Language of document : ECLI:EU:C:2017:863

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 14 de novembro de 2017 (1)

Processo C‑498/16

Maximilian Schrems

contra

Facebook Ireland Limited

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

«Pedido de decisão prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores — Conceito de consumidor — Redes sociais — Contas Facebook e páginas Facebook — Cessão de direitos por consumidores domiciliados no mesmo Estado‑Membro, noutros Estados‑Membros e em Estados terceiros — Tutela coletiva»






I.      Introdução

1.        Maximilian Schrems instaurou uma ação judicial contra a Facebook Ireland Limited num órgão jurisdicional austríaco, alegando que essa sociedade violou os seus direitos à privacidade e à proteção de dados. Sete outros utilizadores do Facebook cederam‑lhe os seus direitos relativos às mesmas violações, em resposta ao convite online de M. Schrems nesse sentido. Esses utilizadores estão domiciliados na Áustria, noutros Estados‑Membros e em Estados terceiros.

2.        Este processo suscita duas questões jurídicas. Primeiro, quem é «consumidor»? No direito da União, o consumidor é visto como a parte mais fraca, que carece de proteção. Com esta finalidade, foram desenvolvidos, ao longo de anos, os elementos de uma proteção jurídica bastante sólida, que inclui a possibilidade de aplicar aos contratos celebrados por consumidores uma regra de competência especial prevista nos artigos 15.o e 16.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 (2). Isso cria efetivamente um forum actoris para os consumidores: um consumidor pode demandar a contraparte no contrato no lugar do seu domicílio. M. Schrems alega que os órgãos jurisdicionais de Viena, Áustria, são competentes para conhecer tanto dos seus próprios pedidos como dos pedidos fundados nos direitos cedidos, uma vez que é um consumidor na aceção dos artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001.

3.        A taxonomia é sempre um assunto espinhoso. Ainda que se chegue a acordo quanto a alguns elementos definidores, haverá sempre uns casos raros que não se enquadram no molde. Além disso, as espécies evoluem ao longo do tempo. Pode um «consumidor» cada vez mais envolvido em litígios judiciais transformar‑se progressivamente num «litigante profissional em matérias de consumo» e, consequentemente, deixar de precisar de proteção especial? É essa, em suma, a essência da primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria).

4.        A segunda questão prende‑se com a competência internacional para conhecer dos litígios relativos aos contratos celebrados com consumidores nos casos em que tenha existido cedência de direitos. Partindo do princípio de que o demandante ainda é um consumidor por direito próprio, pode esse demandante também invocar aquela regra de competência especial relativamente aos direitos cedidos por outros consumidores domiciliados no mesmo Estado‑Membro, noutros Estados‑Membros ou em Estados terceiros? Por outras palavras, pode o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 estabelecer um foro especial adicional no domicílio do cessionário, abrindo assim efetivamente a possibilidade de receber direitos de consumidores de todo o mundo?

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento n.o 44/2001

5.        O artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 tem a seguinte redação:

«1. Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada “o consumidor”, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:

a)      Quando se trate de venda, a prestações, de bens móveis corpóreos; ou

b)      Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens; ou

c)      Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa atividade.

[…]»

6.        O artigo 16.o do referido regulamento estabelece que:

«1. O consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio.

2. A outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor.

[…]»

B.      Direito austríaco

7.        Nos termos do § 227 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil austríaco, a seguir «ZPO»):

«(1) Podem ser deduzidos vários pedidos de um demandante contra o mesmo demandado formulados na mesma ação, mesmo que não se trate de pedidos cumulativos [§ 55 da Jurisdiktionsnorm (Lei sobre a competência judiciária)], desde que, relativamente a todos:

1. o tribunal da causa seja competente; e

2. seja admissível a mesma forma processual.

(2) No entanto, os pedidos cujo valor não exceda o montante indicado no § 49(1)(1) da Lei sobre a competência judiciária podem ser cumulados com pedidos que excedam esse montante, e os pedidos que devam ser julgados por um juiz singular podem ser cumulados com pedidos que devam ser julgados pelo tribunal coletivo. No primeiro caso, a competência é determinada pelo montante mais elevado; no segundo, o tribunal coletivo decide todos os pedidos.»

III. Matéria de facto

8.        De acordo com os factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, M. Schrems (a seguir «demandante») é especialista em direito das tecnologias da informação e em legislação em matéria de proteção de dados, e está a escrever uma tese de doutoramento sobre os aspetos cível, penal e administrativo da proteção de dados.

9.        O demandante utiliza o Facebook desde 2008. Inicialmente, fazia‑o apenas para fins privados e sob pseudónimo. Desde 2010, utiliza uma conta Facebook em seu próprio nome, escrito em carateres cirílicos, para atividades privadas como partilha de fotografias, publicação de conteúdos e conversas através do serviço de mensagens instantâneas. Tem aproximadamente 250 «amigos». Desde 2011, o demandante também utiliza uma página Facebook, que contém informações sobre as conferências em que é orador, a sua participação em debates públicos e as suas colaborações com os meios de comunicação, os livros que escreveu, a campanha de angariação de fundos que lançou e as ações judiciais que instaurou contra a Facebook Ireland Limited (a seguir «demandada»).

10.      Em 2011, o demandante apresentou 22 queixas contra a demandada na Comissão de Proteção de Dados irlandesa (Data Protection Commissioner). Em resposta a estas queixas, a Comissão de Proteção de Dados elaborou um relatório que continha recomendações dirigidas à demandada e, posteriormente, um relatório de reavaliação. Em junho de 2013, o demandante apresentou mais uma queixa contra a demandada relacionada com o programa de vigilância PRISM (3), que conduziu à anulação da decisão da Comissão designada «porto seguro» (Safe Harbour) (4) pelo Tribunal de Justiça (5).

11.      Quanto às ações judiciais que instaurou contra a demandada, o demandante publicou dois livros, deu conferências (por vezes remuneradas), registou diversos sítios web (blogues, petições online, crowdfunding para custear ações judiciais contra a demandada), obteve diversas distinções e constituiu a Verein zur Durchsetzung des Grundrechts auf Datenschutz (Associação de defesa do direito fundamental à proteção de dados, a seguir «associação») (6).

12.      O objetivo declarado das iniciativas do demandante é fazer pressão sobre a Facebook. As suas atividades atraíram o interesse dos meios de comunicação e os seus processos judiciais contra a Facebook captaram a atenção de um grande número de programas radiofónicos e canais de televisão na Áustria, na Alemanha e noutros países. Foram publicados pelo menos 184 artigos de imprensa sobre este tema, incluindo em publicações internacionais e online.

13.      O órgão jurisdicional de reenvio afirma que o demandante é empregado da sua mãe. Os seus rendimentos provêm dessa fonte e também do arrendamento de um apartamento. Além disso, também recebe rendimentos de montante indeterminado provenientes da venda dos livros acima referidos e das conferências para as quais é convidado em virtude das ações judiciais que instaurou contra a demandada.

14.      No presente processo, o demandante alega que são imputáveis à demandada numerosas violações das disposições legais em matéria de proteção de dados consagradas na lei austríaca, na lei irlandesa e no direito da União (7). O demandante formula vários pedidos: de declaração (da qualidade de prestador e do vínculo de subordinação da demandada ou da sua qualidade de mandante na medida em que o tratamento de dados ocorra em proveito próprio, da invalidade de cláusulas contratuais das condições de utilização) e de condenação na cessação de um comportamento (no tocante à utilização dos dados), na prestação de informações (sobre a utilização dos dados do demandante), e na apresentação de contas e em prestações de facto (relativamente à adequação das condições do contrato, reparação dos danos e enriquecimento sem causa).

15.      A ação objeto do processo principal foi intentada com o apoio de uma empresa de financiamento de ações judiciais (mediante uma remuneração equivalente a 20% dos benefícios) e de uma agência de relações públicas. O demandante reuniu uma equipa de dez pessoas, cujo núcleo é composto por cinco delas, que o apoiam nas suas atividades contra a Facebook. Não é claro se essas pessoas recebem alguma contrapartida do demandante. A estrutura necessária é paga a partir da conta pessoal do demandante. Nem o próprio demandante nem a associação empregam pessoal.

16.      Na sequência do convite online publicado pelo demandante, mais de 25 000 pessoas cederam‑lhe os seus direitos contra a demandada através de um dos sítios web por ele registados. Em 9 de abril de 2015, já se encontravam numa lista de espera 50 000 pessoas. No processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, só estão em causa os direitos cedidos ao demandante por sete consumidores domiciliados na Áustria, na Alemanha e na Índia.

17.      O órgão jurisdicional de primeira instância, o Landesgericht für Zivilrechtssachen Wien (Tribunal Regional Cível de Viena, Áustria), julgou a ação improcedente, declarando que, à luz das atividades relacionadas com os pedidos do demandante, a sua utilização do Facebook evoluiu ao longo do tempo. O demandante usa o Facebook também para fins profissionais, o que o impede de invocar o foro especial em matéria de contratos celebrados por consumidores. Esse órgão jurisdicional declarou ainda que o foro estabelecido para os consumidores, que os cedentes podiam invocar, não se transmite ao cessionário.

18.      O órgão jurisdicional de recurso, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), alterou parcialmente essa decisão, aceitando a admissibilidade da ação no tocante ao direito «pessoal» do demandante, fundado no contrato celebrado por M. Schrems na qualidade de consumidor. Esse órgão jurisdicional entendeu que as condições de aplicação do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 deviam ser avaliadas com referência à data da celebração do contrato.

19.      Porém, julgou o recurso improcedente na parte relativa aos direitos cedidos por terceiros, sustentando que as regras de competência previstas para os consumidores só aproveitam aos consumidores que sejam parte no litígio. Consequentemente, o demandante não podia invocar com sucesso o artigo 16.o, n.o 1, segunda parte, do Regulamento n.o 44/2001, relativamente à defesa dos direitos cedidos por terceiros.

20.      Ambas as partes no litígio recorreram desta decisão no Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal). Esse órgão jurisdicional suspendeu a instância no processo nacional e submeteu duas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)      Deve o artigo 15.o do [Regulamento n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que um “consumidor” na aceção deste artigo perde esta qualidade quando, após uma utilização prolongada de uma conta privada no Facebook e, no contexto da defesa da aplicação dos seus direitos, publica livros e também faz conferências por vezes remuneradas, gere sítios web, recolhe donativos para a defesa da aplicação dos direitos e obtém a cedência dos direitos de vários consumidores mediante a garantia de que estes receberão os eventuais benefícios resultantes dos processos ganhos após a dedução das despesas processuais?

2)      Deve o artigo 16.o do [Regulamento n.o 44/2001] ser interpretado no sentido de que um consumidor de um Estado‑Membro também pode invocar no tribunal do foro do demandante, simultaneamente com os seus próprios direitos emergentes de contratos como consumidor, direitos de que sejam titulares outros consumidores com domicílio:

a)      no mesmo Estado‑Membro,

b)      noutro Estado‑Membro, ou

c)      num Estado terceiro,

se tais direitos, derivados de contratos celebrados por consumidores com o mesmo demandado no mesmo contexto jurídico, lhe tiverem sido cedidos e se tal cessão não tiver sido feita no contexto da atividade comercial ou profissional do demandante, mas apenas se destinar à defesa conjunta dos respetivos direitos?»

21.      M. Schrems, a Facebook Ireland, os Governos austríaco, alemão e português, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. M. Schrems, a Facebook Ireland, o Governo austríaco e a Comissão participaram na audiência que teve lugar em 19 de julho de 2017.

IV.    Apreciação

22.      As presentes conclusões encontram‑se estruturadas da seguinte forma: em primeiro lugar, irei determinar se o demandante pode ser considerado um «consumidor» relativamente aos seus próprios direitos (A). Em segundo lugar, partindo do princípio de que este seja efetivamente um consumidor, examinarei a questão da competência baseada no foro especial do consumidor relativamente aos direitos cedidos ao demandante por outros consumidores (B).

A.      Primeira questão: quem é consumidor?

23.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se o demandante pode ser considerado um consumidor na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, no que respeita aos seus próprios direitos contra a demandada. Em especial, pergunta se é possível perder a qualidade de consumidor quando, depois de utilizar uma conta Facebook para fins privados, uma pessoa se dedica a atividades como a publicação de livros, a participação em conferências, a criação de sítios web ou a recolha de donativos. O órgão jurisdicional de reenvio refere ainda que algumas dessas atividades relacionadas com os pedidos do demandante (as conferências) foram remuneradas. Além disso, o demandante convidou outros consumidores a cederem‑lhe os seus direitos. É também sugerido que qualquer eventual benefício pecuniário relativo aos direitos cedidos será entregue aos cedentes após a dedução das despesas processuais.

24.      Todas as partes que apresentaram observações, com exceção da demandada, concordam que, no que diz respeito aos seus próprios direitos contra a Facebook Ireland, o demandante deve ser considerado um consumidor.

25.      A demandada defende o entendimento contrário. Alega que o demandante não pode invocar a regra de competência especial aplicável aos consumidores porque, à data relevante, aquando da instauração da ação, utilizava o Facebook para fins comerciais. A demandada invoca dois argumentos em apoio desta tese. Primeiro, é possível perder a qualidade de consumidor com o passar do tempo. A data que deve ser tida em conta para determinar a qualidade de consumidor é a data da instauração da ação, não a data da entrada em vigor do contrato. O demandante exerceu atividades profissionais relacionadas com os direitos que invoca contra a demandada. Como tal, deixou de poder ser considerado um consumidor para efeitos desses direitos. Segundo, a criação de uma página Facebook dedicada às atividades do demandante acima referidas significa que a utilização que este faz da conta Facebook é profissional ou comercial, porque tanto a conta Facebook como a página Facebook fazem parte de uma única relação contratual.

26.      Sem prejuízo de verificações adicionais pelo órgão jurisdicional de reenvio, e desde que os pedidos relativos às alegadas violações da privacidade e dos dados pessoais referidas pelo demandante respeitem à sua conta Facebook, tendo a concordar que o demandante pode ser considerado um consumidor para efeitos dos direitos emergentes do seu próprio contrato.

27.      No entanto, antes de chegar a essa conclusão, é necessário aprofundar dois elementos definidores do conceito tradicional de «consumidor» que se afiguram algo nebulosos no presente caso. Na subsecção 1, examinarei os elementos com base nos quais uma pessoa pode ser classificada como consumidor para efeitos do Regulamento n.o 44/2001 [alínea a)] e determinarei se a qualidade de consumidor pode mudar ao longo do tempo, relativamente à mesma relação contratual [alínea b)]. Seguidamente, analisarei o conceito de consumidor no contexto específico das redes sociais e do Facebook, que coloca ainda maiores desafios às definições tradicionais desse conceito (subsecção 2).

1.      Conceito de consumidor

a)      Finalidade do contrato: profissional ou privada?

28.      O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 limita o foro especial do consumidor à «matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada “o consumidor”».

29.      Nos termos dessa disposição, distinguem‑se dois elementos: primeiro, o consumidor não é definido em termos gerais e abstratos, mas sempre com referência a um «contrato». Segundo, esse contrato tem de ser celebrado «para finalidade» estranha à atividade comercial ou profissional de determinada pessoa.

30.      O primeiro elemento é importante para o caso em apreço. Significa que a avaliação da qualidade de consumidor depende sempre do contrato: tem de ser considerada a relação contratual específica em causa. Não se trata de uma apreciação abstrata ou global da qualidade pessoal predominante.

31.      O segundo elemento, a «atividade comercial ou profissional», respeita, em termos gerais, à atividade económica da pessoa. Isto não significa que o contrato em causa deva estar necessariamente associado ao lucro económico imediato. Significa, sim, que esse contrato foi celebrado no âmbito de uma atividade económica contínua e estruturada.

32.      Esta abordagem à interpretação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 parece resultar de uma linha jurisprudencial constante do Tribunal de Justiça. No passado, o Tribunal de Justiça rejeitou uma interpretação da qualidade de consumidor associada à perceção geral das atividades ou dos conhecimentos de uma determinada pessoa. Para determinar a qualidade de consumidor, há que atender à posição dessa pessoa num contrato determinado, em conjugação com a natureza e finalidade deste (8). Por conseguinte, conforme observado com grande lucidez por vários advogados‑gerais (9) e confirmado pelo Tribunal de Justiça, o conceito de «consumidor» tem «caráter objetivo e é independente dos conhecimentos concretos que a pessoa em questão possa ter, ou das informações de que essa pessoa realmente dispõe» (10).

33.      Isto significa que uma pessoa pode, mesmo no decurso de um só dia, atuar na qualidade de profissional e de consumidor, consoante a natureza e a finalidade do contrato que foi celebrado. Por exemplo, um advogado de profissão, especialista em direito dos consumidores, não deixa de ser um consumidor, não obstante a sua atividade profissional e os seus conhecimentos, sempre que estabelece uma relação contratual para fins privados.

34.      Consequentemente, o que importa é o fim para o qual o contrato foi celebrado. É verdade que, ainda que útil, esse critério pode nem sempre ser perfeitamente claro. Podem existir contratos com «dupla finalidade», que prosseguem tanto fins profissionais como pessoais. O Tribunal de Justiça teve oportunidade de analisar esta questão no conhecido processo Gruber, relativo à Convenção de Bruxelas. Decorre desse acórdão que, nos contratos que tenham dupla finalidade, a qualidade de consumidor só é conservada se a relação entre o contrato e a atividade profissional do interessado for «tão ténue que se tornaria marginal», o que significa que teria um papel despiciendo no contexto em que o contrato foi celebrado (considerado globalmente) (11).

b)      Tempo: uma abordagem estática ou dinâmica?

35.      A questão dos contratos com «dupla finalidade», em que ambas as finalidades existem ao mesmo tempo (normalmente, no momento da celebração do contrato), distingue‑se da possibilidade de ter em conta a evolução temporal da finalidade e do objetivo de uma relação contratual. Pode um contrato celebrado com uma finalidade exclusivamente privada passar a ter uma finalidade exclusivamente profissional ou vice‑versa? Como resultado, pode a qualidade de consumidor perder‑se ao longo do tempo?

36.      O demandante, assim como os Governos alemão e austríaco, consideram que não é possível perder a qualidade de consumidor. No seu entender, o ponto de referência é o momento da celebração do contrato.

37.      Pelo contrário, a demandada defende uma abordagem «dinâmica» ao conceito de consumidor, uma tese a que a Comissão não se opõe. De acordo com essa abordagem, a qualidade de consumidor deve ser determinada no momento em que a ação é instaurada.

38.      Compreendo bem que as considerações de previsibilidade e as expectativas legítimas das partes contratantes revestem fundamental importância. Por conseguinte, as partes num contrato devem poder confiar na qualidade da contraparte, determinada à data da celebração do contrato.

39.      Todavia, em termos abstratos e em situações algo excecionais, a abordagem «dinâmica» à qualidade de consumidor não deveria ser completamente excluída. Essa abordagem poderia ser relevante nos casos em que um contrato não especifica o seu objetivo ou comporta diversos propósitos, e tem uma vigência longa ou até uma duração indeterminada. Poder‑se‑á dizer que, em tais casos, a finalidade a que um determinado serviço contratual se destina pode ser alterada — não só parcialmente, mas mesmo completamente.

40.      Imaginemos que M. Smith assinou um contrato de prestação de serviços de comunicação eletrónica, como uma conta de correio eletrónico. Uma vez celebrado, M. Smith fez desse contrato uma utilização para fins meramente privados. Porém, mais tarde, começou a utilizar essa conta também para o seu negócio. Dez anos depois, acabou por utilizar os serviços de comunicação eletrónica exclusivamente para fins comerciais. Se as condições contratuais originais não excluem essa utilização e não houve qualquer renovação, alteração ou emenda do contrato durante esses dez anos, é possível que essa utilização continue a ser qualificada de «privada»?

41.      Portanto, sugiro que não fechemos completamente a porta às alterações subsequentes da utilização. É possível que ocorram. Contudo, devem limitar‑se a circunstâncias excecionais. Continua a ser lícito e correto o pressuposto de que a finalidade para a qual o contrato foi originalmente celebrado é determinante. Se, e apenas se, for claramente demonstrado, com base nos factos do processo, que esse pressuposto já não é válido, a qualidade de consumidor pode ser reavaliada.

c)      Conclusão provisória

42.      Resulta das considerações precedentes que os elementos essenciais em que se deve basear a determinação da qualidade de consumidor para efeitos dos artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001 são a natureza e a finalidade do contrato a que respeita(m) o(s) pedido(s). Em casos complexos em que a natureza e a finalidade de um contrato são mistas, ou seja, tanto privadas como profissionais, há que determinar se o «conteúdo» profissional pode ser considerado marginal. Se, efetivamente, for esse o caso, a qualidade de consumidor poderá ainda ser conservada. Além disso, não se exclui que, em certas situações excecionais, devido ao conteúdo indeterminado e à potencialmente longa vigência do contrato, a qualidade de uma das partes possa variar ao longo do tempo.

2.      Um consumidor que utiliza as redes sociais

43.      A aplicação dos princípios acima mencionados no contexto das redes sociais não é inteiramente inequívoca [alínea a)]. Além disso, a falta de conhecimento sobre a natureza exata das relações contratuais no processo principal dificulta mais a avaliação [alínea b)]. No entanto, procurarei auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio descrevendo as várias alternativas que, sem prejuízo de adicionais verificações factuais, se poderão concretizar.

a)      Quanto às escolhas binárias e qualidades mistas

44.      As plataformas das redes sociais como o Facebook não se encaixam facilmente nas definições algo simplistas do Regulamento n.o 44/2001. O artigo 15.o, n.o 1, desse regulamento distingue entre consumidores e não consumidores. Porém, algumas utilizações e utilizadores efetivos do Facebook escapam a esta classificação binária.

45.      Existem, naturalmente, situações que são evidentes. Por um lado, temos o perfil de um adolescente, com uma série de selfies e comentários que contêm mais emoticons e pontos de exclamação do que palavras. Esse perfil exprime um universo social peculiar, mas certamente de natureza não profissional, que se mede pelo número de amigos e de «gostos» recebidos. Por outro lado, temos a apresentação claramente comercial de uma grande empresa que, não obstante utilizar o Facebook como uma forma de publicidade, consegue ter um número surpreendente de «amigos» e «seguidores».

46.      Contudo, entre estes dois extremos (um claramente privado e outro nitidamente profissional), há cinquenta sombras de azul Facebook. Em especial, uma conta Facebook que seja privada pode também ser utilizada para efeitos de promoção pessoal, com impacto ou finalidade profissional. Qualquer pessoa pode publicar conteúdos acerca das suas realizações profissionais e atividades de natureza (quase) profissional e partilhá‑los com uma comunidade de «amigos». Os conteúdos profissionais sob a forma de comunicação de discursos públicos ou publicações podem até tornar‑se predominantes e ser partilhados com grandes comunidades de «amigos» e de «amigos de amigos», ou ser totalmente «públicos».

47.      Não é somente o caso dos músicos, dos jogadores de futebol, dos políticos e dos ativistas sociais mas também o dos académicos e de muitas outras profissões. Imaginemos um professor de física multifacetado, que começou por abrir uma conta Facebook apenas para partilhar fotografias pessoais com os amigos. Gradualmente, porém, começa a publicar algumas coisas sobre a sua última investigação. Publica informações sobre os seus mais recentes artigos, palestras e outras aparições públicas. Além disso, é um cozinheiro e fotógrafo entusiasta, que disponibiliza receitas online, juntamente com fotografias tiradas em salas de conferência de todo o mundo. Algumas dessas fotografias têm até valor artístico e podem ser compradas. Tudo isso é temperado com imagens dos seus adorados gatos e com comentários espirituosos sobre a situação política atual, que frequentemente atraem a atenção dos meios de comunicação e resultam em convites para debates e entrevistas por toda a Europa.

48.      No meu entender, essas utilizações não conferem caráter profissional ou comercial a uma conta Facebook. Na verdade, a natureza de uma rede social concebida para encorajar o desenvolvimento pessoal e a comunicação pode, quase inevitavelmente, conduzir a situações em que a vida profissional de uma pessoa se infiltra na rede. Todavia, todas estas dimensões constituem claramente uma expressão da pessoa e da sua personalidade. Apesar de ser evidente que, de uma forma ou de outra, algumas dessas utilizações contribuem efetivamente para a «autopromoção» e para a melhoria da situação profissional de uma pessoa, isso só pode acontecer a longo prazo. Essas utilizações não visam provocar um efeito comercial imediato.

49.      Pelo contrário, hoje em dia existe todo um conjunto de profissões que esbatem a linha que separa as ligações privadas e profissionais na comunicação eletrónica, em especial nas redes sociais. Algumas utilizações podem parecer privadas, mas têm uma natureza inteiramente comercial. As personalidades influentes que se dedicam ao marketing nas redes sociais, os consumidores profissionais ou os gestores de comunidades podem utilizar as suas contas pessoais nas redes sociais como uma ferramenta de trabalho indispensável (12).

50.      Ainda que seja objeto de alguma discussão no contexto do presente processo, não tenho a certeza de que a resolução desses cenários complexos se imponha no caso vertente. De acordo com os factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, entre 2008 e 2010, o demandante utilizou a conta Facebook que criou exclusivamente para fins privados.Desde 2011, utiliza também uma página Facebook. Portanto, afigura‑se que a utilização inicial e em curso da conta Facebook é essencialmente privada. O que, todavia, não é claro e carece de ser esclarecido é a relação exata entre as contas Facebook e as páginas Facebook, bem como a correspondente natureza da relação contratual entre o demandante e a demandada.

b)      Quanto às contas Facebook e páginas Facebook

51.      Na audiência, o demandante e a demandada foram convidados a clarificar as complexidades contratuais das contas Facebook e das páginas Facebook. Contudo, ambas as partes interessadas defenderam posições incompatíveis. O demandante sustenta que existem dois contratos diferentes para a página Facebook e para a conta Facebook, uma vez que o utilizador tem de aceitar termos e condições independentes. Além disso, alega que, enquanto a conta Facebook é pessoal, as páginas Facebook podem ser geridas por pessoas diferentes. Com efeito, o demandante afirma que abandonou a página Facebook que criou, e que já não é um dos seus administradores. A demandada, porém, alega que, tanto a conta Facebook como a página Facebook fazem parte de uma mesma relação contratual. Uma página Facebook não pode ser criada sem um perfil Facebook, e ambos são inseparáveis da conta Facebook inicial.

52.      Saber se o demandante e a demandada estão vinculados por um ou mais contratos e se as alegações do demandante de violação da privacidade e de dados pessoais respeitam exclusivamente à conta Facebook ou também à página Facebook são questões que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar. Ainda assim, alguns elementos contidos nos autos ao dispor do Tribunal de Justiça e nas observações apresentadas pelas partes interessadas poderão talvez auxiliar o órgão jurisdicional de reenvio a esse respeito.

53.      Primeiro, uma conta Facebook é criada através da aceitação dos termos gerais de serviço. Segundo, o Facebook oferece serviços adicionais que são disponibilizados aos utilizadores que já possuem uma conta Facebook. Um desses serviços é a possibilidade de criar páginas Facebook, que se destinariam a fins empresariais, comerciais ou profissionais. Não obstante ser necessário ter uma conta Facebook para poder criar uma página Facebook, afigura‑se que tenham de ser aceites termos de serviço adicionais. Terceiro, embora as contas Facebook na sua forma básica (um perfil Facebook, incluindo a «cronologia» ou o «mural», fotografias, amigos) sejam normalmente utilizadas para fins privados, a sua utilização profissional não fica excluída. No entanto, conforme alega a demandada nas suas observações escritas, nos termos do ponto 4.4 das condições de utilização de 2013, os utilizadores comprometem‑se a não utilizar a «cronologia pessoal com um intuito principal de proveito comercial e [a utilizar] uma Página do Facebook para tais fins».

c)      Opções

54.      Portanto, consoante as eventuais conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, são possíveis duas situações. Na primeira, existiam dois contratos separados (um para a conta Facebook e outro para a página Facebook). Na segunda, havia um único contrato que englobava os dois «produtos».

55.      Caso existissem dois contratos separados e os direitos em causa respeitassem à conta Facebook, a qualidade de consumidor do demandante teria de ser determinada exclusivamente em função da natureza e da finalidade do contrato relativo a essa conta. A utilização da página Facebook não altera a avaliação da qualidade de consumidor em virtude da conta Facebook.

56.      Por conseguinte, o demandante gozaria da qualidade de consumidor se, como parece resultar da decisão de reenvio, tivesse utilizado a sua conta Facebook para fins privados durante o período relevante. Com efeito, decorre da avaliação da qualidade de consumidor em termos objetivos e em função do contrato que o facto de o demandante se ter especializado academicamente e exercer as suas atividades num domínio relacionado com os seus próprios direitos que invoca contra a Facebook não é, só por si, decisivo. Os conhecimentos, a experiência, o empenho cívico ou o facto de ter conseguido uma certa reputação por força dos litígios não obstam, em si mesmos, a que alguém seja um consumidor.

57.      No meu entender, essa conclusão não se altera mesmo nos casos de associação entre dois contratos, sob a forma de um contrato principal (a conta Facebook) e um contrato suplementar conexo (a página Facebook). Com efeito, tratando‑se de dois contratos separados, ainda que estreitamente interligados, a natureza do contrato acessório não pode alterar a natureza do contrato principal (13).

58.      Se existisse apenas um único contrato que englobasse a conta Facebook e a página Facebook, o critério do acórdão Gruber seria pertinente. Segundo esse critério, o órgão jurisdicional nacional teria de examinar em que medida poderia o conteúdo profissional ser considerado despiciendo.

59.      Todavia, relativamente ao acórdão Gruber, importa salientar dois aspetos adicionais. Primeiro, no meu entender, o que o acórdão Gruber pretende estabelecer é que o que deve permanecer despiciendo num único contrato são as atividades com objetivo e impacto comercial imediato, no sentido de que a motivação principal da utilização seja uma atividade estruturada e geradora de lucro. Segundo, tem de ser apreciada a dinâmica potencial da relação contratual caso a natureza e a finalidade do contrato não decorram dos seus termos e, com base nos factos apurados, se verificar uma clara evolução do tipo de qualidade em que o demandante utilizou esse contrato único.

60.      Todavia, em ambos os tipos de avaliação, impõe‑se uma determinada flexibilidade no contexto específico das redes sociais (14), em que algumas utilizações relativas à reputação e à notoriedade profissional representam um prolongamento da personalidade do utilizador. Não existindo um impacto comercial direto e imediato, continuam a ser casos de utilização privada.

d)      Conclusão provisória

61.      Em virtude da análise precedente, e sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional nacional, afigura‑se que o demandante pode ser considerado um consumidor relativamente aos seus próprios direitos emergentes da utilização privada da sua própria conta Facebook.

62.      Por conseguinte, proponho que a resposta do Tribunal de Justiça à primeira questão seja a de que «o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a prossecução de atividades como a publicação de livros, a participação em conferências, a gestão de sítios web ou a recolha de donativos no contexto da defesa da aplicação de direitos não determina a perda da qualidade de consumidor relativamente aos direitos respeitantes à utilização da própria conta Facebook de uma pessoa para fins privados».

B.      Segunda questão: competência para conhecer dos direitos cedidos

63.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou ao Tribunal de Justiça se um consumidor pode invocar o foro especial do consumidor previsto no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, não apenas em relação aos seus próprios direitos mas também em relação aos direitos que lhe foram cedidos por outros consumidores domiciliados no mesmo Estado‑Membro, em outros Estados‑Membros e em Estados terceiros. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se isso é possível nos casos em que os direitos cedidos ao demandante decorrem de contratos celebrados com consumidores em que estão em causa o mesmo demandado e o mesmo contexto jurídico.

64.      O demandante e os Governos austríaco, alemão e português sustentam que M. Schrems pode invocar o foro do consumidor relativamente aos seus próprios direitos, bem como em relação a todos os direitos que lhe foram cedidos por outros consumidores (independentemente do lugar do domicílio dos cedentes).

65.      A demandada defende a tese contrária: o foro do consumidor não é aplicável aos direitos cedidos. Só uma parte na relação contratual pode beneficiar do foro especial previsto no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001. Mesmo que se aceite que o demandante é um consumidor, ele não possui essa qualidade no tocante aos direitos cedidos.

66.      A Comissão partilha do entendimento da demandada de que o demandante não pode fazer valer no órgão jurisdicional do lugar do seu domicílio os direitos que lhe foram cedidos por consumidores domiciliados noutros Estados‑Membros ou em Estados terceiros. Todavia, o foro especial previsto no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 poderia ser aplicável, segundo a Comissão, em relação aos direitos cedidos por outros consumidores austríacos, mesmo que domiciliados noutros lugares desse mesmo Estado‑Membro.

67.      Devo admitir que não vejo de que modo a interpretação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 44/2001 proposta pelo demandante pode ser conciliada com a letra e com o espírito dessa disposição. Nas suas alegações, o demandante faz algumas propostas interessantes acerca da necessidade de uma ação coletiva para proteção dos consumidores na União Europeia. Porém, na minha perspetiva, por mais poderosos no plano político, a maioria desses argumentos diz respeito a reflexões sobre o potencial futuro do direito e não encontra grande apoio na legislação atual.

68.      Começarei por fazer uma clarificação (breve, mas, no contexto do presente caso, muito necessária) acerca da natureza do processo principal e do alcance da segunda questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça (subsecção 1). De seguida, exponho a minha análise dessa questão, com base numa interpretação literal, sistemática e teleológica das disposições pertinentes (subsecção 2), antes de abordar os amplos argumentos de política do demandante (subsecção 3).

1.      Clarificações prévias

a)      Ações coletivas «à moda da Áustria»

69.      A perceção daquilo que se qualifica de uma ação coletiva pode, naturalmente, variar em função da definição concreta que tenha sido adotada. Ainda assim, tenho de admitir a minha dificuldade, ao analisar atentamente a redação e a aplicação da disposição nacional em causa no presente processo, a saber, o § 227 do ZPO, em referir‑me a essa disposição como um instrumento de «ação coletiva» (15), pelo menos no que respeita às regras sobre competência territorial.

70.      Conforme foi explicado nas várias observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, o § 227, n.o 1, do ZPO permite que diferentes pedidos de um demandante contra o mesmo demandado sejam apreciados conjuntamente no mesmo processo, desde que estejam satisfeitas duas condições. Primeiro, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação deve ter competência para conhecer de cada um dos pedidos, incluindo competência territorial. Segundo, a todos os pedidos deve aplicar‑se a mesma forma de processo.

71.      A aplicação prática dessa disposição pode ser exemplificada através dos factos de um processo que creio ser a decisão mais importante do Oberster Gerichsthof (Supremo Tribunal) nessa matéria (16). Nesse processo, 684 consumidores que alegavam que as taxas de juro dos seus créditos ao consumo violavam a legislação aplicável cederam os seus direitos contra o banco em causa a uma pessoa coletiva, a «Bundeskammer für Arbeiter und Angestellte» (Tribunal Federal Laboral, Áustria). No contexto de um recurso de «Revision», o Oberster Gerichsthof (Supremo Tribunal) admitiu a cumulação de pedidos num único processo. No entanto, esse acórdão respeitava exclusivamente à questão da competência material. Conforme expressamente declarado pelo Oberster Gerichsthof (Supremo Tribunal), a competência territorial do órgão jurisdicional austríaco demandado nunca foi contestada (17).

72.      Consequentemente, se todas as condições previstas no § 227, n.o 1, do ZPO estiverem satisfeitas, aquilo que pode revestir alguma flexibilidade são, conforme prenuncia o § 227, n.o 2, do ZPO, as questões de competência ratione materiae, mas não ratione loci.

73.      Em suma, concluo que, nos termos do direito nacional, o § 227 do ZPO não constitui base jurídica suficiente para determinar uma alteração da competência internacional ou a instituição de um novo foro para o consumidor‑cessionário.

b)      Interpretação do presente processo

74.      Há que salientar um segundo elemento. O processo no órgão jurisdicional nacional é entendido como a cessão de um direito emergente de um contrato: foram cedidos ao demandante vários direitos com conteúdo idêntico ao dos próprios direitos deste contra a demandada. Por conseguinte, o demandante ocupou o lugar desses outros utilizadores do Facebook apenas no tocante aos direitos específicos cedidos. No entanto, os contratos entre esses utilizadores e a demandada permanecem em vigor relativamente a todos os outros aspetos da relação entre as partes contratantes originais. Processualmente, o demandante (que é o cessionário) é o único demandante na ação principal.

75.      Neste contexto, o demandante em essência defende, exclusivamente com base no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, a criação de um segundo nível de competência especial. O demandante não alega que o foro especial inicial do «consumidor» cedente se extinguiria, o que significa que os cedentes originais podem ainda potencialmente demandar a Facebook relativamente a outros elementos do contrato que não foram cedidos, no lugar do seu próprio domicílio. O que o demandante pede, na realidade, é que o foro especial do consumidor previsto no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 possa ser reutilizado para criar um segundo foro especial, desta vez para o cessionário e para os direitos cedidos.

76.      Em face do exposto, é algo surpreendente que o demandante invoque em apoio da sua tese os princípios da efetividade e da equivalência a propósito do mecanismo de direito austríaco acima referido. Esses princípios limitam a autonomia processual dos Estados‑Membros. Não vejo de que modo seriam pertinentes no presente processo para determinar a competência jurisdicional. Tanto mais que o direito nacional não prevê o estabelecimento da competência internacional que o demandante propugna.

2.      Interpretação da lei em vigor

77.      Tendo presentes os dois esclarecimentos prévios prestados na secção precedente, é evidente que a ação do demandante depende exclusivamente da interpretação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001. Pode essa disposição, só por si, estabelecer um novo foro especial de outro consumidor que não era parte no contrato original em causa?

a)      Letra

78.      O demandante alega que o consumidor que instaura a ação não tem de ser necessariamente o mesmo consumidor que é parte no contrato. Tanto o demandante como o Governo alemão sublinham que a versão inglesa do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 designa por «a consumer» [um consumidor] e não por «the consumer» [o consumidor] a pessoa que pode instaurar a ação [na versão portuguesa, «o consumidor»]. Segundo o demandante, exigir a identidade entre as partes contratuais e as partes processuais equivaleria a uma condição contra legem não escrita de aplicação do artigo 16.o, n.o 1, que não é admissível nos termos do regulamento.

79.      Este argumento não procede. A redação tanto do artigo 15.o como do artigo 16.o do Regulamento n.o 44/2001 sublinha claramente a importância da identidade das partes da relação contratual concreta na determinação da aplicabilidade dessas disposições.

80.      Em primeiro lugar, afigura‑se algo rebuscado extrair conclusões tão significativas do simples emprego de um artigo indefinido no início de uma frase. E esse argumento começa a desmoronar‑se quando analisamos outras versões linguísticas, como as das línguas eslavas, que não usam artigos (in)definidos e nas quais, portanto, não se faz tal distinção. Mas, acima de tudo, mesmo nas línguas que usam artigos e que fazem esta distinção, é lógico que, sendo mencionada pela primeira vez numa frase, a primeira referência à palavra «consumidor» seja precedida do artigo indefinido «um» e que a segunda referência seja precedida do artigo definido «o».

81.      Em segundo lugar, a redação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 é clara: «[o] consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato» (18). No mesmo sentido, o artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 estabelece que «[a] outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor» (19).

82.      Essas disposições referem claramente a outra parte num contrato. Isto demonstra que o foro especial está sempre circunscrito às partes concretas e específicas no contrato. Consequentemente, dissociar do contrato as partes contratuais seria contrário à leitura natural dessas disposições. Portanto, subscrevo inteiramente o entendimento do advogado‑geral M. Darmon quando refere que as expressões «o consumidor pode intentar uma ação» e «[a outra parte no contrato] pode intentar uma ação contra o consumidor» revelam que a proteção é concedida «expressamente [a]o consumidor na medida em que ele seja pessoalmente requerente ou requerido num processo» (20).

b)      Contexto

83.      Existem outros três argumentos sistemáticos que reforçam a tese contrária à proposta do demandante de dissociar as partes no processo e as partes na relação contratual.

84.      Primeiro, logicamente, o artigo 16.o deve ser interpretado em conjugação com o artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001. O último define o âmbito de aplicação da secção 4, dedicada à competência em matéria de contratos celebrados por consumidores. O Tribunal de Justiça já declarou que «o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 é aplicável no caso de estarem preenchidos três requisitos, a saber: em primeiro lugar, a existência de uma parte contratual na qualidade de consumidor que atue num âmbito que possa ser considerado estranho à sua atividade comercial ou profissional; em segundo lugar, ter sido efetivamente celebrado um contrato entre esse consumidor e um profissional; e, em terceiro lugar, esse contrato integrar uma das categorias referidas no dito artigo 15.o, n.o 1, alíneas a) a c)» (21).

85.      Uma interpretação segundo a qual o artigo 16.o do Regulamento n.o 44/2001 engloba os pedidos de um consumidor fundados em contratos celebrados por outros consumidores eliminaria o nexo lógico entre os artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001. Alargaria o alcance da regra de competência especial para além dos casos expressamente previstos nessas disposições.

86.      Com efeito, conforme analisado nos n.os 28 a 34 das presentes conclusões relativamente à primeira questão prejudicial, como foi reconhecido pelo demandante, a regra de competência especial relativa aos consumidores visa proteger as pessoas, na sua qualidade de consumidores num determinado contrato. Portanto, seria algo contraditório admitir que um nexo tão estreito entre a qualidade de consumidor e um determinado contrato se esvaísse ao estabelecer o foro especial do consumidor com base num direito emergente de um contrato celebrado por outra pessoa.

87.      Em segundo lugar, ao contrário do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que refere a competência «[e]m matéria de contrato», sem qualquer especificação adicional quanto à identidade das partes contratuais que a podem invocar, o artigo 16.o, n.o 1, desse regulamento é muito mais preciso e limitado. Esta última disposição menciona expressamente o consumidor e a outra parte no contrato. Efetivamente, a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, admite maior margem de manobra e flexibilidade em termos da identidade do demandante, desde que exista um compromisso livremente assumido (22). Em circunstâncias limitadas, permite a execução das obrigações contratuais por um terceiro (pessoa singular ou coletiva) que não era a parte contratante inicial. Contudo, a redação inequivocamente diferente e mais restrita do artigo 16.o, n.o 1, não admite essa interpretação.

88.      Em terceiro lugar, o foro do consumidor previsto nos artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001 diverge tanto da regra geral de competência estabelecida no artigo 2.o, n.o 1, desse regulamento (que atribui competência aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do demandado) como da regra de competência especial dos contratos, estabelecida no artigo 5.o, n.o 1, do mesmo regulamento (segundo a qual a competência pertence aos órgãos jurisdicionais do lugar do cumprimento da obrigação em que o pedido se funda). Consequentemente, os artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 44/2001 não devem ser interpretados no sentido de alargar o benefício do forum actoris para lá das situações para as quais foi expressamente estabelecido (23).

c)      Finalidade

89.      A essência dos argumentos do demandante assenta em considerações teleológicas. Esses argumentos podem ser divididos em três grupos.

90.      Primeiro, o demandante alega que, uma vez que o cedente e o cessionário são consumidores, ambos merecem proteção. O objetivo da disposição em causa de proteger a parte vulnerável obstaria a uma interpretação segundo a qual as partes no contrato deveriam ser as mesmas que as partes no litígio.

91.      Segundo, no que toca ao objetivo de previsibilidade do foro, geralmente prosseguido pelo Regulamento n.o 44/2001, o demandante alega que a demandada não tem expectativas legítimas quanto a um foro específico. A segurança relativa ao foro do consumidor é limitada na medida em que este pode sempre mudar o seu domicílio. Por conseguinte, é irrelevante que o foro seja alterado em função de uma mudança de domicílio ou de uma transferência de direitos por meio de cessão. Além disso, a Facebook dirige as suas atividades [na aceção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001] a todo o mundo, incluindo a Áustria. Logo, a demandada podia ter previsto que seriam instauradas ações nos órgãos jurisdicionais austríacos.

92.      Terceiro, o demandante sugere que o artigo 16.o do Regulamento n.o 44/2001 deveria ser interpretado no sentido de admitir o foro do consumidor‑cessionário relativamente aos direitos cedidos para promover a tutela coletiva por motivos relacionados com a vulnerabilidade dos consumidores, com a proteção jurisdicional efetiva e com o objetivo de evitar múltiplos processos concorrentes.

93.      Os argumentos respeitantes ao objetivo de proteção do consumidor como parte mais fraca (1) e os respeitantes à previsibilidade do foro e à prevenção dos processos concorrentes (2) são, no meu entender, pertinentes no contexto do Regulamento n.o 44/2001, na sua formulação atual. Portanto, analisarei cada um deles sucessivamente na parte remanescente da presente secção, antes de concluir com a questão da competência territorial (3).

1)      Objetivo de «proteção da parte mais fraca»

94.      O demandante alega que a sua tese sobre a correta interpretação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o elemento determinante para a aplicação do foro especial do consumidor é a necessidade abstrata de proteção (24).

95.      Como afirmação geral, não posso deixar de concordar que o Tribunal de Justiça tem atribuído sistematicamente uma importância fundamental ao objetivo de proteção dos consumidores como partes mais fracas quando interpreta as disposições relativas ao foro especial do consumidor do Regulamento n.o 44/2001. Porém, ao nível das disposições legais concretas, não posso perfilhar a representação da jurisprudência propugnada pelo demandante.

96.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça já teve efetivamente oportunidade de analisar se o forum actoris do consumidor é aplicável aos cessionários de direitos de consumidores que não são, eles próprios, partes no contrato. Nos acórdãos Henkel e Shearson Lehman Hutton, o Tribunal de Justiça concluiu que o foro especial do consumidor não era aplicável a pessoas coletivas que agem na qualidade de cessionárias dos direitos de um consumidor. No entanto, o Tribunal de Justiça chegou a essa conclusão não apenas porque, como alega o demandante, essas pessoas coletivas (uma empresa privada e uma associação de consumidores) não eram «as partes mais fracas» mas também porque, conforme claramente afirmado em ambos os acórdãos, essas pessoas não eram, elas próprias, partes no contrato (25).

97.      Segundo, de acordo com o demandante, a jurisprudência do Tribunal de Justiça assenta numa necessidade abstrata de proteção dos consumidores como o elemento decisivo para a determinação do foro, independentemente de estarem em causa direitos cedidos. A este respeito, tanto o Governo austríaco como o demandante citaram o acórdão Vorarlberger Gebietskrankenkasse, em que o Tribunal de Justiça afirmou que, ao contrário dos organismos de segurança social, «esse cessionário legal dos direitos do lesado direto, se puder por si próprio ser considerado parte fraca, deve poder beneficiar das regras especiais de competência jurisdicional constantes dessas disposições. É esse o caso, nomeadamente […] dos herdeiros da vítima de um acidente» (26).

98.      Na medida em que a invocação desse acórdão ainda possa revestir alguma relevância à luz do recente acórdão MMA IARD(27) do Tribunal de Justiça, que flexibilizou consideravelmente a abordagem preconizada no acórdão Vorarlberger Gebietskrankenkasse, a analogia com o presente processo é descabida por duas razões. Primeiro, a regra especial de competência em matéria de seguros é concebida de forma diferente e, em si mesma, muito mais (28). Segundo, e mais importante, no acórdão Vorarlberger Gebietskrankenkasse, pedia‑se a manutenção do foro especial já existente e a sua transmissão a um terceiro. O que o demandante efetivamente pede é a criação de um novo foro especial de competência, específico do cessionário dos direitos ou sucessor nos mesmos, numa situação em que esses direitos foram cedidos apenas para efeitos processuais.

2)      Previsibilidade e prevenção de processos concorrentes

99.      O demandante, bem como os Governos alemão e austríaco, sublinharam que a aplicação do foro especial do consumidor relativo ao consumidor‑cessionário a todos os direitos cedidos (quer cedidos por consumidores domiciliados nos mesmos Estados‑Membros, em Estados‑Membros diferentes ou em Estados terceiros) não compromete os objetivos de segurança jurídica e de previsibilidade. Em primeiro lugar, a segurança relativa ao foro do consumidor é limitada na medida em que este pode sempre mudar o seu domicílio. Segundo, a Facebook dirige as suas atividades [na aceção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001] a todo o mundo, incluindo a Áustria. Logo, essa empresa podia ter previsto que seriam instauradas ações nos órgãos jurisdicionais austríacos. Terceiro, a cumulação de pedidos podia até constituir uma vantagem para a demandada, que não teria de contestar várias ações em diferentes Estados‑Membros. Acresce que se evitaria o risco de decisões divergentes. Além disso, o demandante alega que não pede o reconhecimento de um novo foro que não teria já o direito de invocar, uma vez que já beneficia do foro do consumidor no tocante aos seus próprios direitos.

100. É verdade que, segundo o considerando 11 do Regulamento n.o 44/2001, as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica. Além do mais, de acordo com o considerando 15, «[o] funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes».

101. Tenho de reconhecer que teria interpretado o imperativo de previsibilidade da competência consagrado no Regulamento n.o 44/2001 no sentido de se basear principalmente nos factos respeitantes a uma relação jurídica concreta. A questão é então essencialmente a seguinte: se eu estabelecer uma determinada relação jurídica, qual será provavelmente o foro competente?

102. A leitura da «previsibilidade» defendida pelo demandante assenta nitidamente numa abordagem diferente. Na verdade, reproduz a mesma lógica já avançada ao nível semântico, sugerindo que, também em termos de previsibilidade, se um profissional tem «um consumidor» num determinado foro, deve poder razoavelmente prever que pode ser demandado por «qualquer consumidor» ou, até, por «todos os seus consumidores» nesse foro.

103. Discordo. Todavia, mesmo que aceitássemos a abordagem proposta pelo demandante, o que não é o caso, diversos problemas subsistem.

104. Primeiro, conforme alega a demandada, impõem‑se importantes considerações relacionadas com a segurança jurídica: o risco do forum shopping.

105. É verdade que o lugar do domicílio do consumidor não é fixo. Como acontece com a regra do Estado‑Membro em que o demandado tem domicílio, esse lugar é variável (29). Contudo, isso não implica que a previsibilidade e a segurança jurídica sejam absolutamente desprovidas de relevância. A solução proposta pelo demandante permitiria a cumulação de pedidos e, no caso das ações coletivas, a seleção do foro mais favorável, através da cessão de todos os direitos a um consumidor domiciliado nesse foro. Tal como refere a demandada, essa solução poderia conduzir a uma cessão desenfreada e direcionada para os consumidores do foro com a jurisprudência mais favorável, com as despesas mais baixas ou com o apoio judiciário mais generoso, resultando potencialmente na sobrecarga de alguns foros (30).

106. Segundo, a criação de um novo foro do consumidor relativo ao consumidor‑cessionário no que respeita aos direitos cedidos por outros consumidores é suscetível de conduzir a uma fragmentação e multiplicação de foros. Por um lado, o cessionário não assume a posição contratual do cedente. Não há sub‑rogação na posição do consumidor nem nos direitos substantivos inerentes ao contrato. Os direitos cedidos são especificamente separados do contrato, para o efeito específico do litígio. O foro do consumidor do cedente inicial manter‑se‑ia para os outros direitos contratuais, provocando uma potencial fragmentação dos direitos emergentes de um único contrato. Por outro lado, seria então evidentemente possível que o cedente cedesse, a diferentes cessionários, diferentes direitos emergentes do seu contrato. Se cada um desses cessionários fosse um consumidor, poderia ser criado um conjunto de foros especiais em paralelo.

107. Esses receios intensificam‑se significativamente no caso dos direitos cedidos por consumidores domiciliados em Estados terceiros (31). A possibilidade de instaurar no foro do consumidor‑cessionário ações fundadas em direitos emergentes de contratos celebrados com consumidores domiciliados em Estados terceiros não coexiste pacificamente com a letra do Regulamento n.o 44/2001. É verdade que o Tribunal de Justiça determinou que o Regulamento n.o 44/2001 se aplica independentemente de o requerente ter ou não domicílio num Estado terceiro (32). No entanto, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), que é pertinente para o presente caso, exige que «o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no EstadoMembro do domicílio do consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse EstadoMembro ou a vários Estados incluindo esse EstadoMembro, e o dito contrato seja abrangido por essa atividade». Consequentemente, não obstante o artigo 16.o referir apenas o «lugar onde o consumidor tiver domicílio», as observações precedentes deixam bem claro que esse «lugar» deve ser num Estado‑Membro.

108. Por último, o demandante invocou o acórdão CDC Hydrogen Peroxide (33) para sustentar que o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que a ação coletiva não é um obstáculo à aplicação das regras especiais de competência previstas no Regulamento n.o 44/2001.

109. Porém, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou expressamente, no tocante ao artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, que «uma cessão de créditos, operada pelo credor originário, não pode, em si mesma, ter incidência na determinação do tribunal competente» (34). Consequentemente, o Tribunal de Justiça concluiu que a condição de aplicação dessa regra especial de competência (a localização do facto danoso) «deve ser apreciada para cada direito de indemnização, independentemente de uma cessão ou de uma reunião de que seja objeto» (35).

110. Em suma, as propostas aduzidas pelo demandante no presente processo encontram pouco apoio na jurisprudência. Mais uma vez, a diferença essencial é que o que o demandante efetivamente pede não é a transmissão de um foro especial, mas a criação de um foro novo relativo a um consumidor que não era parte no contrato original.

111. Essa posição é incompatível com a lógica fundamental das regras em matéria de cessão e de substituição. A jurisprudência invocada pelo demandante respeitava à conservação ou à perda do foro especial (do consumidor). Mas alegar que deve ser criado um novo foro especial para o cessionário exorbita claramente desta discussão.

112. Além do mais, a questão da cessão e da substituição em matéria de direitos é, no contexto do Regulamento n.o 44/2001, uma questão transversal, pertinente no contexto de vários critérios de atribuição de competência. Portanto, qualquer solução propugnada pelo Tribunal de Justiça em relação às regras sobre cessão de direitos no âmbito do artigo 16.o, n.o 1, teria evidentemente repercussões em todo o regulamento.

3)      Conclusão provisória (e nota final sobre a competência territorial)

113. Pelos motivos expostos, não creio que o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 possa ser interpretado no sentido de estabelecer um foro especial novo para um consumidor relativamente aos direitos de que sejam titulares outros consumidores domiciliados noutro Estado‑Membro ou em Estados terceiros e que lhe sejam cedidos.

114. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio formulou a sua segunda questão também em relação a uma terceira categoria de direitos cedidos: os que são cedidos por consumidores domiciliados no mesmo Estado‑Membro. Conforme referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, alguns direitos foram cedidos por outros consumidores domiciliados na Áustria. Além disso, é verdade que o artigo 16.o, n.o 1, faz referência à competência territorial: «perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio». Por conseguinte, o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, ao contrário da Convenção de Bruxelas, determina não só a competência internacional mas também a competência interna, com vista a oferecer maior proteção aos consumidores.

115. Nas suas observações, a Comissão comunga das preocupações quanto à segurança jurídica e à previsibilidade do foro no que respeita aos direitos cedidos por consumidores domiciliados em Estados terceiros e em outros Estados‑Membros. No entanto, admite a possibilidade de aplicação do foro do domicílio do consumidor‑cessionário, desde que tanto o cedente como o cessionário sejam consumidores, desde que os direitos sejam semelhantes e desde que ambos pudessem escolher o foro no mesmo Estado‑Membro. A Comissão explica que esta solução, ainda que aparentemente contrarie a redação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, constitui um meio mais eficaz de prosseguir os objetivos das disposições relativas ao foro especial do consumidor.

116. Tenho dificuldade em compreender a tese de que, apenas com base no Regulamento n.o 44/2001, deveria ser alcançada uma conclusão diferente em relação aos direitos cedidos por consumidores domiciliados no mesmo Estado‑Membro do consumidor‑cessionário, tendo em conta o texto do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que designa como órgãos jurisdicionais competentes os do «do lugar onde o consumidor tiver domicílio». Na falta de quaisquer outros argumentos convincentes, com base no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, a mesma conclusão deveria ser válida para todas as três categorias referidas na segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio (direitos cedidos por consumidores domiciliados em Estados‑Membros diferentes, em Estados terceiros e no mesmo Estado‑Membro).

117. Porém, o facto de o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 não estabelecer um foro especial novo não significa, no meu entender, que obste a esse foro nos casos em que o direito nacional o preveja a nível interno. A lógica da competência territorial prevista no artigo 16.o, n.o 1, é a de que o consumidor não pode ser privado desse foro. Seja como for, caso o direito nacional preveja um foro adicional, internamente no Estado‑Membro em causa, na minha perspetiva isso não seria contrário nem à redação nem aos objetivos do regulamento. No entanto, esse não parece ser o caso no presente processo, uma vez que os argumentos do demandante para fundamentar a competência jurisdicional (até no contexto do mesmo Estado‑Membro) parecem fundar‑se exclusivamente no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 (36).

118. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial no sentido de que, «com base no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, um consumidor não pode invocar, simultaneamente com os seus próprios direitos, direitos de que sejam titulares outros consumidores com domicílio no mesmo Estado‑Membro, noutros Estados‑Membros ou em Estados terceiros».

3.      Quanto à necessidade de tutela coletiva em matérias de consumo na União Europeia (e aos perigos da legislação jurisdicional)

119. Alguns dos argumentos aduzidos pelo demandante no presente processo são, pelo menos no meu entender, essencialmente argumentos de política. Sugerem, de uma ou de outra forma, que, em nome de um conjunto de valores bastante abstratos, tais como a necessidade de tutela coletiva em matérias de consumo na União Europeia ou a promoção de uma proteção jurisdicional efetiva nessas matérias, o Tribunal de Justiça deveria interpretar o artigo 16.o, n.o 1, da forma proposta pelo demandante.

120. Não existem dúvidas de que a tutela coletiva prossegue o objetivo da proteção jurisdicional efetiva dos consumidores. Quando bem concebida e aplicada, pode também oferecer ao sistema jurídico benefícios sistémicos adicionais, como a redução da necessidade de processos concorrentes (37). Todavia, como bem refere a demandada, esses argumentos do demandante pertencem à esfera de lege ferenda.

121. O Regulamento n.o 44/2001 não contém disposições específicas sobre a cessão de direitos (38) ou os processos de tutela coletiva. Esta lacuna (presumida ou real) é debatida há muito pela doutrina jurídica, que tem manifestado o entendimento de que o regulamento não é suficiente para servir de base a ações coletivas transfronteiras na União Europeia (39). A aplicação do foro do consumidor em processos de ação coletiva é objeto de acalorado debate (40).

122. Mais importante, talvez, é o facto de esses problemas terem também sido largamente reconhecidos pela Comissão, que fez várias tentativas no sentido de promover a adoção de instrumentos de direito da União no domínio da tutela coletiva (41). Estas propostas ainda não conduziram à adoção de nenhum ato legislativo vinculativo. Até agora, foi adotada apenas uma recomendação da Comissão (42), que também foi invocada pelo demandante no presente processo.

123. Neste contexto, não creio que seja tarefa de um órgão jurisdicional, incluindo o Tribunal de Justiça, tentar instituir de uma penada a tutela coletiva em matérias de consumo. Três motivos se destacam para considerar que tal rumo de atuação seria insensato. Primeiro, seria claramente contrário à letra e ao espírito do regulamento, resultando efetivamente na sua reformulação. Segundo, é uma questão demasiado sensível e complexa, que carece de uma legislação abrangente e não de uma intervenção judicial isolada no contexto de um instrumento legislativo conexo, mas algo distante e claramente impróprio para esse fim. Eventualmente, isso será mais suscetível de provocar problemas adicionais do que de oferecer soluções sistémicas. Terceiro, ainda que possivelmente não seja um processo simples nem célere, estão em curso trabalhos legislativos e discussões ao nível da União. Esse processo legislativo não deve ser frustrado nem esvaziado de sentido.

V.      Conclusão

124. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne responder às questões do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) nos seguintes termos:

«1)      O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a prossecução de atividades como a publicação de livros, a participação em conferências, a gestão de sítios web ou a recolha de donativos no contexto da defesa da aplicação de direitos não determina a perda da qualidade de consumidor relativamente aos direitos respeitantes à utilização da própria conta Facebook de uma pessoa para fins privados.

2)      Com base no artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, um consumidor não pode invocar, simultaneamente com os seus próprios direitos, direitos de que sejam titulares outros consumidores com domicílio no mesmo Estado‑Membro, noutros Estados‑Membros ou em Estados terceiros.»


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).


3      Programa que fornece às autoridades dos Estados Unidos acesso aos dados armazenados em servidores nos Estados Unidos que são propriedade ou estão sob o controlo de várias empresas da Internet, incluindo a Facebook USA.


4      Decisão 2000/520/CE, de 26 de julho de 2000, nos termos da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao nível de proteção assegurado pelos princípios de «porto seguro» e pelas respetivas questões mais frequentes (FAQ) emitidos pelo Department of Commerce dos Estados Unidos da América (JO 2000, L 215, p. 7).


5      Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650).


6      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a associação é uma organização sem fins lucrativos que prossegue objetivos de defesa legal ativa do direito fundamental à proteção de dados pessoais. A associação apoia processos exemplares de interesse público contra empresas que possam ameaçar esse direito, sendo as despesas suportadas por donativos.


7      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o demandante alega várias violações da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).


8      V., a respeito da Convenção de Bruxelas, de 27 de setembro de 1968, relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial (JO 1978, L 304, p. 36, a seguir «Convenção de Bruxelas»), acórdão de 3 de julho de 1997, Benincasa (C‑269/95, EU:C:1997:337, n.o 16).


9      V., por exemplo, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Gruber (C‑464/01, EU:C:2004:529, n.o 34) e conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Costea (C‑110/14, EU:C:2015:271, n.os 29 e 30). Não obstante este último processo respeitar à Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), o Tribunal de Justiça procura habitualmente ter em conta as diferentes definições de consumidor em diferentes instrumentos, «para garantir o respeito dos objetivos prosseguidos pelo legislador europeu no domínio dos contratos celebrados pelos consumidores e a coerência do direito da União» — v. acórdão de 5 de dezembro de 2013, Vapenik (C‑508/12, EU:C:2013:790, n.o 25).


10      Acórdão de 3 de setembro de 2015, Costea (C‑110/14, EU:C:2015:538, n.o 21).


11      Acórdão de 20 de janeiro de 2005, Gruber (C‑464/01, EU:C:2005:32, n.o 39), a propósito dos artigos 13.o a 15.o da Convenção de Bruxelas.


12      Essas «personalidades influentes» podem ser definidas como «utilizadores comuns e habituais da Internet que adquirem um número relativamente grande de seguidores em blogues e nas redes sociais através da descrição textual e visual da sua vida pessoal e do seu estilo de vida, que interagem com os seus seguidores em espaços físicos e digitais, e que rentabilizam essa relação integrando “publi‑reportagens” nos seus blogues ou nas suas publicações nas redes sociais». Abidin, C., «Communicative Intimacies: Influencers and Perceived Interconnectedness», Ada: A Journal of Gender, New Media, and Technology, número 8, 2015, p. 29.


13      V., por analogia, acórdão de 3 de setembro de 2015, Costea (C‑110/14, EU:C:2015:538, n.o 29).


14      V. n.os 44 a 50, supra.


15      Foi sugerido que, não obstante o facto de essa disposição não ter sido concebida com o propósito de instituir um sistema de tutela coletiva, tem servido, na prática, como uma ferramenta útil para desenvolver um mecanismo sui generis de tutela coletiva através da cessão de direitos semelhantes de várias pessoas a um terceiro que consolida esses direitos e os defende num único processo. Ainda que este sistema seja utilizado habitualmente por meio da cessão a organizações de consumidores, os direitos também podem ser cedidos a pessoas singulares. V., também, por exemplo, Micklitz, H.‑W., e Purnhagen, K. P., Evaluation of the effectiveness and efficiency of collective redress mechanism in the European Union, Country report Austria, 2008, e Steindl, B. H., «Class Action and Collective Action in Arbitration and Litigation — Europe and Austria», NYSBA International Section Seasonal Meeting 2014, Rebuilding the Transatlantic Marketplace: Austria and Central Europe as Catalysts for Entrepreneurship and Innovation (http://www.nysba.org).


16      OGH 12.7.2005, 4 Ob 116/05w.


17      OGH 12.7.2005, 4 Ob 116/05w, n.o 1 (pp. 3 a 5). O Oberster Gerichsthof (Supremo Tribunal) acrescentou que a cumulação de pedidos de diferentes pessoas através dessa cessão de direitos («Inkassozession») a um demandante nos termos do § 227 do ZPO só é admissível se, e apenas se, os pedidos se fundarem numa base jurídica semelhante e se as questões a apreciar respeitarem essencialmente às mesmas questões de facto ou de direito relativas ao objeto principal ou a uma questão prévia de grande pertinência que seja comum a todos os pedidos.


18      O sublinhado é meu.


19      O sublinhado é meu. Acrescente‑se que seria interessante conhecer a proposta do demandante relativamente à interpretação do artigo 16.o, n.o 2, do regulamento, que (na versão em inglês) também começa por empregar o artigo indefinido, mas prevê um cenário oposto ao do artigo 16.o, n.o 1: «A outra parte no contrato só pode intentar uma ação contra o consumidor [em inglês, “a consumer”] perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliado o consumidor». No entanto, parece que, noutras versões linguísticas, são usados artigos definidos. Isto reforça que não podem ser feitas afirmações de princípio com base na natureza definida ou indefinida do artigo usado neste contexto.


20      Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Shearson Lehman Hutton (C‑89/91, EU:C:1992:410, n.o 26 e nota 9), a respeito do artigo 14.o da Convenção de Bruxelas.


21      Por exemplo, acórdãos de 14 de março de 2013, Česká spořitelna (C‑419/11, EU:C:2013:165, n.o 30), e de 28 de janeiro de 2015, Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 23). O sublinhado é meu.


22      Relativamente ao artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Bruxelas: v., por exemplo, acórdão de 5 de fevereiro de 2004, Frahuil (C‑265/02, EU:C:2004:77, n.o 24 e jurisprudência referida).No tocante ao artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001, v. acórdãos de 14 de março de 2013, Česká spořitelna (C‑419/11, EU:C:2013:165, n.o 46); de 28 de janeiro de 2015, Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 39); e de 21 de abril de 2016, Austro‑Mechana (C‑572/14, EU:C:2016:286, n.o 36). [V., também, minhas conclusões nos processos apensos flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2017:787, n.os 53 a 55)].


23      V., neste sentido, por exemplo, acórdão de 14 de março de 2013, Česká spořitelna (C‑419/11, EU:C:2013:165, n.o 26 e jurisprudência referida).


24      O demandante cita concretamente quatro acórdãos do Tribunal de Justiça: acórdãos de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton (C‑89/91, EU:C:1993:15); de 1 de outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, EU:C:2002:555); de 15 de janeiro de 2004, Blijdenstein (C‑433/01, EU:C:2004:21); e de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse (C‑347/08, EU:C:2009:561).


25      Acórdãos de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton (C‑89/91, EU:C:1993:15, n.o 23), e de 1 de outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.os 33 e 38).


26      Acórdão de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse (C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 44).


27      Acórdão de 20 de julho de 2017, MMA IARD (C‑340/16, EU:C:2017:576).


28      O processo respeitava à regra especial de competência relativa ao lesado, na aceção do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001. O objetivo dessa disposição é acrescentar à lista dos demandantes, contida no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, as pessoas que tiverem sofrido um dano, «sem que o círculo dessas pessoas tenha sido restringido às que o sofreram diretamente». Assim, o conceito de «lesado» é adequado para abranger, só por si, os cessionários que se possa considerar terem sofrido um dano. Além disso, o Tribunal de Justiça confirmou que o conceito de «parte mais fraca» tem uma aceção mais ampla em matéria de seguros do que em matéria de contratos celebrados pelos consumidores ou em matéria de contratos individuais de trabalho — v. acórdão de 20 de julho de 2017, MMA IARD (C‑340/16, EU:C:2017:576, n.os 32 e 33).


29      V., a este respeito, acórdão de 17 de novembro de 2011, Hypoteční banka (C‑327/10, EU:C:2011:745, n.o 42).


30      Além disso, essa possibilidade poderia revestir bastante interesse para alguns «colecionadores de direitos» que gizariam alterações na sua estrutura societária nessa conformidade (sendo os direitos cedidos a uma pessoa singular, outro consumidor, e não a uma pessoa coletiva).


31      Deixando totalmente de parte a questão da lei aplicável aos contratos celebrados por utilizadores em países terceiros, que efetivamente não deve ser determinante em matéria de competência (mas que pode revestir alguma relevância quanto à questão da boa administração da justiça).


32      V., no quadro da Convenção de Bruxelas, acórdão de 13 de julho de 2000, Group Josi (C‑412/98, EU:C:2000:399, n.o 57).


33      Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335).


34      Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 35). No mesmo sentido, v. acórdão de 18 de julho de 2013, ÖFAB (C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 58).


35      Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 36).


36      Conforme clarificado nos n.os 74 a 76, supra.


37      V., por exemplo, Resolução n.o 1/2008 sobre Ações de Grupo Transnacionais, da International Law Association, adotada na sua Conferência do Rio de Janeiro. O ponto 3 desta resolução é dedicado à competência jurisdicional. Nos termos do ponto 3.1: «Uma ação de grupo transnacional pode ser instaurada no foro do demandado.» De acordo com o ponto 3.3: «Uma ação de grupo transnacional pode também ser instaurada nos órgãos jurisdicionais de outro país estreitamente relacionado com as partes e as operações, desde que o julgamento da ação nesse país seja suscetível, segundo um critério de razoabilidade, de defender os interesses do grupo e a sua seleção não vise a frustração desses interesses».


38      V. conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Flight Refund (C‑94/14, EU:C:2015:723, n.o 60).


39      V., entre outros, Hess, B., «Collective Redress and the Jurisdictional Model of the Brussels I Regulation», inNuyts, A., e Hatzimihail, N. E., CrossBorder Class Actions. The European Way, SELP, 2014, pp. 59 a 68, especialmente p. 67; Nuyts, A., «The Consolidation of Collective Claims under Brussels I», inNuyts, A., e Hatzimihail, N. E., CrossBorder Class Actions. The European Way, SELP, 2014, pp. 69 a 84; Danov, M., «The Brussels I Regulation: Cross‑Border Collective Redress Proceedings and Judgments», Journal of Private International Law, vol. 6, 2010, pp. 359 a 393, especialmente p. 377.


40      V., por exemplo, Tang, Z. S., «Consumer Collective Redress in European Private International Law», Journal of Private international Law, vol. 7, 2011, pp. 101 e 147, in Tang, Z. S., Electronic Consumer Contracts in the Conflict of Laws, 2.a ed. Hart, 2015, pp. 284 e segs.; Lein, E., «Cross‑Border Collective Redress and Jurisdiction under Brussels I: A mismatch» inFairgrieve, D., e Lein, E., Extraterritoriality and Collective Redress, Oxford University Press, Oxford, 2012, especialmente p. 129.


41      V., entre outros, Livro Branco sobre ações por incumprimento das normas comunitárias no domínio antitrust, COM (2008) 165 final; Livro Verde da Comissão sobre a tutela coletiva dos consumidores, 2008; Documento de consulta da Comissão para o debate acerca do acompanhamento do Livro verde sobre a tutela coletiva dos consumidores, 2009; Consulta da Comissão «Rumo a uma abordagem europeia coerente do recurso coletivo», SEC (2011) 173 final; Comunicação da Comissão «Rumo a um quadro jurídico horizontal europeu para a tutela coletiva», COM (2013)401/2.


42      Recomendação da Comissão, de 11 de junho de 2013, sobre os princípios comuns que devem reger os mecanismos de tutela coletiva inibitórios e indemnizatórios dos Estados‑Membros aplicáveis às violações de direitos garantidos pelo direito da União (JO 2013, L 201, p. 60).