análise dos efeitos do comportamento culposo e da comparação entre a situação real e a situação legal reconstruída, que, caso não existisse o vício identificado, o demandante teria necessariamente beneficiado da autorização ou da outra medida favorável que reclamava.

Do mesmo modo, perante uma violação dos direitos de defesa que afecte uma decisão em que se declara uma operação de concentração entre empresas incompatível com o mercado comum, o que importa é apreciar os efeitos que o vício identificado produziu relativamente ao sentido da decisão, e não postular que, caso essa violação não tivesse ocorrido, a operação notificada teria, implícita ou explicitamente, sido declarada compatível.

Assim, o prejuízo imputável à Comunidade não pode ser inferido da comparação entre a situação que uma decisão de incompatibilidade gerou e a situação que teria sido gerada pela autorização, expressa ou tácita, da operação, excepto se o juiz comunitário puder concluir que a incompatibilidade declarada pela Comissão foi consequência, directa e efectiva, do reconhecido desrespeito das suas obrigações legais.

Além disso, mesmo que não se possa excluir que, pelo facto de não disporem de um direito ao reconhecimento da compatibilidade da operação de concentração, as partes podem ter sido privadas de uma possibilidade séria de obter uma decisão favorável, a concretização dessa possibilidade pode estar ligada a parâmetros demasiado aleatórios para poder ser objecto de uma quantificação convincente e dar lugar a indemnização.

Assim, não existe um nexo de causalidade suficientemente estreito entre a violação dos direitos de defesa de uma empresa parte numa concentração e a privação de uma eventual decisão de compatibilidade para que se possa ser desencadeada a responsabilidade da Comunidade devido à obrigação imposta à empresa de ceder os activos que detém na empresa‑alvo, nem, por conseguinte, para que se aceite como imputável à Comunidade um prejuízo igual à perda total de valor que esses activos sofreram entre a sua aquisição e a sua subsequente cessão.

(cf. n.os 263‑267, 278, 280, 282, 283, 286, 292)

13.    O Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, não estabelece nenhuma presunção quanto à compatibilidade com o mercado comum de uma operação de concentração notificada e é sempre à Comissão que compete formar, claramente, uma opinião sobre essa compatibilidade e decidir em conformidade.

Considera‑se, tacitamente, que uma operação de concentração é compatível com o mercado comum quando, designadamente, a Comissão não toma uma decisão de abertura da fase de exame aprofundado no prazo de um mês fixado pelo artigo 10.°, n.° 1, do regulamento, nem se pronuncia sobre a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum no prazo de quatro meses previsto no artigo 10.°, n.° 3.

(cf. n.os 275, 276)

14.    As despesas de consultadoria jurídica, fiscal e bancária e as outras despesas administrativas suportadas por uma empresa para fins de aplicação de uma decisão da Comissão que impõe a separação de duas empresas partes numa operação de concentração declarada incompatível com o mercado comum não podem ser consideradas uma consequência da ilegalidade cometida pela Comissão ao adoptar a decisão de incompatibilidade.

Com efeito, a ilegalidade da decisão de incompatibilidade e, consequentemente, da decisão de separação, não implica que a operação devesse ser considerada compatível nem que as empresas pudessem continuar a constituir uma entidade resultante de fusão. Assim, não se pode presumir que as despesas administrativas normalmente suportadas por uma empresa para realizar a separação dos activos não teriam de ser suportadas se a instituição tivesse adoptado uma decisão legal.

Em contrapartida, as despesas de consultadoria, os honorários e as despesas administrativas de diversa natureza suportadas por uma empresa para participar na prossecução do procedimento de controlo de uma operação de concentração – prossecução tornada necessária pela anulação da decisão da Comissão que declara essa operação incompatível com o mercado comum – estão ligadas por um suficiente nexo de causalidade ao comportamento culposo da instituição para que exista direito à reparação.

Por fim, as despesas suportadas no âmbito de processos de fiscalização jurisdicional do juiz comunitário devem considerar‑se abrangidas pelas decisões sobre as despesas, nos termos das regras processuais específicas aplicáveis a este tipo de despesas, nas decisões que põem termo à instância e no termo dos processos especiais previstos em caso de contestação do montante das despesas. Estes processos excluem que as mesmas quantias ou quantias despendidas para os mesmos efeitos sejam reclamadas no âmbito de uma acção fundada em responsabilidade extracontratual da Comunidade, inclusive por sujeitos que, tendo sido vencidos, tiveram de suportar as despesas.

(cf. n.os 293, 294, 297‑302)

15.    Quando uma violação caracterizada do direito comunitário inquina uma decisão mediante a qual se declara incompatível com o mercado comum uma operação de concentração está relacionada, através de um nexo de causalidade suficientemente directo, com a redução do preço de cessão dos activos detidos pelo cedente no capital da empresa cedida, incumbe à Comunidade reparar o dano que o cedente sofreu devido a esse facto. O prejuízo pode ser igual à diferença existente entre o preço de cessão acordado e o que teria podido obter do cessionário se tivesse disposto, no termo do primeiro procedimento de controlo da operação, de uma decisão legal sobre a compatibilidade da operação.

(cf. n.os 316, 317, 322)

16.    Quando uma empresa adquire o controlo de outra empresa mediante uma oferta pública de troca, invocando a derrogação que o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, introduziu ao princípio do efeito suspensivo das operações de concentração – de forma perfeitamente legal, tanto na perspectiva do direito nacional como do direito comunitário da concorrência – essa empresa assumiu, porém o risco de o controlo da operação poder conduzir, no termo dos prazos fixados pelo regulamento, a uma decisão que declarasse a incompatibilidade com o mercado comum e à obrigação correlativa de proceder a uma separação dos activos das empresas que já tinham sido objecto de fusão. Se, além disso, atentas as características da operação, não podia ignorar que a fusão realizada era susceptível de, pelo menos, levar à criação ou ao reforço de uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum e que, por essa razão, essa operação seria proibida pela Comissão, com base no artigo 2.°, n.° 3, do referido regulamento, daqui decorre que ela própria concorreu para a realização do seu próprio prejuízo ao assumir o risco real de uma declaração a posteriori de incompatibilidade de uma concentração juridicamente perfeita e, consequentemente, da eventualidade da revenda forçada dos activos adquiridos.

Nessa situação, a empresa pode ser considerada responsável por um terço do prejuízo ressarcível que sofreu devido à redução do preço de cessão concedida ao cessionário.

(cf. n.os 328‑330, 332, 334)

17.    Como resulta dos princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros, para os quais remete o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, os pedidos de juros são em geral admissíveis no quadro dos pedidos de indemnização.

Com efeito, a reparação do prejuízo sofrido por um administrado devido ao comportamento ilegal dos órgãos da Comunidade visa reconstituir, na medida do possível, o património da vítima.

Consequentemente, quando se encontrem preenchidos os requisitos da responsabilidade extracontratual da Comunidade, as consequências desfavoráveis resultantes do lapso de tempo decorrido entre a materialização do prejuízo e a data do pagamento da indemnização não podem ser ignoradas pelo órgão jurisdicional comunitário, na medida em que a desvalorização monetária ocorrida deve ser tida em conta.

O termo do período que confere o direito a essa reavaliação monetária deve, em princípio, coincidir com a data da prolação do acórdão que declara a obrigação de indemnizar o prejuízo sofrido pelo demandante.

Todavia, se o crédito indemnizatório, à data da prolação do referido acórdão, não é certo quanto ao seu montante nem determinável com base em elementos objectivos assentes, os juros de mora não podem começar a correr a partir dessa data, mas apenas, em caso de atraso e até integral pagamento, a partir da data da prolação do acórdão que procederá à liquidação do prejuízo sofrido.

Assim, o montante da indemnização devida ao demandante deverá ser reavaliado até à data da prolação do acórdão que procederá à liquidação do prejuízo e, em seguida, acrescido de juros de mora a contar dessa data e até integral pagamento.

A taxa de juro a aplicar é calculada com base nas taxas fixadas pelo Banco Central Europeu para as principais operações de refinanciamento, sucessivamente aplicáveis em cada um dos dois períodos em causa, acrescidas de 2%, desde que não seja superior à taxa pedida pelo demandante.

(cf. n.os 340‑346)