Language of document : ECLI:EU:C:2007:542

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

20 de Setembro de 2007 (*)

«Marcas – Directiva 89/104/CEE – Artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, e n.° 3 – Sinal – Forma que confere um valor substancial ao produto – Uso – Campanhas publicitárias – Atractividade adquirida pela forma antes do pedido de registo pelo reconhecimento desta como sinal distintivo»

No processo C‑371/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 8 de Setembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Setembro de 2006, no processo

Benetton Group SpA

contra

G‑Star International BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. Kūris, presidente de secção, K. Schiemann e L. Bay Larsen (relator), juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Benetton Group SpA, por N. W. Mulder, advocaat,

–        em representação da G‑Star International BV, por G. van der Wal, advocaat,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Wils, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Benetton Group Spa (a seguir «Benetton») à G‑Star International BV (a seguir «G‑Star») a propósito da comercialização pela Benetton de uma peça de vestuário que, pela sua forma, viola duas marcas, constituídas por formas, registadas pela G‑Star.

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

3        O artigo 2.° da directiva, intitulado «Sinais susceptíveis de constituir uma marca», dispõe:

«Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.»

4        O artigo 3.° da directiva, que tem por epígrafe «Motivos de recusa ou de nulidade», prevê:

«1.      Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efectuados, os registos relativos:

a)      Aos sinais que não possam constituir uma marca;

b)      [À]s marcas desprovidas de carácter distintivo;

c)      [À]s marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;

d)      [À]s marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;

e)      Aos sinais constituídos exclusivamente:

–        pela forma imposta pela própria natureza do produto,

–        pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico,

–        pela forma que confira um valor substancial ao produto;

[…]

3.      Não será recusado o registo de uma marca ou este não será declarado nulo nos termos do n.° 1, alínea[s] b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo e após o uso que del[a] foi feito, a marca adquiriu um carácter distintivo. Os Estados‑Membros podem prever, por outro lado, que o disposto no primeiro período se aplicará também no caso em que o carácter distintivo tiver sido adquirido após o pedido de registo ou o registo.

[...]»

 Legislação nacional

5        O artigo 1.° da lei uniforme Benelux sobre as marcas (loi uniforme Benelux sur les marques) de 19 de Março de 1962 (Trb. 1962, 58), na sua redacção aplicável à data dos factos no processo principal, dispõe:

«São consideradas marcas individuais as denominações, os desenhos, as impressões, os carimbos, as letras, os algarismos, as formas dos produtos ou da sua apresentação e os demais sinais que sejam adequados para distinguir os produtos de uma empresa.

Todavia, não podem ser consideradas marcas as formas que são impostas pela natureza do próprio produto, que afectem o seu valor substancial ou que produzam resultados industriais.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6        A G‑Star concebe, manda fabricar e comercializa peças de vestuário sob a marca homónima, em particular jeans.

7        É titular de duas marcas constituídas por formas para produtos da classe 25, definida pelo Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, mais precisamente, para peças de vestuário. Estas duas marcas foram registadas em 7 de Agosto de 1997 e 24 de Novembro de 1999.

8        Foi solicitada protecção para cada uma delas, respectivamente, com base nos elementos distintivos seguintes:

–        prespontos oblíquos desde a altura das ancas até à costura da entrepernas; joelheiras; aplicação nos fundilhos das calças; prespontos horizontais na parte de trás das calças, à altura dos joelhos; tira de cor contrastante ou de outro tecido na parte de trás inferior das calças; tudo combinado;

–        costuras, prespontos e cortes das joelheiras das calças; joelheiras ligeiramente entufadas.

9        A Benetton gere empresas de comércio de têxteis. Nos Países Baixos vende os seus produtos por intermédio de lojas em sistema de franchising.

10      Em 25 de Maio de 2000, a G‑Star propôs uma acção contra a Benetton no Rechtbank te Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão), a fim de obter a proibição de qualquer fabrico, comercialização e/ou distribuição nos Países Baixos de calças com a marca Benetton. Para fundamentar o seu pedido, alegou que esta empresa tinha violado os seus direitos de marca relativos às suas calças do modelo Elwood, ao fabricar e introduzir no mercado, durante o Verão de 1999, umas calças que continham, entre outros, joelheiras ovais e duas costuras oblíquas desde a altura das ancas até à altura da entrepernas.

11      A Benetton contestou esta acção e deduziu reconvenção, na qual pediu a declaração da nulidade das marcas registadas, com base no artigo 1.°, segundo parágrafo, da lei uniforme Benelux sobre as marcas, pelo facto de as formas em causa determinarem em grande medida o valor de mercado dos produtos pela sua beleza ou originalidade.

12      O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes os pedidos da G‑Star baseados numa violação dos seus direitos de marca e a reconvenção da Benetton.

13      As duas partes interpuseram recurso para o Gerechtshof te Amsterdam, que concedeu provimento ao recurso da G‑Star e negou provimento ao pedido de anulação da Benetton.

14      O Gerechtshof declarou que o Rechtbank tinha considerado com razão, designadamente, que as calças Elwood eram um grande sucesso comercial, que a G‑Star tinha realizado campanhas publicitárias intensivas para dar a estas calças de características específicas a notoriedade de um produto G‑Star, e que, consequentemente, o prestígio das calças Elwood se devia, em grande parte, não à atractividade estética da sua forma, mas à atractividade do reconhecimento da marca.

15      Assinalou que, através da ampla publicidade realizada, a G‑Star chamou fortemente a atenção para as características distintivas das calças e das joelheiras.

16      A Benetton interpôs recurso de cassação deste acórdão para o Hoge Raad der Nederlanden, impugnando esta análise do Gerechtshof.

17      O Hoge Raad assinala que a ideia que preside às considerações criticadas da decisão do Gerechtshof é de que o motivo de recusa previsto no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da directiva não pode obstar à validade do registo de uma marca, se, num dado momento anterior ao pedido de registo, a atractividade da forma resultou do seu reconhecimento como marca.

18      O Hoge Raad recorda que, no seu acórdão de 18 de Junho de 2002, Philips (C‑299/99, p. I‑5475), o Tribunal de Justiça decidiu que, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, da directiva, os sinais que não podem ser registados por força do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), desta directiva não podem adquirir um carácter distintivo pelo uso que deles tenha sido feito.

19      Contudo, segundo o Hoge Raad, o Tribunal de Justiça não resolveu a questão levantada no processo principal, que não diz respeito ao carácter distintivo das marcas controvertidas.

20      Neste contexto, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)      O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, [da directiva] deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa do registo [previsto nesta disposição impede duradouramente que] uma forma [seja registada] como marca […] se o produto for de natureza tal que o seu aspecto e [forma] sejam, graças à sua beleza ou originalidade, exclusiva ou significativamente determinantes para o seu valor de mercado, ou deve ser interpretado no sentido de que esse motivo de recusa não se aplica se, anteriormente à apresentação do pedido de registo, a atractividade para o público da forma em questão [resultar] predominantemente [do] reconhecimento desta como sinal distintivo?

2)      Caso a resposta à primeira questão consista na segunda das duas hipóteses supramencionadas, qual o grau de predominância da atractividade necessário para que o motivo de recusa ou nulidade do registo deixe de ser aplicável?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da directiva deve ser interpretado no sentido de que a forma de um produto que lhe confira um valor substancial pode todavia constituir uma marca nos termos do artigo 3.°, n.° 3, da directiva se, antes da apresentação do pedido de registo, adquiriu uma atractividade decorrente do reconhecimento desta como sinal distintivo, na sequência de campanhas publicitárias que apresentaram as características específicas do produto em causa.

22      Por conseguinte, esta questão diz respeito à hipótese em que um sinal que, sendo de início exclusivamente constituído por uma forma que conferia um valor substancial ao produto, adquiriu posteriormente, e antes da apresentação do pedido de registo, reconhecimento na sequência de campanhas publicitárias, isto é, em razão do uso que dele foi feito.

23      Por outras palavras, pergunta‑se se o uso feito, antes da apresentação do pedido de registo, de um sinal do tipo referido no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da directiva é susceptível de permitir o seu registo como marca ou de obstar à anulação desta se o sinal foi registado.

24      A este respeito, importa observar a título liminar que o artigo 3.°, n.° 3, da directiva está relacionado com o conceito de «carácter distintivo de um sinal» na acepção do artigo 2.° da directiva. Com efeito, segundo a sua redacção, o artigo em causa admite o registo ou a validade das marcas referidas no mesmo artigo, n.° 1, alíneas b), c) ou d), devido ao uso que delas foi feito, se, em razão desse uso, a marca «adquiriu um carácter distintivo».

25      Por outro lado, deve assinalar‑se que o artigo 3.°, n.° 3, da directiva, para determinar a extensão da excepção que prevê, não se refere aos sinais visados no mesmo artigo, n.° 1, alínea e).

26      Por último, deve recordar‑se que, no seu acórdão Philips, já referido, o Tribunal de Justiça tinha decidido que:

–        se é recusado o registo a uma forma por força do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva, esta não poderá em nenhum caso ser registada por força do n.° 3 desta disposição (n.° 57);

–        um sinal cujo registo é recusado com base no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva nunca poderá adquirir um carácter distintivo para efeitos do artigo 3.°, n.° 3, pelo uso que dele tenha sido feito (n.° 75);

–        o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), visa determinados sinais que não são susceptíveis de constituir marcas e é um obstáculo preliminar capaz de impedir que um sinal constituído exclusivamente pela forma de um produto possa ser registado, pelo que, se um único dos critérios mencionados nesta disposição estiver preenchido, o sinal constituído exclusivamente pela forma do produto não pode ser registado enquanto marca (n.° 76).

27      Daí resulta que, numa hipótese como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, o uso feito de um sinal referido no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva mediante campanhas publicitárias não permite a aplicação a este sinal do artigo 3.°, n.° 3, da directiva.

28      Por conseguinte, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da directiva deve ser interpretado no sentido de que a forma de um produto que lhe confira um valor substancial não pode constituir uma marca nos termos do artigo 3.°, n.° 3, desta directiva se, anteriormente à apresentação do pedido de registo, essa forma adquiriu uma atractividade decorrente do seu reconhecimento como sinal distintivo, na sequência de campanhas publicitárias que apresentaram as características específicas do produto em causa.

 Quanto à segunda questão

29      Atendendo à resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

30      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que a forma de um produto que lhe confira um valor substancial não pode constituir uma marca nos termos do artigo 3.°, n.° 3, desta directiva se, anteriormente à apresentação do pedido de registo, essa forma adquiriu uma atractividade decorrente do seu reconhecimento como sinal distintivo, na sequência de campanhas publicitárias que apresentaram as características específicas do produto em causa.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.