Language of document : ECLI:EU:C:2018:251

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

12 de abril de 2018 (*)

«Incumprimento de Estado — Regulamento (CE) n.° 1072/2009 — Artigo 2.°, ponto 6 — Artigo 8.° — Operações de cabotagem — Conceito — Definição contida no documento “Perguntas e respostas” elaborado pela Comissão Europeia — Valor jurídico — Medidas nacionais de execução que limitam o número de pontos de carga e descarga que podem fazer parte de uma mesma operação de cabotagem — Margem de apreciação — Restrição — Proporcionalidade»

No processo C‑541/16,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 25 de outubro de 2016,

Comissão Europeia, representada por J. Hottiaux, L. Grønfeldt e U. Nielsen, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por C. Thorning, e em seguida por J. Nymann‑Lindegren e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de outubro de 2017,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, ponto 6, e do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (JO 2009, L 300, p. 72).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.° 1072/2009

2        O Regulamento n.° 1072/2009 tem por objetivo o estabelecimento de uma política comum dos transportes, nomeadamente através da aprovação de regras comuns aplicáveis ao acesso ao mercado dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias no território da União Europeia, bem como das condições em que os transportadores de mercadorias não residentes podem efetuar serviços de transporte num Estado‑Membro. Este regulamento estabelece o princípio de que os transportes internacionais são executados ao abrigo de uma licença comunitária. Esta licença pode ser concedida aos transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem.

3        Os considerandos 4 a 6, 13 e 15 do Regulamento n.° 1072/2009 enunciam:

«(4)       A criação de uma política comum de transportes implica a eliminação de todas as restrições em relação ao prestador de serviços de transporte em razão da nacionalidade ou do facto de se encontrar estabelecido num Estado‑Membro distinto daquele em que os serviços devam ser prestados.

(5)       Para que isso possa ser alcançado de forma harmoniosa e flexível, deverá prever‑se um regime transitório de cabotagem enquanto a harmonização do mercado dos transportes rodoviários de mercadorias não estiver concluída.

(6)       A realização gradual do mercado único europeu deverá conduzir à eliminação das restrições ao acesso aos mercados nacionais dos Estados‑Membros. Contudo, deverá ser tida em conta a eficácia dos controlos e a evolução das condições de trabalho na profissão, bem como a harmonização das regras, nomeadamente nos domínios da execução e das taxas de utilização das rodovias e da legislação em matéria social e de segurança. A Comissão deverá acompanhar atentamente a situação do mercado, bem como a harmonização acima referida, e propor, se for caso disso, a prossecução da abertura dos mercados dos transportes rodoviários nacionais, incluindo o mercado de cabotagem.

[…]

(13)       Os transportadores titulares da licença comunitária prevista no presente regulamento e os transportadores habilitados a efetuar determinadas categorias de serviços de transporte internacional de mercadorias deverão ser autorizados a efetuar, a título temporário, e de acordo com o presente regulamento, serviços de transporte nacional num Estado‑Membro sem aí disporem de uma sede ou de outro estabelecimento. […]

[…]

(15)       Sem prejuízo das disposições do Tratado relativas ao direito de estabelecimento, as operações de cabotagem são um exemplo de prestação de serviços por transportadores num Estado‑Membro em que não se encontram estabelecidos e não deverão ser proibidas se não forem levadas a cabo de uma forma que constitua uma atividade permanente ou contínua no Estado‑Membro de acolhimento. A fim de contribuir para a aplicação deste requisito, a frequência das operações de cabotagem e o período em que podem ser realizadas deverão ser mais claramente definidos. No passado, estes serviços de transporte nacional eram autorizados a título temporário. Na prática, tem sido difícil verificar quais os serviços autorizados. É, por conseguinte, necessário definir regras claras e fáceis de fazer cumprir.»

4        O artigo 2.° do Regulamento n.° 1072/2009, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

6)       “Operações de cabotagem”: transportes nacionais por conta de outrem efetuados a título temporário num Estado‑Membro de acolhimento, de acordo com o presente regulamento;

[…]»

5        O capítulo III do Regulamento n.° 1072/2009, intitulado «Cabotagem», inclui o artigo 8.°, o qual prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem que sejam titulares de uma licença comunitária e cujos motoristas, quando nacionais de país terceiro, sejam titulares de certificados de motorista, ficam autorizados, nas condições fixadas no presente capítulo, a efetuar operações de cabotagem.

2.      Uma vez efetuada a entrega das mercadorias transportadas à chegada de um transporte internacional com origem num Estado‑Membro ou de um país terceiro e com destino ao Estado‑Membro de acolhimento, os transportadores referidos no n.° 1 ficam autorizados a efetuar, com o mesmo veículo ou, tratando‑se de um conjunto de veículos acoplados, com o veículo trator desse mesmo conjunto, o máximo de três operações de cabotagem na sequência do referido transporte internacional. A última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem, antes da saída do Estado‑Membro de acolhimento, deve ter lugar no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga realizada no Estado‑Membro de acolhimento no quadro do transporte internacional com destino a este último.

No prazo referido no primeiro parágrafo, os transportadores rodoviários podem efetuar uma parte ou a totalidade das operações de cabotagem autorizadas nos termos do referido parágrafo em qualquer Estado‑Membro, na condição de se limitarem a uma operação de cabotagem por Estado‑Membro no prazo de três dias a contar da entrada sem carga no território desse Estado‑Membro.»

 Direito dinamarquês

6        O ponto 3 das Cabotagevejledning gældende fra den 14. maj 2010. En vejdledning om cabotagereglerne i Europarlamentets og Rådets forordning nr. 1072/2009 om fælles regler for adgang til markedet for international godskørsel (Orientações de 14 de maio de 2010, relativas às regras sobre cabotagem rodoviária do Regulamento n.° 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias, a seguir «Orientações relativas à cabotagem»), que a Trafikstyrelsen (Autoridade reguladora dos transportes, Dinamarca) publicou no seu sítio Internet em 21 de maio de 2010, determina:

«Entende‑se por “operação de cabotagem” o transporte nacional de uma remessa, desde a recolha das mercadorias até à sua entrega no destino, conforme especificado na nota de expedição. Uma operação pode compreender vários pontos de carga ou várias entregas, conforme o caso.»

 Procedimento précontencioso

7        Em 2 de outubro de 2013, a Comissão solicitou ao Reino da Dinamarca informações complementares no âmbito de um processo EU pilot (n.° 5703/13) para poder apreciar se a legislação dinamarquesa relativa às operações de cabotagem era compatível com o Regulamento n.° 1072/2009, e formulou três imputações relativas, respetivamente, à obrigação de apresentação dos documentos pertinentes no momento da verificação do cumprimento das regras de cabotagem, ao montante das coimas aplicadas aos transportadores em caso de violação daquelas regras e à limitação da possibilidade de efetuar uma operação de cabotagem que comporte vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

8        O Reino da Dinamarca respondeu a esse pedido por cartas de 18 de novembro e 12 de dezembro de 2013.

9        Insatisfeita com estas respostas, a Comissão enviou, em 11 de julho de 2014, uma notificação para cumprir a esse Estado‑Membro onde reitera as três imputações referidas no n.° 7 do presente acórdão.

10      Por carta de 9 de setembro de 2014, o Reino da Dinamarca contestou as referidas imputações.

11      Em 25 de setembro de 2015, a Comissão enviou ao Reino da Dinamarca um parecer fundamentado, no qual referiu estar satisfeita com as explicações dadas pelas autoridades dinamarquesas e com a alteração introduzida na legislação dinamarquesa no que se refere à imputação da obrigação de apresentar os documentos pertinentes no momento da verificação. Assim, o parecer fundamentado debruçava‑se apenas sobre as duas outras imputações.

12      O Reino da Dinamarca respondeu a este parecer fundamentado por carta de 25 de novembro de 2015, no qual forneceu explicações suplementares.

13      A Comissão considerou‑se satisfeita com as explicações relativas à imputação respeitante ao montante das coimas aplicadas aos transportadores em caso de violação das regras de cabotagem. Por conseguinte, decidiu propor a presente ação, mas limitando o seu objeto à imputação da limitação do número de pontos de carga e de descarga compreendidos numa operação de cabotagem.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

14      A Comissão fundamenta a sua ação alegando que o conceito de «operação de cabotagem», previsto no artigo 2.°, ponto 6, e no artigo 8.° do Regulamento n.° 1072/2009, deve ser interpretado no sentido de que uma mesma operação de cabotagem pode comportar vários pontos de carga, vários pontos de descarga e mesmo vários pontos de carga e de descarga.

15      A Comissão defende que, na reunião do Comité dos Transportes Rodoviários de 25 de outubro de 2010, os representantes dos Estados‑Membros chegaram a acordo sobre essa interpretação, a qual foi publicada no sítio Internet da Direção‑Geral (DG) «Mobilidade e Transportes» da Comissão, sob a forma de um documento intitulado «Perguntas e respostas», e que, por conseguinte, se impõe a todos os Estados‑Membros.

16      A Comissão considera que, na medida em que as Orientações relativas à cabotagem adotadas pelo Reino da Dinamarca preveem que uma operação de cabotagem pode comportar quer vários pontos de carga quer vários pontos de descarga, não são conformes com aquela interpretação nem com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1072/2009.

17      Por último, na réplica, a Comissão rejeita o argumento do Reino da Dinamarca de que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação para adotar as medidas nacionais de execução com vista a clarificar a definição do conceito de «operação de cabotagem», na aceção do Regulamento n.° 1072/2009. Segundo essa instituição, tal margem de apreciação não pode existir, na medida em que esse conceito foi harmonizado pelos artigos 2.°, ponto 6, e 8.° do referido regulamento e que, em todo o caso, as Orientações relativas à cabotagem não são conformes com o princípio da proporcionalidade.

18      O Reino da Dinamarca contesta a interpretação do conceito de «operação de cabotagem» preconizada pela Comissão. Realça que o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009 prevê apenas que podem ser efetuados com o mesmo veículo até três transportes de cabotagem, mas não especifica o número de pontos de carga e de descarga que uma mesma operação de cabotagem pode compreender. Assim, este regulamento não é claro no que se refere à definição do referido conceito.

19      Esta falta de clareza é corroborada pelo facto de as regras relativas às operações de cabotagem previstas no Regulamento n.° 1072/2009 serem interpretadas e aplicadas diferentemente nos Estados‑Membros, como resulta mais especificamente das páginas 18 e 19 do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União Europeia [COM(2014) 222 final]. Além disso, a própria Comissão reconheceu que a definição do conceito de operação de cabotagem contida no Regulamento n.° 1072/2009 é problemática e previu rever o referido regulamento para a alterar.

20      Quanto ao argumento de que a interpretação do conceito de operação de cabotagem foi clarificada após uma reunião do Comité dos Transportes e que a nova definição adotada pelos representantes dos Estados‑Membros nessa ocasião figura num documento «Perguntas e respostas» que vincula os Estados‑Membros, o Reino da Dinamarca sustenta que este documento não tem qualquer valor jurídico e que a definição que contém não assenta num acordo entre os Estados‑Membros.

21      O Reino da Dinamarca alega que o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 48 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter (C‑316/10, EU:C:2011:863), que, quando um regulamento não é claro, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação para adotar medidas a nível nacional com vista a solucionar o problema, desde que, no entanto, essas medidas sejamproporcionais e conformes com os objetivos prosseguidos pelo regulamento em causa.

22      Este Estado‑Membro salienta que, em conformidade com o artigo 2.°, ponto 6, e o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009, lidos à luz do considerando 15 deste regulamento, o objetivo deste último é limitar os transportes rodoviários nacionais de mercadorias no Estado‑Membro de acolhimento quando sejam efetuados por um transportador rodoviário não residente ao proibir, nomeadamente, os transportes de cabotagem levados a cabo de uma forma que constitua uma atividade permanente ou contínua nesse Estado‑Membro.

23      Ora, se não fosse aplicada nenhuma limitação ao número de pontos de carga e de descarga, um transportador rodoviário não residente poderia efetuar um grande número de operações de transporte no Estado‑Membro de acolhimento e considerá‑las como uma mesma e única operação de cabotagem, pelo que a limitação a três operações prevista no Regulamento n.° 1072/2009 poderia ser contornada.

24      O Reino da Dinamarca deduz desse facto que, na medida em que garantem o caráter temporário da cabotagem e contribuem para melhorar o fator de carga dos veículos pesados e evitar o transporte sem carga, em benefício da eficácia dos transportes, as Orientações relativas à cabotagem são conformes com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1072/2009. Além disso, estas medidas permitem reforçar a segurança jurídica e assegurar a eficácia da verificação do cumprimento do referido regulamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

25      Para decidir sobre o mérito da presente ação, importa recordar, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, numa ação por incumprimento, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado e fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência desse incumprimento, não podendo a Comissão basear‑se numa qualquer presunção (Acórdãos de 12 de maio de 2005, Comissão/Bélgica, C‑287/03, EU:C:2005:282, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 19 de maio de 2011, Comissão/Malta, C‑376/09, EU:C:2011:320, n.° 32 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, a Comissão imputa ao Reino da Dinamarca o incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, ponto 6, e do artigo 8.° do Regulamento n.° 1072/2009 quando adotou medidas nacionais de execução destinadas a clarificar a interpretação do conceito de «operação de cabotagem», na aceção do referido regulamento, apesar de este Estado‑Membro não ter competência para o fazer. Em todo o caso, essas medidas não são conformes com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1072/2009.

27      A este respeito, importa salientar que, embora, pela sua própria natureza e pela sua função no sistema de fontes do direito da União, as disposições dos regulamentos tenham, regra geral, efeitos imediatos nos ordenamentos jurídicos nacionais, sem necessidade de as autoridades nacionais tomarem medidas de execução, algumas das suas disposições podem todavia necessitar, para serem implementadas, da adoção desse tipo de medidas pelos Estados‑Membros (Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.os 39 e 40, e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.° 17 e jurisprudência referida).

28      Está assente que os Estados‑Membros podem adotar medidas de execução de um regulamento desde que não criem obstáculos à sua aplicabilidade direta, não dissimulem a sua natureza de ato de direito da União e precisem o exercício da margem de apreciação que lhes é conferida por esse regulamento, não deixando de respeitar os limites das suas disposições (Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.° 41, e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.° 18 e jurisprudência referida).

29      É com base nas disposições aplicáveis do regulamento em causa, interpretadas à luz dos seus objetivos, que se deve determinar se estas proíbem, impõem ou permitem que os Estados‑Membros aprovem certas medidas de execução, nomeadamente neste último caso, se essa medida estiver abrangida pela margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro (Acórdão de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.° 19 e jurisprudência referida).

30      A este respeito, há que salientar que as disposições pertinentes do Regulamento n.° 1072/2009, a saber, o artigo 2.°, ponto 6, e o artigo 8.°, não autorizam expressamente os Estados‑Membros a adotar medidas nacionais de execução no que diz respeito às operações de cabotagem.

31      Todavia, conforme resulta do n.° 28 do presente acórdão e foi salientado pelo advogado‑geral no n.° 41 das suas conclusões, os Estados‑Membros podem adotar medidas nacionais de execução de um regulamento ainda que este não lhes atribua expressamente esse poder.

32      Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu, nos n.os 48 a 50 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter (C‑316/10, EU:C:2011:863), no âmbito do Regulamento (CE) n.° 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.° 1255/97 (JO 2005, L 3, p. 1), que uma determinada margem de apreciação devia ser reconhecida aos Estados‑Membros permitindo‑lhes a oportunidade de adotar medidas nacionais que definam normas quantitativas relativas à altura dos compartimentos interiores destinados ao transporte rodoviário de suínos, na medida em que, apesar de o referido regulamento não autorizar expressamente os Estados‑Membros a adotar estas normas, não fixava de forma precisa a altura desses compartimentos.

33      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 36 e 40 a 43 do Acórdão de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o. (C‑367/09, EU:C:2010:648), que, ainda que o Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1), não autorizasse expressamente os Estados‑Membros a fazê‑lo, estes tinham o direito de adotar medidas nacionais de execução prevendo sanções que pudessem ser aplicadas na hipótese de uma violação do direito da União que prejudicasse o orçamento da União, dado que as disposições pertinentes do referido regulamento se limitavam a estabelecer regras gerais e não precisavam em que situação ou a que pessoa é aplicável cada uma dessas sanções.

34      Por conseguinte, importa do mesmo modo verificar se, como alega o Reino da Dinamarca, o conceito de «operação de cabotagem», conforme definido no Regulamento n.° 1072/2009, é impreciso, nomeadamente quanto à questão de saber se uma operação de cabotagem pode comportar vários pontos de carga e vários pontos de descarga, pelo que a adoção de medidas nacionais de execução destinadas a esclarecer o alcance deste conceito se afigura justificada.

35      A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o artigo 2.°, ponto 6, do Regulamento n.° 1072/2009 define o conceito de operações de cabotagem como «transportes nacionais por conta de outrem efetuados a título temporário num Estado‑Membro de acolhimento», sem que, no entanto, faça qualquer precisão sobre o número de pontos de carga ou de descarga que esse transporte pode comportar.

36      O artigo 8.°, n.° 2, do mesmo regulamento prevê que, uma vez efetuada a entrega das mercadorias transportadas à chegada de um transporte internacional com origem num Estado‑Membro ou de um país terceiro e com destino ao Estado‑Membro de acolhimento, os transportadores rodoviários não residentes ficam autorizados a efetuar o máximo de três operações de cabotagem na sequência do referido transporte internacional. Esta disposição precisa que a última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem, antes da saída do Estado‑Membro de acolhimento, deve ter lugar no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga realizada no Estado‑Membro de acolhimento no quadro do transporte internacional com destino a este último.

37      Embora decorra dos termos «última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem» que figuram neste artigo que uma operação de cabotagem pode comportar várias pontos de descarga, esta disposição não indica, todavia, se uma operação de cabotagem pode igualmente comportar vários pontos de carga.

38      Por conseguinte, impõe‑se constatar que as redações, respetivamente, do artigo 2.°, ponto 6, e do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009 não permitem responder à questão de saber se o conceito de «operação de cabotagem» previsto no referido regulamento deve ser entendido no sentido de que uma operação de cabotagem pode comportar vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

39      Ora, conforme salientou o advogado‑geral no n.° 44 das suas conclusões, o facto de uma disposição ser formulada em termos gerais ou imprecisos constitui uma indicação de que são necessárias medidas internas de execução.

40      Por outro lado, uma vez que o objetivo do Regulamento n.° 1072/2009 consiste, nos termos do seu considerando 26, em assegurar um enquadramento coerente para os transportes rodoviários internacionais de mercadorias em toda a União, este regulamento não se opõe a que um Estado‑Membro adote determinadas medidas de execução do referido regulamento. Com efeito, no que se refere especialmente à cabotagem, o considerando 5 do mesmo regulamento precisa que deverá prever‑se um regime transitório para este tipo de operação enquanto a harmonização do mercado dos transportes rodoviários de mercadorias não estiver concluída.

41      Em segundo lugar, importa salientar que, para decidir em que momento se deve considerar atingido o limite de três operações de cabotagem previsto no artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009, há que determinar se uma operação que comporta vários pontos de carga e vários pontos de descarga constitui uma mesma e única operação de cabotagem ou várias operações de cabotagem.

42      Em terceiro lugar, está assente que o conceito de «operação de cabotagem», na aceção do Regulamento n.° 1072/2009, é objeto de uma interpretação diferente consoante os Estados‑Membros. Com efeito, conforme salientou o advogado‑geral no n.° 49 das suas conclusões, o Reino da Dinamarca e, até recentemente, a República da Finlândia consideram que uma operação de cabotagem não pode comportar vários pontos de carga e vários pontos de descarga. O Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha e a República da Polónia autorizam vários pontos de carga e vários pontos de descarga no caso de um único contrato de transporte ou quando as mercadorias tenham o mesmo expedidor ou o mesmo destinatário. O Reino dos Países Baixos e o Reino da Suécia consideram que uma operação de cabotagem pode sempre comportar vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Ora, uma tal divergência de interpretação demonstra a falta de clareza e de precisão do Regulamento n.° 1072/2009 no que se refere ao conceito de operação de cabotagem.

43      Em quarto lugar, deve salientar‑se que a própria Comissão reconheceu, tanto no n.° 19 do seu Relatório COM(2014) 222 final como nas suas observações escritas e durante a audiência, a necessidade de clarificar o conceito de «operação de cabotagem», na aceção do Regulamento n.° 1072/2009.

44      Por conseguinte, importa declarar que, ainda que o artigo 2.°, ponto 6, e o artigo 8.° do Regulamento n.° 1072/2009 não prevejam expressamente a adoção de medidas nacionais de execução, estas disposições têm falta de clareza no que respeita ao conceito de operação de cabotagem, pelo que há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para adotarem essas medidas.

45      Conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, esta declaração não é posta em causa pela proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.° 1071/2009 e o Regulamento (CE) n.° 1072/2009 com vista à sua adaptação à evolução no setor [COM(2017) 281 final], destinada, nomeadamente, a alterar o Regulamento n.° 1072/2009 no que respeita à definição do conceito de operação de cabotagem que figura no artigo 2.°, ponto 6, do referido regulamento. Com efeito, uma vez que esta proposta ainda se encontra em fase de discussão, não tem relevância no âmbito do presente processo.

46      Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual a interpretação do conceito de operação de cabotagem foi clarificada no documento «Perguntas e respostas», adotado após a reunião do Comité dos Transportes Rodoviários de 25 de outubro de 2010, o mesmo também não merece acolhimento.

47      Com efeito, ainda que, como alega a Comissão, este documento tenha sido publicado no sítio Internet da DG «Mobilidade e Transportes» dessa instituição, não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia. Além disso, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 82 a 84 das suas conclusões, o artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento interno do Comité dos Transportes Rodoviários dispõe que a ordem de trabalhos determinada para cada reunião faz a distinção entre, por um lado, os projetos de medidas a tomar em relação aos quais é pedido um parecer ao comité, de acordo com o procedimento de regulamentação com controlo, e, por outro, as outras questões sujeitas ao exame do comité para informação ou simples troca de impressões. Ora, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a interpretação do conceito de «operação de cabotagem», conforme é utilizado no referido documento, constava efetivamente da ordem de trabalhos da reunião do Comité dos Transportes Rodoviários de 25 de outubro de 2010, mas este ponto não foi submetido a votação. Por conseguinte, esta interpretação não pode ser considerada como resultando de um acordo entre os representantes dos Estados‑Membros. Em todo o caso, a própria Comissão reconheceu, nas suas observações escritas e durante a audiência, que o mesmo documento não tem um caráter juridicamente vinculativo.

48      Nestas circunstâncias, o Reino da Dinamarca não pode ser censurado por ter adotado medidas nacionais de execução do Regulamento n.° 1072/2009 e, mais especialmente, do artigo 2.°, ponto 6, e do artigo 8.° do referido regulamento, para esclarecer o alcance do conceito de «operação de cabotagem», na aceção deste último, com vista à suaexecução no território desse Estado‑Membro.

49      No entanto, importa verificar se as medidas nacionais de execução adotadas pelo Reino da Dinamarca, a saber, as Orientações relativas à cabotagem, são conformes com o princípio da proporcionalidade.

50      O princípio da proporcionalidade, que se impõe, designadamente, às autoridades legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros quando estas aplicam o direito da União, exige que os meios implementados através de uma disposição sejam adequados à realização do objetivo pretendido e que não excedam o que é necessário para o atingir (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.° 52).

51      Em primeiro lugar, no que diz respeito ao caráter adequado das Orientações relativas à cabotagem para realizar o objetivo pretendido pelo Regulamento n.° 1072/2009 no que se refere a este tipo de operação, o Reino da Dinamarca alega que, ao proibir os transportadores rodoviários não residentes de efetuar operações de cabotagem que comportem vários pontos de carga e vários pontos de descarga, estas medidas visam, nomeadamente, garantir que as operações de cabotagem não sejam levadas a cabo de uma forma que constitua uma atividade permanente ou contínua.

52      A este respeito, há que salientar que, na medida em que o Regulamento n.° 1072/2009 se destina, nos termos do seu considerando 5, a criar um regime transitório de cabotagem, os Estados‑Membros não estão obrigados a abrir completamente os mercados nacionais aos transportadores rodoviários não residentes. Assim, o artigo 8.°, n.° 2, do referido regulamento prevê que as operações de cabotagem só são autorizadas na sequência de um transporte internacional e estão limitadas a três operações no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga desse transporte internacional. Além disso, os considerandos 13 e 15 do Regulamento n.° 1072/2009 põem a tónica no caráter temporário da cabotagem e preveem, nomeadamente, que as operações de cabotagem não devem ser levadas a cabo de uma forma que constitua uma atividade permanente ou contínua no Estado‑Membro de acolhimento.

53      Ora, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 66 e 68 das suas conclusões, o facto de autorizar os transportadores rodoviários não residentes a efetuarem operações de cabotagem com um número ilimitado de pontos de carga e de pontos de descarga poderia desprover de sentido o limite de três operações estabelecido no artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009 e, assim, ser contrário ao caráter temporário da cabotagem e ao objetivo prosseguido por este regulamento a respeito deste tipo de operação. Com efeito, neste caso, o caráter temporário da cabotagem só está garantido pelo limite dos sete dias previsto no artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1072/2009.

54      Por conseguinte, a proibição prevista nas Orientações relativas à cabotagem é apta a garantir o cumprimento do limite de três operações de cabotagem previsto no artigo 8.° n.° 2, do referido regulamento.

55      Por consequência, estas medidas são adequadas a realizar o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1072/2009 em matéria de cabotagem.

56      Em segundo lugar, importa verificar se as Orientações relativas à cabotagem não excedem o necessário para alcançar esse objetivo.

57      O Reino da Dinamarca alega que a limitação do número de pontos de carga e de pontos de descarga que uma operação de cabotagem, prevista nas Orientações relativas à cabotagem, pode comportar é necessária para assegurar o caráter temporário da operação de cabotagem e não é demasiado restritiva, uma vez que as referidas orientações não vão ao ponto de prever que uma operação de cabotagem pode apenas compreender um ponto de carga e um ponto de descarga.

58      A este respeito, importa salientar que as Orientações relativas à cabotagem preveem que uma operação de cabotagem pode compreender quer vários pontos de carga quer vários pontos de descarga. Estas medidas não limitam assim o número de expedidores ou de comitentes para uma mesma operação de cabotagem e autorizam implicitamente que uma operação de cabotagem possa comportar vários pontos de carga e um ponto de descarga ou vários pontos de descarga e um ponto de carga.

59      Daqui resulta que, segundo as Orientações relativas à cabotagem, só são proibidas as operações de cabotagem que comportem vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

60      Por conseguinte, estas medidas não excedem o necessário para alcançar o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 1072/2009.

61      Tendo em conta o que precede, há que concluir que as Orientações relativas à cabotagem são conformes com o princípio da proporcionalidade.

62      Nestas condições, deve considerar‑se que a Comissão não demonstrou que, ao adotar medidas nacionais de execução para clarificar o conceito de operação de cabotagem na aceção do Regulamento n.° 1072/2009, o Reino da Dinamarca não cumpriu as suas obrigações por força do artigo 2.°, ponto 6, e do artigo 8.° do referido regulamento.

63      Consequentemente, a ação da Comissão deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

64      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino da Dinamarca pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: dinamarquês.