Language of document : ECLI:EU:C:2013:513

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE — Mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica — Orientações sobre a afetação do comércio entre os Estados‑Membros — Valor jurídico — Obrigação de definir o mercado relevante — Alcance — Direito a um processo equitativo — Princípio da boa administração — Imparcialidade objetiva da Comissão — Orientações para o cálculo das coimas (2006) — Proporção do valor das vendas — Dever de fundamentação — Redução da coima por incapacidade de pagamento ou devido às particularidades de um processo — Igualdade de tratamento»

No processo C‑439/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de agosto de 2011,

Ziegler SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por J.‑F. Bellis, M. Favart e A. Bailleux, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet e N. von Lingen, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, E. Jarašiūnas (relator), A. Ó Caoimh, C. Toader e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2012,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Pelo presente recurso, a Ziegler SA (a seguir «Ziegler») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de junho de 2011, Ziegler/Comissão (T‑199/08, Colet., p. II‑3507, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso destinado, a título principal, à anulação da Decisão C (2008) 926 final da Comissão, de 11 de março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.543 — Serviços de mudanças internacionais) (a seguir «decisão controvertida»), a título subsidiário, à anulação da coima que lhe foi aplicada pela referida decisão, e a título ainda mais subsidiário, à redução dessa coima.

I —  Quadro jurídico

2        As Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 2004, C 101, p. 81, a seguir «orientações sobre a afetação do comércio») especificam nomeadamente nos seus pontos 3, 45, 50 e 52 a 55:

«3.      As presentes orientações estabelecem […] uma regra que indica quando os acordos não são suscetíveis, em geral, de afetar sensivelmente o comércio entre os Estados‑Membros […]. As presentes orientações não pretendem ser exaustivas. O seu objetivo consiste em estabelecer a metodologia para a aplicação do conceito de afetação do comércio e em fornecer orientações para a sua aplicação nas situações mais frequentes. […]

[…]

45.      A avaliação do caráter sensível é função das circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente da natureza do acordo ou prática, da natureza dos produtos abrangidos e da posição de mercado das empresas em causa. […] Quanto mais forte for a posição de mercado das empresas em causa, maior é a probabilidade de um acordo ou prática suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros o vir a afetar de forma sensível […].

[…]

50.      […] a Comissão considera adequado estabelecer princípios gerais que indiquem em que circunstâncias o comércio não é, em princípio, suscetível de ser sensivelmente afetado […]. Ao aplicar o artigo 81.° [CE], a Comissão considerará esta norma como uma presunção negativa elidível, aplicável a todos os acordos na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE] […]

[…]

52.      A Comissão considera que, em princípio, não são suscetíveis de afetar sensivelmente o comércio entre os Estados‑Membros os acordos que satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:

a)      A quota de mercado agregada das partes em qualquer mercado relevante na Comunidade afetado pelo acordo não ultrapassa 5%, e

b)      No caso de acordos horizontais, o volume de negócios anual agregado na Comunidade das empresas em causa […] em relação aos produtos objeto do acordo não é superior a 40 milhões de euros. […]

[…]

53.      A Comissão considerará ainda que, no caso de um acordo ser suscetível, pela sua própria natureza, de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, por exemplo porque diz respeito a importações e exportações ou porque abrange diversos Estados‑Membros, existe uma presunção positiva elidível de que esses efeitos no comércio são sensíveis quando o volume de negócios das partes em relação aos produtos objeto do acordo, calculado da forma indicada nos pontos 52 e 54, for superior a 40 milhões de euros. No caso de acordos que pela sua própria natureza são suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros também se pode presumir muitas vezes que esses efeitos são sensíveis quando a quota de mercado das partes exceder o limiar de 5% […]. No entanto, esta presunção não é aplicável quando o acordo abrange apenas parte de um Estado‑Membro […].

54.      O limiar do volume de negócios de 40 milhões de euros […] é calculado com base nas vendas totais na Comunidade dos produtos objeto do acordo […], após dedução de impostos, realizadas pelas empresas em causa no exercício financeiro anterior. São excluídas as vendas entre entidades que façam parte da mesma empresa […].

55.      Para efeitos da aplicação do limiar da quota de mercado, é necessário determinar o mercado relevante (41), que é composto pelo mercado do produto relevante e pelo mercado geográfico relevante. As quotas de mercado são calculadas com base nos dados relativos ao valor das vendas ou, se for caso disso, nos dados relativos ao valor das compras. Se não estiverem disponíveis dados relativos ao valor, podem ser utilizadas estimativas elaboradas com base noutras informações de mercado fiáveis, incluindo dados relativos ao volume.»

3        Na nota de pé de página 41 constante do ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio, é precisado que, na definição do mercado relevante, importa ter em conta a Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, a seguir «comunicação relativa à definição do mercado»).

4        As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações para o cálculo das coimas») dispõem, sob a epígrafe «Montante de base da coima»:

«[…]

A.      Determinação do valor das vendas

13.      Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (‘EEE’). A Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração (a seguir ‘o valor das vendas’).

[…]

B.      Determinação do montante de base da coima

19.      O montante de base da coima estará ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração.

[…]

21.      Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%.

22.      A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

23.      Os acordos (2) horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves. No âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente. Por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala.

[…]

25.      Além disso, independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas […] a fim de dissuadir as empresas de participarem até mesmo em acordos horizontais de fixação de preços […]. Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22.

[…]»

5        Na nota de pé de página 2, que consta do ponto 23 das orientações para o cálculo das coimas, precisa‑se que neste conceito de acordo se incluem os acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas na aceção do artigo 81.° CE.

6        Sob a epígrafe «Ajustamentos do montante de base», as orientações para o cálculo das coimas dispõem:

«[…]

F.      Capacidade de pagamento da coima

35.      Em circunstâncias excecionais, a Comissão pode ter em conta a incapacidade de pagamento da coima por parte de uma empresa num dado contexto social e económico. A este título, a Comissão não concederá qualquer redução de coima apenas com base na mera constatação de uma situação financeira desfavorável ou deficitária. Só poderá ser concedida uma redução com base em provas objetivas de que a aplicação de uma coima, nas condições fixadas pelas presentes [o]rientações, poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor.»

7        Sob a epígrafe «Considerações finais», as mesmas orientações especificam nomeadamente no seu ponto 37:

«Embora as presentes [o]rientações exponham a metodologia geral para a fixação de coimas, as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular podem justificar que a Comissão se afaste desta metodologia ou dos limites fixados no ponto 21.»

II —  Antecedentes do litígio e decisão controvertida

8        Os antecedentes do litígio e a decisão controvertida, tal como decorrem dos n.os 1 a 21 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

9        Na decisão controvertida, a Comissão declarou que os seus destinatários, entre os quais figurava a Ziegler — que realizou, no exercício encerrado em 31 de dezembro de 2006, um volume de negócios consolidado de 244 420 326 euros —, participaram num acordo no setor dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, fixando os preços, repartindo os clientes e manipulando o procedimento para apresentação de propostas, e cometeram, por esse motivo, uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE, pela qual devem ser considerados responsáveis na totalidade ou parte do período compreendido entre outubro de 1984 e setembro de 2003.

10      Os serviços afetados pela infração compreendem as mudanças, a partir de ou com destino à Bélgica, de bens de pessoas singulares e de empresas ou de instituições públicas. Tendo em consideração o facto de as sociedades de mudanças internacionais em causa estarem todas situadas na Bélgica e de o acordo ter decorrido no território belga, considerou‑se que o centro geográfico se situava na Bélgica. O volume de negócios conjunto dos participantes no acordo por esses serviços de mudanças internacionais foi estimado pela Comissão em 41 milhões de euros durante o ano de 2002. Tendo a dimensão do setor sido avaliada em cerca de 83 milhões de euros, a quota de mercado agregada das empresas implicadas foi, portanto, fixada em cerca de 50% do setor em causa.

11      A Comissão expôs, na decisão controvertida, que o acordo visava nomeadamente a fixação e a manutenção de preços elevados, bem como a repartição do mercado, e assumia várias formas, concretamente as de acordos relativos aos preços, acordos relativos à repartição do mercado através de um sistema de falsos orçamentos, designados «orçamentos de conveniência», e acordos relativos ao sistema de compensações financeiras para propostas rejeitadas ou não apresentação de propostas, denominadas «comissões».

12      Na decisão controvertida, a Comissão considerou que, entre 1984 e o início dos anos 90, o acordo funcionou designadamente com base em acordos escritos de fixação de preços, tendo a prática das comissões e os orçamentos de conveniência sido introduzidos paralelamente. Segundo esta mesma decisão, a prática das comissões devia ser considerada uma fixação indireta de preços para os serviços de mudanças internacionais na Bélgica, na medida em que os membros do acordo faturavam mutuamente comissões por propostas rejeitadas ou não apresentadas, descrevendo serviços fictícios, sendo o montante dessas comissões, no entanto, faturado aos clientes.

13      Quanto aos orçamentos de conveniência, a Comissão salientou, na decisão controvertida, que, através da apresentação desses orçamentos, a sociedade de mudanças que pretendia adjudicar o contrato atuava de modo a que o cliente que iria pagar a mudança recebesse vários orçamentos. Para este efeito, a referida sociedade indicava aos seus concorrentes o preço total pelo qual deviam faturar a mudança pretendida, preço esse que era mais elevado do que o proposto pela referida sociedade. Tratava‑se, assim, de orçamentos fictícios apresentados por sociedades que não tinham a intenção de efetuar a mudança. A Comissão considerou que esta prática constituía uma manipulação do processo de apresentação de propostas, levando a que o preço pedido para a mudança fosse mais elevado do que teria sido num ambiente concorrencial.

14      A Comissão assinalou, na decisão controvertida, que estes procedimentos foram aplicados até 2003 e que essas atividades complexas tinham o mesmo objetivo, que era fixar os preços, repartir o mercado e falsear assim a concorrência.

15      Perante estes elementos, a Comissão adotou a decisão controvertida, cujo artigo 1.° tem a seguinte redação:

«As empresas a seguir indicadas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [CE] e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo [sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3)] ao fixarem de modo direto e indireto os preços relativos aos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, ao repartirem entre si uma parte desse mercado e ao manipularem o processo de apresentação de propostas durante os períodos indicados:

[…]

j)      [Ziegler], de 4 de outubro de 1984 a 8 de setembro de 2003.»

16      Em consequência, no artigo 2.°, alínea l), da decisão controvertida, a Comissão aplicou uma coima de 9,2 milhões de euros à Ziegler, calculada em conformidade com a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas.

17      Em 24 de julho de 2009, a Comissão adotou a Decisão C (2009) 5810 final, que altera a decisão controvertida e reduz em cerca de 600 000 euros o valor das vendas realizadas por um outro destinatário da decisão controvertida. Tendo este valor servido de base para o cálculo da coima aplicada a este último, a Comissão reduziu, consequentemente, o montante da coima aplicada a esse destinatário.

III —  Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de junho de 2008, a Ziegler interpôs um recurso destinado, a título principal, à anulação da decisão controvertida, a título subsidiário, à anulação da coima que lhe foi aplicada e, a título ainda mais subsidiário, a uma redução substancial dessa coima. Convidava também o Tribunal Geral a que ordenasse, antes de proferir decisão, a entrega do processo administrativo completo na sua Secretaria.

19      Paralelamente a este recurso, a Ziegler apresentou um pedido de medidas provisórias destinado, nomeadamente, a obter a suspensão da execução do artigo 2.° da decisão controvertida na medida em que lhe aplica uma coima. Este pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal Geral de 15 de janeiro de 2009, Ziegler/Comissão (T‑199/08 R), sendo, em seguida, negado provimento ao recurso deste último por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2010, Ziegler/Comissão [C‑113/09 P(R)].

20      Em apoio do seu recurso, a Ziegler invocava nove fundamentos, cinco a título principal, destinados à anulação da decisão controvertida, e quatro a título subsidiário, destinados à anulação ou à redução da coima.

21      Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral deu provimento parcial ao pedido da Ziegler de que fosse ordenada a apresentação do processo administrativo na sua Secretaria. Afastou, no entanto, todos os fundamentos apresentados pela Ziegler negando, consequentemente, provimento ao recurso na sua totalidade e condenou a Ziegler nas despesas. Ao fazê‑lo, teceu as seguintes considerações.

22      No âmbito da sua análise do primeiro fundamento destinado à anulação da decisão controvertida, relativo a erros manifestos de apreciação e a erros de direito na apreciação das condições necessárias para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, o Tribunal Geral afastou, antes de mais, nos n.os 41 a 46 do acórdão recorrido, a argumentação da Comissão segundo a qual a definição do mercado relevante não é exigida no caso de restrição manifesta da concorrência. Salientou que uma obrigação de delimitar o mercado se impõe à Comissão nomeadamente quando, sem essa delimitação, não é possível determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que, no caso em apreço, a Ziegler punha justamente em causa a apreciação feita pela Comissão dessa condição de aplicação do artigo 81.° CE.

23      O Tribunal Geral considerou, em seguida, nos n.os 56 a 63 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado que o limiar de 40 milhões de euros, previsto no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, tinha sido atingido. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, para calcular a dimensão do mercado para efeitos da determinação da existência de uma repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros, era necessário deduzir do volume de negócios realizado com os serviços em causa o volume realizado na qualidade de subcontratante. Ora, o Tribunal Geral constatou que, após tal dedução, o limiar de 40 milhões de euros já não era atingido.

24      Por fim, após ter decidido, no n.° 48 do acórdão recorrido, que a argumentação apresentada pela Ziegler na réplica a propósito do limiar de 5% da quota de mercado, previsto no ponto 53 das referidas orientações, era apenas uma ampliação do fundamento que punha em causa a prova da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros, sendo, assim, admissível, o Tribunal Geral procedeu à sua análise nos n.os 64 a 74 do acórdão recorrido. A este propósito, salientou nomeadamente que a Comissão não tinha respeitado a obrigação de definir o mercado em causa que tinha imposto a si própria no ponto 55 das mesmas orientações. Considerou, todavia, que, nas circunstâncias do caso em apreço, a Comissão tinha demonstrado de forma suficiente que esse limiar de 5% da quota de mercado estava ultrapassado, ao fornecer uma descrição do setor em causa suficientemente detalhada para permitir apreciar se esse limiar estava atingido. O Tribunal Geral decidiu, portanto, no n.° 72 do referido acórdão, que a Comissão podia «excecionalmente» basear‑se nesse limiar sem efetuar explicitamente uma definição do mercado na aceção do referido ponto 55.

25      No âmbito da sua análise da primeira parte do terceiro fundamento destinado à anulação da decisão controvertida, relativo à violação do dever de fundamentação no que respeita à determinação do montante de base da coima, o Tribunal Geral decidiu nomeadamente, nos n.os 88 a 94 do acórdão recorrido, que era desejável que a Comissão reforçasse a fundamentação do cálculo das coimas, que as orientações para o cálculo das coimas adotadas em 2006 implicaram uma mudança fundamental de método para o cálculo das mesmas e que, nestas condições, a Comissão já não podia, em princípio, limitar‑se a fundamentar unicamente a qualificação de uma infração de «muito grave», abstendo‑se de justificar a escolha da proporção do valor das vendas tida em conta. Salientou que, no caso em apreço, a Comissão tinha fixado essa proporção em 17%, fundamentando a sua escolha apenas na natureza «muito grave» da infração. A este propósito, afirmou, no n.° 93 do acórdão recorrido, que «[e]sta fundamentação apenas pode ser suficiente [quando] a Comissão aplica uma taxa muito próxima do limite inferior do escalão previsto para as infrações mais graves», mas que «se aquela pretendesse aplicar uma taxa mais elevada, teria de apresentar uma fundamentação mais detalhada». O Tribunal Geral acrescentou, no n.° 94 do referido acórdão, que essas considerações valiam também no atinente à fundamentação do montante adicional de tipo dissuasor.

26      A propósito do quarto fundamento, destinado à anulação da decisão controvertida, relativo a uma violação do direito a um processo equitativo e do princípio geral da boa administração, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 103 a 107 do acórdão recorrido, que a Ziegler não tinha posto em causa a competência da Comissão para adotar, no caso em apreço, uma decisão de aplicação do artigo 81.° CE. Indicou também que a alegada falta de objetividade da Comissão não constituía uma violação dos direitos de defesa suscetível de implicar a anulação da decisão controvertida, mas que se enquadrava no exame feito no âmbito do controlo da apreciação dos meios de prova ou da fundamentação dessa decisão. Decidiu, por conseguinte, que este fundamento era inoperante enquanto fundamento de anulação. Todavia, por questões de exaustividade, salientou que este fundamento era igualmente improcedente. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, os elementos invocados pela Ziegler não eram suscetíveis de demonstrar que o alegado preconceito da Comissão ou de um dos seus agentes tivera expressão na decisão controvertida ou que a Comissão foi parcial na instrução do processo, nem em que medida o comportamento imputado a certos agentes da Comissão, admitindo que se verificou, poderia pôr em causa o direito a um processo equitativo.

27      No âmbito da sua análise do último fundamento, destinado à anulação ou à redução da coima devido a circunstâncias excecionais, o Tribunal Geral examinou os argumentos da Ziegler pelos quais invocava, no essencial, a sua incapacidade para pagar a coima e uma desigualdade de tratamento relativamente a uma outra empresa referida pela decisão controvertida. Salientou nomeadamente, nos n.os 165 a 169 do acórdão recorrido, que o ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas colocava duas condições cumulativas à sua aplicação e que a apreciação da Comissão — segundo a qual o facto de a coima aplicada à Ziegler não representar mais do que 3,76% do seu volume de negócios mundial em 2006 indica que não é suscetível de pôr irremediavelmente em causa a sua viabilidade económica — era abstrata e não tinha em conta a situação concreta dessa sociedade. Decidiu, por conseguinte, que esta apreciação não podia fundamentar o não provimento do pedido de redução apresentado pela Ziegler. Todavia, não tendo esta última posto em causa a constatação da Comissão na decisão controvertida, segundo a qual a segunda condição, ligada à presença de um dado contexto social e económico, não estava satisfeita, o Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha razão ao indeferir os argumentos da Ziegler destinados a uma redução da coima devido às suas dificuldades económicas e financeiras.

28      Quanto à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento relativamente a uma outra empresa destinatária da decisão controvertida, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 170 e 171 do acórdão recorrido, por um lado, que a Comissão também tinha indeferido o pedido apresentado por essa outra empresa a título do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas, devido à falta de um dado contexto social e económico. Considerou, por outro lado, que, embora a Comissão tivesse efetivamente concedido a esta última empresa uma redução da coima a título do ponto 37 dessas orientações, resultava da decisão controvertida que a situação dessa empresa e a da Ziegler não eram comparáveis e que a este respeito bastava observar que a coima aplicada à Ziegler era bem inferior ao limiar fixado em 10% do seu volume de negócios total, enquanto a aplicada à outra empresa o ultrapassou largamente, antes da redução.

IV —  Pedidos das partes

29      Através do seu recurso, a Ziegler pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

―        declarar o presente recurso admissível e procedente;

―        anular o acórdão recorrido e decidir ele próprio o litígio;

―        acolher os pedidos que apresentou em primeira instância e, assim, anular a decisão controvertida ou, a título subsidiário, anular a coima que lhe foi aplicada nessa decisão ou, a título ainda mais subsidiário, reduzir substancialmente essa coima, e

―        condenar a Comissão nas despesas das duas instâncias.

30      Na sua réplica, a Ziegler pede, além disso, que os pedidos de substituição de fundamentos apresentados pela Comissão sejam declarados inadmissíveis ou, pelo menos, infundados.

31      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

―        negar provimento ao recurso, substituindo determinados fundamentos do Tribunal Geral;

―        a título subsidiário, negar provimento ao recurso de anulação, e

―        condenar a Ziegler nas despesas.

V —  Quanto ao recurso

32      Em apoio do seu recurso, a Ziegler invoca quatro fundamentos.

A —  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito na apreciação da prova da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros

33      A Ziegler divide o seu primeiro fundamento em três partes, sendo a primeira relativa à obrigação de definir o mercado relevante, e as segunda e terceira partes, no essencial, relativas ao limiar de 5% da quota de mercado previsto no ponto 53 das orientações para o cálculo das coimas. A Comissão pede, no entanto, que o Tribunal de Justiça proceda, antes de mais, a determinadas substituições de fundamentos, que conduziriam, em sua opinião, à improcedência do presente fundamento.

1.     Quanto aos pedidos de substituição de fundamentos da Comissão

a)     Argumentos das partes

34      Em primeiro lugar, a Comissão afirma que as orientações sobre a afetação do comércio não têm por objetivo tornar a exigência de demonstração do caráter sensível da repercussão no comércio entre os Estados‑Membros mais estrita do que resulta da jurisprudência. Contrariamente ao cálculo das coimas, para o qual detém uma certa margem de apreciação, a Comissão não pode considerar que um acordo que afete de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros pode escapar à proibição prevista no artigo 81.° CE. Assim, os limiares considerados nos pontos 52 e 53 das orientações sobre a afetação do comércio são apenas indicativos. Do mesmo modo, não se pode deduzir do seu ponto 55 uma obrigação de definir o mercado nos casos, como os cartéis, em que resulta da jurisprudência que tal definição é supérflua. Os fundamentos apresentados nos n.os 64 a 74 do acórdão recorrido estão, portanto, errados e devem ser substituídos.

35      Em segundo lugar, a Comissão entende que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confundir o conceito de volume de negócios, na aceção dos pontos 52 e 53 das orientações sobre a afetação do comércio, com o de valor das vendas, referido no ponto 13 das orientações para o cálculo das coimas, e ao considerar que o volume de negócios, na aceção dos referidos pontos 52 e 53, não podia incluir o volume realizado em subcontratação. A subcontratação é efetivamente uma atividade económica relevante para determinar se o comércio entre os Estados‑Membros pode ser considerado sensivelmente afetado, ainda que não deva ser tida em conta para efeitos do cálculo da coima. A Comissão pede, portanto, a substituição dos fundamentos que constam dos n.os 56 a 63 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral considerou erradamente que a ultrapassagem do limiar de 40 milhões de euros não tinha sido demostrado.

36      Em terceiro lugar, a Comissão pede a substituição dos fundamentos constantes dos n.os 40 a 50, e em particular do n.° 48, do acórdão recorrido. O Tribunal Geral concluiu erradamente pela admissibilidade da argumentação da Ziegler relativa ao limiar de 5% da quota de mercado. Com efeito, esta argumentação não podia ser deduzida da petição inicial, pelo que devia ter sido considerada não uma ampliação de um fundamento já invocado, mas uma parte nova e, por isso, inadmissível.

37      A Ziegler afirma que estes pedidos de substituição de fundamentos são inadmissíveis, não tendo, por um lado, efeitos no dispositivo do acórdão recorrido e sendo, por outro, imprecisos. De qualquer modo, não podem ser acolhidos.

38      Em primeiro lugar, ao enunciar, nas orientações sobre a afetação do comércio, limiares que não constam da jurisprudência, a Comissão quis limitar o seu poder de apreciação quanto à aplicação da condição da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros. Não pode, portanto, afastar‑se deles sem apresentar fundamentação adequada. Além disso, uma vez que escolheu aplicá‑los, como no caso em apreço, tem de os respeitar.

39      Em segundo lugar, a distinção alegada pela Comissão entre os conceitos de valor das vendas e de volume de negócios não é corroborada, nomeadamente, nem pela letra nem pelo espírito das disposições em causa, nem, a fortiori, pela jurisprudência.

40      Em terceiro lugar, a Ziegler mantém que a argumentação apresentada no Tribunal Geral a propósito do limiar de 5% da quota de mercado era admissível, porque consistia numa ampliação do fundamento relativo à repercussão sensível sobre o comércio entre os Estados‑Membros.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

41      Quanto à admissibilidade dos referidos pedidos, contestada pela Ziegler, importa, por um lado, observar que não podem ser considerados inadmissíveis devido ao seu caráter impreciso. Com efeito, por cada um dos pedidos que apresentou, a Comissão identificou com precisão as passagens do acórdão que considera juridicamente erradas, os motivos pelos quais considera que o são e os fundamentos que o Tribunal Geral deveria, em sua opinião, ter tido em conta para não cometer erros de direito, ou seja, os que tinha alegado na contestação.

42      Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para que um pedido de substituição de fundamentos seja admissível, é necessária a existência de interesse em agir, no sentido de que deve ser suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o apresenta. Pode ser o caso quando o pedido de substituição de fundamentos constitui uma defesa contra um fundamento apresentado pela parte recorrente (v., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 23, e de 21 de dezembro de 2011, Iride/Comissão, C‑329/09 P, n.os 48 a 51).

43      No caso em apreço, quanto ao primeiro pedido, relativo aos fundamentos atinentes ao conceito de «afetação sensível do comércio entre os Estados‑Membros» e à obrigação de definir o mercado relevante, importa salientar que se se admitir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão tinha, devido ao caráter vinculativo das orientações sobre a afetação do comércio, que definir o mercado relevante, a primeira parte do primeiro fundamento apresentado pela Ziegler torna‑se inoperante. Com efeito, a Ziegler já não poderia defender que o Tribunal Geral dispensou erradamente a Comissão da sua obrigação de definir o mercado. Por conseguinte, a Comissão tem interesse em apresentar o referido pedido, que é, portanto, admissível.

44      Quanto ao segundo pedido, relativo aos fundamentos atinentes à não ultrapassagem do limiar de 40 milhões de euros, se se verificar que o Tribunal Geral, violando o direito, confundiu o conceito de valor das vendas referido nas orientações para o cálculo das coimas e o de volume de negócios na aceção das orientações sobre a afetação do comércio e daí deduziu, erradamente, que o referido limiar não foi atingido, há que observar que a ultrapassagem do referido limiar estava demonstrada. Nessa hipótese, as segunda e terceira partes do primeiro fundamento invocadas pela Ziegler, destinadas apenas à apreciação do limiar de 5% da quota de mercado, tornam‑se inoperantes. De onde resulta que a Comissão tem também interesse em apresentar o referido pedido, que, portanto, também é admissível.

45      Quanto ao terceiro pedido, relativo aos fundamentos atinentes à admissibilidade da argumentação da Ziegler relacionada com o limiar de 5% da quota de mercado, basta observar, sem que seja necessário decidir sobre a sua admissibilidade, que deve, de qualquer modo, ser julgada improcedente (v., por analogia, acórdão de 23 de março de 2004, França/Comissão, C‑233/02, Colet., p. I‑2759, n.° 26).

46      Com efeito, segundo o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento, ou um argumento, que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou indiretamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este deve ser julgado admissível (v., neste sentido, despacho de 13 de novembro de 2001, Dürbeck/Comissão, C‑430/00 P, Colet., p. I‑8547, n.° 17).

47      No caso em apreço, resulta dos autos no Tribunal Geral que, na segunda parte do primeiro fundamento que consta da petição inicial, a Ziegler contestava, antes de mais, no seu n.° 44, «[o] volume de negócios das sociedades em causa e a dimensão do mercado em euros considerados pela Comissão no âmbito da avaliação feita das quotas de mercado das dez sociedades em causa e das outras sociedades ativas no mercado dos serviços de mudanças internacionais». Em seguida, afirmava, no n.° 45 da referida petição, que «[o método] aplicado pela Comissão para calcular as quotas de mercado e a dimensão desse mercado está viciado por um erro manifesto de apreciação e a avaliação das quotas de mercado das sociedades em causa feita no n.° 89 da decisão [controvertida] está errada quanto aos factos». Por fim, defendia, no n.° 58, que as «incoerências e inexatidões reveladas [na petição inicial] relativamente ao cálculo das quotas de mercado e da dimensão do mercado em euros afetam, consequentemente, a apreciação da repercussão dos acordos em causa na estrutura do comércio entre [os] Estados‑Membros» e remetia a este respeito para o considerando 373 da decisão controvertida, que faz nomeadamente referência à ultrapassagem do limiar de 5% da quota de mercado.

48      Perante estes elementos, foi corretamente que o Tribunal Geral decidiu, no n.° 48 do acórdão recorrido, que «a referência ao limiar de 5% na réplica apenas representa[va] a ampliação do fundamento existente e não um novo fundamento» e considerou, assim, que a argumentação da Ziegler relativa à alegada não ultrapassagem do referido limiar era admissível.

49      O terceiro pedido da Comissão deve, pois, ser desde logo afastado, enquanto a procedência dos dois primeiros pedidos será examinada, sendo caso disso, no âmbito da análise do primeiro fundamento formulado pela Ziegler.

2.     Quanto à procedência do primeiro fundamento

a)     Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à obrigação de definir o mercado

i)     Argumentos das partes

50      Segundo a Ziegler, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 72 do acórdão recorrido, que «excecionalmente» a Comissão pôde demonstrar que as empresas em causa detinham uma quota de mercado superior a 5%, sem, porém, definir o mercado em causa.

51      A título principal, a Ziegler afirma que o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, dispensar a Comissão da obrigação de definir o mercado em causa enunciada no ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio, que remetem para a comunicação relativa à definição do mercado. Limitando estas orientações o poder de apreciação da Comissão, o seu desrespeito acarreta a violação dos princípios da igualdade de tratamento e de proteção da confiança legítima. No caso em apreço, precisamente porque não demonstrou que a condição da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros estava preenchida, contentando‑se com as presunções enunciadas nas referidas orientações, é que a Comissão era obrigada a definir o mercado relevante.

52      A título subsidiário, a Ziegler defende que os fundamentos apresentados pelo Tribunal Geral para justificar a dispensa da obrigação de definir o mercado estão viciados de contradição e de erros quanto ao mérito. A contradição reside no facto de o Tribunal Geral isentar a Comissão desta obrigação, constante dos n.os 70 e 71 do acórdão recorrido, por, na prática, já estar satisfeita. Há, pelo menos, uma falta de fundamentação quanto a este ponto, uma vez que o Tribunal Geral não justifica por que razão concede o benefício da aplicação de um nível de prova menos elevado à Comissão.

53      Quanto aos erros de mérito, a Ziegler alega que, por um lado, não se pode confundir uma descrição do setor em causa com o conceito jurídico de mercado utilizado no direito da concorrência. Por outro lado, e de qualquer modo, a aplicação dos critérios de substituição da oferta e da procura devia ter levado a considerar a existência de um só e único mercado que reagrupa todos os serviços de mudanças internacionais, com uma dimensão geográfica que ultrapassa largamente o território belga. Assim, o Tribunal Geral não podia legitimamente concluir que o mercado belga dos serviços de mudanças internacionais de e para a Bélgica tinha sido corretamente identificado pela Comissão.

54      Além do seu pedido de substituição de fundamentos, a Comissão salienta, antes de mais, que, no procedimento administrativo, a Ziegler não contestou que a condição da repercussão sensível sobre o comércio entre os Estados‑Membros estava satisfeita no caso em apreço.

55      Em seguida, segundo esta instituição, importa fazer uma distinção entre, por um lado, a definição do mercado eventualmente relevante para determinar se o limiar de 5% da quota de mercado é ultrapassado e, por outro, a plena definição do mercado relevante, efetuada quando se trata de avaliar o poder de um agente sobre o mercado. Só o segundo caso exige uma análise que vai além da simples descrição do setor em causa. Além disso, segundo a jurisprudência, seria supérfluo, para os acordos manifestos, definir o mercado. Assim, para cumprir o ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio, basta, para os cartéis, fornecer uma descrição do setor que permita estabelecer a quota de mercado dos participantes no acordo.

56      Por fim, a Comissão reconhece que o raciocínio do Tribunal Geral é um tanto contraditório. Todavia, tal demonstra simplesmente que o Tribunal Geral considerou erradamente que ela não tinha respeitado a obrigação de definir o mercado relevante. Remete, a este respeito, para a sua argumentação relativa à substituição de fundamentos.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

57      A título liminar, na medida em que, ao salientar que a Ziegler não contestou, durante o procedimento administrativo, que a condição da repercussão sensível sobre o comércio entre os Estados‑Membros estava satisfeita, a Comissão contesta a admissibilidade do presente fundamento, importa recordar que, no que toca, nomeadamente, à aplicação do artigo 81.° CE, nenhuma norma de direito da União obriga o destinatário da comunicação de acusações a contestar os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer ulteriormente, na fase jurisdicional. Efetivamente, não havendo fundamento legal expressamente previsto para esse efeito, tal limitação é contrária aos princípios fundamentais da legalidade e do respeito dos direitos de defesa (acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, Colet., p. I‑6375, n.os 89 e 91).

58      Por conseguinte, não se pode considerar que a Ziegler estava impossibilitada de contestar no Tribunal Geral, e agora no Tribunal de Justiça, que a condição de aplicação do artigo 81.° CE relativa à repercussão sensível sobre o comércio entre os Estados‑Membros estava satisfeita.

59      A Ziegler acusa, a título principal, o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao dispensar a Comissão da obrigação de definir o mercado relevante que esta última tinha imposto a si própria no ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio, enquanto a Comissão alega, pelo contrário, que o Tribunal Geral concedeu erradamente força vinculativa a essas orientações. A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Comissão pode impor a si mesma diretrizes para o exercício dos seus poderes de apreciação através de atos como as orientações, na medida em que os referidos atos contenham regras indicativas sobre a direção a seguir pela mesma instituição e não se afastem das normas do Tratado FUE (v., neste sentido, acórdãos de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colet., p. I‑1125, n.os 34 e 36, e de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑288/96, Colet., p. I‑8237, n.° 62).

60      Assim, mesmo que medidas destinadas a produzir efeitos externos, como as orientações destinadas a operadores económicos, não possam ser qualificadas de norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, elas enunciam no entanto normas de conduta indicativas da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem fornecer razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, ao adotar regras de conduta administrativa destinadas a produzir efeitos externos e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a instituição em causa autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essas regras, sob pena de poder ser sancionada, sendo esse o caso, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da segurança jurídica ou da proteção da confiança legítima. Por conseguinte, não se pode excluir que, sob determinadas condições e em função do seu conteúdo, tais regras de conduta que tenham um alcance geral possam produzir efeitos jurídicos (v., neste sentido, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.os 209 a 211).

61      É o caso das orientações relativas à afetação do comércio. Com efeito, resulta do seu ponto 3 que, embora tenham por objetivo ajudar os órgãos jurisdicionais e as autoridades dos Estados‑Membros a aplicar o conceito de afetação do comércio constante dos artigos 81.° CE e 82.° CE, têm também por «objetivo […] estabelecer a metodologia para a aplicação do conceito de afetação do comércio e […] fornecer orientações para a sua aplicação nas situações mais frequentes». Além disso, a redação nomeadamente dos pontos 50, 52 e 53 destas orientações indica claramente que a Comissão pretende aplicá‑las, em especial para apreciar se um acordo afeta de modo sensível o comércio entre os Estados‑Membros.

62      Ora, como resulta nomeadamente do n.° 49 do acórdão recorrido, é pacífico que a Comissão escolheu aplicar as referidas orientações no caso em apreço para determinar se a condição de aplicação do artigo 81.° CE relativa à repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros estava satisfeita. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, sem cometer qualquer erro de direito decidiu, no essencial, nos n.os 66 a 68 do acórdão recorrido, que a Comissão era obrigada, no caso em apreço, a respeitar as referidas orientações.

63      Por outro lado, embora a definição do mercado relevante para demonstrar a repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 81.° CE seja em certas circunstâncias supérflua, a saber, quando, mesmo na falta dessa definição, é possível determinar que o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (v., neste sentido, despacho de 16 de fevereiro de 2006, Adriatica di Navigazione/Comissão, C‑111/04 P, n.° 31), a verificação da ultrapassagem do limiar da quota de mercado não pode, por definição, ser efetuada na falta de uma qualquer definição desse mercado. A este respeito, o ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio prevê logicamente que, «[p]ara efeitos da aplicação do limiar da quota de mercado, é necessário determinar o mercado relevante» e remete para a Comunicação relativa à definição de mercado referida na nota de pé de página constante desse mesmo ponto 55.

64      Nestas condições, foi também sem cometer erro de direito algum que o Tribunal Geral, decidiu, no essencial, nos n.os 66 a 68 do acórdão recorrido, que a Comissão era obrigada, no quadro das suas orientações, a definir o mercado relevante. Assim, o primeiro pedido de substituição de fundamentos apresentado pela Comissão deve ser afastado.

65      Assim sendo, a argumentação apresentada a título principal pela Ziegler não pode prosperar.

66      Na verdade, o Tribunal Geral indicou, no n.° 68 do acórdão recorrido, que «é pacífico que a Comissão não respeitou a obrigação [de definir o mercado relevante] enunciada no [ponto] 55 das orientações [sobre a afetação do comércio]» e considerou, no n.° 72 do referido acórdão, que «excecionalmente, a Comissão podia basear‑se na segunda condição alternativa do [ponto] 53 das [referidas] orientações, sem efetuar expressamente uma definição do mercado na aceção do [referido ponto] 55».

67      Todavia, resulta de uma leitura conjunta dos n.os 65 a 73 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não dispensou de modo algum a Comissão da obrigação de definir o mercado em causa quando se baseia no limiar de 5% do mercado comunitário relevante. Pelo contrário, considerou, no n.° 70 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha identificado de forma adequada os serviços em causa na medida em que tinha fornecido «uma descrição suficientemente detalhada do setor em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico», «permiti[ndo‑lhe] verificar as afirmações de base da Comissão e [sendo], nessa base, […] manifesto que a quota de mercado acumulado ultrapassa largamente o limiar de 5%».

68      A este propósito, o Tribunal Geral precisou nomeadamente, no n.° 65 do acórdão recorrido, que «[a] Comissão observou, acertadamente, que os acordos, decisões e práticas concertadas tinham por objeto a restrição da concorrência no setor das mudanças internacionais para ou a partir da Bélgica. De facto, as mudanças em causa caracterizavam‑se pelo facto de a Bélgica constituir o seu ponto de origem e de destino e pelo facto de os acordos, decisões e práticas concertadas terem lugar na Bélgica. Além disso, a Comissão teve em consideração, na sua avaliação da dimensão do mercado, os volumes de negócios das empresas estrangeiras nesse mercado. Consequentemente, a Comissão tinha razão quando concluiu que os serviços em causa eram os serviços de mudanças internacionais na Bélgica». Considerou também, no n.° 71 desse acórdão, que o mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica foi «identificado corretamente pela Comissão como o mercado em causa».

69      Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral considerou simplesmente, como salientou a advogada‑geral J. Kokott no n.° 46 das suas conclusões, que essa descrição constituía uma definição do mercado na aceção do ponto 55 das orientações sobre a afetação do comércio, permitindo apreciar se o referido limiar de 5% era ultrapassado.

70      Há, portanto, que reconhecer que a argumentação principal da Ziegler, destinada a contestar a justeza da dispensa da obrigação de definir o mercado em causa concedida à Comissão, assenta numa leitura seletiva, ou mesmo errada, do acórdão recorrido e deve, por conseguinte, ser rejeitada, assim como a sua argumentação subsidiária, segundo a qual o Tribunal Geral apresentou fundamentos contraditórios para justificar a referida dispensa, ou, até, não cumpriu o seu dever de fundamentação a este respeito, baseando‑se esta argumentação nessa mesma leitura seletiva.

71      Em segundo lugar, quanto à alegação da Ziegler segundo a qual, ao proceder assim, o Tribunal Geral apreciou de forma errada, pelo menos, as exigências jurídicas que a definição do mercado relevante devia ter satisfeito no caso em apreço, importa lembrar que a definição do mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, tem por único objetivo determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (despacho Adriatica di Navigazione/Comissão, já referido, n.° 31) e que, para verificar se um acordo afeta sensivelmente o comércio entre os Estados‑Membros, é necessário examinar esse acordo no seu contexto económico e jurídico (acórdãos de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 35 e jurisprudência referida, e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 37).

72      Assim, quanto à apreciação da condição relativa à repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros, as exigências que a definição do mercado em causa deve satisfazer variam em função das circunstâncias de cada caso concreto.

73      Nestas condições, contrariamente ao que alega a Ziegler, o Tribunal Geral considerou no n.° 70 do acórdão recorrido, sem cometer erro de direito algum quanto às exigências jurídicas que a definição do mercado devia satisfazer no caso em apreço, que a «descrição suficientemente detalhada do setor em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico», bastava para constituir uma definição do mercado que permitisse apreciar se o limiar de 5% da quota de mercado previsto no ponto 53 das referidas orientações estava ultrapassado no caso em apreço.

74      Em terceiro lugar, na medida em que a Ziegler acusa o Tribunal Geral de ter erradamente aprovado a definição do mercado efetuada pela Comissão na decisão controvertida, deve recordar‑se que resulta dos artigos 256.° TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que o Tribunal Geral é o único competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, exceto nos casos em que a inexatidão material das suas conclusões resulta dos documentos que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 256.° TFUE, para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí extraídas pelo Tribunal Geral (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 23, e de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, Colet., p. I‑1, n.° 71 e jurisprudência referida).

75      Assim, o Tribunal de Justiça não é competente para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas a que o Tribunal Geral atendeu para fixar a matéria de facto. Com efeito, tendo essas provas sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras de processo aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal Geral apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdãos, já referidos, Baustahlgewebe/Comissão, n.° 24 e jurisprudência referida, e General Química e o./Comissão, n.° 72 e jurisprudência referida).

76      Ora, com a argumentação recordada no n.° 74 do presente acórdão, a Ziegler pretende, na realidade, obter uma nova apreciação dos factos, sem invocar nenhuma desvirtuação dos mesmos pelo Tribunal Geral. Esta argumentação é, por conseguinte, inadmissível.

77      Tendo em conta o exposto, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

b)     Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à não ultrapassagem do limiar de 5% da quota de mercado

i)     Argumentos das partes

78      A Ziegler afirma que, ainda que se considere o mercado das mudanças internacionais na Bélgica o mercado relevante, o Tribunal Geral não cumpriu a sua obrigação de fundamentação ao julgar, no n.° 71 do acórdão recorrido, que o limiar de 5% da quota de mercado indicado no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio era necessariamente atingido no caso em apreço e que, para não ser ultrapassado, a dimensão do mercado devia ser de, pelo menos, 435 milhões de euros, o que não pode acontecer na medida em que, segundo o Tribunal Geral, isso exigiria partir de um mercado muito mais abrangente do que o identificado pela Comissão.

79      Por um lado, esta última afirmação não é fundamentada e assenta numa conclusão do Tribunal Geral que não foi submetida ao debate contraditório das partes, em violação do princípio geral do respeito dos direitos de defesa, do princípio do dispositivo e das regras relativas ao ónus da prova. Por outro lado, embora esta afirmação assente na avaliação da dimensão do mercado em causa fornecida na decisão controvertida, tal fonte não pode ser considerada, uma vez que o Tribunal Geral afirmou, no n.° 59 do acórdão recorrido, que a avaliação da dimensão do mercado em 83 milhões de euros estava errada e que o mercado não tinha sido definido. O Tribunal Geral efetuou, portanto, um raciocínio contraditório. A Ziegler acrescenta que, em sua opinião, a dimensão do mercado das mudanças internacionais na Bélgica para o ano de 2002 podia ser de 880 milhões de euros.

80      Além do seu pedido de substituição de fundamentos, a Comissão salienta, antes de mais, que a quantificação da dimensão hipotética do mercado necessária para que a quota de mercado detida pelos participantes no acordo seja suscetível de ficar abaixo do limiar de 5% foi efetivamente debatida na audiência e que forneceu elementos de cálculo na sua resposta de 22 de março de 2010 às questões escritas do Tribunal Geral. Em seguida, a avaliação da dimensão do mercado relevante num montante de 880 milhões de euros foi apresentada pela primeira vez no Tribunal de Justiça e era fantasista. A Comissão observa, por outro lado, que a Ziegler censura uma sobreavaliação da dimensão desse mercado no âmbito do exame do limiar de 40 milhões de euros, mas uma subavaliação do mesmo quando se trata de examinar o limiar de 5% da quota de mercado. Por fim, de qualquer modo, o limiar dos 5% mantém‑se manifestamente. Com efeito, a Ziegler não contesta o raciocínio aritmético do Tribunal Geral, nomeadamente no n.° 70 do acórdão recorrido. Além disso, a explicação dada por este último basta plenamente para a compreensão do seu raciocínio. O dever de fundamentação também está, portanto, satisfeito.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

81      Segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens, C‑259/96 P, Colet., p. I‑2915, n.os 32 e 33, d General Química e o./Comissão, já referido, n.° 59).

82      O dever de fundamentação não impõe, todavia, ao Tribunal Geral uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., nomeadamente, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 372).

83      No caso em apreço, no n.° 71 do acórdão recorrido, único visado pela presente parte, o Tribunal Geral declarou o seguinte:

«[…] em primeiro lugar, […] a Comissão tinha razão quando considerou que os serviços em causa eram os serviços de mudanças internacionais na Bélgica […]. Em segundo lugar, nesta base, a Comissão avaliou a dimensão do mercado em 83 milhões de euros e a quota de mercado das empresas participantes nos acordos, decisões e práticas concertadas em de cerca de 50%. Estes valores devem ser ajustados para se levar em conta a Decisão C (2209) 5810 [final, de 24 de julho de 2009,] […] e a exclusão das vendas realizadas em sede de [subcontratação] […], o que resulta, segundo a Comissão, num volume de negócios acumulado de mais de 20 milhões de euros e a uma quota de mercado acumulada de quase 30%. Esta quota de mercado situa‑se, contudo, bem acima do limiar de 5%. Em terceiro lugar, em resposta às questões do Tribunal Geral, a própria [Ziegler] declarou, na audiência, que para que o limiar de 5% não fosse ultrapassado, a dimensão do mercado relevante teria de ser de, pelo menos, 435 milhões de euros. Ora, a única possibilidade de se chegar a tal dimensão do mercado relevante seria partir de um mercado muito mais abrangente do que o dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, mercado esse que foi, no entanto, identificado corretamente pela Comissão como o mercado em causa.»

84      Importa, portanto, observar, em primeiro lugar, que resulta expressamente deste n.° 71 que os valores invocados pelo Tribunal Geral e as conclusões que deles retirou foram efetivamente submetidos ao debate contraditório das partes. Assim, a argumentação relativa a uma violação do princípio do contraditório e às violações, que se lhe seguiram, do princípio geral do respeito dos direitos de defesa, do princípio do dispositivo e das regras relativas ao ónus da prova deve ser afastada.

85      Em segundo lugar, resulta dos autos no Tribunal Geral que a conclusão por este retirada do referido n.° 71 não assenta na avaliação da dimensão do mercado que constava da decisão controvertida — e que, segundo o n.° 59 do acórdão recorrido, estava errada —, mas nos valores ajustados tal como comunicados pela Comissão na sua resposta de 22 de março de 2010 às questões do Tribunal Geral. Com efeito, como resulta dos autos no Tribunal Geral, a Comissão indicou aí «[poder] avaliar a dimensão total do mercado das mudanças internacionais de ou para a Bélgica excluindo as mudanças realizadas na qualidade de subcontratadas em 67,5 milhões de euros no máximo» e que, mesmo nesse mercado reduzido, os participantes no acordo «detêm sempre, no mínimo, uma quota de mercado acumulada de cerca de 30%». De onde resulta que a contradição de fundamentos alegada não é demonstrada.

86      A este respeito, importa também salientar que, como referiu a advogada‑geral J. Kokott no n.° 73 das suas conclusões, o simples facto de certos dados quantitativos constantes da decisão controvertida terem podido ser julgados errados não pode permitir considerar que a totalidade dos valores comunicados pela Comissão enfermava de erros. De qualquer modo, a apreciação da exatidão dos valores apresentados pela Comissão, em concreto na sua resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral, é uma questão de facto que, salvo desvirtuação, a qual não foi invocada no caso em apreço, escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 74 e 75 do presente acórdão.

87      Em terceiro lugar, contrariamente ao que defende a Ziegler, a fundamentação do Tribunal Geral exposta no n.° 71 do acórdão recorrido, que visa demonstrar que o limiar de 5% da quota de mercado era ultrapassado, responde às exigências recordadas nos n.os 81 e 82 do presente acórdão. Com efeito, é óbvio que a quota de mercado agregada dos participantes no acordo só pode ser proporcionalmente reduzida se o mercado a que se refere for alargado. Ora, na medida em que o Tribunal Geral decidiu, por um lado, que o mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica foi corretamente identificado pela Comissão e que, por outro, a sua dimensão tal como por ele considerada não pode, na falta de qualquer alegação de desvirtuação, ser utilmente contestada na fase de recurso, não era necessária nenhuma fundamentação particular para apoiar esta afirmação, além da relativa à conclusão segundo a qual só o facto de considerar um mercado muito mais abrangente do que o dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, corretamente identificado pela Comissão, poderia conduzir a que o referido limiar não fosse atingido.

88      A este propósito, importa, além disso, salientar que, ao alegar que a dimensão do mercado das mudanças internacionais na Bélgica para o ano de 2002 podia elevar‑se a 880 milhões de euros, a Ziegler pretende ainda pôr em causa a apreciação dos factos operada pelo Tribunal Geral, sem invocar nenhuma desvirtuação dos elementos de prova. Como resulta da jurisprudência já recordada nos n.os 74 e 75 do presente acórdão, tal argumentação é, todavia, inadmissível na fase de recurso.

89      Tendo em conta o exposto, a segunda parte do primeiro fundamento do recurso deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível, sem que seja necessário decidir sobre o segundo pedido de substituição de fundamentos formulado pela Comissão.

c)     Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, segundo a qual a ultrapassagem do limiar de 5% da quota de mercado não basta para demonstrar um risco de repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros

i)     Argumentos das partes

90      A Ziegler defende, a título subsidiário, que, de qualquer modo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.° 73 do acórdão recorrido, ao considerar que a infração em causa podia afetar de maneira sensível o comércio entre os Estados‑Membros pelo simples facto de os participantes no acordo deterem mais de 5% do mercado em causa. A Ziegler remete, nomeadamente, para o ponto 45 das orientações sobre a afetação do comércio e afirma que, por um lado, uma condição prévia à aplicação da presunção em causa é estar‑se em presença de acordos que, devido à sua própria natureza, são suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros. Ora, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre esta condição, que não está, aliás, preenchida no caso em apreço. Por outro lado, e de qualquer modo, a presunção positiva enunciada no ponto 53 das referidas orientações, segundo os próprios termos do referido ponto, não é de aplicação geral e automática. A Comissão continua assim obrigada a examinar as circunstâncias do caso em apreço e a justificar a aplicação desta presunção.

91      A Comissão observa que outros fundamentos, além da ultrapassagem, aliás manifesta no caso em apreço, do limiar de 5% da quota de mercado reforçam a conclusão segundo a qual a repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros foi efetivamente demonstrada. Salienta também que a Ziegler não tem em conta o caráter transfronteiriço dos serviços afetados nem o facto de o acordo abranger todo o território belga.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

92      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para serem suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática concertada devem, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, permitir que se encare com um grau suficiente de probabilidade a sua influência direta ou indireta, efetiva ou potencial, sobre as correntes comerciais entre os Estados‑Membros, de modo a temer‑se que possam entravar a realização de um mercado único entre os Estados‑Membros. Além disso, é necessário que essa influência não seja insignificante (acórdãos, já referidos, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, n.° 34 e jurisprudência aí referida, e Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 36).

93      Uma repercussão nas trocas intracomunitárias resulta em geral da reunião de diversos fatores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes. Para verificar se um acordo afeta sensivelmente o comércio entre os Estados‑Membros, é necessário examinar esse acordo no seu contexto económico e jurídico (acórdãos, já referidos, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, n.° 35 e jurisprudência aí referida, e Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 37).

94      Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que um acordo que abranja todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado FUE e é, pois, suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Arduino, C‑35/99, Colet., p. I‑1529, n.° 33; Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 37 e jurisprudência aí referida, e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido, n.° 38), e que o caráter transfronteiriço dos serviços em causa é um elemento relevante para apreciar se há afetação do comércio entre os Estados‑Membros na aceção da referida disposição (v., por analogia, acórdão de 1 de outubro de 1987, Vereniging van Vlaamse Reisbureaus, 311/85, Colet., p. 3801, n.os 18 e 21).

95      A questão da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros deve portanto ser apreciada tendo em conta todos os elementos relevantes do caso em apreço. Assim, não se pode excluir que, num caso particular, apenas um desses elementos, como a ultrapassagem manifesta dos limiares previstos pela Comissão no ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, possa já, por si só, indicar suficientemente que o comércio entre os Estados‑Membros é sensivelmente afetado na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., por analogia, acórdãos de 1 de fevereiro de 1978, Miller International Schallplatten/Comissão, 19/77, Colet., p. 45, n.° 9, e de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 82, 83 e 86).

96      Por outro lado, importa lembrar que, nos termos do ponto 53 das orientações sobre a afetação do comércio, «[n]o caso d[os] acordos que pela sua própria natureza são suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros […] pode[‑se] presumir muitas vezes que esses efeitos são sensíveis quando a quota de mercado das partes exceder o limiar de 5% estabelecido no ponto anterior».

97      No caso em apreço, na verdade, no n.° 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou simplesmente que «no âmbito da presunção positiva prevista no [ponto] 53 das orientações [sobre a afetação do comércio] basta que apenas uma das duas condições alternativas esteja preenchida para provar o caráter sensível da afetação do comércio entre os Estados‑Membros».

98      Todavia, o Tribunal Geral lembrou também, no n.° 53 deste acórdão, que «a presunção positiva, prevista no [ponto] 53 d[as] orientações [sobre a afetação do comércio], apenas se aplica aos acordos e às práticas que são, pela sua própria natureza, suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros». Além disso, salientou, nos n.os 52, 65 e 71 do mesmo acórdão, que, por um lado, o caráter transfronteiriço dos serviços em causa no acordo aqui em apreço não era contestado e que, por outro, a Comissão tinha corretamente identificado o mercado geográfico do acordo como abrangendo a Bélgica, ou seja, todo o território de um Estado‑Membro.

99      Resulta assim de uma leitura de conjunto do acórdão recorrido que, para concluir que a condição da repercussão sensível no comércio entre os Estados‑Membros estava satisfeita no caso em apreço, o Tribunal Geral não se baseou apenas na ultrapassagem, aliás bastante importante, do limiar de 5% da quota de mercado, mas também considerou o alcance geográfico do acordo e o caráter transfronteiriço dos serviços afetados. Assim, teve em conta todos os elementos relevantes do caso em apreço, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 92 a 95 do presente acórdão.

100    Além disso, embora o Tribunal Geral não se tenha expressamente pronunciado sobre a condição prévia à aplicação do ponto 53 das referidas orientações, relativa à natureza do acordo em causa, resulta dos elementos recordados no n.° 98 do presente acórdão que, em sua opinião, esta condição estava manifestamente preenchida no caso em apreço, tendo em conta as características do acordo em causa. A alegada violação do referido ponto não está, portanto, demonstrada. Por outro lado, perante a jurisprudência recordada nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, não se pode considerar que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação quanto à aplicação da referida presunção no caso em apreço.

101    Nestas circunstâncias, a terceira parte do primeiro fundamento invocado pela Ziegler em apoio do seu recurso deve ser julgado improcedente e, por conseguinte, este fundamento na sua totalidade, sem que seja necessário decidir da justeza do segundo pedido de substituição de fundamentos formulado pela Comissão.

B —  Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação dos artigos 296.° TFUE, 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como do princípio geral da igualdade de tratamento na apreciação da fundamentação do montante da coima

1.     Argumentos das partes

102    A Ziegler afirma, no essencial, que o Tribunal Geral violou o direito da União ao decidir, nos n.os 88 a 94 do acórdão recorrido, que a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação ao apoiar‑se apenas na natureza «muito grave» da infração para fixar a proporção do valor das vendas que servem para determinar o montante de base da coima e o montante adicional de tipo dissuasor.

103    A título principal, a Ziegler defende, por um lado, que conceder essa derrogação ao dever de fundamentação é contrário ao artigo 296.° TFUE. Os pontos 20 e 22 das orientações para o cálculo das coimas preveem que a Comissão deve ter em conta um certo número de fatores para decidir da proporção do valor das venda a ter em conta, mesmo quando considera estar perante as restrições de concorrência mais graves. A fundamentação do Tribunal Geral exposta no n.° 93 do acórdão recorrido é, portanto, insuficiente e desvirtua o ponto 23 das referidas orientações.

104    Por outro lado, o acórdão recorrido viola o direito fundamental a um processo equitativo consagrado nos artigos 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e 6.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), na medida em que este direito implica um dever de «fundamentação relevante e suficiente». Este dever impõe‑se à Comissão quando persegue e julga as infrações ao direito da concorrência, uma vez que, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não se pode contestar que a Comissão constitui um tribunal na aceção do artigo 6.° da CEDH. Resulta desta jurisprudência que o direito a um processo equitativo se opõe a que o Tribunal Geral instaure uma derrogação ao dever de fundamentação relativamente a sanções aplicáveis às infrações mais graves ao direito da concorrência.

105    A Ziegler acrescenta que, embora a Comissão não seja considerada um tribunal sujeito às referidas exigências de fundamentação, o Tribunal Geral, quando libera a Comissão do seu dever de fundamentação, uma vez que esta considera uma proporção do valor das vendas próximo do limite inferior do escalão previsto para este tipo de restrições, renuncia, deste modo, a exercer a sua fiscalização de plena jurisdição e viola, assim, o seu direito a um processo equitativo. Com efeito, a jurisprudência, nomeadamente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, indica que o facto de simplesmente verificar se um órgão administrativo não excedeu os limites do seu poder discricionário não constitui uma fiscalização de plena jurisdição na aceção do artigo 6.° da CEDH. Do mesmo modo, a simples possibilidade de exercer uma fiscalização de plena jurisdição não basta para satisfazer as garantias do processo equitativo, sendo ainda necessário que essa fiscalização seja efetivamente operada no caso em apreço.

106    A título subsidiário, a Ziegler afirma que, mesmo admitindo que tal derrogação ao dever de fundamentação seja aceitável como princípio, o alcance que o Tribunal Geral lhe dá torna‑a incompatível com as disposições fundamentais referidas supra e com o princípio geral da igualdade de tratamento, e que assenta numa fundamentação insuficiente. Por um lado, o facto de, segundo o n.° 93 do acórdão recorrido, esta derrogação só se aplicar quando é considerada uma «taxa muito próxima» do limite inferior do escalão previsto para as restrições da concorrência mais graves, sem que este conceito seja definido, leva a tratar de forma uniforme situações diferentes, em violação do princípio da igualdade de tratamento. Por outro lado, ao decidir que a derrogação instaurada abrange também o montante adicional de tipo dissuasor, sem outra explicação, o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação. Com efeito, indicando o ponto 25 das orientações para o cálculo das coimas que o montante adicional se aplica às infrações mais graves, a simples natureza da infração não pode bastar para determinar a proporção a ter em conta.

107    Quanto ao pedido de substituição de fundamentos, apresentado pela Comissão a propósito do alcance do dever de fundamentação imposto pelas orientações para o cálculo das coimas adotadas em 2006, é inadmissível e, de qualquer modo, infundado. A jurisprudência anterior à adoção, em 2006, destas orientações perdeu efetivamente a sua relevância. As referidas orientações tornaram mais pesado o dever de fundamentação imposto à Comissão. Do mesmo modo, o reconhecimento do caráter penal das coimas aplicadas pela Comissão no domínio da concorrência e a entrada em vigor da Carta reforçaram as exigências de fundamentação das decisões da Comissão.

108    A título liminar, a Comissão observa, por um lado, que a Ziegler não apresentou, no Tribunal Geral, a propósito da fundamentação relativa à proporção de 17% do valor das vendas, argumentação relativa ao seu direito fundamental a um processo equitativo. Pede, por outro lado, que o Tribunal de Justiça proceda a uma substituição dos fundamentos constantes dos n.os 90 a 92 do acórdão recorrido. Em particular, a afirmação que consta deste último n.° 92, segundo a qual as orientações para o cálculo das coimas adotadas em 2006 tornou mais pesado o dever de fundamentação das coimas imposto à Comissão, está errada. A Comissão salienta também que a tensão entre os n.os 92 e 93 do acórdão recorrido, destacada pela Ziegler, deixaria de existir se o pedido de substituição de fundamentos fosse acolhido, o que levaria à improcedência do segundo fundamento.

109    Este fundamento, de qualquer modo, não procede. Tratando‑se, a título principal, por um lado, do dever de fundamentação, o Tribunal Geral concluiu corretamente, perante a decisão controvertida, que a Comissão o tinha cumprido. Por outro lado, a argumentação relativa ao facto de a Comissão ser um tribunal na aceção do artigo 6.° da CEDH, obrigada a um especial dever de fundamentação, e ao facto de a fundamentação insuficiente do acórdão recorrido privar a Ziegler do seu direito a impugnar a decisão controvertida num tribunal independente que exerça uma fiscalização de plena jurisdição é inadmissível, sendo desenvolvida pela primeira vez na fase do recurso quando não teria sido impossível apresentá‑la no Tribunal Geral. Esta argumentação é, de qualquer forma, improcedente. Em particular, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não é suscetível de contrariar a jurisprudência existente da União Europeia segundo a qual a Comissão não pode ser considerada um tribunal na aceção do artigo 6.° da CEDH.

110    Quanto, a título subsidiário, à apreciação da fundamentação do montante da coima, a Comissão remete, no que se refere à proporção do valor das vendas que servem para determinar o montante de base dessa coima, para os seus argumentos supra relativos à fundamentação apresentada na decisão controvertida. No atinente à proporção do valor das vendas que serve para determinar o montante adicional de tipo dissuasor, a Comissão considera que não se pode contestar que a proporção de 17% considerada no caso em apreço se situa num nível inferior da escala que vai de 15% a 25% ou que os mesmos elementos de gravidade podem conduzir duas vezes à mesma proporção, considerando que se trata de duas avaliações sobre a gravidade da infração enquanto tal.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

a)     Quanto ao pedido de substituição de fundamentos da Comissão

111    Importa salientar que, mesmo que o Tribunal Geral tenha errado ao considerar, nos n.os 90 a 92 do acórdão recorrido, que a adoção, em 2006, das orientações para o cálculo das coimas, que substituem as que tinham sido adotadas em 1998, tornou mais pesado o dever de fundamentação da Comissão quando aplica sanções por infrações ao direito da concorrência da União, tal seria irrelevante para a análise da procedência do segundo fundamento invocado pela Ziegler. Com efeito, nos n.os 93 a 96 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que essa fundamentação reforçada não era necessária no processo que lhe fora submetido. Assim, o Tribunal Geral não retirou dos desenvolvimentos expostos nos n.os 90 a 92 do acórdão recorrido nenhuma consequência de facto ou de direito para o caso em apreço.

112    O pedido da Comissão deve, assim, considerar‑se dirigido aos fundamentos supérfluos do acórdão recorrido e, por conseguinte, sendo inoperante, deve, de qualquer modo, improceder (v., neste sentido, despacho de 25 de março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colet., p. I‑1611, n.° 47 e jurisprudência referida, e acórdão de 2 de outubro de 2003, Salzgitter/Comissão, C‑182/99 P, Colet., p. I‑10761, n.os 54 e 55).

b)     Quanto à procedência do segundo fundamento

i)     Quanto à parte principal

113    A título liminar, importa salientar que, se, no âmbito da presente parte, a Ziegler apresenta, nomeadamente, uma acusação relativa a uma violação do artigo 296.° TFUE, é o artigo 253.° CE que é aplicável no caso em apreço, tendo a decisão controvertida sido adotada antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. No entanto, tal é irrelevante, uma vez que a fundamentação dos atos da União em causa no presente processo não está sujeita, no âmbito do artigo 253.° CE, a exigências jurídicas diferentes das aplicáveis no âmbito do artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE. Portanto, há que entender esta acusação no sentido de que se refere, nomeadamente, a uma violação do artigo 253.° CE.

114    A este propósito, importa recordar que o dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade em sede de mérito do ato controvertido (acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet, p. I‑8947, n.° 146 e jurisprudência referida).

115    Nesta perspetiva, por um lado, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. Quanto, em particular, à fundamentação das decisões individuais, o dever de fundamentar tais decisões tem assim por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.os 147 e 148 e jurisprudência referida).

116    Por outro lado, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato em causa, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, já referido, n.° 150 e jurisprudência referida).

117    Por outro lado, quanto à escolha da proporção do valor das vendas que serve para determinar o montante de base da coima, o ponto 21 das orientações para o cálculo das coimas dispõe que, «[r]egra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%». O ponto 22 destas orientações prevê, além disso, que, «[a] fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática». O ponto 23 das referidas orientações precisa que «a proporção das vendas tida em conta para [os acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos] situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala».

118    Quanto à determinação do montante adicional de tipo dissuasor, o ponto 25 das orientações para o cálculo das coimas indica, por sua vez, que «independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas […] a fim de dissuadir as empresas de participarem até mesmo em acordos horizontais de fixação de preços […]. Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22».

119    No caso em apreço, quanto à proporção do valor das vendas que serve para determinar o montante de base da coima, o Tribunal Geral, após ter decidido, no n.° 89 do acórdão recorrido — que a Ziegler não contesta — que «a Comissão fundamentou suficientemente a qualificação da infração como ‘muito grave’» e recordado, no n.° 87 do acórdão recorrido, o conteúdo da exigência de fundamentação imposto no artigo 253.° CE e, no n.° 91 do referido acórdão, o conteúdo essencial dos pontos 19, 21 e 23 das orientações para o cálculo das coimas, declarou, no n.° 93 do acórdão recorrido, o seguinte:

«[…] é forçoso reconhecer que, no considerando 543 da [decisão controvertida], a Comissão fixou essa taxa num nível ligeiramente superior à metade dessa escala, a saber, 17%, fundamentando a sua escolha apenas com a natureza ‘muito grave’ da infração. No entanto, a Comissão não explicou mais circunstanciadamente de que forma a qualificação da infração como ‘muito grave’ a levou a fixar a taxa em 17% e não a uma proporção num nível nitidamente ‘superior da escala’. Esta fundamentação apenas pode ser suficiente na situação em que a Comissão aplica uma taxa muito próxima do limite inferior do escalão previsto para as infrações mais graves, que é, aliás, muito favorável à recorrente. Com efeito, neste caso, não é necessária uma fundamentação adicional que ultrapasse a fundamentação subjacente às orientações. Em contrapartida, se aquela pretendesse aplicar uma taxa mais elevada, teria de apresentar uma fundamentação mais detalhada.»

120    Quanto à proporção considerada para determinar o montante adicional de tipo dissuasor, o Tribunal Geral decidiu, no n.° 94 do acórdão recorrido, que, «[a]tendendo a que […] o considerando 556 da [decisão controvertida] se refere ao considerando 542 e a que o limite inferior do escalão é o mesmo, as observações supra também se aplicam aos argumentos referentes à fundamentação apresentada para a fixação desse montante».

121    Resulta destes elementos, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral declarou, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 115 do presente acórdão, que a fundamentação apresentada pela Comissão na decisão controvertida quanto à proporção do valor das vendas considerada para determinar o montante de base da coima é clara, unívoca e conforme ao método anunciado nos pontos 21 e 23 das orientações para o cálculo das coimas. A este respeito, importa lembrar que, nestes pontos 21 e 23, a Comissão anunciou que considerará em geral uma proporção que pode ir até 30% do valor das vendas, mas que, para as infrações como os acordos horizontais de fixação de preços e de repartição de mercado — qualificação considerada na decisão controvertida para o acordo em causa e que a Ziegler não contestou — a proporção situar‑se‑á geralmente «num nível superior da escala».

122    Em segundo lugar, sendo a taxa de 17% sensivelmente inferior ao limite superior da escala mencionada pela Comissão nas orientações para as restrições de concorrência mais graves, o Tribunal Geral salientou, corretamente, que esta taxa era muito favorável à Ziegler. Assim, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 116 do presente acórdão, o Tribunal Geral tinha razão ao considerar que a Ziegler não tinha interesse em receber uma explicação particular relativa à escolha desta proporção e que a Comissão não era, portanto, obrigada a fundamentar particularmente a decisão controvertida sobre este ponto.

123    Em terceiro lugar, não resulta do acórdão recorrido, e não é, aliás, alegado pela Ziegler, que a decisão controvertida foi adotada num contexto particular ou que se destinava a um acordo que apresentava características particulares tais que exigisse uma fundamentação específica por parte da Comissão quanto à escolha da proporção do valor das vendas considerada para determinar o montante de base da coima, além da apresentada, e a cuja falta o Tribunal Geral deveria ter aplicado uma sanção.

124    Em quarto lugar, mais particularmente, quanto à proporção considerada para determinar o montante adicional de tipo dissuasor, há que reconhecer que, por um lado, o acordo em causa se inclui efetivamente na categoria das infrações referidas no ponto 25 das orientações para o cálculo das coimas, que também são mencionadas no ponto 23 das mesmas e, por outro, que a taxa de 17% se situa igualmente no limite inferior do escalão de 15% a 25% referido nesse ponto 25. O Tribunal Geral tinha, portanto, razão em remeter, no n.° 94 do acórdão recorrido, para a sua análise relativa à fundamentação da proporção considerada para determinar o montante de base da coima. Assim, as considerações constantes dos n.os 121 a 123 do presente acórdão valem também para a análise efetuada pelo Tribunal Geral relativa à fundamentação fornecida pela Comissão na decisão controvertida a propósito da referida proporção.

125    Nestas circunstâncias, a acusação suscitada pela Ziegler segundo a qual o Tribunal Geral violou o artigo 253.° CE ao não aplicar uma sanção à falta de fundamentação da decisão controvertida quanto à escolha da proporção do valor das vendas considerada para efeitos da determinação do montante de base da coima e do montante adicional de tipo dissuasor, ou mesmo ao ter dispensado a Comissão de qualquer dever de fundamentação a este respeito, deve ser julgada improcedente.

126    Quanto, além disso, à alegada violação do direito fundamental a um processo equitativo consagrado pelos artigos 47.° da Carta e 6.° da CEDH, importa observar, a título liminar, que a proteção conferida pelo artigo 47.° da Carta no direito da União é equivalente à conferida pelo artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Assim, há que referir unicamente esta primeira disposição (v., neste sentido, acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085, n.° 51).

127    Defendendo a Ziegler que, no caso em apreço, esta disposição da Carta foi violada quer pela Comissão quer pelo Tribunal Geral, importa lembrar, por um lado, que, segundo jurisprudência assente, permitir a uma parte invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento que não apresentou no Tribunal Geral equivaleria a permitir que essa parte submetesse ao Tribunal de Justiça, cuja competência em matéria de recursos de decisões do Tribunal Geral é limitada, um litígio com um objeto mais lato do que aquele que foi submetido a este último. No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se, portanto, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos debatidos perante os primeiros juízes (acórdãos de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 60 e jurisprudência referida, e de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 111).

128    Ora, no âmbito do processo em primeira instância, a Ziegler não apresentou nenhum argumento destinado a demonstrar que a Comissão, ao adotar a decisão controvertida, violou o seu direito fundamental a um processo equitativo. Assim, a presente acusação é inadmissível.

129    Por outro lado, na medida em que, com esta acusação, a Ziegler afirma que o próprio Tribunal Geral violou este direito fundamental, importa salientar que a Ziegler alega que esta violação resulta do facto de o Tribunal Geral, ao violar o direito da União, ter dispensado a Comissão do dever de fundamentação que lhe é imposto quando fixa a proporção do valor das vendas que serve para determinar o montante de base da coima e o montante adicional de tipo dissuasor.

130    No entanto, há que reconhecer que esta acusação assenta numa premissa errada, como resulta do n.° 125 do presente acórdão, não tendo de modo algum o Tribunal Geral dispensado a Comissão do dever de fundamentação que lhe era imposto. A referida acusação deve, portanto, ser afastada por, nesta medida, ser infundada.

131    Assim, a parte principal do presente fundamento do recurso deve ser julgada improcedente na sua totalidade.

ii)  Quanto à parte subsidiária

132    Em primeiro lugar, há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral do direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta. Segundo jurisprudência assente, o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida).

133    Resulta também de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que da aplicação de métodos de cálculo diferentes para determinação do montante da coima não pode resultar uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., já referido, n.° 58 e jurisprudência referida).

134    Todavia, o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações (acórdãos de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, Colet., p. I‑8935, n.° 205, e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido, n.° 233).

135    No caso em apreço, a Ziegler não censura, no entanto, o Tribunal Geral por não ter aplicado uma sanção a uma violação do princípio da igualdade de tratamento na medida em que a Comissão considerou contra si, para determinar o montante de base da coima e o montante adicional de tipo dissuasor, uma proporção de 17% do valor das vendas, ao passo que considerou uma proporção de 15% contra outra empresa implicada no mesmo acordo e cujo comportamento era comparável ao seu. Pelo contrário, a Ziegler alega que ao entender implicitamente, no n.° 93 do acórdão recorrido, que se podiam considerar comparáveis casos em que a coima é calculada a partir de uma proporção correspondente a 17% do valor das vendas e aqueles em que esse cálculo é efetuado com base numa proporção de 15% do referido valor, o Tribunal Geral cometeu essa violação.

136    Ora, há que reconhecer, por um lado, que não consta nenhuma consideração desse tipo do referido n.° 93. Por outro lado, e de qualquer modo, considerando a jurisprudência recordada no n.° 134 do presente acórdão, a comparação teórica com uma eventual prática futura da Comissão não se pode revestir da menor relevância quanto à existência de discriminações.

137    De onde resulta que a acusação relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgada improcedente.

138    Em segundo lugar, quanto à alegada violação pelo Tribunal Geral do dever de fundamentação que se lhe impõe ao permitir à Comissão, no n.° 94 do acórdão recorrido, fixar em 17% a proporção do valor das vendas a ter em conta para determinar o montante adicional de tipo dissuasor, devido apenas ao caráter muito grave da infração, quando o ponto 25 das orientações para o cálculo das coimas implica que a simples natureza da infração não pode bastar para determinar a percentagem considerada, importa recordar, por um lado, que já foi declarado nos n.os 124 e 125 do presente acórdão que o n.° 94 do acórdão recorrido não enferma da violação do artigo 253.° CE alegada pela Ziegler no âmbito da parte principal do presente fundamento.

139    Por outro lado, ao contrário do que alega a Ziegler, o Tribunal Geral não tinha de fundamentar mais desenvolvidamente a sua decisão relativamente ao ponto 25 das orientações para o cálculo das coimas. Com efeito, quanto à determinação da percentagem a considerar no escalão que menciona, o referido ponto indica, na verdade, que «[p]ara decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22 [das mesmas orientações]». Todavia, entre esses fatores consta justamente a natureza da infração em causa.

140    Além disso, como salientou a advogada‑geral J. Kokott no n.° 129 das suas conclusões, resulta da redação do referido ponto 22, conjugado com o referido ponto 25, que constitui uma simples declaração geral da qual não se pode concluir que, por um lado, em cada caso concreto, a Comissão deva necessariamente basear‑se em todos esses fatores e fundamentar detalhadamente a proporção considerada relativamente a cada um deles e, por outro, que o Tribunal Geral deva necessariamente declarar que a fundamentação apresentada pela Comissão é insuficiente se esta não fundamentou a sua decisão relativamente a cada um dos fatores referidos no ponto 22.

141    Nestas condições, e perante a jurisprudência recordada nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, afigura‑se que o Tribunal Geral fundamentou suficientemente a conclusão que avançou no n.° 94 do acórdão recorrido.

142    Além disso, o facto de a Ziegler considerar que, quanto ao mérito, a posição do Tribunal Geral está errada não pode viciar o acórdão recorrido de falta de fundamentação. Com efeito, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 114 do presente acórdão, o dever de fundamentação deve ser distinguido da questão da procedência desta.

143    A acusação relativa a uma fundamentação insuficiente do acórdão recorrido deve, assim, ser afastada por infundada e, por conseguinte, a presente parte subsidiária na sua totalidade.

144    Não sendo suscetível de ser acolhida nenhuma das acusações apresentadas pela Ziegler em apoio do presente fundamento, há que julgar improcedente o segundo fundamento do recurso na sua totalidade.

C —  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do dever de fundamentação, do direito fundamental a um processo equitativo e do princípio da boa administração quando do não acolhimento da acusação relativa à falta de imparcialidade objetiva da Comissão

1.     Argumentos das partes

145    A Ziegler afirma, em primeiro lugar, que os n.os 103 a 107 do acórdão recorrido enfermam de falta de fundamentação, uma vez que o Tribunal Geral não fundamenta o seu não acolhimento da acusação relativa à falta de imparcialidade objetiva da Comissão. A fundamentação do Tribunal Geral nos n.os 104 e 196 do acórdão recorrido respeita à imparcialidade subjetiva e resulta, portanto, de uma confusão entre estes dois conceitos. A imparcialidade objetiva pré‑existe à decisão controvertida e apoia‑se em elementos que lhe são externos, que não devem nela ser traduzidos. A sua verificação deve ser feita colocando‑se a questão de saber se, independentemente da conduta da Comissão, certos factos verificáveis permitem duvidar da imparcialidade desta última.

146    A Ziegler defende, em segundo lugar, que a decisão controvertida está viciada por uma falta de imparcialidade objetiva e que, portanto, ao considerar o referido fundamento improcedente, o Tribunal Geral violou o seu direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.° da Carta e 6.° da CEDH, bem como o seu direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta. Por um lado, estas disposições acarretam uma obrigação de imparcialidade objetiva a cargo da Comissão, embora esta não seja considerada um tribunal na aceção dos referidos artigos 47.° e 6.° A Comissão estava, pelo menos, sujeita a esta obrigação por força do direito a uma boa administração consagrado no artigo 41.° da Carta. Por outro lado, esta exigência de imparcialidade objetiva não está satisfeita no caso em apreço. A infração censurada à Ziegler afeta a Comissão quer por ser uma das suas vítimas quer porque funcionários seus estiveram implicados ao solicitarem orçamentos de conveniência. Ora, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, as vítimas de uma infração não podem ser chamadas a julgá‑la.

147    A Comissão considera que o presente fundamento não procede. Quanto à fundamentação do acórdão recorrido, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à imparcialidade subjetiva não é, em sua opinião, relevante, na medida em que a Comissão não pode ser equiparada a um juiz. Por outro lado, o facto de a Comissão, ou outra instituição da União, figurar entre as vítimas de um cartel não é, enquanto tal, suscetível de pôr em causa a circunstância de que investiga com toda a imparcialidade. No caso em apreço, nenhum dos direitos de defesa da Ziegler foi afetado. Neste caso, o Tribunal Geral teve razão ao ter em conta o facto de a Ziegler não ter podido apontar nenhum indício concreto em apoio da sua afirmação. Logo, fundamentou corretamente a rejeição desta argumentação.

148    Quanto ao direito fundamental a um processo equitativo e ao princípio da boa administração, a Comissão recorda que não pode ser considerada um tribunal na aceção dos artigos 47.° da Carta e 6.° da CEDH. Além disso, admite estar evidentemente sujeita a uma obrigação de imparcialidade, nomeadamente no inquérito administrativo, no âmbito do princípio da boa administração, mas considera ter respeitado esta obrigação de imparcialidade no caso em apreço.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

149    Quanto, em primeiro lugar, à alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido, importa salientar, por um lado, que, segundo jurisprudência constante recordada nos n.os 81 e 82 do presente acórdão, o dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral não lhe impõe uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação do Tribunal Geral pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização. Por outro lado, por força de jurisprudência também constante referida no n.° 114 do presente acórdão, o dever de fundamentação deve ser distinguido da questão da procedência da fundamentação.

150    No caso em apreço, no n.° 104 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «a alegada falta de objetividade da Comissão não constitui uma violação do direito de defesa suscetível de implicar a anulação da decisão [controvertida], mas enquadra‑se, sim, no exame feito no âmbito do controlo da apreciação dos meios de prova ou da fundamentação da decisão». Daqui deduz, no n.° 105 do referido acórdão, que tal fundamento é inoperante enquanto fundamento de anulação.

151    Todavia, no n.° 106 do acórdão recorrido, decidiu, por questões de exaustividade, que este fundamento é «igualmente improcedente», já que, por um lado, «os elementos invocados pela [Ziegler] não [eram] suscetíveis de demonstrar que o alegado preconceito da Comissão ou de um dos seus agentes tem expressão na [decisão controvertida]» — sendo a falta de caráter conclusivo destes elementos analisada em seguida — e, por outro, que os argumentos invocados pela Ziegler, nomeadamente na audiência, «também não [eram] suscetíveis de corroborar a sua afirmação de que a Comissão [tinha sido] parcial na instrução do processo». A este respeito, considerou em particular que «a [Ziegler] não prova[va] em que medida o comportamento imputado a certos agentes, a admitir que este se verificou, poderia pôr em causa o direito a um processo justo».

152    Assim, embora o Tribunal Geral não tenha, na verdade, expressamente distinguido, nos referidos números, os conceitos de imparcialidade objetiva e imparcialidade subjetiva, indicou, no entanto, claramente a razão pela qual considerava que o fundamento invocado pela Ziegler não podia prosperar, respondendo, assim, de modo suficiente à argumentação apresentada por esta sociedade e permitindo ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 149 do presente acórdão. Quanto à questão de saber se o raciocínio do Tribunal Geral, na medida em que aplica à imparcialidade objetiva as mesmas exigências que aplica à imparcialidade subjetiva, é ou não correto, trata‑se de uma questão de mérito que não pode, quer seja procedente ou não, viciar o acórdão recorrido de falta de fundamentação, de acordo com a jurisprudência já mencionada no n.° 114 do presente acórdão.

153    Resulta do exposto que a primeira parte do presente fundamento do recurso deve ser afastada por improcedente.

154    Quanto, em segundo lugar, à alegada violação do direito fundamental a um processo equitativo e do princípio da boa administração, importa lembrar que, ainda que a Comissão não possa ser qualificada de «tribunal» na aceção do artigo 6.° da CEDH (v., neste sentido, acórdãos de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81, e Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 7), não está menos obrigada a respeitar os direitos fundamentais da União ao longo do procedimento administrativo, entre os quais figura o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta. Em particular, é este último, e não o artigo 47.° da Carta, que rege o procedimento administrativo em matéria de acordos na Comissão (v., neste sentido, acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, Colet., p. I‑10329, n.° 53, e Solvay/Comissão, C‑110/10 P, Colet., p. I‑10439, n.° 48).

155    Nos termos do artigo 41.° da Carta, todas as pessoas têm direito, nomeadamente, a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições da União com imparcialidade. Esta exigência de imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa encarregada do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito todas as dúvidas legítimas (v., por analogia, acórdãos de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 54, e de 19 de fevereiro de 2009, Gorostiaga Atxalandabaso/Parlamento, C‑308/07 P, Colet., p. I‑1059, n.° 46).

156    Só o conceito de imparcialidade objetiva está em causa na presente parte. A Ziegler defende, no essencial, que o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, decidir que a Comissão não tinha sido objetivamente imparcial no caso em apreço, atendendo a que ela própria se considerava vítima do acordo em causa e que funcionários da mesma tinham solicitado orçamentos de conveniência.

157    Há que salientar, em primeiro lugar, que o simples facto de a Comissão investigar um acordo que lesou os interesses financeiros da União e aplicar uma sanção ao mesmo não pode acarretar uma falta de imparcialidade objetiva da sua parte. Se assim não fosse, a simples possibilidade de a Comissão, ou mesmo outra instituição da União, ter sido vítima de um comportamento anticoncorrencial referido no artigo 81.° CE teria, como referiu a advogada‑geral J. Kokott no n.° 149 das suas conclusões, por efeito privá‑la da sua competência de investigar tais comportamentos, o que não pode ser admitido. A este propósito, importa, em particular, salientar que, nos termos do artigo 85.° CE, atual artigo 105.° TFUE, entre as missões atribuídas à Comissão pelos Tratados figura precisamente a de velar pela aplicação dos princípios enunciados nos artigos 81.° e 82.° CE.

158    Em segundo lugar, o facto de os serviços da Comissão encarregados da punição das infrações ao direito da concorrência da União e os responsáveis pela contratação das mudanças dos funcionários e dos agentes desta instituição pertencerem à mesma estrutura organizacional também não pode, por si só, pôr em causa a imparcialidade objetiva desta instituição, fazendo os referidos serviços necessariamente parte da estrutura a que pertencem (v., por analogia, acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, n.° 64).

159    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça já declarou que as decisões da Comissão podem ser sujeitas à fiscalização do juiz da União e que o direito da União prevê um sistema de controlo jurisdicional das decisões da Comissão, nomeadamente as relativas aos processos de aplicação do artigo 81.° CE, que oferece todas as garantias exigidas pelo artigo 47.° da Carta (acórdão Otis e o., já referido, n.° 56). Assim, não se pode considerar, em qualquer hipótese, que a Comissão seja simultaneamente vítima de uma infração e juiz da sua sanção.

160    Perante estes elementos, o Tribunal Geral tinha razão ao considerar que a Comissão cumpriu a obrigação de imparcialidade que se lhe impunha. Assim, não cometeu erro de direito algum ao considerar improcedente o fundamento suscitado pela Ziegler, relativo a uma violação do direito a um processo equitativo e do princípio geral de boa administração.

161    Além disso, de acordo com a jurisprudência recordada no n.° 75 do presente acórdão, o Tribunal Geral é o único a poder apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe são apresentados, exceto em caso de desvirtuação desses elementos. Assim, na medida em que, com a presente parte, a Ziegler pretende pôr em causa a apreciação, efetuada pelo Tribunal Geral, dos elementos que tinha fornecido em apoio do fundamento suscitado e não invoca nenhuma desvirtuação dos mesmos, esta argumentação deve ser rejeitada por inadmissível.

162    De onde resulta que a segunda parte do terceiro fundamento invocado pela Ziegler em apoio do seu recurso é parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível e deve assim ser afastado, tal como, por conseguinte, o terceiro fundamento na sua totalidade.

D —  Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma violação do princípio da igualdade de tratamento na apreciação da concessão de reduções de coimas

1.     Argumentos das partes

163    A Ziegler afirma que o Tribunal Geral, tendo declarado, no n.° 167 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cometido um erro relativamente à sua capacidade de pagamento da coima, não podia concluir, sem violar o princípio da igualdade de tratamento, que a Comissão estava autorizada a conceder a outra empresa que participou no acordo uma redução de 70% do montante da coima inicial com base no ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas, quando não considerou a hipótese de conceder, com base nesse mesmo fundamento, uma redução do montante da coima aplicada à Ziegler. Com efeito, entendendo que se encontrava, como essa outra empresa, numa situação de incapacidade de pagamento da coima, que foi verificada pelo Tribunal Geral, a Ziegler defende que tinha direito a que a sua situação particular fosse analisada à luz do referido ponto 37.

164    A justificação desta diferença de tratamento exposta pelo Tribunal Geral no n.° 171 do acórdão recorrido, relativa ao limite de 10% do volume de negócios total, não foi invocada pela Comissão. Além disso, contradiz o raciocínio do Tribunal Geral segundo o qual uma apreciação baseada apenas no volume de negócios não tem em conta a situação concreta da empresa e, portanto, não é por si só relevante para decidir da concessão de uma redução do montante da coima. Perante estes elementos, o acórdão recorrido deve ser anulado, assim como o artigo 2.° da decisão controvertida. Pelo menos, a coima aplicada à Ziegler deve ser substancialmente reduzida.

165    A Comissão responde que o presente fundamento deve ser considerado improcedente. Por um lado, o princípio da igualdade de tratamento na aplicação do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas foi efetivamente respeitado. A este respeito, salienta, nomeadamente, que todos os pedidos de aplicação desse ponto 35 foram rejeitados devido à falta de um dado contexto social e económico. Por outro lado, o ponto 37 das referidas orientações remete para uma situação realmente excecional. Ora, a outra empresa em causa esteve numa situação realmente particular, por razões confidenciais relativamente à Ziegler, mas de que o Tribunal Geral tomou conhecimento. O facto de o Tribunal Geral só declarar explicitamente a diferença na proporção da coima face ao volume de negócios total explica‑se pela natureza altamente confidencial das informações em causa relativamente à Ziegler. Além disso, esta proporção continua a ser relevante, para se apreciar se uma coima é ou não uma ameaça para a sobrevivência da empresa e, de qualquer modo, esta diferença de proporção é relevante para se concluir que as situações dessa outra empresa e da Ziegler não são comparáveis, tanto mais que a Ziegler não pediu para beneficiar das disposições do referido ponto 37.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

166    De acordo com a jurisprudência recordada no n.° 132 do presente acórdão, o princípio da igualdade de tratamento exige nomeadamente que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado.

167    Assim, a violação do princípio da igualdade de tratamento através de um tratamento diferenciado pressupõe que as situações em causa sejam comparáveis no que respeita a todos os elementos que as caracterizam. Os elementos que caracterizam situações diferentes e, portanto, o seu caráter comparável devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e do objetivo do ato da União que institui a distinção em causa. Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objetivos do domínio do qual releva o ato em questão (acórdão de 6 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.os 25 e 26 e jurisprudência referida).

168    No caso em apreço, após ter lembrado, no n.° 165 do acórdão recorrido, que a concessão da redução prevista no ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas depende, para além de um pedido nesse sentido, de duas condições cumulativas, a saber, a dificuldade intransponível em pagar a coima e a existência de um dado contexto social e económico, o Tribunal Geral decidiu efetivamente, no n.° 167 do acórdão recorrido, que «[u]m mero cálculo da percentagem que a coima representa relativamente ao volume de negócios mundial da empresa não pode, por si só, fundamentar a conclusão de que essa coima não é suscetível de pôr irremediavelmente em causa a viabilidade económica da empresa. Na verdade, se fosse esse o caso, seria possível indicar limiares concretos de aplicação do [ponto] 35 das orientações [para o cálculo das coimas]».

169    De onde deduziu, no mesmo número, que a Comissão não tinha razão ao concluir, na decisão controvertida, que a primeira condição de aplicação do referido ponto 35, a saber, a dificuldade intransponível em pagar a coima, não estava preenchida.

170    No entanto, em primeiro lugar, embora o Tribunal Geral tenha considerado que a Comissão não tinha fundamentado de modo suficiente a razão pela qual considerava que a coima que pretendia aplicar à Ziegler não punha irremediavelmente em causa a sua viabilidade económica, em contrapartida, não declarou que a Ziegler estava efetivamente numa situação de incapacidade de pagamento da coima. Com efeito, limitou‑se a salientar que a Comissão não tinha demonstrado que não era esse o caso. Portanto, há que reconhecer que a argumentação da Ziegler assenta, pelo menos em parte, numa premissa errada e que, por conseguinte, a contradição de fundamentos alegada não está demonstrada.

171    Em segundo lugar, na verdade, nos termos do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas, «[e]m circunstâncias excecionais, a Comissão pode ter em conta a incapacidade de pagamento da coima por parte de uma empresa num dado contexto social e económico». Todavia, o ponto 37 dessas orientações prevê que, «[e]mbora as [referidas o]rientações exponham a metodologia geral para a fixação de coimas, as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular podem justificar que a Comissão se afaste dest[e método] ou dos limites fixados no ponto 21». De onde resulta que, contrariamente ao ponto 35 das mencionadas orientações, a aplicação do referido ponto 37 é independente da capacidade de pagamento da coima da empresa em causa.

172    Assim, mesmo admitindo que o Tribunal Geral reconheceu que a Ziegler tinha uma capacidade de pagamento da coima reduzida na aceção do referido ponto 35, esta circunstância por si só não teria por efeito tornar a sua situação comparável à da outra empresa em causa à luz do referido ponto 37.

173    Importa, todavia, salientar que a redação do referido ponto 37 não exclui que a incapacidade de pagamento da coima de uma empresa possa ser relevante para decidir da sua aplicação. No entanto, por um lado, para dar um efeito útil quer ao ponto 35 quer ao ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas, é necessário que as condições da sua respetiva aplicação sejam distintas. Assim, uma incapacidade de pagamento da coima ou uma capacidade de pagamento da coima reduzida na aceção do referido ponto 35 não pode, por si só e de qualquer modo, ser considerada suficiente para acarretar a eventual aplicação do ponto 37 das orientações.

174    Por outro lado, podendo a incapacidade de pagamento da coima ou a capacidade de pagamento da coima reduzida ser relevante no âmbito do referido ponto 37, o Tribunal Geral teve razão, para apreciar se a Comissão tinha respeitado a igualdade de tratamento entre a Ziegler e a outra empresa em causa, em comparar, no n.° 171 do acórdão recorrido, as suas situações à luz do valor relativo da coima pretendida para cada uma delas relativamente aos seus respetivos volumes de negócios e em concluir daí, perante a diferença considerável que observou entre esses valores relativos, que não tinha havido violação do princípio da igualdade de tratamento.

175    Resulta do exposto que o quarto fundamento do recurso deve, na sua totalidade, incluindo a parte em que se destina a obter uma redução do montante da coima, ser considerado improcedente.

176    Não podendo nenhum dos fundamentos do recurso ser acolhido, deve a este ser negado provimento na sua totalidade.

VI —  Quanto às despesas

177    Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Ziegler sido vencida e tendo a Comissão pedido a condenação desta sociedade, há que condená‑la a suportar as despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ziegler SA é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.