Language of document : ECLI:EU:C:2003:200

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PHILIPPE LÉGER

apresentadas em 3 de Abril de 2003 (1)

Processo C-422/01

Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) e Ola Ramstedt

contra

Riksskatteverket

[pedido de decisão prejudicial

apresentado pelo Regeringsrätten (Suécia)]

«Artigo 49.° CE - Seguro complementar de reforma - Diferença de tratamento fiscal entre os contratos de seguro celebrados com seguradoras estabelecidas no território nacional e os celebrados com seguradoras estabelecidas noutro Estado-Membro»

1.
    O presente pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça pelo Regeringsrätten (Supremo Tribunal Administrativo) (Suécia) diz respeito ao regime fiscal de um seguro complementar de reforma celebrado por conta de um trabalhador sueco com seguradoras estabelecidas noutro Estado-Membro que não a Suécia.

O enquadramento jurídico nacional

2.
    A lei sueca que estabelece as regras relativas ao regime fiscal do contrato de seguro (2) distingue os contratos de seguro de pensão dos contratos de seguro de capitais aplicando-lhes um regime fiscal diferente.

3.
    Esta lei enumera as diversas condições que deve preencher um seguro para ser considerado seguro de pensão (3). O seguro deve, entre outras condições, ser celebrado com uma seguradora estabelecida na Suécia.

4.
    Não preenchendo estas condições, o seguro é considerado um seguro de capitais. É o caso da celebração de um contrato de seguro com uma seguradora estrangeira, ainda que se verifiquem todas as outras condições aplicáveis a um seguro de pensão. Tal seguro é considerado, à face da lei sueca, um seguro de capitais, sendo-lhe aplicáveis as correspondentes regras em matéria de impostos directos.

5.
    A lei sueca prevê disposições especiais no que se refere aos seguros complementares de reforma que são seguros de pensão ligados a uma actividade profissional. Com efeito as pensões complementares podem ser garantidas quer por subscrição e pagamento pela entidade patronal de um seguro de pensão, quer por transferência para um fundo de pensões, quer ainda pela constituição de uma reserva especial constante do balanço da entidade patronal (4).

6.
    O litígio no processo principal refere-se a uma pensão complementar garantida por subscrição, pela entidade patronal, de um seguro de pensão. Esta compromete-se, na qualidade de tomador do seguro, a suportar a totalidade das quotizações, sendo o trabalhador o segurado (5). Os montantes devidos pela execução de um contrato de seguro complementar de reforma são pagos directamente pela seguradora estabelecida na Suécia ao segurado, o trabalhador reformado, enquanto pensão complementar. No caso de um contrato de seguro celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro, os montantes são normalmente pagos pela seguradora à entidade patronal que os transfere para o trabalhador reformado.

7.
    O regime fiscal aplicável às pensões complementares garantidas por um contrato de seguro celebrado com uma seguradora sueca prevê que as quotizações pagas pela entidade patronal a título desse contrato de seguro são imediatamente dedutíveis do montante tributável. A pensão que é posteriormente paga é tributável na íntegra ao beneficiário segurado, isto é, ao trabalhador reformado, a título de imposto sobre o rendimento.

8.
    Em contrapartida, o regime fiscal aplicável às pensões complementares de reforma garantidas por um contrato de seguro celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro é diferente daquele que acabámos de expor. Antes de mais, um contrato de seguro celebrado com essa seguradora no sentido de garantir uma pensão complementar é designado por seguro de capitais (6). Quanto às consequências no plano fiscal, as quotizações pagas pela entidade patronal não são dedutíveis do seu rendimento tributável. Os montantes devidos em cumprimento do contrato são pagos pela seguradora estrangeira à entidade patronal sueca, que os transfere para o beneficiário da reforma (7). Só depois de ser pago o seguro complementar ao trabalhador é que a entidade patronal pode proceder a uma dedução, limitada ao montante efectivamente pago ao trabalhador reformado, e isto em relação a cada pagamento. A dedutibilidade do encargo que os compromissos de reforma representam para a entidade patronal é assim diferida, ao contrário do que acontece quando o mesmo contrato de seguro é celebrado com uma seguradora estabelecida na Suécia (8). O montante da pensão que é posteriormente pago é tributável na íntegra ao beneficiário segurado, isto é, ao trabalhador reformado, a título de imposto sobre o rendimento.

9.
    O regime fiscal aplicável ao seguro complementar de reforma difere assim consoante uma seguradora tenha sede na Suécia ou noutro Estado-Membro.

10.
    Por fim, importa observar que o Reino da Suécia celebrou convenções destinadas a evitar a dupla tributação com todos os Estados-Membros, com excepção da República Portuguesa. Estas convenções, celebradas de acordo com o modelo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), contêm uma cláusula que prevê que a tributação das pensões de reforma é feita no Estado de residência mesmo que as quotizações sejam pagas noutro Estado (9).

Matéria de facto e tramitação no processo principal

11.
    O. Ramstedt é um nacional sueco, residente na Suécia e empregado na empresa sueca Skandia. Esta assumiu, perante O. Ramstedt, o compromisso de subscrever em seu benefício um seguro complementar de reforma. Este contrato de seguro seria celebrado com a empresa dinamarquesa Skandia Link Livforsikring A/S, com a empresa alemã Skandia Lebensversicherung AG ou com a empresa inglesa Skandia Life Assurance Ltd.

12.
    O. Ramstedt e a Skandia apresentaram um pedido de decisão prévia ao Skatterättsnämnden (comissão de direito fiscal) sobre as consequências fiscais da celebração de um contrato de seguro complementar de reforma com seguradoras estrangeiras. Concretamente, o pedido dizia respeito às consequências fiscais relativas aos impostos directos para a Skandia (direito a dedução) e para O. Ramstedt (tributação dos montantes recebidos).

13.
    Por decisão de 1 de Fevereiro de 2000, o Skatterättsnämnden esclareceu que a Skandia não podia beneficiar de um direito à dedução em relação às quotizações pagas, mas que o direito à dedução da pensão de reforma surgia no momento do pagamento desta como no caso de uma pensão directa. Por outro lado, O. Ramstedt seria tributado sobre os montantes que lhe fossem pagos em cumprimento do contrato. A decisão sublinhava que havia uma diferença de tratamento entre as seguradoras estabelecidas na Suécia e as estabelecidas noutro Estado-Membro, mas que não era discriminatória à luz do acórdão Bachmann (10).

14.
    O. Ramstedt e a Skandia recorreram dessa decisão prévia para o Regeringsrätten.

15.
    No despacho de reenvio, o Regeringsrätten constata que, por força da decisão controvertida, o direito da Skandia de deduzir os encargos da pensão de reforma é diferido relativamente ao momento do pagamento das quotizações, uma vez que essa dedução não incide sobre as quotizações pagas, mas sobre os montantes efectivamente pagos a título de pensão de reforma.

16.
    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que esta diferença de regime fiscal aplicável é menos favorável, em determinados casos, para a entidade patronal Skandia quando o contrato de seguro é celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro que não a Suécia. Refere duas hipóteses.

17.
    Se o pagamento dos montantes devidos em cumprimento do contrato de seguro e, portanto, a dedução, só ocorrer muito tempo depois do pagamento das quotizações, quando o montante dos pagamentos não for ligeiramente superior ao das quotizações pagas, a subscrição de um contrato de seguro complementar de reforma no estrangeiro pode ter consequências mais desfavoráveis, quanto aos impostos directos, do que a celebração desse contrato de seguro com uma seguradora estabelecida na Suécia. Se o pagamento dos montantes devidos em cumprimento do contrato de seguro e a dedução das quotizações ocorrerem pouco tempo após a subscrição e o montante transferido for sensivelmente superior ao das quotizações pagas, o resultado pode ser o inverso (11).

18.
    O órgão jurisdicional de reenvio observa, no entanto, que são neutras as consequências em matéria de impostos directos para O. Ramstedt, independentemente da opção da sua entidade patronal por uma seguradora estabelecida na Suécia ou noutro Estado-Membro. Com efeito, em ambos os casos, o trabalhador é tributado sobre os montantes que recebe como rendimento.

19.
    O referido órgão jurisdicional observa, no seu despacho de reenvio, a eventualidade de consequências menos favoráveis devido à aplicação do regime fiscal em matéria de seguro de capitais em lugar do regime fiscal em matéria de seguro complementar de reforma. Esta conclusão leva a questionar a obrigação decorrente da IL de uma seguradora estar estabelecida na Suécia para poder beneficiar do regime fiscal de seguro de pensão em relação às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE.

A questão prejudicial

20.
    O Regeringsrätten decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições de direito comunitário sobre livre circulação de pessoas, serviços e capitais, especialmente o artigo 49.° CE, conjugado com o artigo 12.° CE, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de disposições fiscais nacionais que implicam que um contrato de seguro, subscrito numa companhia de seguros na Inglaterra, na Alemanha ou na Dinamarca, e que preenche as condições estabelecidas na Suécia para um seguro complementar de reforma - com excepção da condição de ser subscrito numa companhia de seguros exercendo actividade na Suécia - seja tratado como um seguro de capital, com efeitos em termos de imposto sobre o rendimento que, conforme as circunstâncias de cada caso individual, podem ser menos favoráveis do que os efeitos fiscais resultantes dum seguro complementar de reforma?»

Apreciação

21.
    Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça o problema de saber se as disposições do Tratado quanto à livre circulação de pessoas e capitais, à livre prestação de serviços, bem como à não discriminação se opõem a que uma legislação nacional, como a do caso vertente, que prevê um regime fiscal menos favorável para um seguro complementar de reforma celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro que não a Suécia, do que para um mesmo contrato de seguro celebrado com uma seguradora estabelecida na Suécia.

22.
    Entendemos, como a Comissão das Comunidades Europeias, que a questão prejudicial pode ser limitada (12) à interpretação do artigo 49.° CE.

23.
    De acordo com jurisprudência assente, a contratação de um seguro de pensão, com vista à percepção ulterior de pensões de reforma, está sujeita às disposições relativas à livre prestação de serviços dos artigos 49.° CE e seguintes (13). Do mesmo modo, em conformidade com jurisprudência constante, o artigo 12.° CE apenas tem vocação para se aplicar às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (14). No caso vertente, o artigo 49.° CE refere-se a esse princípio da não discriminação precisamente no âmbito da livre prestação de serviços.

24.
    Por conseguinte, examinaremos se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma legislação nacional, como a do caso vertente, que prevê regras fiscais menos favoráveis quando um contrato de seguro complementar de reforma é celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro do que quando é celebrado com uma seguradora estabelecida no Estado-Membro em causa.

A restrição à livre prestação de serviços

25.
    De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontre, como tal, incluída na esfera das competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário» (15). Por isso, os Estados-Membros, no exercício da sua competência reservada, não devem infringir as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, tais como a livre prestação de serviços (16).

26.
    Ora, segundo o Tribunal de Justiça, «[n]a óptica do mercado único, e a fim de permitir realizar os seus objectivos, o artigo 59.° do Tratado opõe-se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a puramente interna [a] um Estado-Membro» (17).

27.
    Importa observar em seguida que, segundo jurisprudência constante, uma discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (18). Ora a legislação em causa no processo principal prevê a aplicação de regras fiscais diferentes para uma mesma situação - a saber, a subscrição de um contrato de seguro complementar de reforma idêntico - consoante seja celebrado com uma seguradora estabelecida ou não na Suécia.

28.
    A Comissão distingue as consequências da legislação sueca quanto à situação fiscal da Skandia e de O. Ramstedt. Segundo a Comissão, O. Ramstedt é tributado pelas prestações que lhe são pagas independentemente de o contrato de seguro ser celebrado com uma seguradora estabelecida na Suécia ou noutro Estado-Membro. Ao invés, no que se refere à Skandia, as quotizações pagas não são dedutíveis no momento do seu pagamento. A dedução apenas é possível quando as prestações correspondentes forem pagas a O. Ramstedt sob a forma de pensão e não pelas quotizações pagas. Ao passo que, se a Skandia tivesse celebrado um contrato de seguro complementar de reforma para O. Ramstedt com uma seguradora estabelecida na Suécia, poderia deduzir as quotizações a partir do seu pagamento.

29.
    Como a Comissão, entendemos que uma legislação como a que está em causa no processo principal comporta um conjunto de elementos susceptíveis de dissuadir, ou mesmo de impedir, a entidade patronal de celebrar um contrato de seguro complementar de reforma com uma seguradora que não esteja estabelecida na Suécia (19).

30.
    As nossas considerações incidem unicamente na análise à luz do artigo 49.° CE do regime fiscal aplicável, nos termos da legislação sueca, à entidade patronal Skandia.

31.
    O regime fiscal aplicável à entidade patronal que celebra um contrato de seguro complementar de reforma com uma seguradora estabelecida num Estado-Membro que não a Suécia é menos favorável do que o aplicável quando a seguradora está estabelecida na Suécia. Para escapar a esse regime fiscal menos favorável, a entidade patronal tem de celebrar esse contrato de seguro com uma seguradora estabelecida na Suécia. Daí concluímos que a legislação sueca conduz à imposição de uma condição de estabelecimento no seu território para a prestação de um seguro de pensão.

32.
    Essa exigência representa uma discriminação indirecta contrária à livre prestação de serviços, o que todos os intervenientes no processo reconhecem directa ou indirectamente. Por este facto a questão fundamental no caso vertente é a de uma eventual justificação desta discriminação.

As justificações dadas

33.
    O Governo sueco e o Riksskatteverket (administração das contribuições) apresentam quatro causas de justificação da exigência de estabelecimento na Suécia prevista pela legislação em causa. As causas de justificação invocadas para afirmar que a referida legislação não é contrária ao direito comunitário são a coerência fiscal, a eficácia dos controlos fiscais, a protecção da totalidade dos activos fiscais e a neutralidade concorrencial (20).

34.
    Em nosso entender, nenhuma destas justificações procede.

A coerência fiscal

35.
    Os Governos sueco e dinamarquês, bem como o Riksskatteverket baseiam a sua argumentação na coerência fiscal para justificar a legislação nacional em causa. Em seu entender, a solução do Tribunal de Justiça no processo Bachmann, já referido, é transponível para o caso vertente apesar de a situação factual não ser completamente idêntica.

36.
    No processo Bachmann, já referido, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a legislação fiscal belga que previa que os prémios de seguro de vida não podiam ser deduzidos do rendimento tributável quando fossem pagos no estrangeiro. O Tribunal de Justiça considerou que tal regime era compatível com o direito comunitário porque existia uma relação directa entre a dedutibilidade dos prémios e a tributação das pensões. Com efeito, no sistema belga, a perda de receitas resultante da dedução dos prémios de seguro era compensada pela tributação das pensões, das anuidades ou do capital pagos pelas companhias de seguros. Em contrapartida, quando os prémios não pudessem ser deduzidos, estes montantes estavam isentos.

37.
    No sistema nacional em causa no acórdão Bachmann, já referido, a desvantagem fiscal era compensada por um benefício fiscal ulterior.

38.
    Contrariamente aos Governos sueco e dinamarquês, pensamos que esta solução não é transponível para o caso vertente. Como observam justamente a Skandia (21), a Comissão e a Autoridade de Fiscalização EFTA, o caso vertente é diferente daquele que deu origem ao já referido acórdão Bachmann. No caso em apreço, o sistema fiscal sueco não prevê um benefício fiscal para compensar a desvantagem fiscal sofrida pela entidade patronal Skandia devido à aplicação das regras fiscais suecas relativas ao seguro de capitais que não lhe permitem deduzir as quotizações pagas a título desse seguro.

39.
    Com efeito, a legislação nacional prevê que a Skandia, após a celebração do contrato de seguro em causa com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro que não a Suécia, deve aguardar até ao momento do pagamento das pensões para beneficiar do direito à dedução. A legislação sueca não prevê qualquer benefício fiscal para contrabalançar esta desvantagem sofrida pela Skandia.

40.
    Não havendo um benefício fiscal que permita contrabalançar a desvantagem fiscal sofrida pela Skandia, não é possível, em nosso entender, acolher o argumento da coerência do sistema fiscal para justificar a legislação sueca à luz do direito comunitário.

Eficácia dos controlos fiscais

41.
    De acordo com os Governos sueco e dinamarquês, a exigência de estabelecimento na Suécia justifica-se pela necessidade de exercer satisfatoriamente um controlo fiscal eficaz. A administração fiscal sueca deve estar em condições de obter as informações necessárias a este tipo de controlo. Os instrumentos comunitários previstos para assegurar esse controlo e, designadamente, a Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (22), não seriam suficientes. Do mesmo modo não seria possível garantir um controlo fiscal eficaz baseado numa declaração voluntária (23).

42.
    Sublinhamos que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a justificação baseada na eficácia dos controlos fiscais não pode ser aceite contra uma discriminação à livre prestação de serviços quando um Estado-Membro pode invocar a Directiva 77/799 para obter, das autoridades competentes de outro Estado-Membro, todas as informações susceptíveis de lhe permitir determinar o montante correcto do imposto sobre o rendimento (24).

43.
    Recordemos igualmente que as convenções celebradas com vista a evitar a dupla tributação prevêem uma entreajuda e uma assistência relativamente à troca de informações entre as autoridades fiscais dos Estados partes. Por fim, nada impede as autoridades fiscais suecas de exigir, neste caso, à Skandia, a O. Ramstedt ou à própria seguradora as provas que entendam necessárias para apreciar se cabe ou não conceder a dedução requerida (25).

44.
    Assim, em nosso entender, é possível garantir no caso vertente a eficácia dos controlos fiscais por meios menos restritivos do que os previstos pela legislação sueca. Não procede esta justificação.

A necessidade de preservar os activos fiscais

45.
    No entendimento dos Governo sueco e dinamarquês a legislação sueca pretende evitar o risco de desaparecimento dos activos fiscais. Com efeito, concluem estes governos, tratar-se-ia de uma situação em que o Reino da Suécia aceitaria a dedução das quotizações pagas a título do seguro e em que posteriormente o trabalhador deixaria a Suécia para se instalar noutro Estado, evitando deste modo a tributação das suas prestações de seguro enquanto rendimentos. A necessidade de preservar os activos fiscais foi reconhecida, de acordo com esses governos, pelo Tribunal de Justiça no acórdão Safir, já referido, como razão imperiosa de interesse geral.

46.
    Em nosso entender não é possível ler e interpretar o acórdão Safir, já referido, nesse sentido.

47.
    Com efeito, o acórdão Danner, já referido, declara que «o Tribunal de Justiça considerou, no n.° 34 do acórdão Safir, que, no caso em apreço, a necessidade de preencher o vazio fiscal que resultaria da não tributação da poupança sob a forma de seguro de vida em capital investida em companhias estabelecidas num Estado-Membro diferente do da residência do aforrador, não era susceptível de justificar a medida nacional em causa que restringia a livre prestação de serviços» (26). O Tribunal de Justiça declarou que a necessidade de prevenir a redução de receitas fiscais não figura entre as razões enunciadas no artigo 46.° CE e que não pode ser considerada como uma razão imperiosa de interesse geral que possa ser invocada para justificar uma desigualdade de tratamento (27).

48.
    Esta justificação parece-nos, portanto, improcedente.

A neutralidade concorrencial

49.
    A última justificação invocada pelo Governo sueco é, em nosso entender, pouco clara e dificilmente compreensível. Este afirma que a legislação nacional que exige o estabelecimento na Suécia é necessária para garantir a neutralidade concorrencial (28). Com efeito, o Governo sueco explica que a entidade patronal pode deduzir de três maneiras os encargos com pensões de reforma que suporta antes do pagamento efectivo das pensões devidas ao trabalhador: mediante a constituição de uma reserva no balanço ligada a um seguro de crédito, por transferência para um fundo de pensões ou pela subscrição de um seguro de pensão. A legislação sueca seria necessária para garantir a neutralidade concorrencial, em especial quando a reforma é garantida pela constituição de uma reserva no balanço associada a um seguro de crédito ou por transferência para um fundo de pensões.

50.
    Temos certa dificuldade em seguir o raciocínio do Governo sueco quanto à causa de justificação da sua legislação baseada na neutralidade concorrencial. Mas, em todo o caso, pensamos, por um lado, que este argumento é irrelevante, pois, como foi anteriormente demonstrado, trata-se no processo principal de um seguro complementar de reforma garantido pela subscrição pela entidade patronal de um seguro de pensão. Portanto, não se trata de nenhuma das duas outras hipóteses adiantadas pelo Governo sueco de garantia do seguro em causa.

51.
    Por outro lado, em nosso entender e como foi sublinhado pela Comissão e pela Autoridade de Fiscalização EFTA, é justamente pelo cumprimento das regras do Tratado relativas às liberdades fundamentais, como o artigo 49.° CE, que o respeito das regras de concorrência é garantido. Esta causa de justificação não pode de modo algum ser acolhida.

Conclusão

52.
    Concluímos, por conseguinte, propondo ao Tribunal de Justiça que declare que:

«O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma legislação nacional, como a do caso vertente, que prevê regras fiscais menos favoráveis quando um contrato de seguro complementar de reforma é celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro do que quando é celebrado com uma seguradora estabelecida no Estado-Membro em causa.»


1: -     Língua original: francês.


2: -     A kommunalskattelagen [lei dos impostos autárquicos (1928:370)], alterada no ano fiscal 2002 pela inkomstskattelagen [lei do imposto sobre o rendimento (1999:1229), a seguir «IL»].


3: -     Capítulo 28 da IL.


4: -     V. observações escritas do Governo sueco (n.° 9) e do Försäkringsaktiebolaget Skandia (publ) (a seguir «Skandia», n.os 12 e segs.).


5: -     Capítulo 58, artigos 2.° a 7.° da IL. O seguro complementar de reforma insere-se no que o direito comunitário designa por segundo pilar. O primeiro pilar é constituído pelo regime geral de pensão de reforma. O segundo, acrescenta-se ao regime geral do primeiro pilar: trata-se de uma pensão complementar. Por fim, o terceiro pilar, que se acrescenta aos dois anteriores, é constituído pela reforma privada (ou seguro individual). V., quanto a estes diferentes pontos, o «Livro Verde» da Comissão, de 10 de Junho de 1997, sobre os regimes complementares de reforma no mercado único [COM (1997) 283 final] e, mais recentemente, a comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, de 19 de Abril de 2001, sobre a eliminação dos obstáculos fiscais aos regimes de pensões profissionais transfronteiras [COM (2001) 214 final].


6: -     Numa preocupação de clareza, falaremos unicamente de seguro complementar de reforma distinguindo-o consoante seja celebrado com uma seguradora estabelecida na Suécia, ou noutro Estado-Membro. Não utilizaremos pois o conceito de «seguro de capitais», mas de «seguro complementar de reforma celebrado com uma seguradora estabelecida noutro Estado-Membro que não a Suécia».


7: -     A entidade patronal sueca pode igualmente dar instruções à seguradora para transferir os referidos montantes directamente e por sua conta para o trabalhador beneficiário (v. observações escritas da Skandia, n.° 28).


8: -     Como sublinha a Skandia nas suas observações escritas (n.° 28), no caso de jovens trabalhadores, podem decorrer até 40 anos antes de a entidade patronal poder deduzir os encargos que os compromissos de reforma representam.


9: -     Artigo 18.° do modelo de convenção da OCDE destinada a evitar a dupla tributação, in Vogel, K., Double Taxation Conventions, Kluwer Law and Taxation Publishers, Deventer-Boston, 1991, p. 855.


10: -     Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-204/90, Colect., p. I-249).


11: -     V. despacho de reenvio (p. 11).


12: -     Acórdão de 20 de Março de 1986, Tissier (35/85, Colect., p. 1207, n.° 9).


13: -     V., designadamente, acórdãos de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França (C-381/93, Colect., p. I-5145, n.° 16), e de 28 de Abril de 1998, Safir (C-118/96, Colect., p. I-1897, n.° 22).


14: -     V., entre outros, acórdãos de 30 de Maio de 1989, Comissão/Grécia (305/87, Colect., p. 1461, n.° 13), e de 14 de Julho de 1994, Peralta (C-379/92, Colect., p. I-3453, n.° 18).


15: -     V. acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 21); de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16); de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089, n.° 36); de 14 de Setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, Colect., p. I-5451, n.° 20); e de 15 de Janeiro de 2002, Gottardo (C-55/00, Colect., p. I-413, n.° 32).


16: -     V. acórdãos Bachmann, já referido, n.° 31, e de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C-300/90, Colect., p. I-305, n.° 22).


17: -     V. acórdão de 3 de Outubro de 2002, Danner (C-136/00, Colect., p. I-8147, n.° 29). V., também, acórdãos, já referidos, Comissão/França (n.° 17) e Safir (n.° 23).


18: -     V. acórdão Schumacker, já referido (n.° 30).


19: -     V. acórdão Safir, já referido (n.° 30).


20: -     V. observações do Governo sueco (pp. 8 a 12).


21: -     A opção que existia no acórdão Bachmann, já referido (dedutibilidade e tributação no caso de um contrato de seguro celebrado com uma seguradora belga ou não dedutibilidade e não tributação no caso de um contrato de seguro celebrado com uma seguradora estabelecida fora da Bélgica), não é permitida a uma entidade patronal sueca que deve subscrever um contrato de seguro de vida para garantir uma pensão complementar (v. observações escritas da Skandia, n.° 91).


22: -     JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94.


23: -     V. observações dos Governos sueco (n.os 48 e segs.) e dinamarquês (n.os 39 e segs.).


24: -     V. acórdãos, já referidos, Bachmann (n.° 18); Comissão/Bélgica (n.° 11); Wielockx (n.os 24 e 25); e Danner (n.os 49 e segs.); bem como acórdão de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard (C-55/98, Colect., p. I-7641, n.° 26).


25: -     A entidade patronal sueca, nos termos da lei nacional, tem o dever de comunicar ao fisco os montantes pagos a título de um seguro.


26: -     N.° 55.


27: -     V. acórdão de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN (C-307/97, Colect., p. I-6161, n.° 51).


28: -     V. as suas observações escritas (n.os 36 e segs. bem como 57 e 58).