Language of document : ECLI:EU:C:2007:231

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de Abril de 2007 (*)

«Restrições à livre prestação de serviços – Reembolso de despesas de hospitalização em estabelecimentos de saúde privados – Justificação e proporcionalidade da exclusão»

No processo C‑444/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Dioikitiko Protodikeio Athinon (Grécia), por decisão de 30 de Dezembro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Dezembro de 2005, no processo

Aikaterini Stamatelaki

contra

NPDD Organismos Asfaliseos Eleftheron Epangelmation (OAEE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, P. Kūris (relator), K. Schiemann, J. Makarczyk e J.‑C. Bonichot, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 29 de Novembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo grego, por K. Georgiadis, S. Vodina, M. Papida e S. Spyropoulos, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por P. van Ginneken, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Zavvos e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de Janeiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 49.° CE e, em particular, a questão de saber se esta disposição se opõe a uma regulamentação nacional que exclui o reembolso por um organismo nacional de segurança social das despesas efectuadas por ocasião da hospitalização, num estabelecimento de saúde privado situado no estrangeiro, de um dos seus segurados com idade superior a 14 anos.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de uma acção intentada por D. Stamatelakis, estabelecido na Grécia e que estava segurado no Organismos Asfaliseos Eleftheron Epangelmation (organismo de segurança social das profissões liberais, a seguir «OAEE»), que sucedeu à Tameio Asfalisesos Emboron (caixa seguradora dos comercidantes), no sentido de obter o reembolso das despesas efectuadas por ocasião da sua hospitalização num estabelecimento de saúde privado do Reino Unido.

 Quadro jurídico nacional

 Disposições legislativas

3        O artigo 40.° da Lei n.° 1316/1983 relativa à constituição, à organização e às competências do Organismo Nacional do Medicamento («EOF»), da Indústria Nacional do Medicamento («EF»), da Reserva de Medicamentos do Estado («KF»), que também altera e completa a legislação sobre os medicamentos e que contém outras disposições (FEK A’ 3), conforme substituído pelo artigo 39.° da Lei n.° 1759/1988 relativa à protecção social de grupos não segurados, à melhoria da protecção da segurança social e que contém outras disposições (FEK A’ 50), dispõe:

«1)      Em caso de doenças excepcionalmente graves, podem ser hospitalizados no estrangeiro:

a)      […]

b)      […]

c)      os segurados dos organismos ou serviços de segurança social dependentes do Ministério da Saúde, da Previdência e da Segurança Social […]

2)      A autorização para a hospitalização no estrangeiro é concedida por decisão do organismo nacional, após parecer do comité sanitário competente previsto no n.° 3.

3)      Quanto à necessidade de hospitalização das pessoas referidas no n.° 1, no estrangeiro, é emitido um parecer pelos comités sanitários constituídos por portaria do Ministro da Saúde, da Previdência e da Segurança Social, publicada no Jornal Oficial […]

4)      Os casos em que a hospitalização no estrangeiro é autorizada, o modo e o processo de autorização da hospitalização do paciente, do eventual dador, bem como o recurso a um acompanhante, a natureza e o alcance das prestações, o montante da despesa, a eventual participação do segurado nas despesas de hospitalização assim como o montante dessa participação e qualquer outra disposição detalhada necessária à execução do presente artigo são estabelecidos por portaria do Ministro da Saúde, da Previdência e da Segurança Social publicada no Jornal Oficial.»

 Disposições regulamentares

4        O artigo 1.° da Portaria n.° F7/oik.15 do Ministro do Trabalho e da Segurança Social, de 7 de Janeiro de 1997, relativa à hospitalização no estrangeiro dos doentes segurados junto de organismos de segurança social dependentes do Secretariado‑Geral da Segurança Social) (FEK B’ 22), enuncia o seguinte:

«A autorização para a hospitalização no estrangeiro dos segurados de todos os organismos e ramos do seguro de doença, independentemente da sua denominação e da sua personalidade jurídica, abrangidos pela competência do Secretariado‑Geral da Segurança Social, é concedida por decisão do organismo de seguros em causa, após parecer fundamentado dos comités sanitários especiais previstos no artigo 3.° da presente portaria. Essa hospitalização pode ser autorizada nos casos em que o segurado:

a)      sofra de uma doença grave que não possa ser tratada na Grécia quer por não existirem os meios científicos adequados quer porque o método médico específico de diagnóstico e de tratamento exigido não é utilizado no país;

b)      sofra de uma doença grave que não possa ser tratada em tempo útil na Grécia e qualquer atraso no tratamento possa pôr a sua vida em perigo;

c)      parta de urgência para o estrangeiro, sem recorrer ao processo de autorização prévia previsto pelo seu organismo, por o seu caso dever ser tratado imediatamente;

d)      se encontre, por qualquer motivo, provisoriamente no estrangeiro e, vítima de um acidente brutal, repentino e inevitável, adoeça e seja hospitalizado.

Nos casos previstos nas alíneas c) e d), a autorização de hospitalização pode ser concedida posteriormente.»

5        O artigo 3.° desta portaria dispõe:

«Os serviços competentes para emitir um parecer sobre a hospitalização no estrangeiro de pacientes inscritos em organismos de seguros abrangidos pela competência do Secretariado‑Geral da Segurança Social são os comités sanitários especiais.»

6        Nos termos do artigo 4.° da referida portaria:

«[…]

2.      O comité competente emite um parecer sobre a natureza da doença, as razões precisas, conforme referidas no artigo 1.°, pelas quais se impõe a transferência para o estrangeiro, a duração provável da hospitalização, o país e/ou o estabelecimento hospitalar onde o segurado será hospitalizado […].

3.      Os pareceres negativos dos comités sanitários vinculam os organismos de segurança social.

[…]

6.      Não são reembolsáveis as despesas de hospitalização em estabelecimentos de saúde privados estrangeiros, com excepção dos casos que digam respeito a crianças.

7.      O procedimento, o modo de pagamento em geral e tudo o que diga respeito à transmissão e ao reembolso das facturas são regulados pelas disposições estatutárias de cada organismo segurador […]»

7        A Portaria Ministerial n.° 35/1385/1999 do Ministro do Trabalho e da Segurança Social, que tem por objecto a regulamentação do ramo de saúde do organismo de segurança social dos trabalhadores independentes (Aprovação do regulamento do ramo de saúde do organismo de segurança social das profissões liberais) (FEK B’ 1814), prevê no seu artigo 13.°:

«1.      Os cuidados hospitalares fornecidos incluem a hospitalização do paciente nos hospitais e nos estabelecimentos de saúde públicos, bem como nos estabelecimentos de saúde privados com os quais o OAEE tenha celebrado uma convenção […]»

8        O artigo 15.° desta portaria dispõe:

«1.      Os segurados do OAEE podem ser hospitalizados no estrangeiro, com base em decisão do administrador e aprovação do comité sanitário especial, e na medida em que preencham as condições previstas nas diferentes portarias ministeriais relativas à hospitalização no estrangeiro.

2.      As despesas tomadas a cargo pela hospitalização no estrangeiro são as seguintes:

a)      o total das despesas de hospitalização nos estabelecimentos de saúde públicos estrangeiros [...];

         Por despesas de hospitalização entende‑se: as despesas de internamento no hospital, os honorários dos médicos, todos os actos médicos indispensáveis, os medicamentos, os exames de laboratório, a cinesiterapia, qualquer outro elemento indispensável a uma intervenção cirúrgica e as despesas incorridas fora do hospital para diagnosticar a doença ou completar o tratamento, na medida em que o hospital o tenha considerado indispensável. As despesas de hospitalização nos estabelecimentos de saúde privados no estrangeiro não são reembolsáveis, salvo se disserem respeito a crianças com idade inferior a catorze (14) anos.

b)      as despesas de transferência e de regresso do paciente, bem como, se for esse o caso, do seu acompanhante e do seu dador;

c)      as despesas de alimentação e de estadia do paciente, bem como, se for esse o caso, do seu acompanhante ou do seu dador; no que diz respeito ao paciente ou ao dador, estas despesas são tomadas a cargo para o período em que estejam fora do hospital e no que diz respeito ao acompanhante, para toda a duração necessária da sua estadia no estrangeiro […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        D. Stamatelakis esteve hospitalizado de 18 de Maio a 12 de Junho e de 16 a 18 de Junho de 1998 no London Bridge Hospital, um estabelecimento de saúde privado do Reino Unido. Pagou o montante de 13 600 GBP pela hospitalização.

10      Através de uma acção intentada no Polymeles Protodikeio Athinon (tribunal de primeira instância de Atenas), o interessado solicitou ao OAEE o reembolso desse montante. Este pedido foi indeferido em 26 de Abril de 2000, com o fundamento de que o litígio era da competência dos tribunais administrativos.

11      Um novo pedido de reembolso, dirigido ao OAEE em 8 de Setembro de 2000, deu origem a uma decisão de indeferimento com o fundamento, por um lado, de que as pretensões de D. Stamatelakis estavam abrangidas pela prescrição anual prevista no artigo 21.° do regulamento do ramo de saúde deste organismo e, por outro, de que as despesas de hospitalização em estabelecimentos de saúde privados situados no estrangeiro não são reembolsadas, salvo se disserem respeito a crianças com idade inferior a 14 anos.

12      Após o falecimento do marido, em 29 de Agosto de 2000, A. Stamatelaki, sua única herdeira, apresentou uma reclamação dessa decisão de indeferimento, a qual foi indeferida, com os mesmos fundamentos, por decisão de 18 de Setembro de 2001.

13       O Dioikitiko Protodikeio Athinon, onde foi interposto recurso desta última decisão, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma disposição nacional que exclui em todos os casos o reembolso, por um organismo nacional de previdência, das despesas de tratamento de um seu segurado numa clínica privada no estrangeiro, salvo quando se trate de menores de 14 anos, e, pelo contrário, prevê a possibilidade de reembolso das mesmas despesas, após autorização prévia que é concedida quando o segurado não puder ser tratado atempadamente num estabelecimento hospitalar com o qual o seu organismo de previdência tenha celebrado uma convenção, se o tratamento em causa tiver sido dispensado num hospital público estrangeiro, constitui uma restrição ao princípio da livre prestação de serviços no interior da Comunidade, consagrado nos artigos 49.° CE e seguintes?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode considerar‑se que uma restrição deste tipo se justifica por razões imperativas de interesse público, tais como, concretamente, a necessidade de prevenir um grave risco para o equilíbrio económico e financeiro do regime de previdência social ou a garantia de um serviço médico hospitalar equilibrado e acessível a todos?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, uma restrição deste tipo pode considerar‑se admissível, no sentido de que não viola o princípio da proporcionalidade, por não exceder o que é necessário para atingir o fim por ela prosseguido e por tal objectivo não poder ser atingido com medidas menos restritivas?»

 Quanto às questões prejudiciais

14      Em primeiro lugar, há que afastar de imediato a argumentação do Governo belga segundo a qual as questões prejudiciais devem ser apreciadas à luz do artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»).

15      Com efeito, por um lado, a decisão de reenvio não faz qualquer referência ao Regulamento n.° 1408/71 e, por outro, não resulta de nenhuma peça dos autos que D. Stamatelakis tenha solicitado qualquer tipo de autorização prévia, em conformidade com o artigo 22.° do referido regulamento.

16      Em segundo lugar, há que observar que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se referem apenas ao facto de um organismo grego de segurança social não tomar a cargo cuidados dispensados num estabelecimento privado situado no estrangeiro.

17      Consequentemente, há que apreciar as referidas questões unicamente à luz do artigo 49.° CE.

18      Através das suas três questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exclui a tomada a cargo de cuidados dispensados num estabelecimento de saúde privado situado noutro Estado‑Membro, com excepção da relativa aos cuidados dispensados a crianças com idade inferior a 14 anos.

19      Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, as prestações médicas efectuadas mediante remuneração estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à livre prestação de serviços, sem que haja que distinguir consoante os cuidados sejam dispensados num quadro hospitalar ou fora desse quadro (acórdão de 16 de Maio de 2006, Watts, C‑372/04, Colect., p. I‑4325, n.° 86 e jurisprudência referida).

20      Também já foi decidido que a livre prestação de serviços inclui a liberdade de os destinatários de serviços, designadamente as pessoas que devam receber tratamento médico, se deslocarem a outro Estado‑Membro para aí beneficiarem desses serviços (acórdão Watts, já referido, n.° 87).

21      Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu que uma prestação médica não perde a sua qualificação de prestação de serviços, na acepção do artigo 49.° CE, pelo facto de o paciente, após ter pago ao prestador estrangeiro os tratamentos recebidos, solicitar ulteriormente que os respectivos custos sejam tomados a cargo por um sistema de segurança social (v., neste sentido, acórdão de 13 de Maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet, C‑385/99, Colect., p. I‑4509, n.° 103).

22      Daí resulta que o artigo 49.° CE se aplica à situação de um paciente que, como D. Stamatelakis, recebe prestações médicas em meio hospitalar mediante remuneração num Estado‑Membro diferente do da sua residência, sem que tenha importância alguma o facto de esse estabelecimento ser público ou privado.

23      Embora seja pacífico que o direito comunitário não prejudica a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e que, na falta de harmonização a nível comunitário, compete à legislação de cada Estado‑Membro determinar as condições de concessão de prestações em matéria de segurança social, não deixa de ser verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito comunitário, nomeadamente as disposições relativas à livre prestação de serviços. As referidas disposições comportam a proibição de os Estados‑Membros introduzirem ou manterem restrições injustificadas ao exercício dessa liberdade no domínio dos cuidados de saúde (v., designadamente, acórdão de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms, C‑157/99, Colect., p. I‑5473, n.os 44 a 46, e acórdão Watts, já referido, n.° 92).

24      Assim, há que verificar se a República Helénica respeitou essa proibição ao instituir a legislação em causa no processo principal.

25      A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que o artigo 49.° CE se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro (acórdão de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França, C‑381/93, Colect., p. I‑5145, n.° 17, e acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n.° 61).

26      No processo principal, resulta da legislação grega que, se um paciente inscrito, na Grécia, num organismo social receber cuidados num estabelecimento público ou num estabelecimento privado convencionado situado nesse mesmo Estado‑Membro, não tem de desembolsar nenhum montante. O mesmo não acontece quando esse paciente é hospitalizado num estabelecimento de saúde privado situado noutro Estado‑Membro, uma vez que tem de pagar as despesas de hospitalização sem beneficiar da possibilidade de reembolso. A única excepção diz respeito às crianças com idade inferior a 14 anos.

27      Além disso, embora a existência de uma situação de urgência constitua uma excepção ao não reembolso no quadro de uma hospitalização, na Grécia, num estabelecimento privado com o qual não foi celebrada uma convenção, de modo algum essa situação constitui uma excepção em caso de hospitalização num estabelecimento privado situado noutro Estado‑Membro.

28      Por conseguinte, uma regulamentação desse tipo desencoraja, ou impede mesmo, os segurados sociais de se dirigirem aos prestadores de serviços hospitalares estabelecidos em Estados‑Membros diferentes do Estado‑Membro onde estão inscritos e constitui, tanto para estes segurados como para estes prestadores, uma restrição à livre prestação de serviços.

29      Contudo, antes que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a questão de saber se o artigo 49.° CE se opõe a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, há que apreciar se essa regulamentação pode ser objectivamente justificada.

30      O Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que não se pode excluir que um risco grave para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social possa constituir, em si mesmo, uma razão imperativa de interesse geral susceptível de justificar um entrave ao princípio da livre prestação de serviços (acórdão de 28 de Abril de 1998, Kohll, C‑158/96, Colect., p. I‑1931, n.° 41; acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n.° 72; e acórdão Müller‑Fauré e van Riet, já referido, n.° 73).

31      De igual modo, o Tribunal de Justiça reconheceu que o objectivo de manter, por razões de saúde pública, um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos pode igualmente ser abrangido por uma das derrogações por razões de saúde pública, previstas no artigo 46.° CE, na medida em que esse objectivo contribua para a realização de um nível elevado de protecção da saúde (acórdãos, já referidos, Kohll, n.° 50; Smits e Peerbooms, n.° 73; e Müller‑Fauré e van Riet, n.° 67).

32      O Tribunal de Justiça considerou igualmente que a mesma disposição do Tratado CE permite aos Estados‑Membros restringir a livre prestação de serviços médicos e hospitalares, na medida em que a manutenção da capacidade de tratamento ou de uma competência médica no território nacional seja essencial para a saúde pública, ou mesmo para a sobrevivência da sua população (acórdãos, já referidos, Kohll, n.° 51; Smits e Peerbooms, n.° 74; e Müller‑Fauré e van Riet, n.° 67).

33      A este respeito, o Governo grego considera que o equilíbrio do regime de segurança social nacional poderia ser subvertido se os segurados tivessem a faculdade de recorrer a estabelecimentos de saúde privados situados noutros Estados‑Membros, sem que esses estabelecimentos estejam convencionados, tendo em conta o custo elevado desse tipo de hospitalização, que ultrapassa, em qualquer hipótese, em larga medida, o de um estabelecimento púbico situado na Grécia.

34      Embora a restrição declarada no n.° 28 do presente acórdão possa ser justificada por razões imperativas de interesse geral recordadas nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, ainda é necessário que a mesma não seja desproporcionada à luz do objectivo prosseguido.

35      Como o advogado‑geral observou no n.° 70 das suas conclusões, o carácter absoluto, salvo o caso das crianças com idade inferior a 14 anos, dos termos da proibição estabelecida na legislação grega não é adaptado ao objectivo prosseguido, uma vez que poderiam ser tomadas medidas menos restritivas e mais respeitadoras da liberdade de prestação de serviços, como um regime de autorização prévia que respeite as exigências impostas pelo direito comunitário (acórdão Müller‑Fauré e van Riet, já referido, n.os 81 e 85) e, se necessário, a definição de tabelas de reembolso de cuidados.

36      Além disso, deve ser afastado o argumento do Governo grego relativo à inexistência de controlo, pelos organismos de segurança social gregos, da qualidade dos cuidados dispensados nos estabelecimentos de saúde privados situados noutro Estado‑Membro e ao facto de não se poder verificar se os estabelecimentos hospitalares convencionados forneceram um tratamento médico adequado, idêntico ou equivalente.

37      Com efeito, impõe‑se observar que os estabelecimentos de saúde privados situados noutros Estados‑Membros estão igualmente sujeitos, nos referidos Estados‑Membros, a controlos de qualidade e que os médicos estabelecidos nestes Estados e que intervêm nestes estabelecimentos oferecem garantias profissionais equivalentes às dos médicos estabelecidos na Grécia, em particular após a adopção e a aplicação da Directiva 93/16/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, destinada a facilitar a livre circulação dos médicos e o reconhecimento mútuo dos seus diplomas, certificados e outros títulos (JO L 165, p. 1).

38      Tendo em conta todas as considerações precedentes, deve responder‑se às questões colocadas que o artigo 49.° CE se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exclui qualquer reembolso, por um organismo nacional de segurança social, das despesas ocasionadas pela hospitalização dos seus segurados nos estabelecimentos de saúde privados situados noutro Estado‑Membro, com excepção das relativas aos cuidados dispensados às crianças com idade inferior a 14 anos.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 49.° CE opõe‑se a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exclui qualquer reembolso, por um organismo nacional de segurança social, das despesas ocasionadas pela hospitalização dos seus segurados nos estabelecimentos de saúde privados situados noutro Estado‑Membro, com excepção das relativas aos cuidados dispensados às crianças com idade inferior a 14 anos.

Assinaturas


* Língua do processo: grego.