Language of document : ECLI:EU:C:2012:691

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de novembro de 2012 (*)

«Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 51.° — Diretiva 2003/109/CE — Nacionais de países terceiros — Direito de residência num Estado‑Membro — Diretiva 2004/38/CE — Nacionais de países terceiros membros da família de cidadãos da União — Nacional de país terceiro que não acompanha nem se reúne a um cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento e que permanece no Estado‑Membro de origem daquele cidadão — Direito de residência do nacional de país terceiro no Estado‑Membro de origem de um cidadão que reside noutro Estado‑Membro — Cidadania da União — Direitos fundamentais»

No processo C‑40/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Alemanha), por decisão de 20 de janeiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de janeiro de 2011, no processo

Yoshikazu Iida

contra

Stadt Ulm,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de Y. Iida, por T. Oberhäuser e W. Weh, Rechtsanwälte,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e C. Pochet, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por C. H. Vang, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. D’Ascia, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, e em seguida por A. Robinson, na qualidade de agentes, assistidos por R. Palmer, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por C. Tufvesson e H. Krämer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de maio de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições de direito da União relativas ao direito de residência dos nacionais de países terceiros num Estado‑Membro, bem como a cidadania da União.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Y. Iida à Stadt Ulm, a propósito da recusa desta última de lhe conceder um direito de residência na Alemanha ao abrigo da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77 e — retificações — JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34), e, a esse título, de lhe emitir um cartão de residência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/109/CE

3        O artigo 1.°, alínea a), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO L 16, p. 44), sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes […]»

4        O artigo 3.° desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro.

2.      A presente diretiva não é aplicável aos nacionais de países terceiros que:

a)      Tenham residência para seguirem os seus estudos ou uma formação profissional;

b)      Estejam autorizados a residir num Estado‑Membro ao abrigo da proteção temporária ou tenham solicitado autorização de residência por esse motivo e aguardem uma decisão sobre o seu estatuto;

c)      Estejam autorizados a residir num Estado‑Membro ao abrigo de uma forma de proteção subsidiária, em conformidade com obrigações contraídas internacionalmente, o direito interno ou a prática dos Estados‑Membros, ou tenham solicitado uma autorização de residência por esse motivo e aguardem uma decisão sobre o seu estatuto;

d)      Sejam refugiados ou tenham solicitado o reconhecimento do estatuto de refugiado e o seu pedido não tenha ainda sido objeto de decisão definitiva;

e)      Tenham residência exclusivamente por motivos de caráter temporário, como trabalhadores sazonais ou au pair, trabalhadores destacados por um prestador de serviços para efeitos de prestação de serviços transfronteiriços, ou prestadores de serviços transfronteiriços, ou nos casos em que a sua autorização de residência tenha sido formalmente limitada;

f)      Beneficiem de um estatuto jurídico ao abrigo da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, da Convenção de Viena sobre relações consulares, de 1963, da Convenção sobre missões diplomáticas especiais, de 1969, ou da Convenção de Viena sobre a representação dos Estados nas suas relações com as organizações internacionais de caráter universal, de 1975.»

5        O artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido.»

6        O artigo 5.° da Diretiva 2003/109, sob a epígrafe «Condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que este e os familiares a seu cargo dispõem de:

a)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo e das pensões antes do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração;

b)      Um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais.

2.      Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.»

7        Sob a epígrafe «Aquisição do estatuto de residente de longa duração», o artigo 7.° da Diretiva 2003/109 dispõe nos seus n.os 1 e 3:

«1.      A fim de obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional de um país terceiro deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro em que reside. O pedido deve ser acompanhado dos documentos comprovativos, conforme determinado na legislação nacional, de que o nacional de um país terceiro preenche as condições enunciadas nos artigos 4.° e 5.°, bem como, se necessário, de um documento de viagem válido ou de cópia autenticada do mesmo.

As provas documentais referidas no primeiro parágrafo podem também incluir documentação comprovativa de alojamento adequado.

[…]

3.      Se as condições estabelecidas nos artigos 4.° e 5.° estiverem preenchidas e a pessoa não representar uma ameaça na aceção do artigo 6.°, o Estado‑Membro em causa deve conceder o estatuto de residente de longa duração ao nacional de um país terceiro em questão.»

8        O artigo 8.° desta diretiva, sob a epígrafe «Título CE de residência de longa duração», prevê nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O estatuto de residente de longa duração tem caráter permanente, sem prejuízo do disposto no artigo 9.°

2.      Os Estados‑Membros concedem aos residentes de longa duração um título CE de residência de longa duração. Esse título tem uma validade mínima de cinco anos, sendo automaticamente renovável, mediante pedido se exigido, no termo do período de validade.»

 Diretiva 2004/38

9        Sob a epígrafe «Disposições gerais», o capítulo I da Diretiva 2004/38 inclui os artigos 1.° a 3.°

10      O artigo 2.° desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      ‘Cidadão da União’: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      ‘Membro da família’:

a)      O cônjuge;

b)      O parceiro com quem um cidadão da União contraiu uma parceria registada com base na legislação de um Estado‑Membro, se a legislação do Estado‑Membro de acolhimento considerar as parcerias registadas como equiparadas ao casamento, e nas condições estabelecidas na legislação aplicável do Estado‑Membro de acolhimento;

c)      Os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

d)      Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

3)      ‘Estado‑Membro de acolhimento’: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

11      O artigo 3.° da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», dispõe:

«1.      A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

2.      Sem prejuízo de um direito pessoal à livre circulação e residência da pessoa em causa, o Estado‑Membro de acolhimento facilita, nos termos da sua legislação nacional, a entrada e a residência das seguintes pessoas:

a)      Qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pelo ponto 2) do artigo 2.°, que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação, ou quando o cidadão da União tiver imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família por motivos de saúde graves;

b)      O parceiro com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente devidamente certificada.

O Estado‑Membro de acolhimento procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas em causa.»

12      O capítulo III da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência», diz respeito aos requisitos de exercício do direito dos cidadãos da União e dos membros da sua família residirem no território dos Estados‑Membros. Este capítulo inclui, nomeadamente, os artigos 6.°, 7.° e 10.°

13      O artigo 6.° da Diretiva 2004/38 dispõe:

«1.      Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses [...]

2.      O disposto no n.° 1 é igualmente aplicável aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que, munidos de um passaporte válido, acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União.»

14      O artigo 7.° desta diretiva prevê:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses:

[...]

2.      O direito de residência disposto no n.° 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União [...]»

15      O artigo 10.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Emissão do cartão de residência», enuncia:

«1.      O direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro é comprovado pela emissão de um documento denominado ‘cartão de residência de membro da família de um cidadão da União’, no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido. É imediatamente emitido um certificado de que foi requerido um cartão de residência.

2.      Para a emissão do cartão de residência, os Estados‑Membros exigem a apresentação dos seguintes documentos:

[…]

c)      O certificado de registo ou, caso não haja sistema de registo, qualquer outra prova de que o cidadão da União que acompanham ou ao qual se reúnem reside no Estado‑Membro de acolhimento;

d)      Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do ponto 2) do artigo 2.°, a prova documental de que estão preenchidas as condições previstas nessas disposições;

[…]»

 Direito alemão

16      Sob a epígrafe «Autorização de residência», o § 7 da Lei sobre a residência, a atividade profissional e a integração de estrangeiros no território federal (Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet, a seguir «AufenthG») enuncia:

«1.      A autorização de residência é um título temporário concedido para os fins indicados nas disposições seguintes. Nos casos em que haja uma justificação especial, a autorização de residência pode ser concedida para fins de residência não previstos na lei.

2.      A autorização de residência deve ser emitida com o prazo adequado à finalidade para que é requerida. Se uma das condições de concessão, de prorrogação ou de fixação do prazo de residência deixar de se verificar, o prazo fica igualmente sujeito, à redução correspondente.»

17      O § 18 da AufenthG, sob a epígrafe «Atividade profissional», dispõe:

«1.      A autorização da atividade profissional de estrangeiros orientar‑se‑á pelas exigências da economia alemã tendo em consideração as condições do mercado de trabalho e a necessidade de combater eficazmente o desemprego. A presente disposição não prejudica a aplicação de tratados internacionais.

2.      Pode ser concedido a um estrangeiro um título de residência para o exercício de uma atividade profissional se o Instituto Federal do Emprego (Bundesagentur für Arbeit), nos termos do § 39 da presente lei, tiver dado o seu acordo ou se, nos termos do regulamento previsto no § 42 da presente lei ou de convenção internacional, estiver determinado que o exercício de uma atividade profissional não carece de aprovação do Instituto Federal do Emprego. Eventuais restrições formuladas na decisão de aprovação do Instituto Federal do Emprego devem constar do título de residência.

3.      A autorização de residência concedida nos termos do n.° 2 para o exercício de uma atividade profissional não qualificada só pode ser concedida se tal estiver previsto numa convenção internacional ou se nos termos do regulamento previsto no § 42 da presente lei for permitida a emissão de uma autorização de residência para o exercício dessa atividade.

4.      Só pode ser concedida uma autorização de residência para o exercício de uma atividade profissional qualificada, nos termos do n.° 2, para o exercício de uma atividade profissional ou categoria de atividades profissionais que tenha sido autorizada por regulamento nos termos do § 42 da presente lei. Em casos especiais devidamente justificados, pode ser concedida uma autorização de residência para atividades de interesse público, designadamente regional, económico ou de política de emprego.

5.      O título de residência, nos termos do n.° 2 e do § 19 da presente lei só pode ser concedido se existir uma oferta concreta de trabalho.»

18      O § 39 da AufenthG, sob a epígrafe «Autorização da atividade profissional de estrangeiros», enuncia nos seus n.os 2 a 4:

«2.      O Instituto Federal do Emprego pode dar o seu acordo à emissão de uma autorização de residência para o exercício de uma atividade profissional nos termos do § 18 da presente lei, se:

1)      a) do emprego de estrangeiros não resultarem efeitos negativos para o mercado de trabalho, especialmente tendo em conta a estrutura do emprego, das regiões e dos setores económicos, e se

b)      não estiverem disponíveis para desenvolver essa atividade profissional trabalhadores alemães ou estrangeiros que, para efeitos de trabalho, lhes estejam juridicamente equiparados ou outros estrangeiros que, nos termos do direito da União Europeia, tenham preferência no acesso ao mercado de trabalho, ou

2)      se se concluir, cumpridos os critérios das alíneas a) e b) do ponto 1, que, no tocante a determinadas profissões ou a determinados setores económicos, a ocupação dos postos de trabalho disponíveis com trabalhadores estrangeiros é adequada do ponto de vista do mercado de trabalho e das políticas de integração,

e desde que os trabalhadores estrangeiros não sejam contratados em condições inferiores às dos trabalhadores alemães. Os trabalhadores alemães e os trabalhadores estrangeiros a eles equiparados estão disponíveis para o trabalho se puderem ser contratados através da intervenção do Instituto Federal do Emprego. O empregador que deva empregar um trabalhador estrangeiro, carecendo de autorização para o efeito, deve comunicar ao Instituto Federal do Emprego o salário, o horário e outras condições de trabalho aplicáveis.

[…]

4.      A autorização pode fixar a duração, a atividade profissional e restringir a atividade profissional a determinadas empresas ou regiões.»

19      O § 28 da AufenthG, sob a epígrafe «Reagrupamento familiar com cidadãos alemães», dispõe no seu n.° 1, primeira frase:

«A autorização de residência deve ser concedida ao estrangeiro que seja:

1)      Cônjuge de um alemão;

2)      filho solteiro menor de um alemão;

3)      progenitor de um alemão solteiro menor para exercício da autoridade parental sobre a pessoa do menor;

desde que o cidadão alemão tenha a sua residência habitual no território federal.»

20      O § 31 da AufenthG, sob a epígrafe «Direito de residência autónomo dos cônjuges», enuncia nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A autorização de residência dos cônjuges, em caso de dissolução da comunhão de vida conjugal, como direito autónomo e para efeitos de reagrupamento familiar, é prorrogada por um ano, se:

1)      Os cônjuges tiverem vivido em comunhão de vida pelo menos dois anos legalmente no território federal ou

2)      O cônjuge estrangeiro tiver falecido na constância da comunhão de vida conjugal no território federal

e o cônjuge estrangeiro, até à data do óbito, tivesse uma autorização de residência, de estabelecimento ou de residência CE de longa duração, mesmo que não pudesse requerer tempestivamente a prorrogação, por motivos que lhe não fossem imputáveis. […]

2.      O requisito de residência legal no território federal em comunhão de vida conjugal por dois anos, previsto no n.° 1, 1), não é aplicável se, para fazer face a condições especialmente difíceis, for necessário permitir ao cônjuge a continuação da residência, a menos que a prorrogação da autorização de residência do cidadão estrangeiro já não fosse possível. […]»

21      O § 9a, n.os 1 e 2, da AufenthG, sob a epígrafe «Autorização de residência CE de longa duração», prevê:

«1.      A autorização de residência CE de longa duração é um título de residência sem prazo. São‑lhe igualmente aplicáveis o primeiro e terceiro períodos do § 9, n.° 1. Salvo se a lei dispuser diferentemente, a autorização de residência CE de longa duração é equiparada à autorização de estabelecimento.

2.      O estrangeiro tem direito a uma autorização de residência CE de longa duração, nos termos do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva [2003/109], quando:

1)      tiver residido cinco anos, dispondo de título de residência, no território federal;

2)      dispuser de meios de subsistência estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos familiares que estejam a seu cargo;

3)      tiver conhecimentos suficientes da língua alemã;

4)      conhecer os elementos fundamentais da ordem jurídica e da sociedade alemãs;

5)      se a tal não se opuserem motivos de segurança ou de ordem pública, considerados a gravidade ou o tipo de qualquer ato ilícito que tenha cometido contra a segurança ou a ordem públicas ou a perigosidade desse estrangeiro, consideradas também a duração da sua residência anterior e a eventual existência de ligações pessoais ao território federal; e

6)      disponha de residência adequada para si e para os membros da sua família que consigo residam.»

22      O § 5, n.os 1 e 2, da Lei da livre circulação dos cidadãos da União (Gesetz über die allgemeine Freizügigkeit von Unionsbürgern), de 30 de julho de 2004 (a seguir «FreizügG/EU»), dispõe:

«1.      Será emitida oficiosa e imediatamente aos cidadãos da União com direito de livre circulação e aos membros da sua família que tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro da União Europeia uma certidão sobre o seu direito de residência.

2.      Será emitida oficiosamente, no prazo de seis meses a contar da data em que tenham sido apresentados os elementos pertinentes, aos membros da família com o direito de livre circulação que não sejam cidadãos da União, um cartão de residência de membros da família de um cidadão da União com validade de cinco anos. É imediatamente emitido um certificado de que as informações necessárias foram fornecidas.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      Y. Iida, nacional japonês, casou‑se em 1998, nos Estados Unidos, com N.‑I., nacional alemã. A sua filha, Mia, nasceu em 27 de agosto de 2004 nos Estados Unidos e tem as nacionalidades alemã, americana e japonesa.

24      Em dezembro de 2005, a família instalou‑se na Alemanha. Em janeiro de 2006, Y. Iida obteve uma autorização de residência para fins de reagrupamento familiar em conformidade com o § 28 da AufenthG. Desde fevereiro de 2006, trabalha a tempo inteiro em Ulm ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e recebe atualmente um salário bruto mensal de 4 850 euros. Devido aos seus horários de trabalho, em conformidade com o direito nacional, foi dispensado da obrigação de participar num curso de integração.

25      No verão de 2007, a mulher de Y. Iida começou a trabalhar a tempo inteiro em Viena. Embora os cônjuges tenham inicialmente mantido a comunhão de vida entre Ulm e Viena e apesar de não se terem divorciado, estão permanentemente separados desde janeiro de 2008. Ambos detêm e exercem em comum a autoridade parental sobre a filha, ainda que, desde março de 2008, mãe e filha tenham residência habitual em Viena, cidade na qual esta última prossegue os seus estudos.

26      Y. Iida visita a sua filha em Viena com regularidade — um fim de semana por mês — e esta passa grande parte das suas férias em casa do pai, em Ulm. Fizeram igualmente viagens em conjunto. Segundo as informações fornecidas por Y. Iida ao Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg, a relação pai‑filha é excelente.

27      Na sequência da partida da sua filha e da sua mulher, foi excluída a aplicação do direito de residência autónomo previsto no § 31 da AufenthG a Y. Iida, pelo facto de não ter sido demonstrada a comunhão de vida dos cônjuges na Alemanha por um período de pelo menos dois anos e de a isenção deste último requisito não ter sido pedida.

28      Devido ao seu emprego em Ulm, Y. Iida obteve contudo uma autorização de residência, que foi prorrogada em 18 de novembro de 2010 até 2 de novembro de 2012, ao abrigo do § 18 da AufenthG, e cuja prorrogação posterior é discricionária.

29      Em 30 de maio de 2008, Y. Iida requereu a emissão de um «cartão de residência de membro da família de um cidadão da União», como previsto no § 5 da FreizügG/EU, à Stadt Ulm. O seu pedido foi indeferido pelo facto de não poder requerer esse cartão com base no direito da União, primeiro pela Stadt Ulm e pela Regierungspräsidium Tübingen (subdivisão administrativa de Tübingen), e em seguida por decisão do Verwaltungsgericht Sigmaringen (Tribunal Administrativo de Sigmaringen).

30      Em 6 de maio de 2010, Y. Iida recorreu desta decisão para o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg.

31      Além disso, Y. Iida apresentou um pedido destinado a obter uma autorização de residência de residente de longa duração em conformidade com o § 9a da AufenthG, que, contudo, retirou posteriormente.

32      Neste contexto, o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [Quanto aos] artigos 2.°, 3.° e 7.° da Diretiva [...] 2004/38

a)      Numa interpretação extensiva do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2004/38[…], especialmente à luz [dos artigos] 7.° e 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’] e do artigo 8.° da Convenção Europeia [para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais], assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir ‘CEDH’)], pode considerar‑se que o progenitor nacional de um país terceiro titular da autoridade parental sobre um filho menor (filho esse que goza do direito de livre circulação por ser cidadão da União Europeia), numa situação em que não está a cargo do filho, também é ‘membro da família’?

b)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: a Diretiva 2004/38[…], numa interpretação extensiva do seu artigo 3.°, n.° 1, especialmente à luz dos artigos 7.° e 24.° [da Carta] e [do artigo] 8.° [da] CEDH, aplica‑se ao mencionado progenitor ainda que o mesmo não tenha acompanhado o filho menor nem a ele se tenha reunido no Estado‑Membro de que o mesmo filho é nacional e a partir do qual se deslocou?

c)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: decorre daqui que aquele progenitor, numa interpretação extensiva do artigo 7.°, n.° 2, [da] Diretiva 2004/38[…], especialmente à luz dos artigos 7.° e 24.° [da Carta] e [do artigo] 8.° CEDH, tem um direito de residência por mais de três meses no Estado‑Membro de que o filho (cidadão da União Europeia) é nacional, pelo menos enquanto detiver e exercer efetivamente a autoridade parental?

2)      [Quanto ao] artigo 6.°, n.° 1[, UE], em conjugação com a [Carta]

a) i) A Carta é aplicável, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, [segunda alternativa,] quando o objeto do litígio depende da aplicação de uma lei (ou parte de lei) nacional que, além de outras disposições, também procedeu à transposição de diretivas europeias?

ii)      Em caso de resposta negativa à questão anterior: a Carta é aplicável, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, [segunda alternativa,] pelo facto de o recorrente poder eventualmente beneficiar de um direito de residência ao abrigo do direito da União e, por consequência, nos termos do § 5, n.° 2, [primeiro período], da [FreizügG/EU], ter o direito de requerer um cartão de residência de membro da família de um cidadão da União com base no artigo 10.°, n.° 1, [primeiro período,] da Diretiva [2004/38]?

iii)      Em caso de resposta negativa à questão anterior: a Carta é aplicável, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, [segunda alternativa,] na esteira da jurisprudência [do Tribunal de Justiça no processo] ERT (acórdão […] de 18 de junho de 1991, C‑260/89, [Colet., p. I‑2925,] n.os 41 a 45), se um Estado‑Membro restringir o direito de residência do pai, nacional de um país terceiro, titular da autoridade parental sobre a sua filha menor cidadã da União […], filha essa que, devido à atividade profissional da mãe, reside a maior parte do tempo noutro Estado‑Membro da União […]?

b) i) Se a Carta for aplicável: é possível deduzir diretamente do artigo 24.°, n.° 3, [da Carta] um direito de residência ao abrigo do direito da União a favor do pai nacional de um país terceiro, pelo menos enquanto detiver e exercer efetivamente a autoridade parental sobre o seu filho nacional da União […], mesmo que este último resida a maior parte do tempo noutro Estado‑Membro da União Europeia?

ii)      Em caso de resposta negativa à questão anterior: o pai com nacionalidade de um país terceiro pode fundamentar o seu direito de residência ao abrigo do direito da União […] no direito de livre circulação do seu filho nacional da União […] consagrado no artigo 45.°, n.° 1, da [Carta], eventualmente em conjugação com o artigo 24.°, n.° 3, [da mesma Carta], pelo menos enquanto detiver e efetivamente exercer a autoridade parental sobre o filho, para que o direito de livre circulação do filho não seja esvaziado de efeitos práticos?

3)      [Quanto ao] artigo 6.°, n.° 3, [UE] em conjugação com os princípios gerais de direito da União […]:

a)      Podem os direitos fundamentais [‘não escritos’] da União Europeia, desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça desde o acórdão [de 12 de novembro de 1969,] Stauder ([…] 29/69, [Colet. 1969‑1970, p. I‑157,] n.° 7), até, por exemplo, ao acórdão Mangold ([…] C‑144/04, [Colet., p. I‑9981,] n.° 75), ser plenamente aplicados ainda que, no caso concreto, a [Carta] não seja aplicável? Por outras palavras: os direitos fundamentais previstos no artigo 6.°, n.° 3, [UE], enquanto princípios gerais de direito da União […], continuam a aplicar‑se autónoma e independentemente dos novos direitos fundamentais da [Carta] reconhecidos no [n.° 1 do referido artigo]?

b)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: pode o pai com nacionalidade de um país terceiro de um menor cidadão da União […], a fim de poder exercer efetivamente a sua autoridade parental, fundamentar um direito de residência ao abrigo do direito da União nos princípios gerais da União […], lidos à luz do direito ao respeito da vida familiar previsto no artigo 8.° [da] CEDH, quando o menor reside a maior parte do tempo noutro Estado‑Membro devido à atividade profissional da mãe?

4)      [Quanto ao] artigo 21.°, n.° 1, TFUE, em conjugação com o artigo 8.° [da] CEDH:

Caso o artigo 6.°, n.os 1 ou 3, [UE] não [permita] fundamentar um direito de residência do recorrente ao abrigo do direito da União: pode o direito de livre circulação de uma menor com a cidadania europeia, que, devido à atividade profissional da mãe, resida a maior parte do tempo noutro Estado‑Membro, fundamentar, nos termos do artigo 21.°, n.° 1, TFUE, eventualmente em conjugação com o artigo 8.° [da] CEDH, e na esteira do acórdão [de 19 de outubro de 2004,] Zhu e Chen (C‑200/02, Colet., p. I‑9925,] n.os 45 a 47), o direito de residência ao abrigo do direito da União do seu pai, nacional de um país terceiro, no país de que a filha é nacional, a fim de poder exercer efetivamente a sua autoridade parental?

5)      [Quando ao] artigo 10.° da Diretiva [...] 2004/38[…]:

Caso seja reconhecido um direito de residência ao abrigo do direito da União: um progenitor nacional de um país terceiro na situação do recorrente tem o direito de obter um ‘cartão de residência de membro da família de um cidadão da União’ com base no artigo 10.°, n.° 1, primeiro período, da [Diretiva 2004/38]?»

33      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as questões acima referidas podem ser reagrupadas na seguinte questão única:

«Resulta do direito da União Europeia que o progenitor com a nacionalidade de um [país] terceiro que tenha o direito de exercer a autoridade parental tem o direito de residir e de obter um ‘cartão de residência de membro da família de um cidadão da União’ no Estado‑Membro de origem do seu filho cidadão da União, para o efeito de com ele manter relações pessoais e parentais diretas, no caso de esse filho se mudar desse Estado‑Membro para outro Estado‑Membro no exercício do seu direito de livre circulação?»

 Quanto à questão prejudicial

34      Para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa, antes de mais, verificar se uma pessoa numa situação como a do recorrente no processo principal pode beneficiar das disposições do direito derivado que, respeitados certos requisitos, preveem a concessão de um título de residência num Estado‑Membro a um nacional de país terceiro.

35      Se tal não for o caso, importa em seguida verificar se uma pessoa numa situação como a do recorrente no processo principal pode basear um direito de residência diretamente nas disposições do Tratado FUE respeitantes à cidadania da União.

 Quanto à interpretação da Diretiva 2003/109

36      Nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1, a Diretiva 2003/109 aplica‑se aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro. Contrariamente à Diretiva 2004/38 (v. acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, Colet., p. I‑14035, n.os 46 e 47), a Diretiva 2003/109 não estabelece os requisitos que a residência desses nacionais deve preencher para que se possa considerar que residem legalmente no território de um Estado‑Membro. Daqui decorre que esses requisitos apenas são regulados pelo direito nacional.

37      Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros concedem o estatuto de residente de longa duração aos nacionais que, em conformidade com o seu direito nacional, residiram legal e ininterruptamente no seu território durante os cinco anos que precederam imediatamente a apresentação do pedido em causa. O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/109 exclui todavia a sua aplicação no que respeita a certos tipos de residência.

38      Em conformidade com o artigo 5.° desta diretiva, para a aquisição do estatuto de residente de longa duração, o nacional de país terceiro deve apresentar prova de que dispõe para si e para os membros da sua família a seu cargo de recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa, e de um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais. Do mesmo modo, os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham esses requisitos de integração em conformidade com o seu direito nacional.

39      Segundo o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2003/109, se estiverem preenchidos os requisitos acima referidos, previstos nos artigos 4.° e 5.°, e se a pessoa não representar uma ameaça na aceção do artigo 6.° da referida diretiva, o Estado‑Membro em causa deve conceder o estatuto de residente de longa duração ao nacional de país terceiro em questão.

40      No caso em apreço, como decorre do n.° 24 do presente acórdão, o recorrente no processo principal, nacional de um país terceiro, iniciou a sua residência legal em território alemão em janeiro de 2006, ao abrigo de um título de residência para reagrupamento familiar emitido em conformidade com o § 28 da AufenthG. Por outro lado, com base num contrato de trabalho por tempo indeterminado assinado em fevereiro de 2006, Y. Iida obteve em seguida um título de residência em conformidade com o § 18 da AufenthG, válido até 2 de novembro de 2012, e isso apesar da impossibilidade de obter o direito de residência autónomo previsto no § 31 da AufenthG devido à interrupção da sua comunhão de vida conjugal.

41      Assim, decorre dos autos que o recorrente no processo principal, por um lado, devido à sua residência, não é abrangido por uma das hipóteses previstas no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/109 e, por outro, que residiu legal e ininterruptamente em território alemão durante cinco anos.

42      Além disso, importa realçar que, por estar empregado, Y. Iida pode facilmente provar que dispõe de recursos estáveis, regulares e suficientes para a sua própria subsistência e de um seguro de doença que cobre todos os riscos normalmente cobertos para os nacionais alemães.

43      Por outro lado, não resulta de forma alguma dos autos que Y. Iida possa representar uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública na aceção do artigo 6.° da Diretiva 2003/109.

44      Por último, no que respeita aos requisitos de integração previstos no § 9a, n.° 2, pontos 3 e 4, da AufenthG, embora não esteja demonstrado o nível de conhecimentos que Y. Iida tem de alemão ou da ordem jurídica e da sociedade alemãs, não deixa de ser verdade que o Governo alemão observou na audiência que, devido ao diploma universitário de que Y. Iida é titular, está sujeito, em conformidade com o direito nacional aplicável, a exigências reduzidas em matéria de integração. Além disso, decorre dos autos que, devido aos seus horários de trabalho, Y. Iida foi dispensado da obrigação de frequentar um curso de integração.

45      Daqui decorre que, em princípio, pode ser concedido o estatuto de residente de longa duração previsto na Diretiva 2003/109 a um nacional de um país terceiro na situação do recorrente no processo principal.

46      No entanto, como decorre do n.° 31 do presente acórdão, Y. Iida retirou o seu pedido de residência destinado a obter uma autorização de residência de longa duração em conformidade com o § 9a da AufenthG.

47      Ora, decorre do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/109 que, para obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional de país terceiro em causa deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro no qual reside. Do mesmo modo, resulta do artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva, que os Estados‑Membros concedem o estatuto de residente de longa duração tendo em conta os anos que antecederam imediatamente a apresentação do respetivo pedido.

48      Assim, na medida em que Y. Iida retirou voluntariamente o seu pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração em conformidade com a Diretiva 2003/109, não lhe pode ser concedido um título de residência com base nas disposições desta diretiva.

 Quanto à interpretação da Diretiva 2004/38

49      O artigo 3.° da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», dispõe, no seu n.° 1, que se aplica a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, como definidos no ponto 2 do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

50      Nos termos do artigo 2.°, ponto 2, alíneas a) e d), da Diretiva 2004/38, devem ser considerados «membro[s] da família» de um cidadão da União, para efeitos desta diretiva, o cônjuge e os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b) desta disposição.

51      Assim, nem todos os nacionais de Estados terceiros beneficiam de direitos de entrada e de residência num Estado‑Membro com base na Diretiva 2004/38, mas apenas os que são «membro[s] da família», na aceção do artigo 2.°, ponto 2, desta diretiva, de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional (acórdãos de 25 de julho de 2008, Metock e o., C‑127/08, Colet., p. I‑6241, n.° 73, e de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, Colet., p. I‑11315, n.° 56).

52      No processo principal, quer a mulher quer a filha de Y. Iida beneficiam da Diretiva 2004/38, na medida em que se deslocaram e residem num Estado‑Membro diferente daquele de que são nacionais, concretamente, a Áustria.

53      No que diz respeito à eventual qualidade de «membro da família», na aceção do artigo 2.°, ponto 2, da Diretiva 2004/38, do recorrente no processo principal, importa distinguir as relações entre, por um lado, o dito recorrente e a filha e, por outro, aquele e a mulher.

54      Com efeito, em primeiro lugar, no que respeita às relações de parentesco entre o recorrente no processo principal e a filha, resulta do artigo 2.°, ponto 2, alínea d), da Diretiva 2004/38 que o ascendente direto do cidadão da União em causa deve estar «a cargo» deste último para ser considerado «membro da família» na aceção desta disposição.

55      A este respeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a qualidade de membro da família «a cargo» do cidadão da União, titular do direito de residência, resulta de uma situação de facto caracterizada pela circunstância de o sustento material do membro da família ser assegurado pelo titular do direito de residência, de modo que, quando é a situação inversa que se apresenta, concretamente, quando é o titular do direito de residência que está a cargo de um nacional de um país terceiro, este não pode invocar a qualidade de ascendente «a cargo» do referido titular, na aceção da Diretiva 2004/38, para beneficiar de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento (v., no que diz respeito a disposições semelhantes dos instrumentos de direito da União anteriores à Diretiva 2004/38, acórdão Zhu e Chen, já referido, n.os 43, 44 e jurisprudência referida).

56      Daqui decorre que o recorrente no processo principal não pode ser qualificado de «membro da família» da sua filha, na aceção do artigo 2.°, ponto 2, da Diretiva 2004/38.

57      Em segundo lugar, no que diz respeito às relações existentes entre o recorrente no processo principal e a mulher, importa realçar que, para ser considerado como «membro da família» de um cidadão da União que exerceu o seu direito à livre circulação na aceção do artigo 2.°, ponto 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, esta disposição apenas exige que a pessoa em causa preencha o requisito da qualidade de cônjuge.

58      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, no âmbito dos instrumentos de direito da União anteriores à Diretiva 2004/38, que a relação conjugal não pode considerar‑se dissolvida enquanto a autoridade competente não lhe tiver posto termo, não sendo esse o caso dos cônjuges que apenas vivem separadamente, ainda que tenham a intenção de se divorciarem posteriormente, de modo que o cônjuge não tem necessariamente de viver permanentemente com o cidadão da União para ser titular de um direito derivado de residência (v. acórdão de 13 de fevereiro de 1985, Diatta, 267/83, Recueil, p. 567, n.os 20 e 22).

59      Esta interpretação de uma disposição análoga ao artigo 2.°, ponto 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, que, por outro lado, exigia a coabitação habitual com a família do cidadão da União em causa, deve aplicar‑se por maioria de razão ao referido artigo 2.°, ponto 2, alínea a), que, em contrapartida, não impõe esta exigência.

60      No caso vertente, a relação conjugal do casal Iida não foi dissolvida pela autoridade competente, podendo Y. Iida ser considerado como membro da família da sua mulher, na aceção da referida disposição da Diretiva 2004/38.

61      Contudo, embora o recorrente no processo principal possa ser considerado como «membro da família» da sua mulher na aceção do artigo 2.°, ponto 2, alínea a), da Diretiva 2004/38, não pode ser qualificado de «beneficiário» desta última, dado que o artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva impõe que o membro da família em causa acompanhe ou se reúna ao cidadão da União que se desloca ou que reside num Estado‑Membro que não aquele de que tem a nacionalidade.

62      A mesma exigência de acompanhar ou de se reunir ao cidadão da União é também reproduzida nos artigos 6.°, n.° 2, e 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, a propósito da extensão do direito de residência do cidadão da União aos seus membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, ou ainda no artigo 10.°, n.° 2, alínea c), para a emissão do cartão de residência previsto nesta diretiva.

63      Além disso, tal exigência dá resposta ao objetivo dos direitos acessórios de entrada e de residência que a Diretiva 2004/38 prevê para os membros da família dos cidadãos da União, dado que, de outra forma, a impossibilidade de o cidadão ser acompanhado pela sua família ou de a sua família a ele se reunir no Estado‑Membro de acolhimento pode pôr em causa a sua liberdade de circulação, dissuadindo‑o de exercer os seus direitos de entrada e residência nesse Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Metock e o., já referido, n.° 63).

64      Assim, decorre do exposto que o direito de um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União que exerceu o seu direito de livre circulação, se instalar com ele ao abrigo da Diretiva 2004/38 só pode ser invocado no Estado‑Membro no qual o cidadão da União reside (v., neste sentido, a respeito das disposições semelhantes dos instrumentos do direito da União anteriores à Diretiva 2004/38, acórdão de 11 de dezembro de 2007, Eind, C‑291/05, Colet., p. I‑10719, n.° 24).

65      Por conseguinte, na medida em que Y. Iida não acompanhou, no Estado‑Membro de acolhimento, o membro da sua família, nem com este se reuniu, que é cidadão da União e que exerceu a sua liberdade de circulação, não lhe pode ser concedido um direito de residência com base na Diretiva 2004/38.

 Quanto à interpretação dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE

66      A título preliminar, importa realçar que as disposições do Tratado relativas à cidadania da União não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de países terceiros.

67      Com efeito, à semelhança dos direitos atribuídos pela Diretiva 2004/38 aos membros da família dos cidadãos da União que têm a nacionalidade de países terceiros, os eventuais direitos atribuídos aos nacionais de países terceiros pelas disposições do Tratado sobre a cidadania da União não são direitos dos referidos nacionais, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação por parte dos cidadãos da União (v., neste sentido, acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, Colet., p. I‑3375, n.° 42, e Dereci e o., já referido, n.° 55).

68      Como realçado no n.° 63 do presente acórdão, a finalidade e justificação dos referidos direitos derivados têm por base a constatação de que não os reconhecer pode afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União, dissuadindo‑os de exercer os seus direitos de entrada e de residência no Estado‑Membro de acolhimento.

69      Assim, considerou‑se que não permitir ao progenitor, nacional de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro, que tem efetivamente à sua guarda um menor que é cidadão da União, residir com esse menor no Estado‑Membro de acolhimento privaria de qualquer efeito útil o direito de residência deste último, dado que o gozo do direito de residência por um criança de tenra idade implica necessariamente que essa criança tem o direito de ser acompanhada pela pessoa que efetivamente a tem à sua guarda e, portanto, que essa pessoa esteja em condições de residir com ela no Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência (acórdão Zhu e Chen, já referido, n.° 45).

70      Do mesmo modo, declarou‑se que, quando um cidadão da União regressa ao Estado‑Membro do qual é nacional, após ter exercido uma atividade assalariada noutro Estado‑Membro, um nacional de um país terceiro, membro da família desse trabalhador, dispõe do direito de residência no Estado‑Membro de que o trabalhador é nacional, mesmo que este aí não exerça uma atividade económica real e efetiva. Se esse nacional não dispusesse desse direito, o trabalhador, cidadão da União, poderia ser dissuadido de abandonar o Estado‑Membro de que é nacional a fim de exercer uma atividade assalariada no território de outro Estado‑Membro, perante a simples perspetiva, para este trabalhador, de não poder prosseguir, após o seu regresso ao Estado‑Membro de origem, uma vida em comum com os seus familiares mais próximos, eventualmente iniciada por efeito do casamento ou do reagrupamento familiar, no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Eind, já referido, n.os 45, 35 e 36).

71      Existem, por último, situações muito particulares nas quais, apesar de o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em causa não ter utilizado a sua liberdade de circulação, excecionalmente, o direito de residência não pode ser recusado a um nacional de um país terceiro, membro da família do referido cidadão, sob pena de se ignorar o efeito útil da cidadania da União de que este último nacional goza, se, como consequência dessa recusa, esse cidadão for obrigado, na prática, a abandonar a totalidade do território da União, privando‑o dessa forma do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por este estatuto (v. acórdão Dereci e o., já referido, n.os 67, 66 e 64).

72      O elemento comum que caracteriza as situações acima mencionadas, ainda que regidas por legislações que a priori pertencem à competência dos Estados‑Membros, concretamente, as legislações relativas ao direito de entrada e de residência dos nacionais de países terceiros, não abrangidas pelo âmbito de aplicação das Diretivas 2003/109 ou 2004/38, é que as mesmas têm, contudo, uma relação intrínseca com a liberdade de circulação de um cidadão da União, o que impede que o direito de entrada e de residência seja recusado aos referidos nacionais no Estado‑Membro em que reside o cidadão da União, para que a sua liberdade de circulação não seja afetada.

73      Num processo como o que está em causa no processo principal, importa, antes de mais, salientar que o recorrente, nacional de um país terceiro, não requer o direito de residir no Estado‑Membro de acolhimento em que residem a sua mulher e a sua filha, cidadãs da União, mas na Alemanha, Estado‑Membro de que são originárias.

74      Em seguida, é pacífico que o recorrente sempre residiu nesse Estado‑Membro em conformidade com o direito nacional, sem que a inexistência de um direito de residência ao abrigo do direito da União tenha dissuadido a sua filha ou a sua mulher de exercerem o seu direito de livre circulação, mudando‑se para a Áustria.

75      Por último, como resulta dos n.os 28 e 40 a 45 do presente acórdão, o recorrente no processo principal, por um lado, dispõe de um direito de residência, em conformidade com o direito nacional, até 2 de novembro de 2012, prorrogável sem dificuldade de maior, segundo o Governo alemão, e, por outro, pode, em princípio, obter o estatuto de residente de longa duração na aceção da Diretiva 2003/109.

76      Nestas condições, não pode validamente alegar‑se que existe o risco de a decisão em causa no litígio no processo principal privar a filha ou a mulher de Y. Iida do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao seu estatuto de cidadão da União ou de impedir o exercício do seu direito de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros (v. acórdão McCarthy, já referido, n.° 49).

77      A este respeito, cumpre recordar a perspetiva puramente hipotética de exercício do direito de livre circulação não constitui um nexo suficiente com o direito da União para justificar a aplicação das suas disposições (v. acórdão de 29 de maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colet., p. I‑2629, n.° 16). O mesmo se diga das perspetivas puramente hipotéticas de entrave ao referido direito.

78      No que diz respeito aos direitos fundamentais referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente, o direito ao respeito da vida privada e familiar e os direitos das crianças previstos, respetivamente, nos artigos 7.° e 24.° da Carta, importa recordar que, por força do seu artigo 51.°, n.° 1, as disposições da Carta têm como destinatários os Estados‑Membros unicamente quando aplicam o direito da União. Ao abrigo do n.° 2 deste mesmo artigo, a Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, nem cria novas competências ou atribuições para a União, nem modifica as competências e atribuições definidas pelos Tratados. Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o direito da União, à luz da Carta, nos limites das competências que lhe são atribuídas (v. acórdão Dereci e o., já referido, n.° 71).

79      Para determinar se a recusa das autoridades alemãs de conceder a Y. Iida o «cartão de residência de membro da família de um cidadão da União» pertence ao domínio da execução do direito da União na aceção do artigo 51.° da Carta, importa verificar, entre outros elementos, se a legislação nacional em causa tem por objetivo executar uma disposição do direito da União, qual o caráter dessa legislação e se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo direito da União, ainda que seja suscetível de o afetar indiretamente, bem como se existe uma regulamentação da União específica na matéria ou suscetível de o afetar (v. acórdão de 18 de dezembro de 1997, Annibaldi, C‑309/96, Colet., p. I‑7493, n.os 21 a 23).

80      Sendo certo que o artigo 5.° da FreizügG/EU, que prevê a emissão de um «cartão de residência de membro da família de um cidadão da União», visa executar o direito da União, não deixa de ser verdade que a situação do recorrente no processo principal não é regulada pelo direito da União, por não preencher os requisitos de concessão desse cartão ao abrigo do artigo 10.° da Diretiva 2004/38. Por outro lado, na falta de um pedido do recorrente no processo principal destinado a obter o estatuto de residente de longa duração em conformidade com a Diretiva 2003/109, a sua situação não apresenta nenhum elemento de conexão com o direito da União.

81      Nestas condições, a recusa das autoridades alemãs de conceder a Y. Iida o «cartão de residência de membro da família de um cidadão da União» não é abrangida pela execução do direito da União na aceção do artigo 51.° da Carta, pelo que a conformidade desta recusa com os direitos fundamentais não pode ser examinada à luz dos direitos por aquela instituídos.

82      Tendo em conta o acima exposto, importa responder à questão submetida que, fora das situações reguladas pela Diretiva 2004/38 e não existindo outro elemento de conexão com as disposições do direito da União respeitantes à cidadania, um nacional de um país terceiro não pode invocar um direito de residência derivado de um cidadão da União.

 Quanto às despesas

83      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Fora das situações reguladas pela Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, e não existindo outro elemento de conexão com as disposições do direito da União respeitantes à cidadania, um nacional de um país terceiro não pode invocar um direito de residência derivado de um cidadão da União.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.