Language of document : ECLI:EU:C:1998:221

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Maio de 1998 (1)

«Artigos 6.°, 48.° e 220.° do Tratado CE — Obrigação de igualdade de tratamento — Convenção bilateral preventiva da dupla tributação — Trabalhadores fronteiriços»

No processo C-336/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, pelo tribunal administratif de Strasbourg (França), destinados a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Epoux Robert Gilly

e

Directeur des services fiscaux du Bas-Rhin,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 6.°, 48.° e 220.° do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, M. Wathelet (relator) e R. Schintgen, presidentes de secção, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida,

P. J. G. Kapteyn, J. L. Murray, J. -P. Puissochet, G. Hirsch, L. Sevón e K. M. Ioannou, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer


secretário: H. A. Rühl, administrador principal

vistas as observações escritas apresentadas:

—    por A. e R. Gilly, recorrentes no processo principal,

—    em representação do Governo francês, por C. de Salins e G. Mignot, respectivamente subdirectora e secretário dos Negócios Estrangeiros na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes,

—    em representação do Governo belga, por Jan Devadder, consultor geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo dinamarquês, por P. Biering, chefe de direcção no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo alemão, por Ernst Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo italiano, pelo professor Umberto Leanza, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Gianni de Bellis, avvocato dello Stato,

—    em representação do Governo finlandês, por H. Rotkirch, Embaixador, chefe do serviço dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo sueco, por Erik Brattgård, consultor ministerial no departamento do comércio externo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por R. Singh, barrister,

—    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Hélène Michard e Enrico Traversa, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações dos Epoux Gilly, do Governo francês, representado por G. Mignot, do governo dinamarquês, representado por Jørgen Molde, consultor jurídico, chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo italiano, representado por G. De Bellis, do Governo neerlandês, representado por M. Fierstra, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo, do Reino Unido, representado por R. Singh, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. Michard, na audiência de 23 de Outubro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Novembro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por decisão de 10 de Outubro de 1996, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de Outubro seguinte, o tribunal administratif de Strasbourg submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, seis questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 6.°, 48.° e 220.° do mesmo Tratado.

2.
    Essas questões foram suscitadas no âmbito de diversos litígios que opõem A. e R. Gilly ao directeur des services fiscaux du Bas-Rhin a respeito do cálculo do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo aos anos de 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993, nos termos da Convenção assinada em Paris, em 21 de Julho de 1959, entre a República francesa e a República Federal da Alemanha, para evitar a dupla tributação e estabelecer regras de assistência administrativa e jurídica recíproca em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna, bem como em matéria de licenças de comércio e indústria e de contribuição predial (a seguir «convenção»), na redacção dada pelas alterações assinadas em Bona, em 9 de Junho de 1969 e 28 de Setembro de 1989.

3.
    A. e R. Gilly residem em França, perto da fronteira alemã. R. Gilly, de nacionalidade francesa, é professor do ensino oficial em França. A. Gilly, de nacionalidade alemã mas tendo também adquirido pelo casamento a nacionalidade francesa, é professora do ensino primário, numa escola pública da Alemanha, situada na zona fronteiriça.

4.
    No que se refere à tributação dos rendimentos do trabalho assalariado, o n.° 1 do artigo 13.° da Convenção estabelece o seguinte princípio de base:

«Com excepção das disposições dos números seguintes, os rendimentos provenientes do trabalho dependente apenas são tributáveis no Estado contratante em que se exerce a actividade pessoal que é fonte de tais rendimentos. São designadamente considerados rendimentos provenientes do trabalho dependente as remunerações, vencimentos, salários, gratificações ou outros emolumentos, bem como todos os benefícios idênticos pagos ou concedidos por pessoas que não as referidas no artigo 14.°»

5.
    O artigo 13.°, n.° 5, alínea a), contém uma derrogação à regra da tributação no país do trabalho, para os trabalhadores assalariados fronteiriços, que são tributáveis no Estado de residência:

«Em derrogação do disposto nos números 1, 3 e 4, os rendimentos provenientes do trabalho dependente de pessoas que trabalham na zona fronteiriça de um dos Estados contraentes e que têm residência permanente na zona fronteiriça do outro Estado contraente, à qual regressam normalmente todos os dias, só são tributáveis neste outro Estado».

6.
    Contudo, relativamente aos contribuintes que recebem remunerações e pensões do sector público, o n.° 1 do artigo 14.° da Convenção prevê que sejam, em princípio, tributáveis no Estado pagador:

«Os vencimentos, salários e remunerações análogas, bem como as pensões de reforma pagas pelos Estados contraentes, pelos Länder ou por pessoas colectivas de direito público, a pessoas singulares residentes no outro Estado em razão de serviços administrativos ou militares actuais ou anteriores, só são tributáveis no primeiro Estado. Contudo, esta disposição não se aplica no caso de as remunerações serem atribuídas a pessoas que tenham a nacionalidade do outro Estado sem serem, simultaneamente, nacionais do primeiro Estado: nesse caso, as remunerações só são tributáveis no Estado em que essas pessoas têm residência».

7.
    O artigo 16.° da Convenção contém uma regra especial aplicável aos professores em regime de estadia provisória, prevendo a manutenção da tributação no Estado de emprego de origem:

«Os professores residentes num dos Estados contraentes que, no decurso de uma estadia provisória de um máximo de dois anos, recebam remuneração por actividades pedagógicas exercidas em universidades, escolas superiores, escolas ou outros estabelecimentos de ensino no outro Estado, não são tributáveis devido a esta remuneração no primeiro Estado».

8.
    No que se refere à dupla tributação, o n.° 2 do artigo 20.°, alínea a), subalínea c), da Convenção, na redacção dada pela alteração assinada em 28 de Setembro de 1989, tem a seguinte redacção:

«2.    Quanto aos residentes em França, a dupla tributação é evitada da seguinte forma:

    a)    Os benefícios e outros rendimentos positivos provenientes da República Federal da Alemanha aí tributáveis, em conformidade com as disposições da presente Convenção, também são tributáveis em França se o seu beneficiário residir em França. O imposto alemão não é dedutível no cálculo do rendimento colectável em França. Mas o beneficiário tem direito a um crédito de imposto imputável sobre o imposto francês na base do qual se encontram aqueles impostos incluídos. Aquele crédito de imposto é igual:

    (...)

        cc)    para todos os outros rendimentos, ao montante do imposto francês correspondente àqueles rendimentos. Esta disposição é aplicável, nomeadamente, aos rendimentos referidos nos artigos 3.°, 4.°, n.os 1 e 3, 6.°, n.° 1, 12.°, n.° 1, 13.°, n.os 1 e 2, e 14.°»

9.
    Resulta da decisão de reenvio que, nos termos da regra dita da «taxa efectiva», o montante do crédito de imposto é igual ao produto do montante dos rendimentos líquidos tributados na Alemanha multiplicado pela percentagem resultante da proporção entre o imposto efectivamente devido em função do rendimento líquido global colectável, segundo a legislação francesa, e o montante deste rendimento líquido global.

10.
    Para o órgão jurisdicional de reenvio, este crédito de imposto francês pode revelar-se inferior ao imposto efectivamente pago na Alemanha, por este país ter um regime fiscal mais progressivo. Os trabalhadores fronteiriços franceses tributados simultaneamente na Alemanha, pelos rendimentos recebidos neste país, e em França, pelo rendimento total após dedução do referido crédito do imposto, podem assim estar sujeitos a uma tributação mais pesada do que pessoas com os mesmos rendimentos, mas de origem exclusivamente francesa.

11.
    No caso vertente, os vencimentos públicos recebidos, nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993 por A. Gilly na Alemanha foram tributados na Alemanha, nos termos do n.° 1 do artigo 14.° da Convenção, em virtude da sua nacionalidade alemã. Esses vencimentos foram também tributados em França, por força da alínea a) do n.° 2 do artigo 20.° da Convenção. Contudo, de acordo com a alínea c) desta última disposição, a tributação desses rendimentos na Alemanha gerou um crédito de imposto igual ao montante do imposto francês correspondente a esses rendimentos.

12.
    Nos recursos que interpuseram, por requerimentos de 8 de Julho de 1992 e 21 de Julho de 1995, o tribunal administratif de Strasbourg, A. e R. Gilly sustentaram que a aplicação das disposições da Convenção deu origem a uma tributação excessiva,

injustificada e discriminatória, incompatível, designadamente, com os artigos 6.° [antigo artigo 7.° do Tratado (CEE)], 48.° e 220.° do Tratado CE. Solicitaram assim a quitação das tributações controvertidas e o reembolso pela administração fiscal do montante das tributações em sua opinião indevidamente cobradas.

13.
    Considerando que a solução dos litígios que lhe foram submetidos depende da interpretação dos artigos 6.°, 48.° e 220.° do Tratado, o tribunal administratif de Strasbourg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)    Se o princípio da livre circulação dos trabalhadores, tal como resulta do Tratado de Roma e dos seus textos de aplicação, é ignorado por um regimefiscal, aplicável a trabalhadores fronteiriços, do tipo do previsto na Convenção Franco-Germânica, na medida em que este prevê condições de tributação diferentes para as pessoas cujas remunerações provêm de pessoas de direito público em relação àquelas que são remuneradas por pessoas privadas, sendo assim susceptível de ter influência sobre o acesso a empregos públicos ou privados em função do local de residência, num ou outro Estado?

2)    Sobre a compatibilidade com o princípio da liberdade de circulação e a abolição de qualquer discriminação fundada na nacionalidade de regras segundo as quais os trabalhadores fronteiriços que recebam remunerações do Estado ou de pessoas colectivas de direito público daquele são tributáveis naquele Estado mas, se tiverem a nacionalidade do outro Estado sem serem simultaneamente nacionais do primeiro Estado, a remuneração é tributável no Estado em que os trabalhadores fronteiriços residem?

3)    Sobre a compatibilidade com o artigo 7.° do Tratado de regras de direito fiscal que prevêem para os trabalhadores fronteiriços empregados por pessoas de direito público e residentes num dos Estados-Membros um regime de tributação diverso, consoante sejam nacionais exclusivamente de um Estado ou tenham a dupla nacionalidade?

4)    Se o princípio da liberdade de circulação dos trabalhadores, tal como resulta do Tratado, é ignorado por regras fiscais susceptíveis de influenciar a opção dos professores dos Estados contraentes de exercer a sua profissão de forma mais ou menos duradoura em outro Estado, tendo em conta as diferenças de regime fiscal dos Estados em causa em função da duração do emprego?

5)    Se o objectivo da eliminação da dupla tributação, fixado no artigo 220.° do Tratado, deve ser considerado, tendo em conta os prazos de que os Estados dispuseram para lhe dar execução, como tendo a natureza de norma directamente aplicável, nos termos da qual terá que deixar de existir dupla tributação? Se o objectivo de eliminação da dupla tributação atribuído aos

Estados-Membros pelo artigo 220.° é ignorado por uma convenção fiscal nos termos da qual o regime fiscal aplicável aos trabalhadores fronteiriços dos Estados parte na convenção varia segundo a sua nacionalidade e a natureza pública ou privada do emprego exercido? Se um regime fiscal de crédito de imposto aplicável a agregados familiares residentes em dado Estado que não toma em conta o montante exacto do imposto pago em outro Estado, mas apenas um crédito de imposto que pode ser inferior, satisfaz o objectivo atribuído aos Estados-Membros de evitar a dupla tributação?

6)    Se o artigo 48.° deve ser interpretado no sentido de se opor a que os nacionais de determinado Estado-Membro, trabalhadores fronteiriços em outro Estado-Membro, sejam, devido a um mecanismo de crédito de imposto do tipo do previsto na Convenção Fiscal Franco-Germânica, tributados de maneira mais pesada do que pessoas cuja actividade profissional é exercida no Estado de residência?

Quanto à quinta questão

14.
    Pela quinta questão, que cabe abordar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional nacional interroga-se sobre a aplicabilidade directa do segundo travessão do artigo 220.° do Tratado.

15.
    Como o Tribunal de Justiça julgou já (acórdão de 11 de Julho de 1985, Mutsch, 137/84, Recueil, p. 2681, n.° 11), o artigo 220.° não tem por objecto estabelecer uma regra jurídica operativa como tal, limitando-se a traçar o quadro de uma negociação que os Estados-Membros entabularão entre si «sempre que necessário». Quanto ao segundo travessão, limita-se a referir como objectivo desta negociação a eventual eliminação da dupla tributação na Comunidade.

16.
    Embora a eliminação da dupla tributação na Comunidade conste dos objectivos do Tratado, resulta do texto desta disposição que dela não decorrem para os particulares direitos susceptíveis de serem invocados nos órgãos jurisdicionais nacionais.

17.
    Em consequência, cabe responder à quinta questão que o segundo travessão do artigo 220.° do Tratado não tem efeito directo.

Quanto às primeira, segunda e quarta questões

18.
    Pelas primeira, segunda e quarta questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 48.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de se opor à aplicação de disposições como as dos artigos 13.°, n.° 5, alínea a), 14.°, n.° 1, e 16.° da Convenção, que estabelecem um regime de tributação diferente, por um lado, para os trabalhadores fronteiriços consoante trabalhem no sector privado ou no sector público e, quando trabalhem neste, consoante tenham ou não exclusivamente a

nacionalidade do Estado a que pertence a administração que lhes dá trabalho, e, por outro, para os professores, consoante estejam ou não em estadia de curta duração no Estado em que exercem a respectiva actividade profissional.

Aplicabilidade do artigo 48.°

19.
    Cabe, a título liminar, verificar se uma situação como aquela em que se encontram os recorrentes no processo principal cai sob a alçada das normas do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores.

20.
    Na audiência, o Governo francês foi de opinião que A. Gilly não exerceu em França os direitos que lhe são conferidos pelo artigo 48.° do Tratado visto trabalhar no seu Estado de origem, a saber, a Alemanha.

21.
    Basta sublinhar, a este respeito, que A. Gilly adquiriu, por casamento, a nacionalidade francesa e que exerce a sua actividade profissional na Alemanha, residindo embora em França. Nestas condições, deve ser considerada, neste último Estado, como um trabalhador que exerce o direito de livre circulação, tal como garantido pelo Tratado, para exercer uma actividade profissional num Estado-Membro que não o da sua residência. O facto de ter conservado a nacionalidade do Estado de emprego de forma alguma põe em causa a circunstância de para as autoridades francesas, a interessada, de nacionalidade francesa, exercer a sua actividade profissional no território de outro Estado-Membro (v. no mesmo sentido, acórdão de 19 de Janeiro de 1988, Gullung, 292/86, Colect., p. 111, n.° 12).

22.
    Deve, em consequência, declarar-se que um caso como o em apreço no processo principal cai sob a alçada do artigo 48.° do Tratado.

Compatibilidade dos factores de vinculação fiscal com o artigo 48.° do Tratado

23.
    Embora a eliminação da dupla tributação na Comunidade faça parte, como decorre do n.° 16 acima, dos objectivos do Tratado, deve, contudo, constatar-se que, até ao momento, abstracção feita da Convenção de 23 de Julho de 1990, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas (JO L 225, p. 10), nenhuma medida de unificação ou harmonização visando eliminar a dupla tributação foi adoptada no âmbito comunitário e os Estados-Membros não celebraram, nos termos do artigo 220.° do Tratado, qualquer convenção multilateral para esse efeito.

24.
    Tendo competência para determinar os critérios de tributação dos rendimentos e fortuna para eliminar a dupla tributação, sendo caso disso por via convencional, os Estados-Membros celebraram inúmeras convenções bilaterais, inspirando-se designadamente nos modelos de convenção fiscal relativa ao rendimento e fortuna elaborados pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (a seguir «OCDE»).

25.
    É neste contexto que a convenção celebrada entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha se socorre de diversos factores de vinculação para repartir entre as partes contratantes a competência em matéria de impostos sobre os rendimentos provenientes do trabalho dependente.

26.
    Sendo que, regra geral, os trabalhadores estão sujeitos, de acordo com o n.° 1 do artigo 13.° da Convenção, à tributação no Estado em que exercem a actividade pessoal que é fonte dos rendimentos, a alínea a) do n.° 5 do artigo 13.° sujeita os trabalhadores fronteiriços à tributação no Estado da respectiva residência.

27.
    Contudo, quando se trate de contribuintes com rendimentos provenientes do sector público, a primeira frase do artigo 14.° da Convenção prevê que serão, em princípio, tributados no Estado pagador. Esta última regra (a seguir «princípio do Estado pagador») comporta também uma excepção, constante da segunda frase do mesmo número, nos termos da qual, quando as remunerações forem pagas a pessoas que possuam a nacionalidade de outro Estado sem ao mesmo tempo serem nacionais do primeiro Estado, tais pessoas serão tributadas no Estado de residência dos contribuintes.

28.
    Além disso, o artigo 16.° da Convenção estabelece uma regra especial de vinculação aplicável aos professores com residência habitual num dos Estados contratantes que, por ocasião de uma estadia de curta duração, inferior a dois anos, noutro Estado contratante, recebam remuneração por actividade pedagógica exercida neste último Estado. Esta categoria de contribuintes está sujeita a imposto no Estado de emprego de origem.

29.
    Verifica-se, assim, que os artigos 13.°, n.os 1 e 5, alínea a), 14.°, n.° 1, e 16.° da Convenção se socorrem de factores de vinculação diversos consoante os contribuintes sejam ou não trabalhadores fronteiriços, consoante sejam ou não professores em estadia de curta duração, ou ainda consoante trabalhem no sector privado ou no sector público. Em especial, os trabalhadores desta última categoria são, em princípio, tributados no Estado pagador, excepto se tiverem a nacionalidade de outro Estado contratante, sem ao mesmo tempo serem nacionais do primeiro, caso este em que serão tributados no Estado da respectiva residência.

30.
    Embora o critério da nacionalidade surja como tal, no artigo 14.°, n.° 1, segunda frase, para efeitos de repartição da competência fiscal, tais diferenciações não podem ser consideradas constitutivas de discriminação proibida nos termos do artigo 48.° do Tratado. Com efeito, tais diferenciações são consequência, na ausência de medidas de unificação ou harmonização de âmbito comunitário, designadamente nos termos do artigo 220.°, segundo travessão, do Tratado, da competência de que as partes contratantes gozam para definir, a fim de eliminar a dupla tributação, os critérios de repartição entre si dos respectivos poderes de tributação.

31.
    Ainda para efeito da repartição da competência fiscal, não deixa de ser razoável que os Estados-Membros se inspirem na prática internacional e no modelo de convenção elaborado pela OCDE, cujo artigo 19.°, n.° 1, alínea a), em especial, na versão de 1994, prevê o recurso ao princípio do Estado pagador. De acordo com os comentários ao referido artigo, esse princípio justifica-se pelas «regras da cortesia internacional e do respeito mútuo entre soberanias» e «consta de um tão grande número de convenções em vigor entre Países-Membros da OCDE que se pode considerar como já internacionalmente aceite».

32.
    No caso vertente, a primeira frase do n.° 1 do artigo 14.° da Convenção retoma o conteúdo da alínea a), do n.° 1, do artigo 19.° da convenção-modelo da OCDE. É certo que a sua segunda frase afasta o princípio do Estado pagador quando o contribuinte tenha a nacionalidade de outro Estado contratante sem ao mesmo tempo ser nacional do primeiro Estado, mas este mesmo tipo de excepção, em qualquer caso fundada parcialmente no critério da nacionalidade, encontra-se na alínea b), do n.° 1, do artigo 19.° da convenção-modelo para o caso de os serviços serem prestados noutro Estado contratante e o contribuinte ser um residente neste Estado «que (i) possui a nacionalidade desse Estado ou (ii) não se tornou residente nesse Estado no intuito exclusivo de prestar esses serviços».

33.
    Em qualquer caso, ainda que fosse necessário ignorar o artigo 14.°, n.° 1, segunda frase, cuja legalidade é impugnada por A. Gilly, a situação fiscal desta manter-se-ia inalterada dado que caberia sempre aplicar o princípio do Estado pagador aos rendimentos que obteve na Alemanha, por força da sua actividade no ensino público.

34.
    Além disso, não foi provado, no caso vertente, que a designação do Estado pagador como Estado competente em matéria de tributação dos rendimentos obtidos no sector público possa, por si mesma, ter repercussões negativas para os contribuintes em causa. Como salientaram os Governos dos Estados-Membros que apresentaram observações e a Comissão, a natureza favorável ou desfavorável do tratamento fiscal dos contribuintes em causa não decorre verdadeiramente da escolha do factor de vinculação, mas do nível da tributação do Estado competente, face à inexistência de harmonização comunitária das tabelas de impostos directos.

35.
    Cabe, em consequência, responder, às primeira, segunda e quarta questões que o artigo 48.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de disposições como as dos artigos 13.°, n.° 5, alínea a), 14.°, n.° 1, e 16.° da Convenção, que estabelecem um regime de tributação diferente, por um lado, para os trabalhadores fronteiriços consoante trabalhem no sector privado ou no sector público e, quando trabalhem neste, consoante tenham ou não exclusivamente a nacionalidade do Estado a que pertence a administração que lhes dá trabalho, e, por outro, para os professores, consoante estejam ou não em estadia de curta duração no Estado em que exercem a respectiva actividade profissional.

Quanto à terceira questão

36.
    Pela terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 7.° do Tratado CEE, hoje artigo 6.° do Tratado CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição como a do artigo 14.°, n.° 1, segunda frase, da Convenção, que prevê, para os trabalhadores fronteiriços que trabalham no sector público de um Estado-Membro, um regime de tributação diferente consoante tenham ou não a nacionalidade deste Estado.

37.
    Em conformidade com jurisprudência constante, o artigo 6.° do Tratado, que consagra o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, apenas tem vocação para se aplicar de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (v., designadamente, acórdão de 25 de Junho de 1997, Mora Romero, C-131/96, Colect., p. I-3659, n.° 10).

38.
    Em matéria de livre circulação dos trabalhadores, o princípio da não discriminação foi precisamente instituído e concretizado pelo artigo 48.° do Tratado, bem como por diplomas de direito derivado, e, em especial, pelo Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2)

39.
    Ora, decorre da resposta dada às primeira, segunda e quarta questões que um caso como o do processo principal cai sob a alçada do artigo 48.° do Tratado. O Tribunal não tem, pois, de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 7.° do Tratado.

Quanto à sexta questão

40.
    Pela sexta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o artigo 48.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de se opor à aplicação de um mecanismo de crédito de imposto como o previsto no artigo 20.°, n.° 2, alínea a), subalínea cc), da Convenção.

41.
    O mecanismo do crédito de imposto instituído pelo artigo 20.°, n.° 2, alínea a), subalínea cc), da Convenção, inspirado nas modalidades previstas para esse efeito na convenção-modelo da OCDE, visa evitar a dupla tributação de que seriam objecto os residentes franceses que obtivessem na Alemanha benefícios ou outros rendimentos simultaneamente tributáveis na Alemanha e em França.

42.
    Este mecanismo consiste, em primeiro lugar, em englobar os rendimentos do trabalho obtido na Alemanha na matéria colectável calculada nos termos da legislação francesa e, em seguida, em conceder um crédito de imposto, por força do imposto pago na Alemanha, igual, designadamente no que se refere aos rendimentos abrangidos pelo artigo 14.° da Convenção, ao montante do imposto francês correspondente a esses rendimentos. Esse montante é igual ao pro rata

correspondente à parte que representa o rendimento líquido tributável na Alemanha no conjunto dos rendimentos líquidos tributáveis em França.

43.
    Decorre também do processo que, na Alemanha, a situação pessoal e familiar de A. Gilly não foi tomada em consideração, nos exercícios controvertidos, para o cálculo do imposto sobre os rendimentos profissionais, sendo que, em França, tal situação foi atendida para efeitos de cálculo do imposto devido em função do rendimento global do agregado familiar e para a concessão de diversos abatimentos e reduções fiscais.

44.
    Para os recorrentes no processo principal, o mecanismo do crédito de imposto em causa penaliza quem tenha exercido o direito de livre circulação na medida em que permite a manutenção de uma dupla tributação. No caso vertente, em virtude da maior progressividade do imposto alemão relativamente ao imposto francês e atendendo à percentagem dos rendimentos de trabalho de A. Gilly no conjunto dos rendimentos do agregado familiar fiscal tributável em França, o montante do crédito de imposto é sempre inferior ao imposto efectivamente pago na Alemanha. Além disso, do facto de a situação pessoal e familiar de A. Gilly não ter sido tomada em conta na Alemanha, quando o foi em França para o cálculo do imposto sobre o rendimento global, deriva que o crédito de imposto imputado no Estado de residência é inferior ao montante do imposto efectivamente pago no Estado de emprego, considerados os abatimentos e reduções concedidos no primeiro Estado.

45.
    Só um crédito de imposto igual ao imposto cobrado na Alemanha seria susceptível, na opinião dos recorrentes no processo principal, de evitar totalmente a dupla tributação.

46.
    Sublinhe-se, a este respeito, como faz o advogado-geral no n.° 66 das suas conclusões, que uma Convenção como a que está em causa tem por único objecto evitar que os mesmos rendimentos sejam tributados em ambos os Estados. O seu objecto não é o de garantir que a tributação a que um contribuinte é sujeito num Estado não seja superior àquela a que estaria sujeito noutro Estado.

47.
    Ora, é pacífico que as consequências desfavoráveis eventualmente decorrentes, no caso vertente, do mecanismo do crédito de imposto, instituído pela convenção bilateral, tal como aplicada no âmbito do sistema fiscal do Estado de residência, são antes de mais consequência da disparidade entre as tabelas de imposto nos Estados-Membros em causa, cuja fixação, na ausência de regulamentação comunitária na matéria, é da competência dos Estados-Membros.

48.
    Além disso, como observaram os Governos francês, belga, dinamarquês, francês, finlandês, sueco e do Reino-Unido, se o Estado de residência fosse obrigado a imputar, a título de crédito de imposto, um montante superior ao da fracção do imposto nacional correspondente aos rendimentos de fonte estrangeira, seria conduzido a ter de diminuir em igual percentagem o seu imposto relativo aos demais rendimentos, o que se traduziria numa perda de receitas fiscais para esse

Estado, facto este susceptível de violar a sua soberania em matéria de fiscalidade directa.

49.
    Quanto à incidência sobre o montante do crédito de imposto da tomada em consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte do Estado de residência e à não consideração dessa situação no Estado de emprego, observe-se que essa disparidade provém do facto de, em matéria de impostos directos, as situações dos residentes e dos não residentes não serem, em regra, comparáveis, na medida em que o rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da residência (acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.os 31 e 32).

50.
    Um caso como o de A. Gilly não escapa a esta constatação visto que os seus rendimentos salariais, embora obtidos a título individual na Alemanha, são englobados na matéria colectável do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares da sua residência fiscal em França, onde beneficia, em consequência, dos benefícios fiscais, abatimentos e deduções previstos na legislação francesa. Pelo contrário, as autoridades fiscais alemães não estavam obrigadas, em tais circunstâncias, a atender à sua situação pessoal e familiar.

51.
    Os recorrentes no processo principal sustentam também que a aplicação que lhes foi feita do artigo 20.°, n.° 2, alínea a), subalínea c), da Convenção dá lugar a uma discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 48.° do Tratado, uma vez que, caso A. Gilly apenas possuísse a nacionalidade francesa e não a dupla nacionalidade, a sua situação fiscal reger-se-ia pelo artigo 13.°, n.° 5, alínea a), da Convenção, que sujeita os rendimentos dos trabalhadores fronteiriços à tributação no Estado de residência.

52.
    Recorde-se, a este respeito, que o artigo 20.°, n.° 2, alínea a), subalínea cc), da Convenção visa evitar a dupla tributação derivada, num caso como o do processo principal, da tributação na Alemanha dos rendimentos aí auferidos por A. Gilly, de acordo com o artigo 14.°, n.° 1, da Convenção, sendo que o rendimento global do agregado familiar, incluindo os referidos rendimentos de origem alemã, é tributável em França.

53.
    Ora, como decorre da resposta dada às primeira, segunda e quarta questões, a escolha pelas partes contratantes, para efeitos de repartição da competência em matéria de tributação, de diversos factores de vinculação, em especial a nacionalidade quanto às remunerações públicas auferidas noutro Estado que não o de residência, não pode, como tal, ser constitutiva de discriminação proibida pelo direito comunitário.

54.
    Atendendo ao que precede, cabe responder à sexta questão que o artigo 48.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de um

mecanismo de crédito de imposto tal como o instituído pelo artigo 20, n.° 2, alínea a), subalínea cc), da Convenção.

Quanto às despesas

55.
    As despesas efectuadas pelos Governos francês, belga, dinamarquês, alemão, italiano, neerlandês, finlandês, sueco e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo tribunal administratif de Strasbourg, por decisão de 10 de Outubro de 1996, declara:

1.
     O artigo 220.° do Tratado não tem efeito directo.

2.
    O artigo 48.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de disposições como as dos artigos 13.°, n.° 5, alínea a), 14.°, n.° 1, e 16.° da Convenção, assinada em Paris, em 21 de Julho de 1959,para evitar a dupla tributação entre a República francesa e a República Federal da Alemanha, na redacção dada pelas alterações assinadas em Bona em 9 de Junho de 1969 e 28 de Setembro de 1989, que estabelecem um regime de tributação diferente, por um lado, para os trabalhadores fronteiriços consoante trabalhem no sector privado ou no sector público e, quando trabalhem neste, consoante tenham ou não exclusivamente a nacionalidade do Estado a que pertence a administração que lhes dá trabalho, e, por outro, para os professores, consoante estejam ou não em estadia de curta duração no Estado em que exercem a respectiva actividade profissional.

3.
    O artigo 48.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de um mecanismo de crédito de imposto tal como o instituído pelo artigo 20.°, n.° 2, alínea a), subalínea cc), da Convenção.

Rodríguez Iglesias
Wathelet
Schintgen

Mancini

Moitinho de Almeida
Kapteyn

Murray

Puissochet
Hirsch

Sevón

Ioannou

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Maio de 1998.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: francês.