Language of document : ECLI:EU:C:2012:565

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 13 de setembro de 2012 (1)

Processo C‑547/10 P

Confederação Suíça

contra

Comissão

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Confederação Suíça — Admissibilidade — Legitimidade processual — Conhecimento oficioso — Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos — Objetivos deste último — Intercâmbio de direitos de tráfego — Regulamento (CEE) n.° 2408/92 — Acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias — Artigos 8.° e 9.° — Âmbito de aplicação — Poder de controlo da Comissão — Exercício dos direitos de tráfego — Decisão 2004/12/CE — Medidas da Alemanha relativas às rotas de aproximação ao aeroporto de Zurique — Princípios inerentes à livre prestação de serviços — Princípio da não discriminação — Proporcionalidade»





I —    Introdução

1.        A Confederação Suíça pede, através do seu recurso, a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de setembro de 2010, Suíça/Comissão (2) (a seguir «acórdão recorrido»). O Tribunal Geral negou provimento ao pedido de anulação da Confederação Suíça da Decisão 2004/12/CE (3) relativa a um processo referente à aplicação do n.° 2, primeiro período, do artigo 18.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (4) (a seguir «acordo relativo aos transportes aéreos») e do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 (5). Com esta decisão, a Comissão Europeia considerou que a República Federal da Alemanha podia continuar a aplicar as medidas nacionais objeto da decisão em causa, que visavam estabelecer os procedimentos para a aterragem e a descolagem no aeroporto de Zurique (Suíça).

2.        O presente processo possui um caráter inédito a diversos títulos. Por um lado, porque diz respeito ao primeiro recurso de anulação interposto pela Confederação Suíça perante as jurisdições da União. Este processo oferece, assim, ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre a questão de saber se os Estados terceiros que têm uma relação jurídica particular com a União Europeia podem interpor recursos de anulação perante as jurisdições da União e, em caso afirmativo, em que condições. Trata‑se aqui de uma questão que ficou sem resposta, no presente caso, porque nem o Tribunal de Justiça (6) nem o Tribunal Geral tomaram posição sobre o estatuto processual da Confederação Suíça.

3.        Por outro lado, este processo oferece ao Tribunal de Justiça a possibilidade de interpretar as disposições do acordo relativo aos transportes aéreos e as do regulamento relativo ao acesso, bem como de se pronunciar sobre a articulação entre esses instrumentos. Com efeito, as questões suscitadas pelo recurso da Confederação Suíça incidem, no essencial, sobre o âmbito de aplicação respetivo dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso, bem como sobre os poderes de controlo que pelo referido regulamento são atribuídos à Comissão. Assim, o presente processo convida igualmente o Tribunal de Justiça a interpretar as normas substantivas contidas nas referidas disposições em relação com os princípios da livre prestação de serviços, da não discriminação e da proporcionalidade, no contexto particular do acordo relativo aos transportes aéreos.

II — Quadro jurídico

A —    Acordo relativo aos transportes aéreos

4.        O artigo 1.° do acordo relativo aos transportes aéreos tem a seguinte redação:

«1.      O presente Acordo institui normas aplicáveis às Partes Contratantes no domínio da aviação civil. Tais disposições não prejudicam as disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia [...], bem como de toda a legislação comunitária pertinente, citada no Anexo do presente Acordo.

2.      Para este efeito, as disposições do presente Acordo, e bem assim os regulamentos e diretivas especificados no Anexo, aplicar‑se‑ão sob as condições a seguir indicadas. Na medida em que sejam idênticas em substância às correspondentes normas do Tratado CE e aos atos adotados em aplicação do Tratado, essas disposições, ao serem transpostas e aplicadas, serão interpretadas em conformidade com as pertinentes sentenças e decisões do Tribunal [...] e da Comissão [...], proferidas anteriormente à data de assinatura do presente Acordo. As sentenças e decisões emitidas posteriormente a essa data serão comunicadas à Confederação Suíça. A pedido de qualquer das Partes Contratantes, as implicações destas sentenças e decisões posteriores serão determinadas pelo Comité Misto, com vista a assegurar o correto funcionamento do presente Acordo.»

5.        O artigo 2.° do referido acordo prevê que as disposições do Acordo e do respetivo Anexo aplicar‑se‑ão na medida em que digam respeito aos transportes aéreos ou a questões diretamente ligadas aos transportes aéreos, tal como se especifica no Anexo do presente Acordo.

6.        Em conformidade com o artigo 3.° deste mesmo acordo, é proibida qualquer forma de discriminação baseada na nacionalidade no âmbito do referido acordo.

7.        O artigo 15.°, n.° 1, deste acordo prevê, sem prejuízo do disposto no regulamento relativo ao acesso, a concessão de direitos de tráfego às transportadoras comunitárias e suíças entre qualquer ponto situado na Suíça e qualquer ponto situado na Comunidade.

8.        O artigo 18.°, n.° 2, do referido acordo prevê:

«Nos casos que possam afetar a autorização dos serviços aéreos ao abrigo do Capítulo 3 do presente Acordo, as instituições comunitárias exercerão os poderes que lhes são conferidos pelos regulamentos e diretivas cuja aplicação é explicitamente confirmada no Anexo. [...]»

9.        Segundo o artigo 19.°, n.° 2, do mesmo acordo, as autoridades suíças serão plenamente informadas e ser‑lhes‑á dada a possibilidade de formularem comentários antes da tomada de uma decisão final sempre que as instituições comunitárias agirem ao abrigo dos poderes que lhes são conferidos pelo presente Acordo em questões de interesse para a Confederação Suíça e que se revistam de interesse para as autoridades suíças ou para as empresas suíças.

10.      Por força do artigo 20.° do acordo relativo aos transportes aéreos, a apreciação da validade das questões que se suscitem sobre as decisões tomadas pelas instituições comunitárias, no âmbito das suas competências decorrentes deste Acordo, é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça.

11.      Nos termos do Anexo do referido acordo, sempre que atos especificados no referido Anexo contiverem referências a Estados‑Membros da Comunidade ou uma exigência de associação a estes, entende‑se que as referências se aplicam igualmente à Confederação Suíça ou a uma exigência de associação com esta. Este anexo visa, entre outros, o regulamento relativo ao acesso.

B —    Regulamento relativo ao acesso

12.      O artigo 2.°, alínea f), do regulamento relativo ao acesso define direito de tráfego, para efeitos deste regulamento, como sendo o «direito de uma transportadora aérea transportar passageiros, carga e/ou correio num serviço aéreo entre dois aeroportos comunitários».

13.      O artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as transportadoras aéreas comunitárias serão autorizadas pelo(s) Estado(s)‑Membro(s) interessado(s) a exercer direitos de tráfego nas rotas do interior da Comunidade.»

14.      Nos termos do artigo 8.° do referido regulamento:

«[…]

2.      O exercício de direitos de tráfego está sujeito às normas operacionais comunitárias, nacionais, regionais ou locais publicadas em matéria de segurança, proteção do ambiente e atribuição de faixas horárias.

3.      A pedido de um Estado‑Membro ou por sua própria iniciativa, a Comissão analisará a aplicação dos n.os 1 e 2 e, no prazo de um mês a contar da data de receção do pedido, decidirá, após consulta ao comité referido no artigo 11.°, se o Estado‑Membro em causa pode continuar a aplicar a medida. A Comissão comunicará a sua decisão ao Conselho e aos Estados‑Membros.

[...]»

15.      O artigo 9.° do regulamento dispõe:

«1.      Sempre que se verifiquem problemas ambientais e/ou de congestionamento graves, o Estado‑Membro responsável pode, sem prejuízo do disposto no presente artigo, condicionar, limitar ou recusar o exercício dos direitos de tráfego, especialmente se for possível proporcionar um nível de serviço satisfatório através de outros meios de transporte.

2.      As medidas tomadas pelos Estados‑Membros, nos termos do n.° 1:

¾        não estabelecerão quaisquer discriminações com base na nacionalidade ou na identidade das transportadoras aéreas,

[...]

¾        não imporão restrições para além das necessárias à resolução dos problemas.

3.      Sempre que um Estado‑Membro considerar necessário adotar as medidas previstas no n.° 1, deverá, o mais tardar três meses antes da entrada em vigor das medidas em causa, comunicar essa decisão, acompanhada da respetiva justificação, aos restantes Estados‑Membros e à Comissão. [...]

4.      A pedido de um Estado‑Membro ou por sua própria iniciativa, a Comissão analisará a aplicação do n.° 1. [...]»

III — Antecedentes do litígio

16.      O aeroporto de Zurique está situado em Kloten, a nordeste da cidade de Zurique e a cerca de 15 quilómetros a sudeste da fronteira entre a Suíça e a Alemanha. Tendo em conta a proximidade da fronteira alemã, todos os voos que aterram em Zurique, vindos de norte ou de noroeste, devem utilizar o espaço aéreo alemão no momento da aterragem.

17.      Inicialmente, a utilização do espaço aéreo alemão na aproximação e na partida do aeroporto de Zurique era regida por um acordo bilateral de 17 de setembro de 1984, entre a Confederação Suíça e a República Federal da Alemanha. Todavia, na sequência de problemas de aplicação do referido acordo, a República Federal da Alemanha denunciou o referido acordo em 22 de março de 2000, com efeitos a 31 de maio de 2001. Em 18 de outubro de 2001, os dois países assinaram um novo acordo que não foi ratificado.

18.      Em 15 de janeiro de 2003, as autoridades federais alemãs da aviação publicaram o 213.° Regulamento de execução da regulamentação alemã relativa ao tráfego aéreo, que estabelece procedimentos para a aterragem e a descolagem por instrumentos no aeroporto de Zurique (a seguir «regulamento de execução»). Este regulamento estabelecia uma série de medidas limitando as possibilidades à rota de aproximação ao aeroporto de Zurique, a partir de 18 de janeiro de 2003. Em 4 de abril de 2003, as autoridades federais alemãs da aviação publicaram o primeiro regulamento de alteração do referido regulamento de execução, alteração que entrou em vigor em 17 de abril de 2003.

19.      As medidas previstas pela República Federal da Alemanha destinavam‑se, no essencial, a impedir, em condições meteorológicas normais, sobrevoar a baixa altitude o território alemão próximo da fronteira com a Suíça, entre as 21 horas e as 7 horas, durante a semana, e entre as 20 horas e as 9 horas, aos fins de semana e nos dias feriados, reduzindo assim os níveis de ruído a que a população local estava exposta. Em consequência, as duas aproximações para aterragem pelo norte, anteriormente utilizadas como aproximações principais pelos aviões que aterravam no aeroporto de Zurique, já não eram possíveis durante estas horas.

20.      Além disso, o regulamento de execução incluía duas outras medidas destinadas a reduzir os níveis de ruído nas imediações da fronteira entre a Alemanha e a Suíça. Em primeiro lugar, relativamente à aproximação do aeroporto pelo este, estabelecia determinadas altitudes mínimas de voo a respeitar durante as horas acima referidas. Em segundo lugar, previa que a descolagem em direção a norte devia ser efetuada de forma a respeitar, quando da entrada no território alemão, diferentes altitudes mínimas de voo, prescritas em função do momento da descolagem. Portanto, nas horas acima referidas, o aparelho devia alterar a rota antes da fronteira alemã, para entrar no território alemão respeitando a altitude mínima fixada pelo regulamento de execução.

21.      Em 10 de junho de 2003, a Confederação Suíça apresentou um pedido à Comissão que visava fazer declarar que a República Federal da Alemanha não podia continuar a aplicar o regulamento de execução conforme alterado pelo primeiro regulamento de alteração de 4 de abril de 2003, e que a República Federal da Alemanha devia suspender a aplicação do referido regulamento até que a Comissão adotasse uma decisão.

22.      Após uma vasta troca de correspondência entre as autoridades suíças e alemãs, a Comissão enviou, em 14 de outubro de 2003, uma comunicação de objeções a estas autoridades solicitando que lhe dessem conhecimento das suas observações. Em seguida, após uma troca de observações a Comissão, comunicou por carta de 27 de outubro de 2003, um projeto de decisão sobre o qual a Confederação Suíça pôde apresentar as suas observações na sessão do Comité Consultivo «Acesso ao mercado (transportes aéreos)» de 4 de novembro de 2003.

23.      Em 5 de dezembro de 2003, a Comissão adotou a decisão impugnada. O artigo 1.° desta decisão dispõe que a República Federal da Alemanha pode continuar a aplicar o regulamento de execução conforme alterado pelo primeiro regulamento de alteração de 4 de abril de 2003. Em conformidade com o artigo 2.° da referida decisão, a República Federal da Alemanha é a única destinatária dessa decisão.

IV — Tramitação processual no Tribunal Geral, acórdão recorrido e a tramitação processual no Tribunal de Justiça

24.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de fevereiro de 2004, a Confederação Suíça interpôs um recurso de anulação com vista à obtenção da anulação da decisão impugnada. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2004, a República Federal da Alemanha foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão no âmbito desse processo.

25.      Pelo despacho Suíça/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral, após ter declarado que este era competente para conhecer do recurso interposto pela Confederação Suíça, quer na hipótese da Confederação Suíça ser equiparada a um Estado‑Membro nos termos do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE, quer na hipótese de a mesma ser equiparada a uma pessoa coletiva nos termos do quarto parágrafo deste mesmo artigo (7).

26.      Na sequência da remessa do processo ao Tribunal Geral, este admitiu o pedido de intervenção do Landkreis Waldshut em apoio dos pedidos da Comissão por despacho de 7 de julho de 2006 (8).

27.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela Confederação Suíça sem, contudo, se pronunciar quanto à admissibilidade deste último, afirmando no n.° 55 desse acórdão que, «nas circunstâncias do caso concreto, não há que decidir sobre a admissibilidade do presente recurso, uma vez que ao mesmo deve, de qualquer modo, ser negado provimento» (9).

28.      No que respeita ao mérito, o Tribunal Geral decidiu que não se podia censurar a Comissão

¾        por ter considerado que as medidas alemãs controvertidas não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 1, do regulamento relativo ao acesso;

¾        por não ter tomado em consideração os direitos do operador do aeroporto de Zurique e dos residentes nas imediações deste aeroporto, ao examinar as ditas medidas no contexto do acordo relativo aos transportes aéreos e nos termos do artigo 8.°, n.° 3, deste regulamento; e

¾        por ter decidido que as referidas medidas respeitavam os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

29.      No seu recurso, entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de novembro de 2010, a Confederação Suíça pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e a decisão impugnada, e condene a Comissão nas despesas. A título subsidiário, pede que o processo seja remetido ao Tribunal Geral e que a decisão quanto às despesas seja reservada para final.

30.      Em contrapartida, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene a Confederação Suíça nas despesas do processo. O Landkreis Waldshut, e o Governo alemão, formulam, no essencial, os mesmos pedidos. O Landkreis Waldshut pede, por outro lado, a título subsidiário, que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido e declare inadmissível o recurso da Confederação Suíça.

31.      A Confederação Suíça, o Landkreis Waldshut, o Governo alemão e a Comissão estiveram representados na audiência que teve lugar em 26 abril de 2012.

V —    Análise

A —    Quanto às características do acordo relativo aos transportes aéreos

32.      Importa, desde já, recordar que o Tribunal de Justiça teve algumas ocasiões para interpretar um outro acordo bilateral concluído entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, nomeadamente, o que se refere à livre circulação de pessoas (10) Os princípios enunciados pela jurisprudência sobre a interpretação do referido acordo bilateral são igualmente úteis para o presente processo.

33.      Nessa jurisprudência, o Tribunal de Justiça declarou que os Acordos CE‑Suíça, dos quais faz parte o acordo relativo aos transportes aéreos, foram assinados posteriormente à rejeição pela Confederação Suíça do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (11), e que, por consequência, esta última não subscreveu o projeto de um espaço económico integrado com um mercado único, baseado em regras comuns entre os seus membros, tendo optado pela via dos acordos bilaterais com a União e os seus Estados‑Membros, em áreas específicas (12).

34.      Por esta razão, o Tribunal de Justiça concluiu que a Confederação Suíça não tinha aderido ao mercado interno e que, por conseguinte, a interpretação dada às disposições do direito da União relativas a este mercado não podia ser automaticamente transposta para a interpretação do acordo, salvo disposições expressas para o efeito previstas no próprio acordo (13).

35.      Quanto à interpretação do acordo relativo aos transportes aéreos, importa sublinhar que se trata de um tratado internacional concluído entre a Comunidade Europeia e um Estado terceiro, que deve ser interpretado não apenas em função dos termos em que está redigido mas também à luz dos seus objetivos (14).

36.      Como no caso do Acordo sobre a livre circulação de pessoas, nem todas as liberdades do mercado único são abrangidas pelo acordo relativo aos transportes aéreos e a perspetiva de uma adesão à União está ausente do mesmo. Há, pois, que interpretar o referido acordo como um acordo internacional clássico, isto é, com base no texto e nos objetivos do mesmo, como prevê a Convenção de Viena, esclarecendo todavia que só a jurisprudência anterior à assinatura do acordo deve ser tomada em conta na interpretação das disposições do direito derivado aplicáveis no quadro deste acordo por força do seu artigo 1.°, n.° 2.

37.      Dado o caráter inédito deste processo, analisarei, antes de examinar os fundamentos invocados pela Confederação Suíça em apoio do seu recurso [do acórdão do Tribunal Geral], a admissibilidade do recurso de anulação interposto por esta última. Trata‑se nomeadamente da questão de saber qual é o estatuto processual da Confederação Suíça no quadro do presente processo e, mais precisamente, de determinar se esta deve ser equiparada a um Estado‑Membro ou a uma pessoa coletiva na aceção da disposição pertinente do direito primário aplicável ratione temporis, a saber, o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (15).

B —    Quanto à admissibilidade do recurso de anulação interposto pela Confederação Suíça

1.      Admissibilidade do recurso subordinado interposto pelo Landkreis Waldshut

38.      No presente processo, o Landkreis Waldshut alega, a título subsidiário, no seu recurso subordinado, a exceção de inadmissibilidade do recurso de anulação interposto pela Confederação Suíça por falta de legitimidade processual desta. A admissibilidade dessa exceção foi contestada pela Confederação Suíça ao abrigo do artigo 117.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

39.      Importa observar que, da mesma forma que num recurso principal, a existência de interesse em agir de um recorrente pressupõe que o recurso subordinado seja suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o interpôs (16). Ora, no caso em apreço, o Landkreis Waldshut logrou obter êxito na primeira instância. Portanto, a não apreciação do Tribunal Geral da admissibilidade do recurso de anulação da Confederação Suíça não teve consequências nos direitos da parte interveniente.

40.      Por outro lado, é jurisprudência constante que os intervenientes não têm legitimidade para suscitar uma exceção de inadmissibilidade que não foi formulada nas alegações da parte demandada (17). Não tendo a Comissão, recorrida na primeira instância, invocado a inadmissibilidade do recurso da Confederação Suíça e tendo‑se, pelo contrário, limitado a pedir que lhe fosse negado provimento, considero que o Landkreis Waldshut não tem legitimidade para suscitar a exceção de inadmissibilidade em causa, razão pela qual o Tribunal de Justiça não está obrigado a examinar os fundamentos invocados por aquele a este propósito.

2.      Necessidade de conhecer oficiosamente a legitimidade processual

41.      O artigo 230.° CE foi interpretado no sentido de que enquadra estritamente a admissibilidade dos recursos de anulação (18). Com efeito, a legitimidade processual — como qualquer outro fundamento de inadmissibilidade de ordem pública — é um pressuposto processual que, não estando preenchido, implica a incompetência do órgão jurisdicional para conhecer do mérito da causa (19).

42.      Importa sublinhar que, em conformidade com o artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a todo o tempo oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais. Sendo a contestação sobre a legitimidade processual do recorrente um fundamento de ordem pública assente na violação das condições de admissibilidade constantes do artigo 230.° CE, o Tribunal de Justiça, chamado a decidir um recurso ao abrigo do artigo 56.° do seu Estatuto pode e deve mesmo pronunciar‑se sobre esse fundamento (20).

43.      No presente processo, o Tribunal Geral apoiou‑se na jurisprudência designada «Boehringer» para justificar a sua abordagem de não se pronunciar sobre a questão da admissibilidade do recurso de anulação, sem todavia indicar por que razão se justificava aplicar esta jurisprudência no caso concreto (21).

44.      Esta abordagem, que evita o exame da admissibilidade dos recursos de anulação, suscita as seguintes observações da minha parte.

45.      A possibilidade de apreciar oficiosamente, em qualquer momento, se estão preenchidos os pressupostos processuais, ao abrigo do artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento Processual, não pode, na minha opinião, levar a concluir que o juiz da União pode abster‑se arbitrariamente de conhecer dessa questão. Só a existência de circunstâncias excecionais pode justificar essa abordagem (22).

46.      Queria sublinhar que, quando o juiz julga improcedente o recurso quanto ao mérito, embora uma parte suscite uma exceção de inadmissibilidade, este procedimento inverte a ordem de exame natural das vias de recurso (23). É por isso que esse método deveria constituir apenas uma exceção limitada à aplicação da regra geral segundo a qual o exame da admissibilidade do recurso precede o exame do mérito.

47.      Ora, tal exceção só pode ser interpretada de forma estrita. Com efeito, por razões de segurança jurídica, de boa administração da justiça e de igualdade entre as partes no processo, considero que essa inversão — e a fortiori o não exame de um fundamento de inadmissibilidade que é de ordem pública — só pode ser justificada em situações estritamente circunscritas e com fundamento em critérios tanto pertinentes como transparentes e cuja aplicação deve ser fundamentada em cada caso concreto.

48.      Como é sabido, na jurisprudência são invocados dois grupos de razões para evitar o exame da admissibilidade de um recurso de anulação; um relacionado com a economia processual e outro relativo à boa administração da justiça (24).

49.      Quando a admissibilidade de um recurso de anulação suscita dúvidas, a economia processual, que contribui para a celeridade da justiça, não me parece, regra geral, constituir uma razão suficiente para justificar a ausência de exame de um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública. Pelo contrário, a tomada em consideração do princípio da economia processual deve, logicamente, conduzir a privilegiar em primeiro lugar um exame da admissibilidade antes de se pronunciar sobre o mérito, salvo se se tratar de um recurso manifestamente infundado.

50.      Reconheço que, quando o juiz decide sobre o mérito, o seu acórdão pode, é certo, garantir uma segurança jurídica acrescida do ponto de vista das autoridades nacionais e do cidadão europeu, e prevenir litígios futuros. No entanto, a boa administração da justiça não pode limitar‑se ao mérito das questões de direito, mas vale igualmente e pelas mesmas razões, para as questões de ordem processual e, em especial, para as questões de admissibilidade.

51.      Com efeito, um argumento sério que justifica o exame da admissibilidade está precisamente ligado aos princípios da boa administração da justiça e da economia processual. A fim de assegurar o respeito destes princípios, é de facto necessário informar as partes o mais cedo possível quanto à sua legitimidade. Este argumento parece‑me ainda mais pertinente em relação a uma categoria específica de recorrentes, a saber, os Estados terceiros que concluíram acordos com a União, cujo interesse em impugnar decisões das instituições da União pode verificar‑se frequentemente (25).

52.      Em minha opinião, as regras processuais, assim interpretadas seguindo uma abordagem que visa garantir a proteção jurisdicional efetiva, ocupam um lugar primordial na organização e na tramitação regulares do processo. O respeito dessas regras assegura um tratamento equitativo das partes e assegura a imparcialidade do procedimento (26). De qualquer modo, as condições de admissibilidade que são de ordem pública devem ser aplicadas de forma clara a fim de evitar qualquer impressão de que a legitimidade processual é uma condição de admissibilidade que não é exigida de forma sistemática em relação a todos os que recorrem aos tribunais.

53.      Considero que a mera declaração do Tribunal Geral de que «nas circunstâncias do caso concreto, não há que decidir sobre a admissibilidade do presente recurso» não satisfaz os critérios de transparência e de fundamentação (27). Isto por maioria de razão, face ao despacho Suíça/Comissão já referido, pelo qual o processo foi remetido ao Tribunal Geral e ao abrigo do qual a questão é suscitada expressamente pelo Tribunal de Justiça.

54.      Dado o silêncio do Tribunal Geral sobre este assunto, as dúvidas suscitadas quanto à legitimidade processual da Confederação Suíça e o facto de a questão que hoje se coloca para a Confederação Suíça ser uma questão que não deixará de se colocar para outros Estados terceiros que concluíram acordos com a União, considero que a legitimidade processual da Confederação Suíça deve ser objeto de exame no presente processo (28).

3.      Condições de admissibilidade aplicáveis em relação à Confederação Suíça, no âmbito do presente processo

a)      Quanto à equiparação da Confederação Suíça a um Estado‑Membro, para efeitos do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE

55.      A Confederação Suíça sustenta, a título principal, que possui legitimidade processual enquanto signatária do acordo relativo aos transportes aéreos. Considera que esta legitimidade é a consequência lógica do artigo 20.° do referido acordo que prevê que é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça examinar a validade das questões que se suscitem sobre as decisões tomadas pelas instituições comunitárias, no âmbito das suas competências nos termos deste acordo. Estas decisões compreendem igualmente as tomadas no quadro da aplicação do acordo relativo aos transportes aéreos e que, por esse facto, vinculam a Confederação Suíça.

56.      Não partilho, contudo, desta tese. Para chegar a tal conclusão, é necessário recordar, por um lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria e, por outro, o contexto particular do acordo relativo aos transportes aéreos.

57.      É pacífico que os Estados‑Membros beneficiam duma situação privilegiada, por força do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE, na medida em que não têm de demonstrar nem o seu interesse em agir nem a sua legitimidade, no que respeita a todos os atos suscetíveis de recurso. Este privilégio foi sempre objeto de uma interpretação restritiva.

58.      Como o Tribunal de Justiça declarou, admitir o contrário, afetaria o equilíbrio institucional previsto pelos Tratados que determinam, nomeadamente, as condições em que os Estados‑Membros, quer dizer, os Estados partes nos tratados institutivos e nos tratados de adesão, participam no funcionamento das instituições da União. A União não pode, assim, ter um número de Estados‑Membros superior ao número dos Estados pelos quais foi instituída (29).

59.      Daqui concluo que a via bilateral da cooperação escolhida pela Confederação Suíça não pode colocar este Estado em pé de igualdade com os Estados‑Membros no que respeita ao estatuto processual destes Estados e, como resulta da jurisprudência relativa ao Acordo sobre a livre circulação de pessoas já referido, não pode conduzir a uma situação em que esta via «à la carte» corresponda às vantagens resultantes da adesão à União.

60.      Acresce que o teor do acordo relativo aos transportes aéreos também não corrobora a interpretação segundo a qual o princípio da equiparação abrangeria os privilégios processuais dos Estados‑Membros previstos pelos Tratados. Com efeito, o referido acordo não contém qualquer disposição relativa à equiparação da Confederação Suíça aos Estados‑Membros para efeitos do direito da União no plano geral. Pelo contrário, como resulta do anexo do acordo, uma tal equiparação só vale para os fins do acordo e para a aplicação dos regulamentos e das diretivas enumerados no referido anexo, e não para a aplicação do direito primário da União.

61.      Recordo, a este respeito que, nos termos deste anexo, em todos os casos em que os atos enumerados no mesmo fazem referência aos Estados‑Membros ou exigem um vínculo de ligação a estes, essas menções remetem igualmente para a Confederação Suíça. Devo insistir no facto de que a referida equiparação não pode abranger a aplicação de um estatuto processual privilegiado comparável ao dos Estados‑Membros, por força do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE (30).

62.      Esta interpretação é apoiada não apenas pelo facto de o acordo não conter disposição expressa nesse sentido, mas igualmente pelo objeto do referido acordo, enunciado no seu artigo 1.° Recordo que, nos termos o referido artigo, o acordo tem por vocação instituir normas aplicáveis às Partes Contratantes no domínio da aviação civil. Este mesmo artigo precisa que as disposições do acordo não prejudicam as disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Estas disposições compreendem, nomeadamente, as que incidem sobre as condições de admissibilidade dos recursos de anulação, nas quais se incluem as condições privilegiadas aplicáveis aos Estados‑Membros, por força do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE.

63.      Uma interpretação inversa, que iria para além da letra do referido acordo, o que é expressamente interdito pela jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, teria por consequência conceder à Confederação Suíça a legitimidade para contestar qualquer decisão tomada pelas instituições da União que entrasse no âmbito de aplicação material do acordo relativo aos transportes aéreos. Além disso, tal solução seria contrária à própria letra do acordo relativo aos transportes aéreos e, nomeadamente, ao seu artigo 1.°, n.° 1, que visa garantir a autonomia decisória da União. O mesmo se verifica igualmente quanto ao artigo 1.°, n.° 2, o mesmo acordo, que dá a possibilidade às Partes Contratantes de recorrerem ao Comité Misto, e ao artigo 19.°, n.° 2, do acordo, nos termos do qual a Confederação Suíça deve ser plenamente informada das atuações das instituições comunitárias que se revistam de interesse para ela.

64.      O facto de ser Parte Contratante no acordo relativo aos transportes aéreos não basta, portanto, para fundamentar a legitimidade processual da Confederação Suíça nem para a equiparar a um Estado‑Membro, na aceção do artigo 230.°, segundo parágrafo, CE.

b)      Quanto à legitimidade processual da Confederação Suíça nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE

i)      O estatuto de Parte Contratante como justificação para a legitimidade processual

65.      Para justificar a sua legitimidade processual nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, a Confederação Suíça deveria ser direta (31) e individualmente (32) afetada pela decisão impugnada da Comissão cuja destinatária é a República Federal da Alemanha.

66.      O artigo 20.° do acordo relativo aos transportes aéreos concede ao Tribunal de Justiça a competência exclusiva para decidir sobre a validade das questões que se suscitem sobre as decisões tomadas pelas instituições comunitárias, no âmbito das suas competências decorrentes do referido acordo.

67.      No caso em apreço, trata‑se de um recurso de anulação interposto pela Confederação Suíça de uma decisão tomada pela Comissão que se baseou nos artigos 15.° e 18.°, n.° 2, do acordo relativo aos transportes aéreos e no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso. Trata‑se, portanto, de uma decisão na aceção do artigo 20.°, do acordo relativo aos transportes aéreos.

68.      O papel da Confederação Suíça no procedimento administrativo perante a Comissão é determinado pelo artigo 19.°, n.° 2, do acordo. Esta disposição precisa que, quando decisões que apresentem interesse para a Confederação Suíça e se revistam de interesse para as autoridades suíças ou para as empresas suíças, sejam tomadas pelas instituições comunitárias, as autoridades suíças serão plenamente informadas e ser‑lhes‑á dada a possibilidade de formularem comentários antes da tomada de uma decisão final. Só após a decisão ter sido tomada é que o artigo 20.° se torna aplicável, o qual designa o Tribunal de Justiça competente para examinar a validade da decisão da Comissão.

69.      É precisamente o caso da decisão controvertida ora impugnada pela Confederação Suíça. Com efeito, a decisão impugnada afeta a própria Confederação Suíça, tendo em conta o objeto dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso para cuja aplicação a Confederação Suíça é, em conformidade com o anexo do acordo relativo aos transportes aéreos, equiparada a um Estado‑Membro.

70.      Todavia, o artigo 20.° do acordo não regula as condições de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos perante o Tribunal de Justiça. Na ausência de uma disposição expressa nesse sentido, as referidas condições são determinadas por aplicação das disposições pertinentes do Tratado CE, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 1, do acordo.

71.      Não basta, pois, que a Confederação Suíça invoque a violação dos Capítulos 2 e 3 do acordo para aceder ao pretório do Tribunal de Justiça. A eventual legitimidade processual da Confederação Suíça, para efeitos de interposição do presente recurso de anulação perante o Tribunal Geral contra a decisão impugnada da Comissão de que não é destinatária, deve assim ser examinada, à luz do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

ii)    Afetação direta e individual da Confederação Suíça

72.      O artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, reveste uma importância particular para efeitos de garantir uma tutela jurisdicional adequada a todas as pessoas, singulares ou coletivas, que são direta e individualmente afetadas pelos atos das instituições comunitárias de que não são destinatárias.

73.      Segundo jurisprudência assente, a legitimidade processual deve ser reconhecida apenas em função deste único objetivo e o recurso de anulação deve, assim, ser aberto a todos os que preenchem as condições objetivas previstas, isto é, gozar da capacidade jurídica exigida para agir em juízo e que o ato recorrido lhe diga individual e diretamente respeito pela decisão impugnada (33).

74.      Quanto à primeira condição da afetação direta, recordo que a mesma está ligada a uma dupla exigência, a saber, que requer, por um lado, que a decisão impugnada tenha efeitos diretos na situação jurídica do recorrente e, por outro, que esta última não deve deixar qualquer margem de apreciação ao destinatário da decisão (34).

75.      Quanto ao primeiro critério do vínculo direto relativo à modificação da situação jurídica do recorrente, decorre da decisão impugnada que, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, do regulamento relativo ao acesso, a República Federal da Alemanha pode continuar a aplicar as medidas em causa. A decisão impugnada da Comissão, que obriga os outros Estados‑Membros e a Confederação Suíça, confirma assim a admissibilidade dessas medidas e, por esse facto, tem um efeito direto sobre a situação jurídica dos referidos Estados. No que respeita ao segundo critério do vínculo direto relativo à inexistência de margem de apreciação, constato que este é dificilmente aplicável à hipótese prevista no artigo 8.°, n.° 3, do referido regulamento. Dito isto, do ponto de vista da aplicação do regulamento, a posição da Comissão é definitiva. Esta tomada de posição confirma uma situação que afeta diretamente a Confederação Suíça (35). As duas condições de afetação direta estão, portanto, reunidas.

76.      Seguidamente, no que respeita à afetação individual, a situação jurídica da Confederação Suíça, como Estado Parte no acordo podia ser afetada por uma eventual violação do acordo (36). No entanto, como indiquei antes, a alegação da violação do acordo não é suficiente para recorrer ao Tribunal de Justiça com fundamento no artigo 20.° do acordo. Apesar disso, considero que a Confederação Suíça é individualmente afetada pela decisão controvertida da Comissão.

77.      Em primeiro lugar, o procedimento de decisão na parte que respeita ao recorrente não destinatário da decisão impugnada constitui um elemento importante quando do exame da eventual afetação individual (37). A Confederação Suíça não só esteve na origem da queixa que deu origem ao procedimento de exame na aceção do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, como foi também ouvida nas suas observações, durante esse procedimento, em conformidade com o artigo 19.º, n.º 2, do acordo relativo aos transportes aéreos.

78.      Em segundo lugar, as decisões tomadas ao abrigo dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso apenas podem ter por destinatário um Estado‑Membro (38). Nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, qualquer Estado‑Membro pode dirigir‑se à Comissão e esta comunica a sua decisão a todos os outros Estados‑Membros. No contexto do procedimento previsto no artigo 9.°, n.° 3, do mesmo regulamento, a implicação de todos os Estados‑Membros é ainda mais evidente porque o Estado‑Membro que prevê tomar medidas está obrigado a informar sobre as mesmas não só a Comissão mas, também, os outros Estados‑Membros. Sublinho que, tendo em conta o teor do anexo do acordo que prevê a equiparação da Confederação Suíça aos Estados‑Membros nos casos em que o regulamento relativo ao acesso faz referência aos referidos Estados, a Confederação Suíça é equiparada a estes últimos para efeitos da aplicação dos artigos 8.° e 9.° do referido regulamento.

79.      Esclareço que resulta claramente dos artigos 8.° e 9.° do referido regulamento que a gestão do exercício dos direitos de tráfego não interessa apenas ao Estado que tomou a medida mas também aos Estados interessados na exploração de uma ligação aérea (39) na aceção do regulamento relativo ao acesso, e também a todos os Estados‑Membros. Este regulamento consagra o acesso aos serviços de transporte aéreo, razão pela qual qualquer Estado‑Membro — e, mediante o acordo relativo aos transportes aéreos, a Confederação Suíça — tem interesse na aplicação das regras que são suscetíveis de restringir o exercício dos direitos de tráfego na aceção do regulamento relativo ao acesso.

80.      Em consequência, nos procedimentos previstos nos artigos 8.° e 9.° do referido regulamento, as etapas seguintes dizem respeito a qualquer Estado‑Membro, estatuto ao qual a Confederação Suíça é equiparada. Trata‑se, nomeadamente, da possibilidade de se dirigir à Comissão e de receber a notificação relativa à decisão desta última. Com efeito, os artigos mencionados atribuem à Comissão competência para tomar decisões que vinculam todos os Estados‑Membros e, por extensão, a Confederação Suíça.

81.      No caso em apreço, a decisão controvertida afeta, portanto, a situação jurídica da Confederação Suíça em virtude das suas qualidades enquanto parte contratante do acordo relativo aos transportes aéreos e por isso conjuntamente com o objeto material de decisão controvertida caracteriza‑a relativamente a outra pessoa.

82.      Daí concluo que, nas circunstâncias particulares do caso vertente, tendo em conta nomeadamente o contexto específico do acordo relativo aos transportes aéreos e dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso, a Confederação Suíça é direta e individualmente afetada pela decisão impugnada, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

83.      A Confederação Suíça tem, portanto, legitimidade para pedir a anulação da decisão impugnada.

C —    Quanto aos fundamentos do recurso invocados pela Confederação Suíça

1.      Observações preliminares

84.      Em apoio do seu recurso, a Confederação Suíça invoca seis fundamentos relativos à violação de disposições processuais e substantivas. Mais precisamente, trata‑se de fundamentos baseados numa interpretação errada do artigo 9.°, n.° 1, do regulamento relativo ao acesso, do dever de fundamentação que incumbe à Comissão e do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, bem como na violação dos princípios da livre prestação de serviços, da proporcionalidade e da não discriminação, e das regras relativas ao ónus da prova.

85.      Dada a sobreposição dos fundamentos do recurso, abordá‑los‑ei, depois de algumas observações preliminares, analisando, primeiro, o âmbito de aplicação respetivo dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso, e em seguida, os poderes de controlo da Comissão que derivam do artigo 8.° do regulamento relativo ao acesso. Por último, apreciarei as pretensões da Confederação Suíça relativas ao incumprimento das regras relativas ao ónus da prova por parte do Tribunal Geral.

86.      O acordo relativo aos transportes aéreos constitui o contexto particular do presente processo. Ainda que, no setor aéreo, a integração da Confederação Suíça no mercado interno da União seja mais profunda que nos outros setores previstos nos outros seis atos do conjunto de acordos concluídos com a Confederação Suíça (40), a verdade é que, na falta de disposição expressa nesse sentido no acordo em causa, o objetivo de garantir a livre prestação de serviços está ausente do mesmo e o seu objetivo limita‑se a fixar as regras aplicáveis à aviação civil e, em especial, no que respeita ao presente processo, a um intercâmbio de direitos de tráfego nas condições definidas pelo referido acordo (41).

87.      No entanto, quanto à interpretação do direito derivado no contexto do acordo, não considero que seja necessário interpretar as disposições do direito derivado, mencionadas no anexo deste instrumento, de forma diferente da utilizada nas situações puramente internas da União. No entanto, esta abordagem transposta para a interpretação das disposições substantivas do direito derivado não pode ser aceite nos casos em que a interpretação das referidas disposições deriva de uma jurisprudência posterior à assinatura do acordo relativo aos transportes aéreos, e que incide sobre os princípios gerais de direito da União, ou seja, sobre as disposições do direito primário.

2.      Âmbito de aplicação dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso

88.      O primeiro e segundo fundamentos do recurso dizem respeito à interpretação do artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso. A Confederação Suíça alega, no essencial, que o Tribunal Geral interpretou e aplicou de forma errada o artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso e que, ao fazê‑lo, interpretou e aplicou igualmente de forma errada o dever de fundamentação que incumbe à Comissão.

89.      Não partilho desta opinião, tendo em conta o âmbito de aplicação respetivo dos artigos 8.° e 9.° do regulamento relativo ao acesso.

90.      Quanto ao primeiro fundamento de recurso, relativo à aplicação errada do artigo 9.°, n.° 1, do referido regulamento, há que recordar, à semelhança do Tribunal Geral que, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 2, do referido regulamento, que o exercício de direitos de tráfego, na aceção do artigo 2.°, alínea f), desse mesmo regulamento, está sujeito às normas operacionais nacionais, em matéria de segurança, proteção do ambiente e atribuição de faixas horárias.

91.      Em seguida, o âmbito de aplicação do artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso, compreende, como corretamente observou o Tribunal Geral, uma categoria mais particular de normas operacionais aplicáveis ao exercício dos direitos de tráfego, a saber, normas operacionais que impõem condições, limitam ou recusam o exercício dos direitos de tráfego. As medidas previstas no artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso incluem, portanto, unicamente as que comportam uma interdição, pelo menos condicional ou parcial, do exercício dos direitos de tráfego.

92.      Os argumentos da Confederação Suíça relativos à qualificação das medidas alemãs controvertidas como restrições previstas no artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso, não são convincentes.

93.      No presente processo, o Tribunal Geral expôs de forma clara as razões pelas quais as medidas alemãs em causa não implicam de forma alguma, durante o seu período de aplicação, a proibição de passagem pelo espaço aéreo alemão dos voos com partida ou com destino ao aeroporto de Zurique.

94.      O Tribunal Geral salienta, a este respeito, que, no essencial, essas medidas limitam‑se a impedir, durante períodos fixos, o sobrevoo, a baixa altitude, da parte do território alemão próximo da fronteira com a Suíça, permitindo sobrevoar o mesmo território a uma altitude mais elevada. Implicam, portanto, no essencial, uma simples mudança da rota dos voos em causa, sem limitar o exercício dos direitos de tráfego, na aceção do artigo 9.° do regulamento relativo ao acesso.

95.      Além disso, o Tribunal Geral declarou de forma clara que a existência de normas operacionais relativas, nomeadamente, à proteção do ambiente, cujo respeito é exigido para efeitos de autorização do exercício dos direitos de tráfego, na aceção do regulamento relativo ao acesso, não equivale à imposição de uma condição ou de uma limitação, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, do referido regulamento, quanto ao exercício desses direitos. Se fosse esse o caso, o artigo 8.°, n.° 2, do regulamento ficaria, com efeito, completamente desprovido de sentido porque, nesse caso, qualquer norma operacional entraria no âmbito de aplicação do artigo 9.° do referido regulamento.

96.      Face às considerações anteriores, há que julgar improcedente o primeiro fundamento do recurso.

97.      Do mesmo modo, há que considerar improcedente o segundo fundamento do recurso, baseado numa interpretação errada do dever de fundamentação que incumbe à Comissão, nos termos do artigo 253.° CE. A este respeito, basta salientar que segundo jurisprudência constante a fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e que uma decisão da Comissão deve deixar transparecer, de forma clara, a sua argumentação, de modo a permitir aos interessados conhecer a justificação da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Para satisfazer esta obrigação, não é necessário expor todos os fundamentos possíveis nem especificar e apreciar em pormenor todos os factos (42).

98.      Resulta claramente do acórdão recorrido que o Tribunal Geral pôde, com fundamento nas razões invocadas na decisão impugnada, exercer o seu controlo. Com efeito, como o Tribunal Geral declarou, esta decisão revela claramente as razões, tanto materiais como processuais, pelas quais a Comissão considera que as medidas alemãs controvertidas devem ser examinadas à luz do artigo 8.° do regulamento relativo ao acesso, e não do artigo 9.° do mesmo regulamento (43).

99.      O argumento da Confederação Suíça baseado, por um lado, na substituição de fundamentos no decurso da instância por parte da Comissão e, por outro, num erro de direito pretensamente cometido pelo Tribunal Geral, pelo facto de este não ter acolhido a sua argumentação relativa à substituição de fundamentos pela Comissão, também não é convincente. Com efeito, o conceito de substituição de fundamentos não pode ser entendida no sentido de que inclui qualquer reação da Comissão aos argumentos da parte contrária alegados perante o Tribunal Geral dado que, como este reconhece, com razão, a decisão impugnada já revela, claramente as razões pelas quais a Comissão considera que as medidas alemãs controvertidas não entram no âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 1, do regulamento relativo ao acesso.

3.      Poderes de controlo da Comissão ao abrigo do regulamento relativo ao acesso

100. O terceiro, quarto e sexto fundamentos do recurso referem‑se, no essencial, à interpretação e aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, no âmbito do acordo relativo aos transportes aéreos. O sexto fundamento, que incide sobre um aspeto concreto do exame da proporcionalidade das medidas alemãs controvertidas, depende da sorte do quarto fundamento ao qual se refere, no essencial. Em consequência, se o quarto fundamento for julgado improcedente, como proponho, o mesmo deve acontecer ao sexto fundamento.

101. Os argumentos da Confederação Suíça segundo os quais o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 8.° do regulamento relativo ao acesso não são convincentes. Pelo contrário, esses três fundamentos do recurso assentam numa premissa errada no que respeita às competências que o regulamento relativo ao acesso, no âmbito do acordo relativo aos transportes aéreos confere à Comissão.

a)      Quanto à articulação entre o acordo relativo aos transportes aéreos e o regulamento relativo ao acesso

102. Importa começar por recordar que os poderes da Comissão, decorrentes do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, no que diz respeito à sua análise das medidas alemãs no contexto do acordo relativo aos transportes aéreos, devem ser interpretados respeitando os textos e os objetivos dos instrumentos em causa.

103. O acordo relativo aos transportes aéreos visa assegurar o intercâmbio dos direitos de tráfego entre as transportadoras aéreas comunitárias e suíças, nas condições definidas nesse mesmo instrumento. Resulta em especial do artigo 15.°, n.° 1, desse acordo que este último não visa atribuir direitos de tráfego absolutos mas sem prejuízo do regulamento relativo ao acesso. O referido regulamento, por seu turno, pretende permitir o acesso das transportadoras aéreas às rotas dos serviços aéreos regulares intracomunitários. Por outras palavras, este diploma regula a concessão de direitos de tráfego a transportadoras aéreas.

104. Contudo, a concessão de direitos de tráfego na aceção deste regulamento está sujeita a condições, nomeadamente às que resultam do seu artigo 8.°, n.° 2. Assim, o exercício dos direitos de tráfego concedidos ao abrigo do referido regulamento depende, nomeadamente, das normas operacionais nacionais em matéria de segurança, proteção do ambiente e atribuição de faixas horárias.

105. Como, com razão, declarou o Tribunal Geral, as disposições do acordo relativo aos transportes aéreos não podem alargar o âmbito de aplicação do regulamento relativo ao acesso quando é aplicado às relações entre as partes nesse acordo. Por outras palavras, o referido regulamento também não é aplicável às situações reguladas pelo mesmo acordo, não abrangidas no seu âmbito de aplicação, num contexto puramente comunitário (44).

106. A redação do artigo 2.° do acordo relativo aos transportes aéreos não altera nada a este respeito. É certo que este artigo prevê que as disposições contidas no anexo deste acordo aplicar‑se‑ão na medida em que digam respeito aos transportes aéreos ou a questões diretamente relacionadas com os transportes aéreos. Todavia, como observou o Tribunal Geral no acórdão recorrido, esta disposição determina e delimita unicamente o âmbito de aplicação das disposições enumeradas no referido anexo, excluindo a sua aplicação, no quadro do acordo, aos casos que não digam respeito nem aos transportes aéreos nem a questões diretamente relacionadas a estes. Contrariamente às pretensões da Confederação Suíça, esta limitação em nada afeta o âmbito de aplicação material do regulamento relativo ao acesso, que apenas regula a atribuição de direitos de tráfego às transportadoras aéreas (45).

107. É por isso que os poderes de controlo da Comissão que derivam do referido regulamento estão limitados, no âmbito do exame efetuado nos termos do artigo 18.°, n.° 2, do acordo relativo aos transportes aéreos — que limita, aliás, os poderes da Comissão no âmbito do acordo, aos casos suscetíveis de afetar os serviços aéreos — e do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, ao exame sobre as implicações das medidas no exercício dos direitos de tráfego.

108. A Comissão é chamada, mais precisamente, a verificar quais dessas medidas foram tomadas por razões relacionadas com a segurança, a proteção do ambiente e a atribuição de faixas horárias e se as mesmas se aplicam, no que respeita ao exercício dos direitos de tráfego, de uma forma não discriminatória, relativamente às transportadoras aéreas. Os interesses do operador do aeroporto e os dos residentes nas imediações não são, portanto, tomados em conta no exame das medidas alemãs, efetuado por força dos artigos 18.°, n.° 2, do acordo relativo aos transportes aéreos e 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso.

b)      Quanto aos princípios inerentes à livre prestação de serviços

109. Através do terceiro fundamento do recurso, a Confederação Suíça acusa o Tribunal Geral de ter interpretado de forma errada o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento relativo ao acesso, ao não verificar a conformidade da decisão impugnada com os princípios da livre prestação de serviços e da proporcionalidade.

110. Os critérios de exame aos quais a Confederação Suíça faz referência neste fundamento do recurso, e nomeadamente os que se baseiam nos princípios gerais da livre prestação de serviços e da proporcionalidade, foram estabelecidos num contexto comunitário (46). Como o acordo relativo aos transportes aéreos não faz expressamente referência a esses princípios, a Comissão não estar obrigada a tomá‑los em consideração quando do exame das medidas controvertidas no presente contexto, na ausência de qualquer fundamento correspondente no acordo relativo aos transportes aéreos.

111. Como já foi salientado por várias vezes, a conclusão do acordo relativo aos transportes aéreos não conduz a uma aplicação automática do direito comunitário, na sua totalidade, em relação à Confederação Suíça. Pelo contrário, ao optar pela via dos acordos bilaterais, a Confederação Suíça escolheu intencionalmente um caminho que não permite uma participação no mercado interno tão ampla como a que se baseia na adesão à União ou ao Espaço Económico Europeu. O texto do referido acordo, e nomeadamente o dos seus artigos 1.° e 3.°, demonstra claramente que o objetivo deste não foi aplicar, neste domínio, nem a livre prestação de serviços, tal como prevista nos artigos 49.° CE e 51.° CE, em relação à Confederação Suíça, nem o princípio da proporcionalidade. Daí resulta que nada obriga a Comissão a verificar se as medidas alemãs controvertidas respeitam os princípios gerais da livre prestação de serviços e, em particular, da proporcionalidade.

112. No caso em apreço, o Tribunal Geral não tomou explicitamente posição sobre a questão de saber se os referidos princípios são ou não aplicáveis no contexto do presente processo. Todavia, efetuou um exame subsidiário da decisão impugnada sob este ângulo e decidiu que as medidas em causa não violavam de forma alguma os referidos princípios.

113. Como esses princípios não são, no entanto, aplicáveis no âmbito do exame das medidas alemãs controvertidas, o fundamento do recurso dirigido contra a fundamentação do acórdão recorrido relativa à pretensa violação da livre prestação de serviços não pode conduzir à anulação do referido acórdão (47).

114. Face a estes elementos, o terceiro fundamento do recurso deve ser rejeitado por inoperante. 

c)      Quanto ao princípio da não discriminação

115. Quanto ao quarto fundamento do recurso através do qual a Confederação Suíça acusa o Tribunal Geral de violação do princípio da não discriminação, há que observar que, a limitação dos poderes de controlo não afeta o exame das medidas alemãs do ponto de vista do princípio da não discriminação. Isso resulta da leitura conjugada dos artigos 1.°, n.° 2, e 3.° do acordo relativo aos transportes aéreos, que proíbe expressamente qualquer forma de discriminação baseada na nacionalidade. Contudo, como já expus anteriormente, os poderes de controlo da Comissão não abrangem a tomada em consideração dos interesses dos suíços residentes nas imediações do aeroporto de Zurique nem do respetivo operador.

116. No que diz respeito à aplicação do princípio da não discriminação em relação às transportadoras aéreas e, em especial, à companhia Swiss que utiliza o Aeroporto de Zurique como um aeroporto «pivot» (48), considero que neste contexto não se pode censurar o Tribunal Geral por qualquer erro de direito.

117. O Tribunal Geral começou por recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da não discriminação proíbe não só as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, ou da sede, no que diz respeito às sociedades, mas igualmente qualquer forma dissimulada de discriminação que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efetivamente ao mesmo resultado (49).

118. Com base nesta jurisprudência, o Tribunal Geral salientou, em seguida que, embora as medidas alemãs controvertidas conduzissem ao mesmo resultado que uma discriminação em razão da nacionalidade relativamente às transportadoras aéreas suíças, entre as quais, a Swiss, pelo facto de esta última utilizar o Aeroporto de Zurique como plataforma de correspondência, seria ainda necessário que as referidas medidas não fossem justificadas por circunstâncias objetivas e nem proporcionadas quanto ao objetivo prosseguido.

119. Seguidamente, o Tribunal Geral apreciou os factos e decidiu, quanto ao primeiro critério, relativo ao objetivo legítimo das medidas impugnadas, que existiam, no caso em apreço, circunstâncias objetivas que justificavam a adoção do regulamento de aplicação, nomeadamente as relativas à redução do nível de ruído numa região turística da Alemanha, na aceção da jurisprudência referida.

120. Quanto ao segundo critério, relativo ao caráter proporcional das medidas em causa, o Tribunal Geral examinou primeiro, de uma forma detalhada, os elementos de prova que lhe foram apresentados. Observou, nomeadamente, que os Estados‑Membros tinham o direito de adotar medidas para reduzir o nível de ruído abaixo dos valores limites prescritos e que, tendo em conta que não lhe fora conferida qualquer autoridade sobre a utilização do Aeroporto de Zurique, a República Federal da Alemanha não dispunha de outros meios para alcançar o objetivo prosseguido. Esta análise levou‑o a concluir que, na falta de prova que demonstre a existência ou mesmo a eventualidade de inconvenientes maiores para o Aeroporto de Zurique, ou de medidas menos onerosas que permitissem atingir o objetivo de redução do nível de ruído previsto no regulamento de aplicação, as medidas alemãs controvertidas deviam ser consideradas proporcionadas ao objetivo prosseguido.

121. Recordo que semelhante apreciação não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova produzidos perante o Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (50). Importa, além disso, salientar que uma eventual desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (51).

122. No caso presente, face aos argumentos apresentados pela Confederação Suíça, nos quais se limita, no essencial, a contestar a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral, não se revela manifestamente que as constatações efetuadas pelo Tribunal Geral contenham inexatidões suscetíveis de impor o controlo do Tribunal de Justiça.

123. De resto, considero que uma conclusão inversa teria por consequência que qualquer norma operacional, tendo por objetivo garantir a segurança, a proteção do ambiente ou a atribuição de faixas horárias, seria automaticamente discriminatória pois que estas medidas atingem a maior parte das vezes as transportadoras aéreas que utilizam o aeroporto em causa, como aeroporto «pivot». Uma tal interpretação do princípio da não discriminação privaria o artigo 8.°, n.° 2, do regulamento relativo ao acesso, do seu efeito útil.

124. Face às considerações anteriores, há que julgar improcedente o quarto fundamento do recurso.

125. Por último, o sexto fundamento do recurso incide sobre um aspeto concreto do exame efetuado pelo Tribunal Geral relativamente à proporcionalidade das medidas alemãs controvertidas. Mediante este fundamento, a Confederação Suíça acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao excluir a existência eventual de medidas menos onerosas. Tendo em conta a minha análise relativa ao quarto fundamento do recurso e a minha proposta de o julgar improcedente, considero que o sexto fundamento não é, do mesmo modo, suscetível de provocar a anulação do acórdão recorrido e que, em consequência, há que afastar este fundamento por inoperante.

4.      Regras relativas ao ónus da prova

126. No seu quinto fundamento de recurso, baseado na interpretação arbitrária das regras relativas ao ónus da prova, a Confederação Suíça limita‑se a reiterar, uma vez mais, a sua argumentação relativa ao erro de direito, alegadamente cometido pelo Tribunal Geral no exame da proporcionalidade das medidas alemãs controvertidas à luz do princípio da não discriminação. Em consequência, tendo em consideração a resposta dada ao quarto fundamento, considero que a argumentação da Confederação Suíça pode, sem mais, ser recusada.

127. Em qualquer caso, cabe a quem alega um direito em juízo, fazer prova dos factos em que baseia a sua pretensão. Por conseguinte, considero que o Tribunal Geral aplicou corretamente as regras que regulam o ónus da prova ao considerar que cabia à Confederação Suíça provar que o regulamento de aplicação não constituía uma medida necessária e proporcionada para efeitos dos objetivos que prossegue. Na falta dessa prova, o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação dos factos que o levou a concluir que a existência de medidas menos onerosas não estava demonstrada.

128. Ora, uma vez que não foi demonstrada pela Confederação Suíça qualquer desvirtuação suscetível de exigir o controlo do Tribunal de Justiça, há que julgar improcedente o quinto fundamento do recurso do acórdão do Tribunal Geral.

VI — Conclusão

129. Face às considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça:

—      negue provimento ao recurso do acórdão do Tribunal Geral interposto pela Confederação Suíça,

—      condene a Confederação Suíça a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão, e

—      condene a República Federal da Alemanha e o Landkreis Waldshut a suportar as suas próprias despesas.


1 —      Língua original: francês.


2 —      T‑319/05, Colet., p. II‑4265.


3 —      Decisão da Comissão, de 5 de dezembro de 2003, relativa a um processo referente à aplicação do n.° 2, primeiro período do artigo 18.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos e do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho (JO 2004, L 4, p. 13, a seguir «decisão impugnada»).


4 —      O acordo foi assinado em 21 de junho de 1999 no Luxemburgo e aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 2002/309/CE, Euratom do Conselho e da Comissão no que se refere ao Acordo relativo à Cooperação Científica e Tecnológica, de 4 de abril de 2002, relativa à celebração de sete acordos com a Confederação Suíça (JO L 114, p. 1). Os sete acordos são relativos à livre circulação de pessoas, aos transportes aéreos, ao transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e de mercadorias, ao comércio de produtos agrícolas, ao reconhecimento mútuo em matéria de avaliação da conformidade, a certos aspetos relativos aos contratos públicos e à cooperação científica e tecnológica.


5 —      Regulamento do Conselho, de 23 de julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8, a seguir «regulamento relativo ao acesso»).


6 —      Despacho de 14 de julho de 2005, Suíça/Comissão (C‑70/04), através do qual o processo foi remetido ao Tribunal Geral.


7 —      N.os 20 a 22 do referido despacho. No entanto, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a qualificação da Confederação Suíça enquanto recorrente nem, aliás, excluiu expressamente a consagração de um regime especial para a Confederação Suíça enquanto recorrente no âmbito de um recurso de anulação relativo a uma medida tomada, nos termos do acordo relativo aos transportes aéreos.


8 —      Despacho Suíça/Comissão (T‑319/05, Colet., p. II‑2073).


9 —      Segundo o Tribunal Geral, tal entendimento é possível por força dos acórdãos referidos a seguir a esta afirmação. Trata‑se, designadamente, dos acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer (C‑23/00 P, Colet., p. I‑1873, n.° 52), e de 23 de março de 2004, França/Comissão (C‑233/02, Colet., p. I‑2759, n.° 26).


10 —      Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p.6). Este acordo faz parte do pacote de sete acordos referidos na nota 4 das presentes conclusões.


11 —      JO 1994, L 1, p. 3.


12 —      Acórdãos de 12 de novembro de 2009, Grimme (C‑351/08, Colet., p. I‑10777, n.° 27), e de 11 de fevereiro de 2010, Fokus Invest (C‑541/08, Colet., p. I‑1025, n.° 27), bem como as minhas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 15 de julho de 2010, Hengartner e Gasser (C‑70/09, Colet., p. I‑7229).


13 —      V., neste sentido, acórdãos já referidos Grimme (n.os 27 e 29 e jurisprudência referida); Fokus Invest (n.° 28), bem como Hengartner e Gasser (n.os 41 e 42).


14 —      O artigo 31.° da Convenção de Viena, sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331), esclarece, a este respeito, que um tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado no seu contexto, e à luz dos respetivos objeto e fim. V., nomeadamente, acórdão de 2 de março de 1999, Eddline El‑Yassini (C‑416/96, Colet., p. I‑1209, n.° 47).


15 —      Devido ao facto de a decisão impugnada da Comissão ter sido tomada antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, deve‑se examinar as condições de admissibilidade do recurso tal como as mesmas estavam em vigor à data a referida decisão, aplicando, portanto o artigo 230.° CE. Importa salientar que, a seguir à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a referência ao conceito de decisão foi suprimida do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. Esta foi substituída por uma distinção entre os atos de que os recorrentes são destinatários e os outros atos que lhes digam direta e individualmente respeito. Além disso, o novo texto suprimiu, para os atos regulamentares que não necessitem de medidas de execução, a exigência de que os particulares sejam afetados individualmente, limitando‑se a exigir que tais decisões lhes digam diretamente respeito. V. acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2011, Microban International e Microban (Europe)/Comissão (T‑262/10, Colet., p. II‑7697, n.os 17 e segs.).


16 —      Acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o. (C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 33).


17 —      Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 67 e jurisprudência referida).


18 —      No que respeita ao modo estrito como o Tribunal de Justiça interpreta os requisitos que uma pessoa coletiva deve satisfazer para efeitos da interposição de um recurso de anulação, v. acórdão de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colet., p. I‑6677, n.° 44).


19 —      V., neste sentido, n.° 31 das conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas no processo Conselho/Boehringer, já referido.


20 —      Acórdãos de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão (C‑298/00 P, Colet., p. I‑4087, n.° 35 e jurisprudência referida); de 23 de abril de 2009, Sahlstedt e o./Comissão (C‑362/06 P, Colet., p. I‑2903, n.° 22 e jurisprudência referida); e despacho de 15 de abril de 2010, Makhteshim‑Agan Holding e o./Comissão (C‑517/08 P, n.os 53 a 54). V., também, acórdão de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão (C‑313/90, Colet., p. I‑1125, n.° 23 e jurisprudência referida).


21 —      Recordo que, no acórdão Conselho/Boehringer, já referido, o Tribunal de Justiça considerou, ao decidir no quadro de um recurso de um acórdão do Tribunal Geral relativo a um recurso contra uma diretiva que cabia ao Tribunal de Primeira Instância, apreciar, se uma boa administração da justiça justificava, nas circunstâncias do caso vertente, negar provimento ao recurso nesse processo, sem apreciar a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho. V., em particular, n.° 52 do referido acórdão. Em contrapartida, no segundo processo referido no n.° 55 do acórdão do Tribunal Geral, a saber, acórdão França/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça limitou‑se a declarar que, nas circunstâncias do caso concreto, não havia que decidir quanto às questões prévias de inadmissibilidade suscitadas pela Comissão, uma vez que, de qualquer modo, o recurso interposto pela República Francesa devia ser julgado improcedente quanto ao mérito. V., em especial, n.° 26 deste último acórdão.


22 —      Como exemplo dessas circunstâncias, v. n.° 27 e segs. das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 23 de outubro de 2007, Polónia/Conselho (C‑273/04, Colet., p. I‑8925). Neste processo, o advogado‑geral Poiares Maduro concluiu pela admissibilidade do recurso com base numa interpretação flexível da questão prévia de inadmissibilidade suscitada relativa aos prazos de recurso. Este entendimento baseou‑se nas exigências imperativas do princípio da tutela jurisdicional efetiva.


23 —      Esta abordagem foi igualmente utilizada quando se trata de decidir sobre os fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública tais como a legitimidade, o prazo de recurso ou a determinação dos atos impugnáveis. V., neste sentido, acórdãos referidos Conselho/Boehringer (n.os 50 a 52); Polónia/Conselho (n.os 27 a 33) e França/Comissão (n.° 26). Tal como o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e o Tribunal da Função Pública não hesitam em decidir diretamente sobre o mérito sem se deterem a pronunciar‑se sobre a admissibilidade do recurso desde que este possa ser facilmente considerado improcedente por falta de fundamento. V., entre outros, acórdão de 22 de maio de 2007, Mebrom/Comissão (T‑216/05, Colet., p. II‑1507, n.º 60). Quanto ao Tribunal da Função Pública, v., a título de exemplo, acórdão de 20 de janeiro de 2009, Klein/Comissão (F‑32/08, ColetFP, pp. I‑A‑1‑5 e II‑A‑1‑13, n.os 20 e 21 e jurisprudência referida).


24 —      No que respeita ao critério ligado à boa administração da justiça, v., nomeadamente, acórdão Conselho/Boehringer, já referido (n.° 52). V., também, acórdão de 22 de novembro de 2007, Cofradía de pescadores «San Pedro» de Bermeo e o./Conselho (C‑6/06 P, n.os 20 a 22). Quanto às circunstâncias em que o não exame de uma exceção de inadmissibilidade foi justificado pelas exigências ligadas à economia processual, v., nomeadamente, acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2010, Gualtieri/Comissão (T‑284/06, n.os 22 e 45). O Tribunal da Função Pública pôde reunir estes dois fundamentos, nomeadamente no acórdão de 8 de abril de 2008, Bordini/Comissão (F‑134/06, ColetFP, pp. I‑A‑1‑87 e II‑A‑1‑435, n.os 56 e 57).


25 —      Quanto à possibilidade de os Estados terceiros apresentarem observações, importa acrescentar que, nos termos do artigo 23.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, os países terceiros podem, no contexto dos acordos celebrados entre o Conselho e um ou mais países terceiros, apresentar alegações ou observações escritas quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial sobre matéria do âmbito de aplicação desse acordo.


26 —      N.° 27 e segs. das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo Polónia/Conselho, já referido.


27 —      Embora o Tribunal Geral não tenha decidido sobre a admissibilidade do pedido da Confederação Suíça, observou contudo, no n.° 21 do despacho Suíça/Comissão já referido, através do qual o pedido de intervenção do Landkreis Waldshut foi admitido, com base no artigo 40.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que a Confederação Suíça não era um Estado‑Membro. Deduzo que o mesmo considerou implicitamente que a Confederação Suíça deve ser equiparada a uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.


28 —      Acrescentarei que, em caso de resposta negativa a esta questão, a Confederação Suíça não ficará desprovida de meios para efeitos de proteger os seus interesses, porque pode acionar o mecanismo diplomático do Comité Misto previsto no artigo 21.° do referido acordo.


29 —      Despachos de 21 de março de 1997, Région wallonne/Comissão (C‑95/97, Colet., p. I‑1787, n.° 6), e de 1 de outubro de 1997, Regione Toscana/Comissão (C‑180/97, Colet., p. I‑5245, n.° 6). V., igualmente, n.os 44 a 54 das conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 2 de maio de 2006, Regione Siciliana/Comissão (C‑417/04 P, Colet., p. I‑3881), bem como o acórdão no mesmo processo (n.° 21).


30 —      V., por analogia, acórdão de 22 de novembro de 2001, Nederlandse Antillen/Conselho (C‑452/98, Colet., p. I‑8973, n.° 50), e n.° 66 das conclusões do advogado‑geral Léger apresentadas neste mesmo processo.


31 —      Acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Ente per le Ville Vesuviane e Ente per le Ville Vesuviane/Comissão (C‑445/07 P e C‑455/07 P, Colet., p. I‑7993, n.° 45 e jurisprudência referida). Recordo que a afetação direta requer que a medida em causa produza diretamente efeitos na situação jurídica do interessado e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários desta medida que são encarregados da sua execução, tendo esta caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras normas intermédias.


32 —      O alcance da afetação individual foi definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colet. 1962‑1964, p. 279), donde resulta que uma pessoa singular ou coletiva, que não seja o destinatário da decisão impugnada, só pode alegar que uma decisão lhe diz individualmente respeito se a decisão impugnada a afetar devido a determinadas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a caracterize relativamente a qualquer outra pessoa. V., nomeadamente, acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, Colet., p. I‑4727, n.° 52).


33 —      V. n.° 41 das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo Polónia/Conselho, já referido. Uma entidade pública pode igualmente interpor esse recurso, mas deve nesse caso respeitar as referidas condições de admissibilidade. Quanto à jurisprudência relativa aos países e territórios ultramarinos, regiões e comunidades autónomas, v., a título de exemplo, acórdãos de 29 de junho de 1993, Gibraltar/Conselho (C‑298/89, Colet., p. I‑3605, n.° 14); Nederlandse Antillen/Conselho, já referido (n.° 51), e Regione Siciliana/Comissão, já referido (n.os 21 e 24). V., também, despacho do Presidente do Tribunal de 7 de julho de 2004, Região autónoma dos Açores/Conselho (T‑37/04 R, Colet., p. II‑2153, n.° 112).


34 —      V., nomeadamente, acórdão de 22 de março de 2007, Regione Siciliana/Comissão (C‑15/06 P, Colet., p. I‑2591, n.° 31 e jurisprudência referida).


35 —      Acrescentarei que o critério da inexistência de margem de apreciação adapta‑se dificilmente a uma situação na qual, em virtude de uma decisão da Comissão, um Estado‑Membro pode continuar a aplicar medidas tais como as que estão em causa no caso em apreço, sem todavia ser obrigado a fazê‑lo. Essa autorização pode, apesar de tudo, afetar a situação jurídica de um terceiro cujo interesse seria o reconhecimento de que as medidas em causa não são admissíveis.


36 —      É sabido que o interesse geral de uma região não basta, por si só, para considerar que um ato lhe diz individualmente respeito. V. despachos do Tribunal de 12 de março de 2007, Regione Friuli‑Venezia Giulia/Comissão (T‑417/04, Colet., p. II‑641, n.° 61 e jurisprudência referida), e de 23 de outubro de 1998, Regione Puglia/Comissão e Espanha (T‑609/97, Colet., p. II‑4051, n.° 21 e jurisprudência referida).


37 —      V., por analogia, no contexto dos auxílios de Estado, acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão (C‑260/05 P, Colet., p. I‑10005, n.° 56 e jurisprudência referida).


38 —      V., a contrario, despacho Regione Puglia/Comissão e Espanha, já referido (n.os 19 a 21).


39 —      Nos termos do artigo 2.°, alínea h), do referido regulamento, os Estados‑Membros interessados são aqueles entre os quais é efetuado um serviço aéreo.


40 —      Quanto à qualificação do acordo relativo aos transportes aéreos enquanto acordo de integração, v. Haldimann, U., «Grundzüge des Abkommens über den Luftverkehr», Felder, D. e Kaddous, C. (ed.), Accords bilatéraux Suisse—UE, Bilaterale Abkommen Schweiz—EU, Bruylant, Bruxelles, 2001, pp. 443 a 461.


41 —      Todavia, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do acordo, os direitos de tráfego são atribuídos progressivamente às transportadoras aéreas suíças. O acordo garante de igual forma às transportadoras aéreas comunitárias e suíças a liberdade de estabelecimento neste domínio, em particular, ao abrigo do artigo 4.° do acordo. Para mais pormenores, v. Kaddous, C. «Les accords sectoriels dans le système des relations extérieures de l’Union européenne», op.cit, pp. 81 e 82.


42 —      V., nomeadamente, acórdão de 9 de setembro de 2004, Espanha/Comissão (C‑304/01, Colet., p. I‑7655, n.° 50 e jurisprudência referida).


43 —      Acrescentarei que, no caso em apreço, ainda mais se justifica que assim seja, dado que, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentação é reduzido quando o interessado pôde participar no procedimento administrativo que precedeu a adoção do ato impugnado e teve aí ocasião de se exprimir. V., neste sentido, entre outros, acórdão de 11 de setembro de 2003, Áustria/Conselho (C‑445/00, Colet., p. I‑8549, n.os 49 e 50).


44 —      Além disso, saliento que a problemática particular relativa ao ruído é regulada pela Diretiva 2002/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de março de 2002, relativa ao estabelecimento de regras e procedimentos para a introdução de restrições de operação relacionadas com o ruído nos aeroportos comunitários (JO L 85, p. 40), e a Diretiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho de 2002, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente (JO L 189, p. 12).


45 —      A única extensão do âmbito de aplicação do regulamento relativo ao acesso no contexto do acordo é a que resulta da equiparação da Confederação Suíça aos Estados‑Membros e das transportadoras aéreas que aí têm a sua sede, às transportadoras comunitárias.


46 —      As decisões da Comissão para as quais a Confederação Suíça remete são a Decisão 98/523/CE, de 22 de julho de 1998, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho (JO L 233, p. 25) e a Decisão 94/290/CE, de 27 de abril de 1994, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho (JO L 127, p. 22). V. ainda acórdão do Tribunal de 19 de junho de 1997, Air Inter/Comissão (T‑260/94, Colet., p. II‑997), relativo a esta última decisão. Dado o âmbito puramente comunitário das referidas decisões, a Comissão estava obrigada a tomar em consideração o direito comunitário primário e os princípios gerais do direito comunitário no exame das medidas em causa. No que diz respeito à jurisprudência do Tribunal de Justiça e, nomeadamente, ao acórdão de 18 de janeiro de 2001, Itália/Comissão (C‑361/98, Colet., p. I‑385), deve‑se observar que o referido acórdão foi proferido após a assinatura do acordo. Daí resulta que este acórdão não pode fornecer orientações para a interpretação do acordo, a não ser que tenha sido notificado e examinado no seio do Comité previsto no artigo 21.º, n.º 1, do acordo relativo aos transportes aéreos.


47 —      V., designadamente, acórdão de 18 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02‑P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 148 e jurisprudência referida), e de 29 de março de 2012, Comissão/Polónia (C‑504/09 P, n.° 90 e jurisprudência referida).


48 —      Trata‑se de uma exploração de redes em estrela caracterizada pelo fato de as transportadoras aéreas utilizarem um aeroporto como plataforma de correspondência que se tornou num modelo operacional frequente entre as transportadoras aéreas.


49 —      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral faz referência aos acórdãos de 13 de julho de 1993, Commerzbank (C‑330/91, Colet., p. I‑4017, n.° 14); de 19 de março de 2002, Comissão/Itália (C‑224/00, Colet., p. I‑2965, n.° 15), e de 27 de outubro de 2009, ČEZ (C‑115/08, Colet., p. I‑10265, n.° 92).


50 —      V., designadamente, acórdão de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P, Colet., p. I‑3173, n.° 51). V., também, acórdão de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão (C‑90/09 P, Colet., p. I‑1, n.° 72 e jurisprudência referida).


51 —      V., designadamente, acórdão de 19 de julho de 2012, Kaimer e o./Comissão (C‑264/11 P, n.° 24 e jurisprudência referida).