Language of document : ECLI:EU:C:2010:684

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

16 de Novembro de 2010 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Decisão da Comissão relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE – Recurso de anulação – Prazo – Recurso extemporâneo – Razões que podem justificar uma derrogação do prazo de recurso – Direito de acesso a um tribunal – Princípios da legalidade e da proporcionalidade – Recurso manifestamente improcedente»

No processo C‑73/10 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 8 de Fevereiro de 2010,

Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert GmbH & Co. KG, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por A. Rinne, Rechtsanwalt, S. Kon, C. Humpe, solicitors, e C. Vajda, QC,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por M. Kellerbauer e A. Biolan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: K. Schiemann, presidente de secção, C. Toader e A. Prechal (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

ouvida a advogada‑geral,

profere o presente

Despacho

1        Através do seu recurso, a Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert GmbH & Co. KG pede a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 30 de Novembro de 2009, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão (T‑2/09, a seguir «despacho recorrido»), que julgou manifestamente inadmissível o seu recurso de anulação da Decisão C(2008) 5955 final da Comissão, de 15 de Outubro de 2008, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE (processo COMP/39.188 – Bananas) (a seguir «decisão controvertida») pelo facto de que esse recurso foi interposto fora de prazo.

 Antecedentes do litígio e tramitação processual perante o Tribunal de Primeira Instância

2        A recorrente é uma sociedade em comandita de direito alemão.

3        Em 21 de Outubro de 2008, foi‑lhe notificada a decisão controvertida, pela qual a Comissão das Comunidades Europeias declarou que várias empresas, entre as quais a recorrente, infringiram o artigo 81.° CE ao participar numa prática concertada que incide sobre a coordenação, numa parte do mercado comum, dos preços de referência das bananas e aplicou coimas às referidas empresas.

4        A Fresh Del Monte Produce Inc. (a seguir «Del Monte») foi condenada conjunta e solidariamente com a recorrente no pagamento de uma coima aplicada a esta última, devido ao facto de, no decurso do período durante o qual a recorrente participou na infracção, a Del Monte exercer uma influência decisiva sobre ela. Por petição apresentada em 31 de Dezembro de 2008, a Del Monte interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida no Tribunal de Primeira Instância. Nesse processo actualmente pendente, a recorrente foi admitida a intervir em apoio da Del Monte por despacho de 17 de Fevereiro de 2010, Fresh Del Monte Produce/Comissão (T‑587/08).

5        Por telecópia entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Janeiro de 2009, a recorrente enviou uma cópia de uma petição de anulação da decisão controvertida, cujo original foi apresentado na referida Secretaria em 9 de Janeiro seguinte.

6        Tendo sido informada, por carta do secretário do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Fevereiro de 2009, que o seu recurso não tinha sido interposto dentro do prazo previsto no artigo 230.° CE, a recorrente, por carta de 20 de Fevereiro seguinte, apresentou observações sobre o carácter extemporâneo da apresentação da sua petição e pediu que fosse derrogado o referido prazo.

7        A recorrente alega, a este propósito, que a apresentação extemporânea da referida petição resultava de uma interpretação errada do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância pelos seus representantes. Mais precisamente, forneceu, em anexo às suas observações, o depoimento de um dos seus representantes, segundo o qual três dos seus colaboradores consideraram de boa fé que o prazo de recurso expirava, segundo a interpretação conjugada do artigo 101.°, n.os 1, alínea a), e 2, e do artigo 102.°, n.° 2, do referido regulamento, em 2 de Janeiro de 2009.

8        A recorrente avançou igualmente vários argumentos que em sua opinião justificam que, não obstante a apresentação extemporânea da sua petição, o Tribunal de Primeira Instância deve declarar o recurso admissível.

9        Assim, antes de mais, alegou que, em caso de inadmissibilidade do recurso, sofreria uma injustiça e um prejuízo importante.

10      Em seguida, invocou que o prazo foi ultrapassado por muito pouco e que existe uma explicação para a apresentação extemporânea da sua petição. Além disso, segundo a recorrente, a admissibilidade do recurso não envolve nenhuma infracção significativa do princípio da segurança jurídica e não causa prejuízo à Comissão.

11      Por fim, a recorrente sustentou que, de qualquer forma, o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso a um tribunal, garantido pelo artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevalecem sobre o princípio da segurança jurídica, o que foi, nomeadamente, reconhecido no direito processual penal na Alemanha e no Reino Unido.

 Despacho recorrido

12      Pelo despacho recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou o recurso inadmissível com o fundamento de que não foi interposto dentro do prazo previsto.

13      O Tribunal de Primeira Instância confirmou, antes de mais, nos n.os 10 a 17 desse despacho, o carácter extemporâneo do recurso, após ter reconhecido que, por força do disposto no artigo 230.°, quinto parágrafo, CE, no artigo 101.°, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, e no artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o prazo para interpor o referido recurso tinha começado a correr em 22 de Outubro de 2008 e expirado em 31 de Dezembro de 2008 à meia‑noite, tendo em conta o prazo de dilação em razão da distância.

14      O Tribunal de Primeira Instância rejeitou, em seguida, nos n.os 20 a 23 do despacho recorrido, a argumentação da recorrente com vista a justificar a apresentação extemporânea da sua petição.

15      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no referido n.° 20, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só pode ser derrogada a aplicação das regulamentações comunitárias respeitantes aos prazos processuais em circunstâncias, absolutamente excepcionais, de caso fortuito ou de força maior, em conformidade com o disposto no artigo 45.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, dado que a aplicação rigorosa dessas regras corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou qualquer tratamento arbitrário na administração da justiça.

16      O Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 21 do despacho recorrido, por um lado, que a recorrente, no caso em apreço, não demonstrou nem mesmo invocou a existência de caso fortuito ou de caso de força maior. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que, na medida em que, ao invocar a interpretação incorrecta das disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância pelos seus representantes, a recorrente pretendia invocar um erro desculpável que justifica uma derrogação à aplicação da regulamentação relativa aos prazos aplicável no caso em apreço, essa regulamentação não apresenta, segundo a jurisprudência, dificuldades de interpretação especiais, de modo que não pode ser reconhecida a existência de um erro desculpável por parte da recorrente que justifique uma derrogação à aplicação da referida regulamentação.

17      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 22 do despacho recorrido, que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, não existindo precisão expressa, a ordem jurídica comunitária não pretende, em princípio, definir as suas qualificações inspirando‑se numa ou várias ordens jurídicas nacionais e concluiu daí que devia rejeitar os argumentos extraídos pela recorrente do direito processual penal na Alemanha e no Reino Unido.

18      Em terceiro lugar, no n.° 23 do despacho recorrido, na medida em que a recorrente invocava o direito a uma efectiva protecção jurisdicional, o Tribunal de Primeira Instância julgou no sentido de que esse direito tinha sido adequadamente protegido pela possibilidade de a recorrente interpor recurso do acto que lhe causa prejuízo dentro do prazo previsto pelo artigo 230.° CE e não é de forma alguma afectado pela aplicação rigorosa das regulamentações comunitárias respeitantes aos prazos processuais. O Tribunal de Primeira Instância concluiu que nem o direito de acesso a um tribunal nem o princípio da proporcionalidade justificavam derrogar o referido prazo em face das circunstâncias alegadamente excepcionais invocadas no caso em apreço.

 Pedidos das partes

19      No seu recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça:

–        que anule o despacho recorrido;

–        que declare admissível o recurso de anulação que interpôs contra a decisão controvertida e remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância; ou

–        a título subsidiário, que remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que seja examinada a admissibilidade do referido recurso.

20      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que condene a recorrente nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

21      Por força do disposto no artigo 119.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando um recurso for manifestamente inadmissível ou improcedente, o Tribunal de Justiça pode, a todo o tempo, com base no relatório do juiz‑relator e ouvido o advogado‑geral, rejeitá‑lo total ou parcialmente em despacho fundamentado, sem abrir a fase oral do processo.

22      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos para negar provimento ao recurso por manifesta improcedência mediante despacho fundamentado.

 Argumentos das partes

23      A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao julgar, no n.° 20 do despacho recorrido, no sentido de que só pode ser derrogada a aplicação da regulamentação da União respeitante aos prazos processuais em circunstâncias, absolutamente excepcionais, de caso fortuito ou de força maior.

24      Segundo a recorrente, tal abordagem é indevidamente restritiva e não tem em conta, ou, pelo menos, não tem adequadamente em conta, a importância do direito de acesso a um juiz no processo penal, o princípio da legalidade do processo penal, o princípio da proporcionalidade e a necessidade preponderante de evitar um resultado injusto.

25      Quanto, em primeiro lugar, ao direito fundamental de acesso a um tribunal, a recorrente alega que as coimas consideráveis aplicadas por um comportamento colusório contrário às regras de concorrência dizem respeito a acusações penais na acepção do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH. Refere‑se, a este propósito, ao acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão (C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150), bem como ao acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Jussila c. Finlândia de 23 de Novembro de 2006 (Colectânea dos acórdãos e decisões 2006‑XIII, § 43).

26      Esse direito fundamental constitui um princípio geral do direito da União, com referência, nomeadamente, ao acórdão de 22 de Setembro de 1998, Coote (C‑185/97, Colect., p. I‑5199, n.° 21 e jurisprudência referida), que terá sido, aliás, reafirmado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice, em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1).

27      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança legítima não se podem aplicar de maneira absoluta, devendo o princípio da segurança jurídica coexistir e aplicar‑se em harmonia com o princípio da legalidade. Deverá ser assegurado um equilíbrio entre esses princípios e, em certas circunstâncias, o princípio da legalidade deve prevalecer, como decorre da jurisprudência, invocando a recorrente, a este propósito, os acórdãos de 22 de Março de 1961, Snupat/Alta Autoridade (42/59 e 49/59, Recueil, pp. 101, 159, Colect. 1954‑1961, p. 597); de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633); e de 23 de Outubro de 2007, Polónia/Conselho (C‑273/04, Colect., p. I‑8925).

28      Em terceiro lugar, o princípio da proporcionalidade exige que uma medida seja adequada e necessária à realização do objectivo visado, e não imponha ao particular um encargo excessivo em relação a esse objectivo.

29      No que diz respeito, antes de mais, ao direito fundamental de acesso a um juiz, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta o carácter penal da coima, quando a plena e efectiva protecção desse direito em processos penais é essencial.

30      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância não explicou por que razão o princípio da proporcionalidade não entra em linha de conta para justificar uma derrogação às regras relativas aos prazos processuais. Ainda segundo a recorrente, quanto a este ponto, o despacho recorrido está, além disso, e mais fundamentalmente, ferido de erro de direito em razão de uma aplicação incorrecta do referido princípio.

31      Por último, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância, erradamente, não teve em consideração vários elementos que devia ter em conta para efeitos da aplicação do princípio da proporcionalidade. Trata‑se, nomeadamente, da circunstância de que, pelo seu recurso de anulação, a recorrente contestava uma sanção penal considerável, que a ultrapassagem do prazo de recurso para o Tribunal de Primeira Instância foi apenas de um dia e que o impacto sobre a recorrente e o prejuízo sofrido por esta em caso de inadmissibilidade do recurso por ultrapassagem do prazo é desproporcionado em relação aos efeitos que terá para a Comissão uma decisão que declare o recurso admissível.

32      A Comissão refere‑se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, em particular, ao acórdão Jussila c. Finlândia, já referido, donde decorre que:

–        para apreciar se uma sanção é de carácter penal e, portanto, se a acusação é «de carácter penal» na acepção do artigo 6.° da CEDH, há que recorrer a três critérios, concretamente, a qualificação da sanção no Estado em causa, a natureza da infracção e a severidade da sanção;

–        as sanções que fazem parte do «núcleo duro» do direito penal em razão da sua qualificação em direito nacional (primeiro critério) devem ser distinguidas de uma outra categoria de sanções que só podem ser consideradas «penais» à luz do segundo e terceiro critérios;

–        as coimas em matéria de concorrência integram esta última categoria de sanções penais, e não fazem parte, portanto, do «núcleo duro» do direito penal, de forma que as garantias oferecidas pela vertente penal do artigo 6.° da CEDH não devem necessariamente aplicar‑se em todo o seu rigor.

33      Em conformidade com o direito da União, as sanções aplicadas por força das regras do direito da concorrência da União não têm qualquer carácter penal.

34      A Comissão sustenta, além disso, que a invocada flexibilidade em matéria de prazos de que dão prova certos sistemas nacionais não pode dar lugar ao reconhecimento de um princípio geral de direito da União.

35      Considera, por outro lado, que a recorrente beneficiou do direito de acesso a um tribunal como qualquer outra sociedade à qual foi aplicada uma coima por força do direito da concorrência da União. A inobservância dos prazos que condiciona o exercício desse direito é uma questão distinta e é devida a uma falta da recorrente, independentemente de ter sido ou não cometida de boa fé.

36      No que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, a Comissão sustenta que, no caso em apreço, não foi indevidamente infringido o direito de acesso a um tribunal devido à aplicação das regras relativas aos prazos.

37      Essas regras são aplicáveis desde há muito tempo e a jurisprudência estabelece que não apresentam dificuldade particular. No caso em apreço, não se pode alegar utilmente, segundo a Comissão, que o erro cometido «de boa fé» no cálculo dos prazos de recurso constitui um erro desculpável.

38      O Tribunal de Primeira Instância respeitou plenamente o princípio da proporcionalidade ao aplicar o antigo 45.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que, na medida em que prevê derrogações aos referidos prazos em circunstâncias excepcionais, permite assegurar o respeito desse princípio.

39      Além disso, a observação dos prazos de processo não pode depender de factores tais como a importância do montante da coima aplicada ou os recursos financeiros do infractor. O direito de que dispõe a recorrente de pedir uma indemnização por perdas e danos aos seus representantes retira largamente, aliás, a respectiva pertinência desses factores.

40      Finalmente, a Comissão salienta que, uma vez que a Del Monte invocou, no quadro do processo que instaurou no Tribunal de Primeira Instância, fundamentos pelos quais põe nomeadamente em causa a participação da recorrente na infracção em causa, e dado que a recorrente foi admitida a nele intervir, o Tribunal de Primeira Instância será levado a examinar a maioria das partes da decisão controvertida que lhe dizem respeito. Ora, se o Tribunal tiver de anular essas partes da decisão controvertida, a Comissão considera que poderá daí tirar consequências em relação à recorrente, embora a isso não seja legalmente obrigada.

 Apreciação do Tribunal

41      Segundo jurisprudência constante, só poderá ser derrogada a aplicação da regulamentação da União respeitante aos prazos processuais em circunstâncias absolutamente excepcionais de caso fortuito ou de força maior, em conformidade com o disposto no artigo 45.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, dado que a aplicação rigorosa dessas regras corresponde a uma exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (v., designadamente, despachos de 18 de Janeiro de 2005, Zuazaga Meabe/IHMI, C‑325/03 P, Colect., p. I‑403, n.° 16, e de 3 de Julho de 2008, Pitsiorlas/Conselho e BCE, C‑84/08 P, n.° 14 e jurisprudência referida).

42      Resulta igualmente da jurisprudência que, no quadro da regulamentação da União respeitante aos prazos de recurso, o conceito de erro desculpável, que permite derrogá‑la, visa apenas circunstâncias excepcionais em que, nomeadamente, a instituição em causa adoptou um comportamento de molde a, por si só ou em medida determinante, provocar uma confusão admissível no espírito de um sujeito de direito de boa fé e que faça prova de toda a diligência requerida de um operador normalmente advertido (v., designadamente, despacho de 14 de Janeiro de 2010, SGAE/Comissão, C‑112/09 P, Colect., p. I‑0000, n.° 20 e jurisprudência referida).

43      Perante o Tribunal de Primeira Instância, a recorrente não alegou que a ultrapassagem do prazo podia ser justificada por uma circunstância que deve ser qualificada de caso fortuito ou de caso de força maior.

44      No seu recurso, a recorrente também não critica expressamente o Tribunal de Primeira Instância por ter recusado, no n.° 21 do despacho recorrido, reconhecer a existência de erro desculpável da sua parte.

45      A este propósito, pode, de qualquer forma, salientar‑se que, num processo relativo a uma decisão da Comissão que aplica uma coima a título do artigo 81.° CE e em que um erro de cálculo dos prazos de recurso análogo ao que está em causa no presente processo tinha sido cometido, o Tribunal de Justiça recusou considerar a existência de erro desculpável, ao julgar, nomeadamente, no sentido de que a redacção do artigo 101.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância é clara e não apresenta dificuldade de interpretação particular (despacho SGAE/Comissão, já referido, n.° 24).

46      A recorrente sustenta em contrapartida que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao julgar no sentido de que não pode ser derrogada a aplicação da regulamentação da União respeitante aos prazos processuais em circunstâncias diferentes de caso fortuito ou de força maior.

47      A recorrente considera que uma derrogação dessa regulamentação deve igualmente ser permitida em virtude do direito fundamental de acesso ao juiz, do princípio da legalidade e do princípio da proporcionalidade, bem como devido à necessidade preponderante de evitar um resultado injusto. Tal derrogação impõe‑se sobretudo quando o recurso em causa diz respeito a uma decisão da Comissão que impõe uma coima substancial que deverá ser qualificada de penal, de forma que a recorrente é objecto de uma acusação penal na acepção do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH.

48      A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio estabelecido no artigo 6.° da CEDH, concretamente, assegurar a qualquer pessoa um processo equitativo, e reconhecido na ordem jurídica da União, não constitui obstáculo a que seja previsto um prazo para a interposição de um recurso judicial (acórdão de 1 de Abril de 1987, Dufay/Parlamento, 257/85, Colect., p. 1561, n.° 10).

49      O Tribunal de Justiça tem igualmente julgado no sentido de que o direito a uma efectiva protecção jurisdicional não é de modo algum afectado pela aplicação rigorosa da regulamentação da União respeitante aos prazos processuais, que, segundo jurisprudência constante, corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou qualquer tratamento arbitrário na administração da justiça (despacho de 17 de Maio de 2002, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑406/01, Colect., p. I‑4561, n.° 20 e jurisprudência referida).

50      Resulta, além disso, da jurisprudência que uma derrogação da referida regulamentação não pode ser justificada pela circunstância de estarem em jogo direitos fundamentais. Com efeito, as regras relativas aos prazos de recurso são de ordem pública e devem ser aplicadas pelo juiz de modo a garantir a segurança jurídica, bem como a igualdade dos sujeitos de direito perante a lei (acórdão de 18 de Janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, Colect., p. I‑439, n.° 101).

51      A recorrente sustenta que, em cada caso de ultrapassagem de um prazo processual respeitante a um recurso de uma decisão que aplica uma coima substancial devido a uma infracção às regras do direito da concorrência, o direito a uma efectiva protecção jurisdicional, bem como os princípios da legalidade e da proporcionalidade, exigem que o juiz da União pondere, por um lado, a importância da ultrapassagem desse prazo e a medida em que o objectivo que serve de base ao referido prazo é afectado por essa ultrapassagem e, por outro, as consequências para o recorrente da rejeição do recurso devido ao seu carácter extemporâneo.

52      Ora, tal derrogação caso a caso, se pudesse ser aplicada pelo juiz da União não obstante o facto, recordado no n.° 50 do presente despacho, de as regras respeitantes aos prazos de recurso serem de ordem pública, seria dificilmente conciliável com o objectivo da regulamentação da União em matéria de prazos de recurso, a saber, cumprir a exigência de segurança jurídica e a necessidade de evitar qualquer discriminação ou qualquer tratamento arbitrário na administração da justiça.

53      De qualquer forma, sem que exista necessidade de examinar se uma coima tal como a aplicada à recorrente pela decisão controvertida reveste carácter penal na acepção do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, há que salientar que o direito a um tribunal, de que o direito de acesso a um tribunal constitui um aspecto particular, não é absoluto e presta‑se a limitações implicitamente admitidas, nomeadamente, quanto às condições de admissibilidade de um recurso, pois requer pela sua própria natureza uma regulamentação pelo Estado, que goza a este propósito de uma certa margem de apreciação. Essas limitações não podem restringir o acesso aberto a um sujeito de direito de forma ou a um ponto tais que o seu direito a um tribunal é infringido na sua própria essência. Finalmente, tais limitações devem ter por objectivo um fim legítimo e deve existir uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim visado (v. TEDH, acórdão Pérez de Rada Cavanilles c. Espanha de 28 de Outubro de 1998, Colectânea dos acórdãos e decisões 1998‑VIII, § 44).

54      Deve igualmente observar‑se que os sujeitos de direito devem contar com que a regulamentação relativa aos prazos a respeitar para interpor recurso seja aplicada dado que esta visa assegurar uma boa administração da justiça e o respeito, em especial, do princípio da segurança jurídica. Todavia, essa regulamentação ou a aplicação que dela é feita não deverá impedir o sujeito de direito de se prevalecer de uma via de recurso disponível (v. TEDH, acórdão Pérez de Rada Cavanilles c. Espanha, já referido, § 45).

55      Ora, não se pode sustentar que a regulamentação da União relativa aos prazos processuais e à sua aplicação no caso em apreço tenha impedido a recorrente de se prevalecer da via de recurso disponível contra a decisão controvertida.

56      Com efeito, embora o prazo de dois meses em causa constitua, na verdade, uma limitação ao direito de acesso a um tribunal, essa limitação não constitui manifestamente uma infracção à própria essência desse direito, isto tanto mais que, como já foi salientado no n.° 45 do presente despacho, as regras relativas ao cômputo desse prazo, entre as quais as que estão em causa no presente processo, são claras e não apresentam dificuldade de interpretação particular.

57      É igualmente pertinente neste contexto a circunstância de que, no caso em apreço, a ultrapassagem do prazo de recurso é unicamente devida a um erro cometido pelo advogado da recorrente, que, como salientado no n.° 45 do presente despacho, não pode ser considerado como um erro desculpável que permita derrogar as regras relativas aos prazos de recurso.

58      O mesmo se pode dizer em relação ao facto, salientado no n.° 41 do presente despacho, de que são igualmente previstas derrogações em caso de ultrapassagem do prazo em circunstâncias de caso fortuito e de força maior.

59      Daqui decorre que foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância julgou, no n.° 23 do despacho recorrido, no sentido de que o direito à efectiva protecção jurisdicional foi adequadamente protegido pela possibilidade de a recorrente interpor recurso do acto que lhe causa prejuízo no prazo previsto no artigo 230.° CE e de que esse direito não é de forma alguma afectado pela aplicação rigorosa das regulamentações comunitárias respeitantes aos prazos processuais. Foi, portanto, igualmente, sem cometer erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância concluiu daí, no mesmo número, que nem o direito de acesso a um tribunal nem o princípio da proporcionalidade justificam derrogar o prazo de recurso em face das circunstâncias invocadas.

60      Tendo em conta o que precede, há que rejeitar o recurso por manifesta improcedência.

 Quanto às despesas

61      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão concluído pela condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert GmbH & Co. KG é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.