Language of document : ECLI:EU:C:2010:111

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

4 de Março de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Directiva 95/59/CE – Impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados, com excepção dos impostos sobre o volume de negócios – Artigo 9.°, n.° 1 – Livre determinação, por parte dos fabricantes e importadores, dos preços máximos de venda a retalho dos seus produtos – Legislação nacional que impõe um preço mínimo de venda a retalho dos cigarros – Legislação nacional que proíbe a comercialização de produtos do tabaco a ‘um preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública’ – Conceito de ‘legislações nacionais sobre o controlo do nível de preços ou sobre a observância dos preços fixados’ – Justificação – Protecção da saúde pública – Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para a Luta Antitabaco»

No processo C‑197/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 14 de Maio de 2008,

Comissão Europeia, representada por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por G. de Bergues, J.‑S. Pilczer, J.‑C. Gracia e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Junho de 2009,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de Outubro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, tendo adoptado e mantido em vigor um sistema de preços mínimos para a venda a retalho dos cigarros comercializados em França e uma proibição de venda de produtos do tabaco a «um preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública», a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 1995, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados, com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (JO L 291, p. 40), conforme alterada pela Directiva 2002/10/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2002 (JO L 46, p. 26, a seguir «Directiva 95/59»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

2        O segundo, terceiro e sétimo considerandos da Directiva 95/59 têm a seguinte redacção:

«(2)      Considerando que o objectivo do Tratado [CE] é estabelecer uma União Económica em que exista uma concorrência sã e que apresente características análogas às de um mercado interno; que, no entanto, no que se refere ao sector dos tabacos manufacturados, a realização deste objectivo supõe que a aplicação, nos Estados‑Membros, dos impostos que incidem sobre o consumo dos produtos deste sector não falseie as condições de concorrência e não crie obstáculos à livre circulação na Comunidade;

(3)      Considerando que, no que se refere aos impostos especiais de consumo, a harmonização das estruturas deve, em especial, ter como efeito que a concorrência das diferentes categorias de tabacos manufacturados pertencentes a um mesmo grupo não seja falseada em consequência da tributação e que, concomitantemente, se concretize a abertura dos mercados nacionais dos Estados‑Membros;

[…]

(7)      Considerando que os imperativos de concorrência implicam um regime de preços formados livremente para todos os grupos de tabacos manufacturados.»

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, desta directiva:

«São considerados tabacos manufacturados:

a)      Os cigarros,

b)      Os charutos e as cigarrilhas,

c)      O tabaco de fumar:

–        o tabaco de corte fino destinado a cigarros de enrolar,

–        os restantes tabacos de fumar,

nos termos em que são definidos nos artigos 3.° [a] 7.°»

4        O artigo 8.° da Directiva 95/59 dispõe:

«1.      Os cigarros fabricados na Comunidade e os importados de países terceiros serão sujeitos em cada Estado‑Membro a um imposto proporcional, calculado sobre o preço máximo de venda a retalho, incluindo os direitos aduaneiros, e a um imposto específico calculado por unidade de produto.

2.      A taxa do imposto proporcional e o montante do imposto específico devem ser os mesmos para todos os cigarros.

[…]»

5        Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, desta directiva:

«É considerada fabricante a pessoa singular ou colectiva estabelecida na Comunidade que transforma o tabaco em produtos manufacturados preparados para venda ao público.

Os fabricantes ou, se for caso disso, os seus representantes ou mandatários na Comunidade, bem como os importadores de países terceiros determinam livremente os preços máximos de venda ao público de cada um dos seus produtos em cada Estado‑Membro em que se destinam a ser consumidos.

O disposto no segundo parágrafo não obsta, todavia, à aplicação das legislações nacionais sobre o controlo do nível de preços ou sobre a observância dos preços fixados, desde que estas sejam compatíveis com a regulamentação comunitária.»

6        O artigo 16.° da referida directiva preceitua:

«1.      O montante do imposto específico sobre os cigarros será estabelecido por referência aos cigarros de classe de preço mais procurada segundo os dados conhecidos em 1 de Janeiro de cada ano, com início em 1 de Janeiro de 1978.

2.      O elemento específico do imposto não pode ser inferior a 5% nem superior a 55% do montante da carga fiscal total resultante da cumulação do imposto proporcional [, do imposto específico] e do imposto sobre o volume de negócios cobrados sobre estes cigarros.

[…]

5.      Os Estados‑Membros podem aplicar um imposto especial de consumo mínimo sobre os cigarros vendidos a um preço inferior ao preço de venda ao público dos cigarros que pertençam à classe de preços mais vendida, desde que esse imposto não exceda o montante do imposto especial sobre o consumo dos cigarros da classe de preços mais vendida.»

7        A Directiva 92/79/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à aproximação dos impostos sobre os cigarros (JO L 316, p. 8), e a Directiva 92/80/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à aproximação dos impostos sobre os tabacos manufacturados que não sejam cigarros (JO L 316, p. 10), conforme alteradas pela Directiva 2003/117/CE do Conselho, de 5 de Dezembro de 2003 (JO L 333, p. 49), fixam as taxas e/ou os montantes mínimos do imposto especial global que incide, respectivamente, sobre os cigarros e sobre os tabacos manufacturados que não sejam cigarros. A Directiva 92/80 contém igualmente determinadas regras relativas à estrutura do imposto especial que incide sobre estes últimos.

8        Por meio da Decisão 2004/513/CE do Conselho, de 2 de Junho de 2004 (JO L 213, p. 8), foi aprovada, em nome da Comunidade, a Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para a Luta Antitabaco, assinada em Genebra, em 21 de Maio de 2003 (a seguir «Convenção OMS»). O artigo 6.° desta Convenção, intitulado «Medidas financeiras e fiscais destinadas a reduzir a procura do tabaco», tem a seguinte redacção:

«1.      As Partes reconhecem que as medidas financeiras e fiscais constituem um meio eficaz e importante de reduzir o consumo de tabaco em vários segmentos da população, em particular entre os jovens.

2.      Sem prejuízo do direito soberano das Partes de estabelecerem e fixarem a respectiva política fiscal, cada Parte deve tomar em conta nos seus objectivos nacionais de saúde o controlo do tabaco e adoptar ou manter, conforme o caso, medidas que possam incluir:

a)      A aplicação de políticas fiscais e, se for caso disso, de políticas de preços relativamente a produtos do tabaco, a fim de contribuir para a realização das políticas de saúde que visem a redução do consumo do tabaco, […]

[…]»

 Legislação nacional

9        O Código Geral dos Impostos (code général des impôts, a seguir «CGI») regula, nomeadamente, a tributação dos tabacos em França. O artigo 572.°, primeiro parágrafo, do CGI foi alterado pelo artigo 38.°, II, da Lei n.° 2004‑806, de 9 de Agosto de 2004, relativa à política de saúde pública (JORF de 11 de Agosto de 2004, p. 14277). O referido artigo 572.°, primeiro parágrafo, conforme alterado, preceitua:

«O preço de venda a retalho de cada produto, expresso em 1 000 unidades ou em 1 000 gramas, é igual em todo o território e é livremente determinado pelos fabricantes e pelos fornecedores autorizados. Aquele preço é aplicável depois de homologado nos termos das condições definidas por decreto aprovado pelo Conseil d’État. Contudo, o preço de venda a retalho dos cigarros, expresso em 1 000 unidades, não pode ser homologado se for inferior ao preço que é obtido através da aplicação, ao preço médio destes produtos, de uma percentagem fixada por decreto.»

10      Nos termos do artigo 1.° do Decreto n.° 2004‑975, de 13 de Setembro de 2004, adoptado nos termos do disposto no primeiro parágrafo do artigo 572.° do Código Geral dos Impostos (JORF de 18 de Setembro de 2004, p. 16264), «[f]ixa‑se em 95 a percentagem referida no primeiro parágrafo do artigo 572.° do [CGI]».

11      O artigo 572 bis do CGI foi alterado pelo artigo 30.°, II, da Lei n.° 2005‑1719, de 30 de Dezembro de 2005, relativa ao Orçamento para 2006 (Loi n.° 2005‑1719 du 30 décembre 2005 de finances pour 2006) (JORF de 31 de Dezembro de 2005, p. 20597). O referido artigo 572 bis, conforme alterado, prevê:

«O preço de venda a retalho dos produtos vendidos pelos revendedores mencionados no primeiro parágrafo do artigo 568.° e dos produtos vendidos a viajantes pelos ‘acheteurs‑revendeurs’ [entidades que exploram lojas ou que efectuam vendas a bordo de meios de transporte, que vendem tabacos manufacturados exclusivamente a viajantes possuidores de um título de transporte com destino ao estrangeiro] designados no quarto parágrafo daquele artigo é determinado livremente, sem que, no entanto, esse preço possa ser inferior ao preço de revenda expresso em 1 000 unidades ou em 1 000 gramas, referido no decreto de homologação. […]»

12      O Código da Saúde Pública (code de la santé publique, a seguir «CSP») contém, nomeadamente, disposições relativas à luta contra o tabagismo. O artigo L. 3511‑1 do CSP, conforme alterado pelo Despacho n.° 2006‑596, de 23 de Maio de 2006 (JORF de 25 de Maio de 2006, p. 7791), preceitua:

«São considerados produtos do tabaco os produtos destinados a serem fumados, inalados, mascados ou sugados, desde que sejam, ainda que parcialmente, constituídos por tabaco, assim como os produtos destinados a serem fumados, ainda que não contenham tabaco, com a única exclusão dos produtos destinados a serem utilizados em terapêuticas médicas, na acepção do terceiro parágrafo (2°) do artigo 564 decies do [CGI].

Considera‑se ingrediente qualquer substância ou componente, para além das folhas e de outras partes naturais ou não transformadas da planta do tabaco, utilizado no fabrico ou na preparação de um produto de tabaco e ainda presente no produto acabado, mesmo que de forma alterada, incluindo o papel, o filtro, as tintas e as colas.»

13      O artigo L. 3511‑3, primeiro parágrafo, do CSP, na versão em vigor em 4 de Setembro de 2006, data em que expirou o prazo fixado no parecer fundamentado mencionado no n.° 17 do presente acórdão, versão decorrente da Lei n.° 2004‑806, referida no n.° 9 deste acórdão, tem a seguinte redacção:

«São proibidas a propaganda ou a publicidade, directa ou indirecta, ao tabaco, aos produtos do tabaco ou aos ingredientes definidos no segundo parágrafo do artigo L. 3511‑1, assim como a distribuição gratuita ou a venda de um produto do tabaco a um preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública.»

14      As disposições de luta contra o tabagismo do CSP são acompanhadas das sanções penais previstas nos artigos L. 3512‑1 a L. 3512‑4 deste código.

 Procedimento pré‑contencioso

15      Em 21 de Março de 2005, a Comissão enviou à República Francesa uma notificação para cumprir, na qual sustentou que o sistema de preços mínimos para a venda a retalho de cigarros e a proibição de fixar preços do tabaco «a preços de promoção contrários aos objectivos de saúde pública» previstos na legislação francesa são incompatíveis com o artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59.

16      Na sua resposta de 29 de Julho de 2005, a República Francesa informou que considerava que aquela legislação se justificava pelo objectivo de protecção da saúde pública previsto no artigo 30.° CE.

17      A Comissão enviou ao referido Estado‑Membro, em 4 de Julho de 2006, um parecer fundamentado, no qual reiterou o seu ponto de vista e o convidou a dar cumprimento às obrigações que lhe incumbiam por força do disposto no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59, no prazo de dois meses a partir da recepção do referido parecer fundamentado.

18      Considerando que a situação se mantinha insatisfatória face às respostas da República Francesa de 5 de Outubro e 22 de Dezembro de 2006, a Comissão intentou a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

19      Segundo a Comissão, a Directiva 95/59 tem por objectivo assegurar uma concorrência sã, não falseada pelos efeitos da tributação, de forma a concretizar a abertura dos mercados nacionais dos Estados‑Membros. O artigo 9.°, n.° 1, desta directiva assegura que a determinação da matéria colectável do imposto especial seja sujeita aos mesmos princípios em todos os Estados‑Membros e impede que normas estatais em matéria de preços possam comprometer a realização desses objectivos. A sua redacção e a sua finalidade não deixam subsistir dúvida alguma quanto ao facto de que esta disposição proíbe a fixação de preços mínimos para a venda a retalho. Essa fixação tem por efeito suprimir as diferenças de preços que poderiam existir entre os diversos produtos, em função dos factores que influenciam a formação dos preços pelos diferentes fabricantes. Por conseguinte, esse mecanismo conduziria a uma distorção dos fluxos comerciais entre Estados‑Membros. Com efeito, a importação de produtos cujo preço líquido (sem impostos) é inferior ao dos produtos comparáveis comercializados nos Estados‑Membros que fixam um preço mínimo seria limitada nesses Estados‑Membros.

20      A Comissão alega que o regime francês de tributação dos cigarros impõe um preço mínimo que corresponde a 95% do preço médio destes, abaixo do qual não podem ser homologados os preços de venda a retalho dos cigarros, constituindo esta homologação uma condição para estes preços serem aplicados no comércio. Por conseguinte, os fabricantes ou os importadores não podem fixar livremente o preço máximo de venda a retalho dos seus produtos, porque, de qualquer modo, esse preço máximo não pode ser inferior ao preço mínimo fixado. O referido regime de tributação dos cigarros é, assim, incompatível com o artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59.

21      Por outro lado, as disposições em causa do CSP conferem às autoridades francesas um poder discricionário para proibirem a venda a retalho de tabacos manufacturados, a um preço determinado, e impedem assim os fabricantes e os importadores de fixarem livremente o preço máximo de venda a retalho de cada um dos seus produtos. Não definindo a legislação nacional o conceito de «preço de promoção contrário aos objectivos da saúde pública», contido no artigo L. 3511‑3 do CSP, os operadores em causa não podem conhecer os seus direitos e as suas obrigações de forma clara e precisa e os órgãos jurisdicionais nacionais não podem assegurar o seu cumprimento. Este conceito contraria, portanto, os princípios da segurança jurídica e da protecção dos particulares.

22      Segundo a Comissão, o facto de a Directiva 92/49/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida e que altera as Directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE (terceira directiva sobre o seguro não vida) (JO L 228, p. 1), comportar um princípio de livre determinação dos preços não significa que um princípio semelhante, claramente inscrito noutra disposição comunitária, a saber, no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59, deva ser considerado inaplicável.

23      Por outro lado, a Comissão alega que, ainda que as proibições impostas por esta última disposição e pelo artigo 28.° CE se possam sobrepor, o artigo 9.° da Directiva 95/59 é uma norma autónoma de direito derivado que desempenha uma função autónoma no contexto da referida directiva e cuja aplicação não pode ser limitada aos casos em que o artigo 28.° CE também seja violado.

24      Esta Instituição considera que a análise segundo a qual a legislação francesa em questão impede a livre formação dos preços máximos de venda dos produtos do tabaco não é posta em causa pelo artigo 9.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Directiva 95/59, que preserva a aplicação das «legislações nacionais sobre o controlo do nível de preços» e das «legislações nacionais […] sobre a observância dos preços fixados».

25      A Comissão sustenta que a violação do direito comunitário alegada no presente caso não pode ser justificada com considerações relativas à saúde pública, previstas no artigo 30.° CE. Com efeito, a legalidade de medidas nacionais relativas a um domínio abrangido por legislação harmonizada a nível comunitário deve ser analisada à luz apenas dessa legislação, e não à luz das disposições do direito primário que permitem derrogar as liberdades fundamentais. Seja como for, na medida em que a protecção da saúde pública possa ser assegurada através da fixação de preços de venda elevados para os tabacos manufacturados, este objectivo pode ser plenamente atingido através de uma política fiscal adequada. Por outro lado, no processo de elaboração e de revisão das directivas comunitárias relativas à harmonização no domínio dos impostos especiais sobre os produtos do tabaco, foram tidas em conta considerações relativas à saúde pública, sem que, no entanto, o princípio da livre fixação dos preços tivesse sido revogado. Pelo contrário, um sistema de preços mínimos é susceptível de ter efeitos nefastos na protecção da saúde, porquanto, ao proteger a margem dos produtores, aquele sistema lhes permite obter receitas adicionais que podem ser investidas para provocar um aumento das vendas dos tabacos manufacturados.

26      Além disso, o artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59 é compatível com a Convenção OMS. Por um lado, esta Convenção não tem por efeito obrigar as partes contratantes a aplicarem preços mínimos. Por outro, não confere aos Estados‑Membros o direito, oponível à Comunidade, de optar entre a aplicação de políticas fiscais e a aplicação de políticas de preços, porque, nos termos do artigo 35.°, n.° 2, da referida Convenção, se trata de uma questão relativa ao funcionamento interno da Comunidade.

27      A Comissão considera ainda que as disposições constantes da Recomendação 2003/54/CE do Conselho, de 2 de Dezembro de 2002, relativa à prevenção do tabagismo e a iniciativas destinadas a reforçar a luta antitabaco (JO 2003, L 22, p. 31), às quais a República Francesa se refere, não são vinculativas e que, seja como for, não podem ser interpretadas no sentido de que incitam a uma violação do artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59. O Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 16 de Julho de 2008, relativo à estrutura e às taxas dos impostos especiais de consumo incidentes sobre os [cigarros e outros] tabacos manufacturados [COM(2008) 460 final], também invocado pelo referido Estado‑Membro, refere‑se, por outro lado, à fiscalidade enquanto elemento de uma estratégia geral de prevenção e de dissuasão do consumo de tabaco.

28      Por último, a Comissão considera que os Estados‑Membros podem manter preços elevados para os produtos do tabaco, através do aumento do nível da tributação destes produtos, de acordo com as modalidades previstas nas directivas pertinentes. Essas directivas não prevêem o nível máximo da carga fiscal. Assim, os Estados‑Membros podem sempre fazer com que o nível de preço pretendido seja obtido através da influência que os impostos exercem no preço final. Por outro lado, a capacidade de os fabricantes suportarem perdas relacionadas com a vontade de não repercutir a carga fiscal nos preços de venda fica necessariamente sujeita a limites económicos.

29      A República Francesa sustenta que a legislação nacional em causa não contraria o artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Directiva 95/59. Este Estado‑Membro considera que esta disposição não consagra o princípio geral segundo o qual os preços são fixados livremente pelos fabricantes e pelos importadores. A República Francesa convida o Tribunal de Justiça a reconsiderar neste sentido a interpretação que já fez da referida disposição. Com efeito, ao contrário, por exemplo, da Directiva 92/49, que visa a harmonização das condições de acesso a actividades não assalariadas e ao seu exercício, a Directiva 95/59 tem apenas por objectivo harmonizar uma parte das legislações dos Estados‑Membros relativas aos impostos especiais. Ora, segundo o referido Estado‑Membro, embora o princípio da livre determinação dos preços ou da liberdade tarifária possa ser conjugado com a harmonização das condições de exercício de uma actividade não assalariada, esse princípio não pode ser conjugado com a harmonização fiscal. Por outro lado, esse princípio deve ser interpretado à luz da livre circulação de mercadorias prevista no artigo 28.° CE, que se limita a proibir as legislações nacionais em matéria de preços que desfavoreçam os produtos importados.

30      Além disso, a República Francesa considera que, seja como for, a legislação nacional em causa está abrangida pelas ressalvas previstas no artigo 9.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Directiva 95/59. Com efeito, por um lado, a expressão «legislações nacionais sobre o controlo do nível de preços», constante desta disposição, visa uma legislação nacional em matéria de preços tanto de carácter geral como de carácter especial, como a que está aqui em causa. Este Estado‑Membro contesta assim a jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente do acórdão de 19 de Outubro de 2000, Comissão/Grécia (C‑216/98, Colect., p. I‑8921), segundo a qual esta expressão não pode ser interpretada no sentido de que reserva aos Estados‑Membros um poder discricionário para fixar algo mais do que as suas legislações nacionais de carácter geral destinadas a travar a subida dos preços. Por outro, segundo a mesma jurisprudência, a expressão «legislações nacionais sobre […] a observância dos preços fixados» designa um preço que, depois de determinado pelo fabricante ou pelo importador e de aprovado pela autoridade pública, se impõe como preço máximo. Ora, a República Francesa considera que se a autoridade pública tem de aprovar este preço, deve também poder recusá‑lo.

31      A título subsidiário, este Estado‑Membro alega que a legislação nacional em causa se justifica pelo objectivo de protecção da saúde pública previsto no artigo 30.° CE. Isto porque a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite que os Estados‑Membros apliquem disposições nacionais restritivas do comércio intracomunitário, para proteger a saúde das pessoas, remetendo o referido Estado‑Membro, a este respeito, para o acórdão Comissão/Grécia, já referido. A legislação nacional em causa é necessária e proporcionada a este objectivo. Com efeito, tal objectivo não pode ser atingido através de um aumento dos impostos, porque este aumento não seria necessariamente repercutido pelos produtores nem pelos importadores nos preços de venda e, portanto, não conduziria, necessariamente, a uma diminuição do consumo.

32      Segundo a República Francesa, a fixação de um preço mínimo é um meio adequado para manter um nível elevado dos preços e, assim, prevenir o tabagismo nos mais jovens. Tal resulta do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção OMS. A tese deste Estado‑Membro é igualmente corroborada pelo ponto 7 da Recomendação 2003/54 e pelo ponto 3.3, n.° 1, do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 16 de Julho de 2008, relativo à estrutura e às taxas dos impostos especiais de consumo incidentes sobre os [cigarros e outros] tabacos manufacturados.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

33      Há que recordar, a título preliminar, que resulta do terceiro considerando da Directiva 95/59 que esta se inscreve no âmbito de uma política de harmonização das estruturas do imposto especial sobre os tabacos manufacturados destinada a evitar que a concorrência das diferentes categorias de tabacos manufacturados pertencentes a um mesmo grupo seja falseada e, concomitantemente, a concretizar a abertura dos mercados nacionais dos Estados‑Membros.

34      Para este efeito, o artigo 8.°, n.° 1, desta directiva prevê que os cigarros fabricados na Comunidade e os importados de países terceiros estão sujeitos, em cada Estado‑Membro, em matéria de imposto especial sobre o consumo, tanto a um imposto proporcional, calculado sobre o preço máximo de venda a retalho e que inclui os direitos aduaneiros, como a um imposto específico, calculado por unidade de produto (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 19).

35      Por outro lado, resulta do sétimo considerando da Directiva 95/59 que os imperativos de concorrência implicam um regime em que os preços são formados livremente para todos os grupos de tabacos manufacturados.

36      A este respeito, o artigo 9.°, n.° 1, desta directiva dispõe que os fabricantes ou, se for caso disso, os seus representantes ou mandatários na Comunidade e os importadores de países terceiros determinam livremente o preço máximo de venda a retalho de cada um dos seus produtos, para garantir que a concorrência possa efectivamente funcionar entre eles (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 20). Esta disposição pretende assegurar que a determinação da matéria colectável do imposto especial proporcional sobre os produtos do tabaco, a saber, o preço máximo de venda a retalho desses produtos, fique sujeita às mesmas regras em todos os Estados‑Membros. Visa igualmente, como refere a advogada‑geral no n.° 40 das suas conclusões, preservar a liberdade dos operadores acima referidos, que lhes permite beneficiar efectivamente da vantagem concorrencial resultante de eventuais preços de custo inferiores.

37      Ora, a fixação de um preço mínimo de venda a retalho pelas autoridades públicas tem por efeito que o preço máximo de venda a retalho determinado pelos produtores e os importadores não pode, seja como for, ser inferior àquele preço mínimo obrigatório. Uma legislação que fixa esse preço mínimo é assim susceptível de afectar as relações concorrenciais, impedindo que alguns desses produtores ou importadores beneficiem de preços de custo inferiores para oferecerem preços de venda a retalho mais vantajosos.

38      Por conseguinte, não se pode considerar que é compatível com o artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59 um sistema de preços mínimos de venda a retalho dos produtos do tabaco manufacturado, cuja estrutura não consagra uma forma de excluir, em todos os casos, a possibilidade de afectar a vantagem concorrencial que poderia resultar, para alguns produtores ou importadores desses produtos, de preços de custo inferiores e, por conseguinte, a possibilidade de se verificar uma distorção da concorrência (v. acórdãos de 4 de Março de 2010, Comissão/Áustria, C‑198/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30, e Comissão/Irlanda, C‑221/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).

39      É à luz destes princípios que há que examinar a legislação nacional objecto da presente acção.

40      As disposições do CGI em causa, lidas em conjugação com o Decreto n.° 2004‑975, impõem aos produtores e aos importadores um preço mínimo de venda a retalho dos cigarros em França, que corresponde a 95% do preço médio desses produtos, e o artigo L. 3511‑3, primeiro parágrafo, do CSP proíbe a venda de qualquer produto de tabaco a um «preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública». Na audiência, a República Francesa precisou que o conceito de «preço de promoção contrário aos objectivos da saúde pública» deve ser compreendido no sentido de que designa qualquer preço inferior ao que foi fixado nos termos do artigo 572.°, primeiro parágrafo, do CGI.

41      Ao abrigo deste regime, não é possível excluir, em todos os casos, que o preço mínimo fixado afecte a vantagem concorrencial que poderia resultar, para alguns produtores ou importadores de produtos do tabaco, de preços de custo inferiores. Pelo contrário, como salientado pela Comissão na audiência, sem que a República Francesa a contrariasse neste ponto, tal regime, que, além disso, determina o preço mínimo por referência com o preço médio praticado no mercado, pode levar a suprimir as diferenças entre os preços dos produtos concorrentes e a fazer convergir esses preços para o preço do produto mais caro. O referido regime atenta assim contra a liberdade de os produtores e os importadores determinarem o seu preço máximo de venda a retalho, garantida pelo artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Directiva 95/59.

42      Por outro lado, ao contrário do que a República Francesa alega, o regime de preços mínimos em causa não está abrangido pela excepção prevista no artigo 9.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da referida directiva.

43      Com efeito, relativamente a esta disposição, há que recordar, por um lado, que a expressão «controlo do nível dos preços» foi interpretada no sentido de que visa as legislações nacionais de carácter geral, por exemplo, as destinadas a travar a subida dos preços (v., neste sentido, acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 25 e jurisprudência aí referida). Por outro, a expressão «observância dos preços fixados» deve ser entendida, no âmbito do mecanismo de tributação do tabaco, no sentido de que designa um preço que, depois de determinado pelo fabricante ou pelo importador e aprovado pela autoridade pública, se impõe como preço máximo e deve ser respeitado como tal em todas as fases do circuito de distribuição até à venda ao consumidor, tendo este mecanismo de fixação do preço por função evitar que, ao ser excedido o preço imposto, se possa atentar contra a integridade das receitas fiscais (v., neste sentido, acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

44      Ora, é facto assente que a legislação nacional em causa não tem por finalidade travar a subida dos preços nem evitar a perda das receitas fiscais, ambas resultantes de se ter excedido o preço máximo de venda a retalho fixado livremente pelos produtores ou pelos importadores.

45      Relativamente à Convenção OMS, ela não impõe às partes contratantes, como salientado pela advogada‑geral nos n.os 50 e 51 das suas conclusões, nenhuma obrigação concreta no que diz respeito à política de preços em matéria de produtos do tabaco, descrevendo apenas soluções possíveis para ter em conta objectivos nacionais de saúde no que respeita à luta antitabaco. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 2, desta Convenção limita‑se a prever que as partes contratantes adoptem ou mantenham medidas «que po[de]m incluir» a aplicação de políticas fiscais e, «se for caso disso», de políticas de preços relativamente aos produtos do tabaco.

46      Do mesmo modo, nenhuma indicação concreta respeitante ao recurso a sistemas de preços mínimos decorre da Recomendação 2003/54 ou do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 16 de Julho de 2008, relativo à estrutura e às taxas dos impostos especiais de consumo incidentes sobre os [cigarros e outros] tabacos manufacturados, que, aliás, não têm força vinculativa. Com efeito, a passagem destes documentos referida pela República Francesa reflecte simplesmente a ideia de que os preços elevados dos produtos do tabaco têm por efeito desencorajar o consumo.

47      Em todo o caso, como resulta do n.° 38 do presente acórdão, a Directiva 95/59 não se opõe a uma política de preços que não contrarie os objectivos da referida directiva, nomeadamente o de excluir uma distorção da concorrência das diferentes categorias de tabacos manufacturados pertencentes a um mesmo grupo.

48      A República Francesa alega igualmente que o regime de preços mínimos em causa se justifica pelo objectivo de protecção da saúde e da vida das pessoas, previsto no artigo 30.° CE. Segundo este Estado‑Membro, o aumento do nível dos impostos não é susceptível de garantir preços suficientemente elevados dos produtos do tabaco, porque este aumento poderia ser absorvido pelos produtores ou pelos importadores, sacrificando uma parte da sua margem de lucro ou mesmo vendendo com prejuízo.

49      A este respeito, há que observar que o artigo 30.° CE não pode ser entendido no sentido de que autoriza medidas de natureza diferente da das restrições quantitativas à importação e à exportação e das medidas de efeito equivalente previstas nos artigos 28.° CE e 29.° CE (v., neste sentido, acórdão de 27 de Fevereiro de 2002, Comissão/França, C‑302/00, Colect., p. I‑2055, n.° 33). Ora, no presente caso, a Comissão não alegou que estas últimas disposições foram violadas.

50      Não é menos verdade que a Directiva 95/59 não impede que a República Francesa prossiga a luta contra o tabagismo, que se inscreve no objectivo de protecção da saúde pública.

51      Com efeito, como referido, aliás, no sétimo considerando da Directiva 2002/10, acto que alterou pela última vez a Directiva 95/59, mas cujo artigo 9.° permaneceu inalterado, o Tratado CE, em especial o artigo 152.°, n.° 1, primeiro parágrafo, CE, exige que a definição e a execução de todas as políticas e medidas comunitárias garantam um nível elevado de protecção da saúde humana.

52      Este mesmo considerando precisa igualmente que o nível de tributação é um elemento fundamental do preço dos produtos do tabaco, que, por seu turno, influencia os hábitos tabagistas dos consumidores. De igual modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, no que diz respeito a produtos do tabaco, a legislação fiscal constitui um instrumento importante e eficaz na luta contra o consumo desses produtos e, por conseguinte, de protecção da saúde pública (acórdão de 5 de Outubro de 2006, Valeško, C‑140/05, Colect., p. I‑10025, n.° 58), e que o objectivo de assegurar que os preços dos referidos produtos sejam fixados a níveis elevados pode ser adequadamente conseguido através de uma tributação acrescida desses produtos, devendo, mais cedo ou mais tarde, os aumentos dos impostos especiais traduzir‑se numa subida dos preços de venda a retalho, sem que tal afecte a liberdade de determinação dos preços (v., neste sentido, acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 31).

53      Além disso, caso os Estados‑Membros pretendam eliminar definitivamente qualquer possibilidade de os produtores ou os importadores absorverem, ainda que temporariamente, o impacto dos impostos nos preços de venda a retalho dos tabacos manufacturados, vendendo‑os com prejuízo, podem, ao mesmo tempo que permitem que os referidos produtores e importadores beneficiem efectivamente da vantagem concorrencial resultante de eventuais preços de custo inferiores, proibir a comercialização dos produtos do tabaco manufacturado a um preço inferior à soma do preço de custo com o montante de todos os impostos (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Áustria, n.° 43, e Comissão/Irlanda, n.° 55).

54      Resulta de todas as considerações expostas que há que julgar procedente a acção intentada pela Comissão.

55      Por conseguinte, há que declarar que, tendo adoptado e mantido em vigor um sistema de preços mínimos para a venda a retalho dos cigarros comercializados em França e uma proibição de venda de produtos do tabaco a «um preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública», a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59.

 Quanto às despesas

56      Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      Tendo adoptado e mantido em vigor um sistema de preços mínimos para a venda a retalho dos cigarros comercializados em França e uma proibição de venda de produtos do tabaco a «um preço de promoção contrário aos objectivos de saúde pública», a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 95/59/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 1995, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados, com excepção dos impostos sobre o volume de negócios, conforme alterada pela Directiva 2002/10/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2002.

2)      A República Francesa é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.