Language of document : ECLI:EU:C:2007:57

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de Janeiro de 2007 (*)

«Liberdade de estabelecimento – Artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) – Trabalhador não assalariado – Imposto sobre o rendimento – Cônjuges não separados de facto – Recusa de tributação comum – Residência separada dos cônjuges – Prestações compensatórias da perda de salário a favor do cônjuge não residente – Rendimentos não sujeitos a tributação no Estado‑Membro de residência do cônjuge»

No processo C‑329/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), por decisão de 28 de Junho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Setembro de 2005, no processo

Finanzamt Dinslaken

contra

Gerold Meindl,

sendo interveniente:

Christine Meindl‑Berger,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, E. Juhász, K. Schiemann e M. Ilešič (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Léger,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Maio de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de Julho de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Finanzamt Dinslaken (a seguir «Finanzamt») a G. Meindl,3 pelo facto de o primeiro recusar a tributação conjunta de G. Meindl com a sua mulher C. Meindl‑Berger.

 Quadro jurídico nacional

3        O § 26, n.° 1, primeiro período, da Lei do imposto sobre o rendimento, na redacção em vigor em 1997 (Einkommensteuergesetz 1997, a seguir «EStG 1997»), deixa aos cônjuges não separados de facto a possibilidade de escolha entre a tributação conjunta, nos termos do § 26b da referida lei, e a manutenção da tributação separada. Contudo, sujeita essa liberdade de escolha à condição de os dois cônjuges serem integralmente tributados, isto é, terem o seu domicílio ou residência habitual na Alemanha.

4        No entanto, de acordo com o § 1a, n.° 1, ponto 2, da EStG 1997, pode ser autorizada a tributação conjunta, em determinadas condições, levando em conta os rendimentos do cônjuge não separado de facto, residente no estrangeiro. Embora não estejam sujeitos ao imposto alemão sobre o rendimento, esses rendimentos, de acordo com essa disposição, são utilizados como elemento de cálculo no âmbito do § 26b. Mais precisamente, entram no cálculo da taxa aplicável aos rendimentos do cônjuge sujeito ao imposto alemão sobre o rendimento, no âmbito da aplicação do chamado regime «do fraccionamento» («splitting»).

5        Para se ser tributado conjuntamente, é necessário, por um lado, que o cônjuge integralmente sujeito a imposto seja cidadão de um Estado‑Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE) e que o seu cônjuge tenha o seu domicílio ou residência habitual fora da Alemanha, mas num país da União ou do EEE.

6        Por outro lado, a tributação conjunta só é possível quando os rendimentos dos dois cônjuges, no ano civil, estejam sujeitos ao imposto alemão sobre o rendimento, pelo menos em 90%, ou quando os rendimentos que não estão sujeitos a esse imposto não excedam o montante de 24 000 DEM.

7        Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, segundo período, da EStG 1997, a determinação dos rendimentos dos cônjuges não separados de facto efectua‑se em duas fases. Na primeira, determina‑se o montante dos rendimentos mundiais. Na segunda, esses rendimentos mundiais são repartidos entre os que estão sujeitos ao imposto alemão sobre o rendimento e os que não estão.

8        Na determinação dos rendimentos mundiais, toma‑se em conta a totalidade dos rendimentos dos cônjuges, sem distinguir se foram auferidos na Alemanha ou no estrangeiro. As disposições conjugadas dos §§ 1a, n.° 1, ponto 2, e 1, n.° 3, segundo período, da EStG 1997 não prevêem uma regra especial relativa à forma de determinação dos rendimentos, pelo que o conceito de rendimentos resulta da legislação fiscal alemã em matéria de imposto sobre o rendimento. Isto também se aplica aos rendimentos que não surgem na certificação emitida pela Administração Fiscal do Estado de residência ou que aí sejam referidos como rendimentos não sujeitos a imposto. Com efeito, na falta de disposições legais em sentido contrário, considera‑se que essa certificação não tem efeito vinculativo.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

9        G. Meindl, cidadão austríaco, reside em Dinslaken (Alemanha). A sua mulher, C. Meindl‑Berger, é cidadã austríaca e reside em Innsbruck (Áustria).

10      Em 1997 (a seguir «ano em causa»), G. Meindl auferiu na Alemanha rendimentos provenientes de actividades liberais e artesanais, no valor total de 138 422 DEM. Nesse mesmo ano, a sua mulher teve uma filha. O Estado austríaco pagou‑lhe então um subsídio de parto, um abono especial de maternidade e o abono de família. Segundo o direito austríaco, C. Meindl‑Berger não auferiu nenhum rendimento tributável durante esse período.

11      Ao abrigo dos §§ 26 e 26b da EStG 1997, o casal Meindl requereu a tributação conjunta relativamente ao ano em causa.

12      O Finanzamt indeferiu esse requerimento, por não estarem preenchidos os requisitos previstos nos §§ 1a, n.° 1, ponto 2, e 1, n.° 3, da EStG 1997. Com efeito, segundo o Finanzamt, por um lado, a parte dos rendimentos do casal Meindl auferida na Alemanha era inferior ao limite mínimo de 90% e, por outro, ultrapassava o valor de 24 000 DEM, pois C. Meindl‑Berger tinha recebido do Estado austríaco determinadas prestações compensatórias da perda de salário, a saber, o subsídio de parto e o abono especial de maternidade, no valor de 26 994,73 DEM, não sendo tomado em conta o abono por filho. Além disso, as prestações compensatórias da perda de salário não estão isentas de imposto, nos termos da EStG 1997, pois não foram pagas ao abrigo de disposições do direito alemão. Por outro lado, o facto de essas prestações não serem sujeitas a imposto pelo direito austríaco não tem qualquer influência para efeitos de serem levadas em conta na análise de um requerimento de tributação conjunta.

13      Consequentemente, o Finanzamt considerou que se deveria sujeitar G. Meindl ao imposto aplicável aos solteiros e fixou o montante do seu imposto sobre o rendimento em 45 046 DEM.

14      Depois de uma reclamação infrutífera dessa decisão do Finanzamt, o Finanzgericht deu provimento ao recurso de G. Meindl. Este tribunal considerou que G. Meindl tinha direito à tributação conjunta, ao abrigo das disposições conjugadas dos §§ 1a, n.° 1, ponto 2,e 26 da EStG 1997.

15      O Finanzamt recorreu então em revista para o Bundesfinanzhof. Entende que não estão preenchidos os requisitos para a tributação conjunta. Alega que C. Meindl‑Berger recebeu do Estado austríaco prestações compensatórias da perda de salário, no valor de 26 994,73 DEM, montante que, por um lado, ultrapassa o limite de 24 000 DEM e, por outro, faz com que a parte do rendimento do casal Meindl auferida na Alemanha seja inferior a 90%. Além disso, o Finanzamt considera que o conceito de rendimentos deve ser definido e que esses rendimentos devem ser determinados exclusivamente de acordo com o direito fiscal alemão, e não segundo o direito fiscal do Estado de residência, isto é, o direito fiscal austríaco.

16      Em particular, alega que a conformidade do limite mínimo de 90% com o direito comunitário foi confirmada pelos acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, Colect., p. I‑225), e de 14 de Setembro de 1999, Gschwind (C‑391/97, Colect., p. I‑5451).

17      Com efeito, segundo o Finanzamt, o princípio da liberdade de circulação de trabalhadores previsto no artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) não se opõe a que a regulamentação de um Estado‑Membro, quando concede aos casais residentes o benefício da aplicação do chamado regime «do fraccionamento» («splitting»), sujeite a concessão dessa mesma vantagem fiscal aos casais não residentes à condição de uma parte substancial do seu rendimento mundial estar sujeita a imposto nesse mesmo Estado‑Membro.

18      G. Meindl conclui pela negação de provimento ao recurso de revista.

19      Nestas condições, o Bundesfinanzhof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Há violação do artigo [52.° do Tratado] quando, em sede de imposto sobre o rendimento, é negada a um contribuinte residente a tributação conjunta dos seus rendimentos com os da sua [mulher] residente na Áustria, da qual não está separado, com a justificação de que esta recebeu mais de 10% dos rendimentos comuns e mais de 24 000 DEM e de que estes rendimentos estão isentos de tributação na Áustria?»

 Quanto à questão prejudicial

20      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 52.° do Tratado se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um contribuinte residente a tributação conjunta com o seu cônjuge não separado e residente noutro Estado‑Membro, pelo facto de o cônjuge ter simultaneamente auferido nesse outro Estado‑Membro mais de 10% dos rendimentos do casal e mais de 24 000 DEM, quando os rendimentos auferidos por esse cônjuge nesse outro Estado‑Membro não estão aí sujeitos a imposto sobre o rendimento.

21      A título preliminar, há que lembrar, por um lado, que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados‑Membros, também é verdade que estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário, devendo, por conseguinte, abster‑se de qualquer discriminação baseada na nacionalidade (v., neste sentido, acórdão de 13 de Novembro de 2003, Schilling e Fleck‑Schilling, C‑209/01, Colect., p. I‑13389, n.° 22 e jurisprudência aí referida), e, por outro, que as normas referentes à igualdade de tratamento proíbem não só discriminações ostensivas em razão da nacionalidade mas ainda qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza na prática ao mesmo resultado (acórdão, já referido, Schumacker, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

22      Segundo jurisprudência constante, uma discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (acórdãos, já referidos, Schumacker, n.° 30, e Gschwind, n.° 21).

23      Em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes num Estado não são, em regra, comparáveis, na medida em que o rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, na maior parte dos casos, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência, e que a capacidade contributiva pessoal do não residente, resultante da tomada em consideração de todos os seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode ser mais facilmente apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, que corresponde, geralmente, à sua residência habitual (acórdão de 1 de Julho de 2004, Wallentin, C‑169/03, Colect., p. I‑6443, n.° 15 e jurisprudência aí referida).

24      Porém, G. Meindl, segundo a decisão de reenvio, é contribuinte residente no Estado onde aufere a totalidade dos rendimentos tributáveis do casal.

25      A este respeito, refira‑se que G. Meindl é tratado de forma diferente de um contribuinte residente cujo cônjuge só aufira rendimentos não sujeitos a imposto e resida igualmente nesse Estado‑Membro. Com efeito, esse contribuinte tem direito à tributação conjunta.

26      Ora, tal como referiu o advogado‑geral no n.° 36 das conclusões, um contribuinte residente cujo cônjuge resida no mesmo Estado‑Membro e aí aufira unicamente rendimentos não sujeitos a imposto encontra‑se objectivamente na mesma situação que um contribuinte residente cujo cônjuge resida noutro Estado‑Membro e aí aufira unicamente rendimentos não sujeitos a imposto, pois, em ambos os casos, os rendimentos tributáveis do casal provêm da actividade de só um dos cônjuges e, em ambos os casos, esse cônjuge é o contribuinte residente.

27      A esse respeito, há que precisar que C. Meindl‑Berger não auferiu, no ano em causa, nenhum rendimento tributável no Estado da sua residência, pois, nos termos da legislação fiscal desse Estado, as prestações compensatórias da perda de salário em causa não constituíam um rendimento tributável.

28      Por outro lado, refira‑se que a condição de residência do cônjuge poderá ser mais facilmente preenchida pelos nacionais do que pelos cidadãos de outros Estados‑Membros que se tenham instalado na Alemanha para aí exercer uma actividade económica, na medida em que os familiares dos segundos residem mais frequentemente fora desse Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão de 16 de Maio de 2000, Zurstrassen, C‑87/99, Colect., p. I‑3337, n.° 19).

29      Nestas condições, a decisão do Finanzamt de considerar G. Meindl um contribuinte solteiro, apesar de ele ser casado e ter auferido a totalidade dos rendimentos tributáveis do casal no Estado de residência, pelo facto de a sua mulher ter mantido a residência noutro Estado‑Membro e de aí ter auferido rendimentos não sujeitos a imposto que, simultaneamente, excedem 10% do rendimento do casal e 24 000 DEM, não tem justificação. Com efeito, o Estado de residência desse contribuinte é o único Estado que pode tomar em consideração a situação pessoal e familiar do referido contribuinte, pois este não só reside nesse Estado mas também aufere aí a totalidade dos rendimentos tributáveis do casal (v., por analogia, acórdão Zurstrassen, já referido, n.° 23).

30      No caso presente, visto que não há forma de, no âmbito da tributação conjunta, ter em consideração a situação pessoal e familiar de G. Meindl, não se pode deixar de observar que há uma discriminação proibida pelo artigo 52.° do Tratado (v., por analogia, acórdão Wallentin, já referido, n.° 17 e jurisprudência aí referida), mesmo apesar de os rendimentos dos dois cônjuges, no ano em causa, serem, segundo a decisão fiscal em questão no processo principal, inferiores ao limite de 90% e de os rendimentos não sujeitos ao imposto alemão sobre o rendimento ultrapassarem o montante de 24 000 DEM.

31      A esse respeito, refira‑se que a situação em causa no processo principal é fundamentalmente diferente da que deu origem ao acórdão Gschwind, já referido, pois, neste último, a concessão de uma vantagem fiscal, como a requerida por G. Meindl, aos casais não residentes, na condição de pelo menos 90% do seu rendimento mundial estar sujeito a imposto no Estado‑Membro em que trabalham, ou, se essa percentagem não for atingida, de os seus rendimentos de origem estrangeira não sujeitos a imposto nesse Estado‑Membro não excederem determinado limite, foi declarada compatível com o Tratado quando a possibilidade de se tomar em conta a sua situação pessoal e familiar no seu Estado de residência for preservada. Ora, não é esse o caso no processo principal.

32      Em face do exposto, há que responder à questão colocada que o artigo 52.° do Tratado se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um contribuinte residente a tributação conjunta com o seu cônjuge não separado e residente noutro Estado‑Membro, pelo facto de o cônjuge ter simultaneamente auferido nesse outro Estado‑Membro mais de 10% dos rendimentos do casal e mais de 24 000 DEM, quando os rendimentos auferidos por esse cônjuge nesse outro Estado‑Membro não estão aí sujeitos a imposto sobre o rendimento.

 Quanto às despesas

33      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE) opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse a um contribuinte residente a tributação conjunta com o seu cônjuge não separado e residente noutro Estado‑Membro pelo facto de o cônjuge ter simultaneamente auferido nesse outro Estado‑Membro mais de 10% dos rendimentos do casal e mais de 24 000 DEM, quando os rendimentos auferidos por esse cônjuge nesse outro Estado‑Membro não estão aí sujeitos a imposto sobre o rendimento.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.