Language of document : ECLI:EU:C:2018:280

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

26 de abril de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial – Imposto regional sobre os grandes estabelecimentos comerciais – Liberdade de estabelecimento – Proteção do ambiente e ordenamento do território – Auxílios de Estado – Medida seletiva – Ofício da Comissão que informa do arquivamento de uma denúncia – Auxílio existente»

No processo C‑233/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por decisão de 10 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de abril de 2016, no processo

Asociación Nacional de Grandes Empresas de Distribución (ANGED)

contra

Generalitat de Catalunya,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev e E. Regan, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretária: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Asociación Nacional de Grandes Empresas de Distribución (ANGED), por J. Pérez‑Bustamante Köster e F. Löwhagen, abogados, bem como por J. M. Villasante García, procurador,

–        em representação da Generalitat de Catalunya, por R. Revilla Ariet e R. Riu Fortuny, letrados, bem como por F. Velasco Muñoz Cuellar, procurador,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Gossement, P. Němečková e G. Luengo, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 9 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 49.° e 54.° TFUE, bem como do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociación Nacional de Grandes Empresas de Distribución (ANGED) à Generalitat de Catalunya (Governo Regional da Catalunha, Espanha) relativo à legalidade de um imposto a que estão sujeitos os grandes estabelecimentos comerciais situados na Comunidade Autónoma da Catalunha.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.°, alíneas b) e d), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1), dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      “Auxílios existentes”:

[…]

ii)      O auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho,

[…]

iv)      Os auxílios considerados existentes nos termos do artigo 15.°,

v)      Os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização.

[…]

d)      “Regime de auxílios”, qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

4        O artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 prevê:

«1.      Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.      O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objeto de um processo no Tribunal de Justiça [da União Europeia].

3.      Qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente.»

5        As disposições precedentes foram reproduzidas, sem alterações, pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9).

 Direito espanhol

6        A Ley 16/2000 del Parlamento de Cataluña, del impuesto sobre grandes establecimientos comerciales (Lei 16/2000 do Parlamento da Catalunha relativa ao imposto sobre grandes estabelecimentos comerciais), de 29 de dezembro de 2000 (DOGC n.° 3295, de 30 de dezembro de 2000, e BOE n.° 20, de 23 de janeiro de 2001, a seguir «Lei 16/2000»), instituiu o imposto especial sobre grandes estabelecimentos comerciais (a seguir «IGEC») no território da Comunidade Autónoma da Catalunha.

7        O artigo 2.° da Lei 16/2000 esclarece que este imposto tributa a particular capacidade económica dos grandes estabelecimentos comerciais que, atendendo à sua grande superfície de venda, podem adquirir uma posição dominante e gerar efeitos negativos no território e no ambiente, cujos custos não suportam.

8        O artigo 3.° desta lei destina as receitas do IGEC a medidas de modernização da rede de comércio urbano na Catalunha, bem como à realização de planos de ação nas zonas afetadas pela instalação de grandes estabelecimentos comerciais.

9        O artigo 4.° da referida lei prevê que o facto gerador do IGEC é a utilização de superfícies de venda iguais ou superiores a 2 500 m2 pelos grandes estabelecimentos comerciais individuais de venda a retalho.

10      Por força do artigo 5.° da Lei 16/2000, os grandes estabelecimentos comerciais individuais que exercem a sua atividade nos setores da jardinagem, do comércio de veículos, dos materiais de construção, da maquinaria, bem como dos consumíveis industriais estão isentos deste imposto.

11      O artigo 6.° desta lei esclarece que são sujeitos passivos do IGEC as pessoas singulares ou coletivas proprietárias de um grande estabelecimento comercial individual, quer este se situe num grande estabelecimento comercial coletivo, ou não.

12      O artigo 8.° da referida lei prevê que a base tributável líquida é reduzida em 60% para os estabelecimentos comerciais cuja atividade consista essencialmente na venda de mobiliário, de artigos sanitários e de portas e de janelas, bem como para as lojas de bricolage.

13      O artigo 11.° desta mesma lei especifica as modalidades de cálculo do imposto, as quais têm em conta, nomeadamente, o número de habitantes do município em que se situa o estabelecimento.

 Processo principal e questões prejudiciais

14      Através da Lei 16/2000, foi instaurado, em todo o território da Comunidade Autónoma da Catalunha, um imposto regional sobre grandes estabelecimentos comerciais, com o propósito de compensar as repercussões territoriais e ambientais que podem resultar desses grandes estabelecimentos comerciais. Através do Decreto 342/2001, por el que se aprueba el Reglamento del impuesto sobre grandes establecimientos comerciales (Decreto 342/2001, que aprova o Regulamento do imposto sobre os grandes estabelecimentos comerciais), de 24 de dezembro de 2001 (DOGC n.° 3542, de 28 de dezembro de 2001), o Governo Regional da Catalunha iniciou a execução deste imposto.

15      No decorrer do ano de 2002, a ANGED, uma associação que reúne a nível nacional grandes empresas de distribuição, intentou no Tribunal Superior de Justicia de Cataluña (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, Espanha) uma ação destinada à anulação desse decreto, com fundamento na sua incompatibilidade tanto com a liberdade de estabelecimento como com o direito dos auxílios de Estado. Este órgão jurisdicional suspendeu a sua decisão enquanto aguardava que fosse proferida decisão numa ação intentada pelo Governo espanhol no Tribunal Constitucional (Espanha) contra essa mesma legislação. No seguimento do acórdão que negou provimento à ação proferido pelo Tribunal Constitucional em 5 de junho de 2012, o Tribunal Superior de Justicia de Cataluña (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha) negou igualmente provimento à ação intentada pela ANGED. Esta interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha).

16      A ANGED apresentou igualmente uma denúncia à Comissão relativa à instituição do IGEC e ao seu pretenso caráter de auxílio de Estado. No seguimento de um pedido de esclarecimentos endereçado às autoridades espanholas, a Comissão informou estas autoridades, por ofício de 2 de outubro de 2003, que tinha encerrado o seu inquérito e arquivado a denúncia. Com efeito, a Comissão tinha considerado, após examinar a as características do IGEC à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, que este imposto era conforme ao direito dos auxílios, uma vez que as receitas dele provenientes não se destinavam a suportar empresas comerciais ou um setor de atividade em particular.

17      Contudo, no seguimento de uma nova denúncia da ANGED apresentada no decurso de 2013, a Comissão informou as autoridades espanholas, por ofício de 28 de novembro de 2014, que, no seguimento de uma avaliação preliminar do regime do IGEC, a isenção concedida aos pequenos estabelecimentos, bem como a determinados estabelecimentos especializados, podia ser suscetível de ser considerada um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno, e que o Reino de Espanha devia eliminar ou alterar este imposto.

18      Foi neste contexto que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 49.° e 54.° TFUE ser interpretados no sentido de que se opõem à existência de um imposto regional que tributa a utilização de grandes superfícies comerciais individuais cuja superfície de venda seja igual ou superior a 2 500 m2 devido ao impacto que estas podem provocar no território, no meio ambiente e na rede de comércio urbano dessa região, mas que em termos legais opera independentemente da localização real desses estabelecimentos comerciais – fora ou dentro da rede urbana consolidada – e, na prática, incide na maior parte dos casos sobre as empresas de outros Estados‑Membros, atendendo a que:

a)      não afeta os comerciantes titulares de vários estabelecimentos comerciais com uma superfície de venda individual inferior a 2 500 m2, independentemente da totalidade da superfície de venda de todos os seus estabelecimentos;

b)      isenta os grandes estabelecimentos comerciais coletivos;

c)      exclui os estabelecimentos comerciais individuais que se dediquem à jardinagem e ao comércio de veículos, materiais de construção, maquinaria e consumíveis industriais, e

d)      tributa apenas 40% da base tributável líquida dos estabelecimentos que se dediquem essencialmente à venda de mobiliário, [de] artigos [sanitários] e de portas e janelas e dos centros de bricolage?

2)      Deve o artigo 107.°, n.° 1, TFUE ser interpretado no sentido de que constituem auxílios estatais proibidos, atendendo à referida disposição

a)      a isenção total de IGEC […] dos estabelecimentos comerciais individuais cuja superfície de venda seja inferior a 2 500 m2, dos estabelecimentos comerciais coletivos e dos estabelecimentos comerciais individuais que se dediquem à jardinagem e ao comércio de veículos, materiais de construção, maquinaria e consumíveis industriais, e

b)      a isenção parcial de IGEC dos estabelecimentos comerciais individuais que se dediquem essencialmente à venda de mobiliário, [de] artigos [sanitários] e de portas e janelas e dos centros de bricolage?

3)      Se as referidas isenções totais e parciais do IGEC constituírem auxílios estatais na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, qual é o alcance temporal de tal decisão, tendo em conta a existência e o conteúdo [do ofício da Comissão de 2 de outubro de 2003]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

19      O Governo Regional da Catalunha contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, porquanto a decisão de reenvio é insuficientemente fundamentada e não expõe de forma detalhada o quadro factual e jurídico do litígio no processo principal.

20      Contudo, a decisão de reenvio contém todos os elementos de facto e de direito necessários para que o Tribunal de Justiça forneça respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio quanto às diferentes questões colocadas.

21      O Governo Regional da Catalunha alega igualmente que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível no que respeita à sua parte relativa à liberdade de estabelecimento, porquanto a situação no processo principal é puramente interna.

22      Porém, como assinalou a advogada‑geral no n.° 21 das suas conclusões, tendo o órgão jurisdicional de reenvio sido chamado a apreciar uma ação de anulação de disposições aplicáveis não apenas aos cidadãos nacionais mas também aos nacionais dos outros Estados‑Membros, a decisão que esse órgão jurisdicional adotar na sequência do presente acórdão também irá produzir efeitos relativamente a estes últimos, de forma que importa que o Tribunal de Justiça responda às questões que lhe foram submetidas relativamente às disposições do Tratado, ainda que todos os elementos do litígio no processo principal estejam confinados a um só Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2013, Libert e o., C‑197/11 e C‑203/11, EU:C:2013:288, n.° 35, bem como de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.° 51).

23      Quanto ao fundamento de inadmissibilidade aduzido pelo Governo Regional da Catalunha, relativo ao facto de medidas como as que estão em causa no processo principal não afetarem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e não falsearem a concorrência atendendo ao caráter local da atividade de comércio a retalho, basta assinalar que se trata de uma questão de interpretação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, que não é suscetível de ditar a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

24      No decurso do processo, o Governo Regional da Catalunha alegou igualmente que o pedido de decisão prejudicial devia ser considerado inadmissível atendendo a que o processo principal ficou sem objeto no seguimento de uma alteração à Lei 16/2000.

25      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça, por ofício de 1 de junho de 2017, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2017, que apesar da alteração da legislação em causa, o processo principal conservava o seu objeto. Além disso, este órgão jurisdicional manteve o seu pedido de decisão prejudicial.

26      Por último, importa esclarecer que embora a ilegalidade, à luz do direito dos auxílios de Estado, da isenção de um imposto não afete a legalidade do próprio tributo, pelo que os sujeitos passivos não podem invocar essa ilegalidade para se subtraírem ao pagamento desse imposto (Acórdão de 27 de outubro de 2005, Distribution Casino France e o., C‑266/04 a C‑270/04, C‑276/04 e C‑321/04 a C‑325/04, EU:C:2005:657, n.° 44), o processo principal não é relativo a um pedido de isenção do imposto contestado, mas sim à legalidade das regras relativas a esse imposto à luz do direito da União. Não é, pois, de modo algum manifesto que a segunda e terceira questões não tenham interesse real para dirimir o litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio (v., por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium, C‑393/04 e C‑41/05, EU:C:2006:403, n.° 25).

27      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível na totalidade.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 49.° e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um imposto que incide sobre grandes estabelecimentos comerciais, como o que está em causa no processo principal.

29      Segundo jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento visa garantir o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento aos nacionais de outro Estado‑Membro e às sociedades referidas no artigo 54.° TFUE, e proíbe, no que respeita às sociedades, qualquer discriminação baseada no local da sua sede (v., nomeadamente, Acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, EU:C:2006:773, n.° 43, bem como de 14 de dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C‑170/05, EU:C:2006:783, n.° 22).

30      A este respeito, são proibidas não apenas as discriminações ostensivas baseadas na localização da sede das sociedades, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de diferenciação, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (Acórdão de 5 de fevereiro de 2014, Hervis Sport‑és Divatkereskedelmi, C‑385/12, EU:C:2014:47, n.° 30 e jurisprudência referida).

31      Por outro lado, um imposto obrigatório que prevê um critério de diferenciação aparentemente objetivo mas que, atendendo às suas características, desfavorece na maioria dos casos as sociedades que têm sede noutros Estados‑Membros e estão numa situação comparável à das sociedades que têm sede no Estado‑Membro de tributação, constitui uma discriminação indireta baseada no lugar da sede das sociedades proibida pelos artigos 49.° e 54.° TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de fevereiro de 2014, Hervis Sport‑és Divatkereskedelmi, C‑385/12, EU:C:2014:47, n.os 37 a 41).

32      No processo principal, a legislação em causa estabelece um critério relativo à superfície de venda do estabelecimento, o qual não estabelece qualquer discriminação direta.

33      Tão‑pouco resulta dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça que esse critério desfavorece, na maioria dos casos, os nacionais de outros Estados‑Membros ou sociedades que tenham sede noutros Estados‑Membros.

34      Em particular, nem os dados constantes do ofício enviado pela Comissão às autoridades espanholas em 7 de julho de 2004, que é referida na decisão de reenvio, da qual resulta que as empresas de outros Estados‑Membros representam 61,5% da superfície ocupada por empresas com mais de 2 500 m2 sujeitas ao IGEC, nem os dados apresentados pela ANGED no âmbito das suas observações escritas, das quais resulta, nomeadamente, que 52% da carga fiscal do IGEC recai sobre grandes estabelecimentos comerciais de outros Estados‑Membros, podem bastar para sustentar tal demonstração, atendendo, nomeadamente, ao nível destas percentagens.

35      Por conseguinte, importa responder à primeira questão que os artigos 49.° e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a um imposto que incide sobre grandes estabelecimentos comerciais, como o que está em causa no processo principal.

 Quanto à segunda questão

36      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se constitui um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, um imposto como o que está em causa no processo principal, que incide sobre os grandes estabelecimentos comerciais em função, essencialmente, da sua superfície de venda, na medida em que isenta os estabelecimentos com uma superfície de venda inferior a 2 500 m² e aqueles cuja atividade é dedicada à jardinagem, ao comércio de veículos, de materiais de construção, de maquinaria e de acessórios industriais, e na medida em concede uma redução de 60% da base tributável aos estabelecimentos cuja atividade respeite à venda de mobiliário, equipamento sanitário e de portas e de janelas, bem como de artigos de bricolage.

37      A qualificação de uma medida nacional como «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, exige que todas as seguintes condições estejam preenchidas. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v, nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 53).

38      No que respeita à condição da seletividade da vantagem, que foi a mais frequentemente invocada no Tribunal de Justiça, resulta de jurisprudência constante que a apreciação desta condição impõe determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a uma tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de «discriminatório» (v., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 54, bem como jurisprudência referida).

39      No tocante, em especial, a medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida desta natureza que, embora não inclua uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constitui, por conseguinte, um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui tal auxílio, na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 56).

40      A este respeito, a qualificação uma medida fiscal como «seletiva» pressupõe, num primeiro momento, que se identifique o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e, num segundo momento, que se demonstre que a medida fiscal examinada derroga esse regime, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 57, bem como jurisprudência referida).

41      Há igualmente que recordar que o quadro jurídico de referência para efeitos da apreciação da seletividade de uma medida não tem necessariamente de ser determinado nos limites do território do Estado‑Membro em causa, podendo ser o do território no âmbito do qual uma autoridade regional ou local exerce a competência que lhe é conferida pela constituição ou pela lei. É o que sucede quando essa entidade dispõe de um estatuto de direito e de facto que a torna suficientemente autónoma face ao Governo central de um Estado‑Membro, para que, pelas medidas que toma, seja essa entidade, e não o Governo central, que desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que as empresas operam [v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2008, Union General de Trabajadores de La Rioja (UGT‑Rioja) e o., C‑428/06 a C‑434/06,EU:C:2008:488, n.os 47 a 50, bem como jurisprudência referida].

42      Contudo, não é constitutiva de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, uma medida que introduza uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletiva, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que a referida medida se insere (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 58, bem como a jurisprudência referida).

43      Uma medida que constitui uma derrogação à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada pela natureza e estrutura geral do sistema fiscal se o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que tal medida resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal. A este respeito, deve fazer‑se uma distinção entre os objetivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro lado, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização desses objetivos (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.° 81).

44      Importa igualmente recordar que, embora nem sempre seja necessário, para demonstrar a seletividade de uma medida fiscal, que esta tenha um caráter derrogatório em relação a um regime fiscal considerado comum, a circunstância de aquela apresentar esse caráter é absolutamente pertinente para esse efeito quando daí decorre que duas categorias de operadores são distinguidas e são, a priori, objeto de um tratamento diferenciado, a saber, os abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam permanecem abrangidos pelo regime fiscal comum, mesmo quando essas duas categorias se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 77).

45      No que se refere à legislação em causa no processo principal, importa, em primeiro lugar, salientar que não foi contestado no Tribunal de Justiça que o quadro territorial de referência deve ser o da Comunidade Autónoma da Catalunha.

46      Em seguida, embora o critério de tributação relativo à superfície de venda não se apresente como sendo formalmente derrogatório de um determinado quadro jurídico de referência, ainda assim tem o efeito de excluir do âmbito de aplicação desse imposto os estabelecimentos comerciais cuja superfície de venda é inferior a 2 500 m2. Assim, o IGEC não pode ser distinguido de um imposto regional do qual são sujeitos passivos os estabelecimentos comerciais cuja superfície de venda excede um certo limiar.

47      Ora o artigo 107.°, n.° 1, TFUE define as intervenções estatais em função dos respetivos efeitos, independentemente das técnicas utilizadas (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates Association, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.° 89).

48      Como tal, não se pode excluir a priori que tal critério permita favorecer, na prática, «certas empresas ou certas produções» na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, ao aliviar os seus custos face às empresas ou produções sujeitas ao imposto em causa no processo principal.

49      Neste contexto, importa, por conseguinte, determinar se os estabelecimentos comerciais que estão excluídos do âmbito de aplicação desse imposto estão ou não numa situação comparável à dos estabelecimentos abrangidos por esse âmbito de aplicação.

50      No contexto desta análise, importa ter em conta que, não existindo normas da União na matéria, é da competência dos Estados‑Membros ou das entidades infraestatais que disponham de autonomia fiscal a determinação das bases tributáveis e a repartição da carga fiscal entre os diferentes fatores de produção e os diferentes setores económicos (Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.° 97).

51      Com efeito, como recorda a Comissão no n.° 156 da sua Comunicação sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.°, n.° 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2016, C 262, p. 1), «[o]s Estados‑Membros têm a liberdade de escolher a política económica que consideram mais adequada e, nomeadamente, de repartir como entenderem a carga fiscal entre os diversos fatores de produção[,] [...] em conformidade com o direito da União».

52      No que se refere ao imposto em causa no processo principal, resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que aquele tem por objetivo contribuir para a proteção do ambiente e para o ordenamento do território. Com efeito, está em causa corrigir e compensar as consequências ambientais e territoriais da atividade desses grandes estabelecimentos comerciais resultantes, em particular, dos fluxos de circulação causados, fazendo‑os contribuir para o financiamento de planos de ação ambientais e para o melhoramento das infraestruturas.

53      A este respeito, não se pode contestar que o impacto ambiental dos estabelecimentos comerciais depende em grande medida da sua dimensão. Com efeito, quanto maior é a área de venda, maior é a afluência do público, o que se traduz em danos acrescidos para o ambiente. Daqui resulta que um critério baseado no limiar da superfície de venda, como o implementado pela legislação nacional em causa no processo principal, para distinguir as empresas consoante o seu impacto ambiental é maior ou menor, é coerente com os objetivos prosseguidos.

54      É igualmente manifesto que a implantação de tais estabelecimentos apresenta um desafio particular em termos de política do ordenamento do território, independentemente da localização desses estabelecimentos (v., por analogia, Acórdão de 24 de março de 2011, Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.° 80).

55      Nestas condições, um critério de incidência do imposto baseado na superfície de venda como o que está em causa no processo principal permite distinguir categorias de estabelecimentos que não se encontram numa situação comparável para efeitos dos objetivos prosseguidos pela legislação que o estabeleceu.

56      Como tal, não se pode considerar que a isenção fiscal de que beneficiam os estabelecimentos comerciais cuja superfície de venda é inferior a 2 500 m2 lhes conceda uma vantagem seletiva e, portanto, não é suscetível de constituir um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

57      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se ainda quanto às restantes características do imposto em causa no processo principal. Questiona‑se se a isenção total desse imposto para os estabelecimentos comerciais coletivos e para os estabelecimentos comerciais individuais de jardinagem e comércio de automóveis, de materiais de construção, de maquinaria e de consumíveis industriais, bem como a redução de 60% da base tributária para os estabelecimentos que exercem uma atividade de venda de mobiliário, de material sanitário, de portas e de janelas, bem como de artigos de bricolage são constitutivos de uma vantagem em benefício desses estabelecimentos.

58      Há que salientar, em primeiro lugar, que estas medidas apresentam um caráter derrogatório em relação ao quadro de referência constituído por esse imposto específico.

59      Em seguida, o Governo Regional da Catalunha alega, nas suas observações escritas, que as atividades dos estabelecimentos comerciais em causa, pela sua própria natureza, necessitam de superfícies de venda significativas, não se destinando tais superfícies a atrair o maior número de consumidores possível nem a aumentarem o fluxo de compradores que aí se deslocam em veículos privados. Assim, estas atividades causam menos prejuízos no ambiente e no ordenamento do território do que as atividades dos estabelecimentos abrangidas pelo âmbito de aplicação do imposto em causa.

60      Tal elemento pode ser suscetível de justificar a distinção operada pela legislação controvertida no processo principal, que, como tal, não envolve a atribuição de vantagens seletivas em benefício dos estabelecimentos comerciais em causa. Contudo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso.

61      Por último, no que respeita ao critério de diferenciação fiscal relativo ao caráter individual do estabelecimento comercial, que tem por efeito isentar do IGEC os grandes estabelecimentos comerciais coletivos, este leva, em contrapartida, a distinguir duas categorias de estabelecimentos que estão, objetivamente, numa situação comparável para efeitos dos objetivos de proteção do ambiente e de ordenamento do território prosseguidos pela legislação em causa no processo principal. Por conseguinte, a não sujeição destes grandes estabelecimentos comerciais coletivos a esse imposto apresenta um caráter seletivo e é, portanto, suscetível de constituir um auxílio de Estado se os restantes requisitos enunciados no artigo 107.°, n.° 1, TFUE estiverem preenchidos.

62      A este respeito, pode‑se concluir que tal medida é financiada através de recursos do Estados e é imputável ao Estado na aceção desta disposição.

63      Além disso, contrariamente ao que sustenta o Governo Regional da Catalunha nas suas observações escritas, tal medida é ainda suscetível de afetar as trocas comerciais e de falsear ou ameaçar falsear a concorrência na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

64      Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, para efeitos de qualificar uma medida como «auxílio de Estado», não é necessário provar a incidência real do auxílio nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros e a distorção efetiva da concorrência, mas apenas examinar se esse auxílio é suscetível de afetar essas trocas e falsear a concorrência (v., nomeadamente, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.° 78).

65       Em especial, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de certas empresas em relação à das demais empresas concorrentes nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, deve entender‑se que tais trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio e não é necessário que as próprias empresas beneficiárias participem nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Com efeito, quando um Estado‑Membro concede um auxílio a empresas, a produção interna pode manter‑se ou aumentar, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros penetrarem no mercado desse Estado‑Membro são diminuídas (v., nomeadamente, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.° 79).

66      Quanto ao requisito da distorção da concorrência, os auxílios que visam libertar uma empresa dos custos que ela devia normalmente suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais falseiam, em princípio, as condições de concorrência (v., nomeadamente, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.° 80).

67      Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que não é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, um imposto como o que está em causa no processo principal, que incide sobre os grandes estabelecimentos comerciais em função, essencialmente, da sua superfície de venda, na medida em que isenta os estabelecimentos cuja superfície de venda é inferior a 2 500 m2. Tal imposto tão‑pouco é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção dessa disposição, por isentar os estabelecimentos cuja atividade é dedicada à jardinagem, ao comércio de veículos, de materiais de construção, de maquinaria e de consumíveis industriais, nem por conceder uma redução de 60% da base tributária aos estabelecimentos cuja atividade respeite à venda de mobiliário, de equipamento sanitário, de portas e de janelas, bem como de artigos de bricolage, quando estes estabelecimentos não causam prejuízos no ambiente e no ordenamento do território tão significativos como os outros, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

68      Em contrapartida, tal imposto é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção dessa disposição, na medida em que isenta os grandes estabelecimentos comerciais coletivos cuja superfície de venda é igual ou superior ao limiar de 2 500 m2.

 Quanto à terceira questão

69      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no caso de resposta afirmativa à segunda questão, os auxílios de Estado que resultam das isenções e reduções de um imposto que incide sobre os grandes estabelecimentos comerciais, como o que está em causa no processo principal, podem ser considerados auxílios existentes na aceção do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 689/1999, reproduzido em substância no artigo 1.°, alínea b), do Regulamento 2015/1589.

70      Atendendo à resposta dada à segunda questão, há que responder a esta terceira questão.

71      A este respeito, importa recordar, a título preliminar, que a validade dos atos de execução de medidas de auxílio é afetada pela inobservância, pelas autoridades nacionais, do último período do n.° 3, do artigo 108.° TFUE e que os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir aos particulares que possam invocar essa inobservância e que todas as consequências serão daí retiradas, em conformidade com o direito nacional, quer no que diz respeito à validade dos atos de execução das medidas de auxílio, quer à restituição dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição ou de eventuais medidas provisórias (Acórdão de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, C‑354/90, EU:C:1991:440, n.° 12).

72      Contudo, os auxílios existentes podem, nos termos do artigo 108.°, n.° 1, TFUE, ser regularmente postos em execução enquanto a Comissão não tiver declarado a sua incompatibilidade, uma vez que o artigo 108.°, n.° 3, TFUE não atribui competência aos órgãos jurisdicionais nacionais para proibirem a sua execução (Acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.os 36 e 41).

73      Não obstante, no que se refere ao artigo 1.°, alínea b), subalínea v), do Regulamento n.° 659/1999, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, que visa o caso em que se pode comprovar que uma medida, que não constituía um auxílio no momento da sua execução, mas que apesar de não ter sido alterada pelo Estado‑Membro em causa, subsequentemente se transformou num auxílio devido à evolução do mercado interno, não se afigura que tais condições possam estar preenchidas nas circunstâncias do litígio no processo principal.

74      Quanto à questão de saber se se pode considerar que os auxílios de que os estabelecimentos em causa beneficiaram no âmbito do imposto em causa no processo principal foram objeto de uma decisão de autorização da Comissão, na aceção do artigo 1.°, alínea b), subalínea ii), do Regulamento n.° 659/1999, reproduzido no artigo 1.°, alínea b), subalínea ii), do Regulamento 2015/1589, importa recordar que, em matéria de auxílios de Estado, um ato, independentemente da sua forma, constitui tal decisão se, tendo em conta a sua essência e a intenção da Comissão, esta instituição tiver fixado definitivamente através desse ato, no termo da fase de análise preliminar, a sua posição sobre a medida em causa, e tiver concluído, portanto, que a medida constituía ou não um auxílio e que não suscitava dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.° 46, bem como de 9 de junho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão, C‑465/09 P a C‑470/09 P, não publicado, EU:C:2011:372, n.° 94).

75      O Tribunal de Justiça decidiu igualmente que a existência de tal decisão da Comissão deve poder ser verificada a partir de elementos objetivos e corresponder a uma expressão clara e definitiva da posição da Comissão a respeito da medida em causa (Acórdão de 9 de junho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão, C‑465/09 P a C‑470/09 P, não publicado, EU:C:2011:372, n.° 95).

76      Com efeito, resulta da fiscalização preventiva em matéria de auxílios de Estado exercida pela Comissão, nomeadamente, da proibição de execução de auxílios novos antes da adoção de uma decisão final pela Comissão, por força do artigo 108.°, n.° 3, último período, TFUE, que a existência de uma decisão que se pronuncie sobre a compatibilidade de um auxílio não pode suscitar qualquer dúvida e que tanto mais é assim se a Comissão não tiver sido notificada dos auxílios alegadamente autorizados, nos termos do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, ficando assim em perigo a segurança jurídica que esta disposição visa garantir (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão, C‑465/09 P a C‑470/09 P, não publicado, EU:C:2011:372, n.os 96 e 97).

77      Por conseguinte, no processo principal, tal autorização não pode ser deduzida dos termos do ofício da Comissão de 2 de outubro de 2003 referido pelo órgão jurisdicional de reenvio e recordado no n.° 16 do presente acórdão, até porque resulta das indicações prestadas ao Tribunal de Justiça que, nesse ofício, a Comissão apenas se pronuncia sobre a questão da conformidade das modalidades de afetação das receitas do IGEC com o direito dos auxílios de Estado.

78      Por último, importa recordar que, nos termos do artigo 1.°, alínea b), subalínea iv), do Regulamento n.° 659/1999, reproduzido em substância no artigo 1.°, alínea b), subalínea iv), do Regulamento 2015/1589, também se deve entender por «auxílio existente» «[o]s auxílios considerados existentes nos termos do artigo 15.° [do Regulamento n.° 659/1999]».

79      O artigo 15.°, n.°1, do Regulamento n.° 659/1999, reproduzido no artigo 17.° do Regulamento 2015/1589, esclarece que os poderes da Comissão em matéria de recuperação de um auxílio ilegal estão sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos. Por força do n.° 2 deste artigo, esse prazo de prescrição começa a correr na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio, e é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Por outro lado, nos termos do n.° 3 do referido artigo, qualquer auxílio em relação ao qual este prazo tenha caducado será considerado um auxílio existente.

80      Independentemente do alcance a atribuir a esta disposição quando invocada perante um juiz nacional, há que concluir que as condições aí previstas não estão, em caso algum, preenchidas no processo principal.

81      Com efeito importa concluir que, na medida em que os beneficiários dos auxílios decorrentes de um imposto como o que está em causa no processo principal são definidos de maneira geral e abstrata e em que o montante do auxílio que lhes é desta forma concedido permanece indeterminado, estes auxílios estão abrangidos pelo conceito de «regime de auxílios», na aceção do artigo 1.°, alínea d), do Regulamento n.° 659/1999, cuja redação é reproduzida, em termos idênticos, no artigo 1.°, alínea d), do Regulamento 2015/1589.

82      Por conseguinte, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, a data em que o auxílio ilegal é efetivamente concedido ao beneficiário constitui o ponto de partida do prazo de prescrição (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.os 80 a 82, e Despacho de 7 de dezembro de 2017, Irlanda/Comissão, C‑369/16 P, não publicado, EU:C:2017:955, n.° 41).

83      Contudo, resulta da decisão de reenvio que, através do ofício da Comissão de 28 de novembro de 2014 referida pela decisão de reenvio e recordada no n.° 17 do presente acórdão, esta instituição informou as autoridades espanholas que o IGEC é suscetível de conferir auxílios de Estado e que esse imposto deve ser alterado ou eliminado. Tal documento constitui, como tal, um ato praticado pela Comissão na aceção do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, que interrompe o prazo de prescrição, pelo que os auxílios concedidos no período de dez anos que precede esse ofício não podem ser considerados auxílios existentes.

84      No que respeita aos auxílios concedidos anteriormente, resulta igualmente tanto desse ofício de 2014 como do ofício da Comissão de 2 de outubro de 2003, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, que estes foram enviados no seguimento de trocas de correspondência e de pedidos de informações às autoridades espanholas a respeito do regime do IGEC.

85      Nestas circunstâncias, estes pedidos também interromperam o prazo de prescrição estabelecido no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2005, Scott/Comissão, C‑276/03 P, EU:C:2005:590, n.° 36).

86      Atendendo ao que precede, importa responder à terceira questão que, em circunstâncias como as descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os auxílios de Estado resultantes do regime de um imposto como o que está em causa no processo principal não podem constituir auxílios existentes na aceção do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 689/1999, cuja redação é reproduzida no artigo 1.°, alínea b), do Regulamento 2015/1589.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      Os artigos 49.° e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a um imposto que incide sobre grandes estabelecimentos comerciais, como o que está em causa no processo principal.

2)      Não é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, um imposto como o que está em causa no processo principal, que incide sobre os grandes estabelecimentos comerciais em função, essencialmente, da sua superfície de venda, na medida em que isenta os estabelecimentos cuja superfície de venda é inferior a 2 500 m2. Tal imposto tãopouco é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção dessa disposição, por isentar os estabelecimentos cuja atividade é dedicada à jardinagem, ao comércio de veículos, de materiais de construção, de maquinaria e de consumíveis industriais, nem por conceder uma redução de 60% da base tributária aos estabelecimentos cuja atividade respeite à venda de mobiliário, de equipamento sanitário, de portas e de janelas, bem como de artigos de bricolage, quando estes estabelecimentos não causam prejuízos no ambiente e no ordenamento do território tão significativos como os outros, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Em contrapartida, tal imposto é constitutivo de um auxílio de Estado, na aceção dessa disposição, na medida em que isenta os grandes estabelecimentos comerciais coletivos cuja superfície de venda é igual ou superior ao limiar de 2 500 m2.

3)      Em circunstâncias como as descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os auxílios de Estado resultantes do regime de um imposto como o que está em causa no processo principal não podem constituir auxílios existentes na aceção do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE, cuja redação é reproduzida no artigo 1.°, alínea b), Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.