Language of document : ECLI:EU:C:2012:293

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 15 de maio de 2012 (1)

Processo C‑457/10 P

AstraZeneca AB e AstraZeneca plc

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos medicamentos contra as úlceras — Utilização abusiva dos procedimentos relativos aos certificados complementares de proteção para os medicamentos e dos procedimentos de autorização de colocação no mercado de medicamentos — Declarações enganosas — Revogação das autorizações de colocação no mercado — Obstáculos à colocação no mercado de medicamentos genéricos e às importações paralelas»





I —    Introdução

1.        Com o seu recurso, a AstraZeneca AB e a AstraZeneca plc (a seguir «recorrentes») pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05) (2), pelo qual este negou em grande medida provimento ao recurso em que as recorrentes pediam a anulação da Decisão da Comissão C(2005) 1757 (3). Nos termos da decisão impugnada, a Comissão aplicou uma coima de 60 milhões de euros a estas empresas pelo facto de terem utilizado abusivamente o sistema de patentes e os procedimentos de colocação no mercado de produtos farmacêuticos a fim de impedir ou atrasar a entrada de medicamentos genéricos concorrentes no mercado e de entravar o comércio paralelo.

2.        A European Federation of Pharmaceutical Industries Associations (EFPIA, Federação Europeia das Associações das Indústrias Farmacêuticas), que interveio no processo na primeira instância em apoio das recorrentes, apresentou um recurso subordinado no qual pede a anulação do acórdão recorrido e da decisão impugnada. Também foi apresentado recurso subordinado pela Comissão, no qual esta pediu a anulação do acórdão recorrido na parte em que anulou e alterou parcialmente a decisão impugnada.

II — Factos na origem do litígio principal

3.        O grupo AstraZeneca plc constitui um grupo farmacêutico (a seguir «AZ») que exerce a sua atividade, a nível mundial, no setor da invenção, do desenvolvimento e da comercialização de produtos inovadores. As suas atividades concentram‑se num determinado número de domínios farmacêuticos, nomeadamente o das doenças gastrointestinais. Nesse contexto, um dos principais produtos comercializados pela AZ é conhecido por Losec, uma marca comercial utilizada na maioria dos mercados europeus. Este medicamento à base de omeprazol, utilizado no tratamento de afeções gastrointestinais ligadas à hiperacidez, em especial para inibir de forma pró‑ativa as secreções ácidas do estômago, foi o primeiro medicamento no mercado a agir diretamente na bomba protónica, i. é, a enzima específica existente no interior das células parietais ao longo da parede do estômago, que injeta ácido para o estômago.

4.        Em 12 de maio de 1999, a Generics (UK) Ltd e a Scandinavian Pharmaceuticals Generics AB denunciaram à Comissão os comportamentos da AZ que visavam impedi‑las de introduzir versões genéricas do omeprazol num certo número de mercados do EEE. Por decisão de 9 de fevereiro de 2000, a Comissão notificou a AZ de que deveria submeter‑se a verificações nas suas instalações de Londres e de Södertälje. Em 25 de julho de 2003, a Comissão decidiu dar início a um procedimento e, em 29 de julho de 2003, enviou uma comunicação de acusações à AZ. Na sequência de contactos verbais e da troca de correspondência no período compreendido entre 2003 e 2005, a Comissão adotou, em 15 de junho de 2005, a decisão impugnada, na qual declarou que a AstraZeneca AB e a AstraZeneca plc tinham praticado dois abusos de posição dominante, em violação do artigo 82.° CE (atual artigo 102.° TFUE) e do artigo 54.° do Acordo EEE.

5.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, o primeiro comportamento abusivo imputado consistia numa série de declarações enganosas apresentadas perante os serviços de patentes da Alemanha, da Bélgica, da Dinamarca, da Noruega, dos Países Baixos e do Reino Unido, e perante os tribunais nacionais da Alemanha e da Noruega. A Comissão considerou, a esse respeito, que tais declarações se inscreviam numa estratégia global destinada a manter os fabricantes de produtos genéricos afastados do mercado em causa, mediante a obtenção ou a manutenção de certificados complementares de proteção (a seguir «CCP») (4) para o omeprazol a que a AZ não tinha direito ou relativamente aos quais tinha um direito com uma duração mais limitada.

6.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, o segundo comportamento abusivo consistiu na apresentação de pedidos de anulação das autorizações de colocação no mercado do Losec em cápsulas na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, juntamente com a retirada do mercado do Losec em cápsulas e no lançamento do Losec MUPS («Multiple Unit Pellet System») em comprimidos nesses três países. Segundo a Comissão, estas medidas destinaram‑se a impedir o acesso à via do registo simplificado previsto no artigo 4.°, n.° 8, alínea a), iii), da Diretiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (5) aos produtores de omeprazol genérico e também tiveram como consequência que os importadores paralelos se viram na iminência de perder as suas autorizações de importações paralelas. A Comissão censurou, em especial, a aplicação estratégica do quadro regulamentar pelas recorrentes para proteger artificialmente da concorrência produtos que já não estavam protegidos por uma patente e cujo período de exclusividade dos dados tinha expirado.

7.        Em razão desses dois abusos, a Comissão aplicou às recorrentes, conjunta e solidariamente, uma coima no valor de 46 milhões de euros, e à AstraZeneca AB, uma coima no valor de 14 milhões de euros.

8.        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de agosto de 2005, as recorrentes interpuseram recurso de anulação da decisão em questão. O recurso questionava a legalidade dessa decisão no que diz respeito à definição do mercado relevante, à apreciação da posição dominante, ao primeiro e segundo abusos de posição dominante e ao montante das coimas.

9.        Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral confirmou, em grande parte, a decisão impugnada. Contudo, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, relativo ao segundo abuso, na parte em que declarava que as recorrentes tinham violado o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do Acordo EEE quando pediram a revogação das autorizações de colocação no mercado das cápsulas de Losec na Dinamarca e na Noruega, ao mesmo tempo que retiraram do mercado as cápsulas de Losec e lançaram os comprimidos de Losec MUPS nestes dois países, na medida em que estes atos eram suscetíveis de restringir as importações paralelas de cápsulas de Losec nos referidos países. O Tribunal Geral reduziu, portanto, o montante da coima aplicada, conjunta e solidariamente, às recorrentes para EUR 40 250 000 e a coima aplicada à AstraZeneca AB para EUR 12 250 000, e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

III — Pedidos das partes ao Tribunal de Justiça

10.      No seu recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal de Justiça deve anular o acórdão recorrido e a decisão impugnada; a título subsidiário, reduzir, na medida que o Tribunal de Justiça entender justa, a coima aplicada às recorrentes no artigo 2.° da decisão impugnada, e condenar a Comissão nas despesas da primeira instância e do recurso.

11.      A EFPIA alega que o Tribunal de Justiça deve anular o acórdão recorrido e a decisão impugnada e condenar a Comissão nas despesas da primeira instância e do recurso, incluindo as despesas relativas à intervenção da EFPIA.

12.      A Comissão sustenta que o Tribunal de Justiça deve negar provimento ao recurso e ao recurso subordinado da EFPIA, admitir o recurso subordinado da Comissão, bem como condenar as recorrentes nas despesas do recurso e a EFPIA nas despesas do seu recurso subordinado.

IV — Recurso

13.      Os fundamentos de recurso das recorrentes podem subdividir‑se em quatro grupos.

A —    Primeira grupo: definição do mercado relevante

14.      As recorrentes suscitam dois fundamentos de recurso no que se refere à definição do mercado.

1.      Primeiro fundamento: não consideração adequada do caráter gradual do aumento das vendas de IPP em detrimento dos anti‑H2

a)      Argumentos

15.      As recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não examinar de forma adequada a importância do caráter gradual do aumento da utilização de bloqueadores da bomba protónica (proton pump inhibitors, a seguir «IPP») em detrimento dos anti‑H2 (anti‑histamínicos). Este fundamento divide‑se, por seu turno, em duas partes.

16.      Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral não levou a cabo uma análise temporal. Assim, no acórdão recorrido, em especial nos seus n.os 66 a 82, não é reconhecida a necessidade de examinar o desenvolvimento das relações de concorrência entre os IPP e os anti‑H2 durante os períodos de infração relevantes e não tem em conta as alterações que ocorreram nos mercados geográficos em causa. É errado, do ponto de vista jurídico, apreciar o mercado relevante num determinado país em 1993, com base no estado da concorrência em 2000. Além disso, o facto de que a relação entre os IPP e os anti‑H2 se alterou ao longo do tempo resulta claramente das declarações dos peritos médicos em que se baseou o Tribunal Geral.

17.      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral não reconheceu a importância da inércia que caracterizava a difusão de informações relativas aos IPP na comunidade médica e as práticas de prescrição, e que constituiu o motivo da substituição gradual ao longo do tempo dos anti‑H2 pelos IPP. O Tribunal Geral rejeitou erradamente, nos n.os 83 a 107 do acórdão recorrido, o argumento das recorrentes de que os anti‑H2 exerciam necessariamente uma pressão concorrencial considerável sobre os IPP, uma vez que as vendas de IPP aumentaram gradualmente apenas em detrimento dos anti‑H2 e portanto menos rapidamente do que seria de esperar tendo em conta a superioridade terapêutica dos IPP. As recorrentes alegam, em especial, que o Tribunal Geral compartimentou artificialmente as diferentes vantagens e desvantagens dos anti‑H2 e dos IPP, as quais estavam necessariamente interligadas. Com efeito, se um médico decide receitar um anti‑H2 porque tem dúvidas quanto aos efeitos secundários dos IPP, essa decisão não é determinada apenas pelas dúvidas quanto aos IPP, mas envolve necessariamente uma avaliação da qualidade e do perfil terapêutico dos anti‑H2, incluindo o facto de apresentarem menos riscos.

18.      A EFPIA, que apoia este primeiro argumento, alega que o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova ao exigir que as recorrentes demonstrassem que a substituição gradual dos anti‑H2 pelos IPP era relevante para a definição do mercado.

19.      A Comissão sustenta que o primeiro fundamento de recurso é inoperante, porque contesta apenas um dos elementos da fundamentação do Tribunal Geral. O caráter gradual das tendências de substituição é apenas um aspeto da apreciação global do mercado relevante e um erro de direito em relação a esse aspeto não põe em causa a referida apreciação global. A Comissão alega ainda que grande parte deste fundamento é inadmissível, na medida em que se pede ao Tribunal de Justiça que reaprecie conclusões de facto.

20.      A Comissão considera que, em todo o caso, este fundamento é improcedente. No que diz respeito à primeira parte do fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral não restringiu o seu exame aos elementos de prova relativos ao final do período de referência mas, pelo contrário, concentrou‑se na necessidade de demonstrar a existência do mercado desde o início do período de referência. Além disso, o Tribunal Geral entendeu corretamente que o caráter gradual do crescimento de um novo produto não é incompatível com a existência de um mercado separado só para esse produto. Acresce que o facto, não contestado pelas recorrentes, de que a relação entre os IPP e os anti‑H2 era caracterizada por um movimento de substituição «assimétrica» em detrimento dos anti‑H2 e por um redireccionamento dos anti‑H2 para doenças gastrointestinais mais benignas é relevante para demonstrar que os anti‑H2 não exerciam uma pressão concorrencial significativa sobre os IPP. Por último, a emergência de um «novo» mercado não significa necessariamente que o «velho» mercado tenha desaparecido ou que o novo mercado já registe mais vendas do que o «velho» mercado.

21.      No que diz respeito à segunda parte do fundamento, a Comissão sustenta que se baseia numa interpretação errada do acórdão recorrido. Assim, o Tribunal Geral reconheceu a importância da inércia, mas considerou que isso não significava que os IPP tivessem sofrido uma pressão significativa por parte dos anti‑H2 durante o período de referência, uma vez que, no presente processo, a inércia resultava, em primeiro lugar, da falta de informações sobre os IPP e não das qualidades dos anti‑H2.

b)      Apreciação

22.      Na minha opinião, o primeiro fundamento de recurso das recorrentes, relativo à não consideração do caráter gradual do aumento das vendas de IPP em detrimento dos anti‑H2 não é, conforme alegado pela Comissão, inoperante. É verdade que, como sustentou a Comissão, a apreciação do mercado relevante se baseia em vários fatores que têm conta todo o período relevante compreendido entre 1993 e 2000, e não apenas o final desse período (6). No entanto, considero que a medida em que esses produtos são substituíveis ou substitutos é um elemento chave em qualquer apreciação de um mercado relevante para os efeitos do artigo 102.° TFUE (7). Dado que as vendas de IPP e de anti‑H2 evoluíram ao longo do tempo (8), atendendo à conclusão do Tribunal Geral de que o primeiro abuso começou na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, nos Países Baixos e no Reino Unido, o mais tardar, em 30 de junho de 1993 (9) e cessou na Dinamarca, em 30 de novembro de 1994, e no Reino Unido, em 16 de junho de 1994 (10), é de importância significativa para a apreciação do comportamento em causa, nos termos do artigo 102.° TFUE, que o mercado relevante tenha sido estabelecido de forma correta relativamente a todo o período relevante, em especial relativamente a 1993 e 1994, tendo em conta essa evolução.

23.      No que diz respeito à alegação de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, considero que, ao reproduzirem nos articulados que submeteram ao Tribunal de Justiça declarações inter alia de vários peritos médicos e o relatório da IMS Health (11) também submetidos ao Tribunal Geral, as recorrentes pedem, no essencial, a reapreciação dessa prova pelo Tribunal de Justiça. Uma vez que os recursos estão limitados às questões de direito, o Tribunal de Justiça não pode proceder a essa reapreciação, na falta de uma alegação de que o Tribunal Geral tenha desvirtuado os elementos de prova (12). Porém, as recorrentes não alegaram que a prova em questão tivesse sido desvirtuada. Em meu entender, o presente fundamento de recurso, na medida em que pede a reapreciação dos factos em causa é, portanto, inadmissível.

24.      Considero, não obstante, que o presente fundamento de recurso suscita questões de direito, as quais examinarei a seguir.

25.      No que diz respeito à primeira parte do primeiro fundamento de recurso, as recorrentes consideram que a evocação pelo Tribunal Geral das suas conclusões contidas nos n.os 68 a 72 do acórdão recorrido para confirmar a decisão da Comissão relativa aos mercados relevantes nos diferentes países, entre 1993 e 2000 (1999 na Dinamarca), está materialmente viciada porque não tem em conta as alterações ocorridas nesses mercados ao longo do período em causa e baseia a definição do mercado relativamente a determinado período na situação existente alguns anos mais tarde. Ao contrário do alegado pelas recorrentes, considero que o Tribunal Geral reconheceu a relevância jurídica da evolução gradual nos mercados relevantes. Resulta claramente do acórdão recorrido que o Tribunal Geral examinou detalhadamente os padrões de substituição dos anti‑H2 pelos IPP (13), entre 1991 e 2000, no contexto do fundamento relativo à substituição gradual, a fim de apreciar se, no período em causa, os anti‑H2 exerceram uma pressão concorrencial significativa sobre os IPP. No n.° 84 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral reconheceu que o número e o valor dos tratamentos prescritos à base de IPP haviam aumentado gradualmente e é manifesto que estava ciente de que os tratamentos de anti‑H2 tinham sido superiores aos de IPP durante parte do período em causa (14). O Tribunal Geral considerou, porém, que a evolução gradual não corroborava a conclusão de que os anti‑H2 exerceram uma pressão concorrencial significativa sobre os PP no período em causa. Essas considerações baseiam‑se em dois aspetos.

26.      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 91 do acórdão recorrido, que, em princípio, e mesmo no caso dos mercados de produtos farmacêuticos, o caráter gradual do aumento das vendas de um produto novo sucedâneo de um produto existente não é suficiente para concluir que este último exerce necessariamente sobre o primeiro uma pressão concorrencial significativa. Observo, no entanto, que, no seu recurso, as recorrentes não contestaram esta conclusão nem o seu quadro teórico, definido pelo Tribunal Geral nos n.os 86 a 90 do acórdão recorrido. As recorrentes também não contestaram a conclusão do Tribunal Geral, no n.° 92 do acórdão recorrido, de que as recorrentes não aduziram nenhum elemento que permitisse considerar que este aumento gradual das vendas de IPP seria causado por uma pressão concorrencial significativa exercida pelos anti‑H2. Considero, portanto, que o Tribunal Geral concluiu corretamente que as recorrentes se limitaram a defender uma presunção de nexo de causalidade entre o caráter gradual do aumento das vendas de IPP e uma pressão concorrencial exercida pelos anti‑H2 sobre os IPP. Assim, o Tribunal Geral considerou, corretamente, que tal presunção não podia, em princípio, existir e que não havia nenhum elemento específico no caso em apreço que permitisse estabelecer esse nexo de causalidade. Ao fazê‑lo, considero que o Tribunal Geral não inverteu o ónus da prova que recai sobre a Comissão de determinar os mercados relevantes. O Tribunal Geral limitou‑se a declarar que o fundamento que lhe foi submetido não era suportado por elementos de prova.

27.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 96 do acórdão recorrido, que apesar de, em 1993, as vendas de IPP terem sido bastante inferiores às de anti‑H2, esse facto não permitia considerar que estes tinham exercido uma pressão concorrencial significativa sobre os IPP nesse ano, uma vez que a verificação de um movimento de substituição assimétrica caracterizado pelo aumento das vendas de IPP e a estagnação das vendas de anti‑H2, associada ao redireccionamento da utilização de anti‑H2 para o tratamento de formas mais benignas das doenças corroborava a conclusão de que os anti‑H2 não exerciam uma pressão concorrencial significativa sobre os IPP. Estas conclusões do Tribunal Geral também não foram contestadas pelas recorrentes.

28.      A meu ver, uma análise do produto que vende mais num determinado momento pode ser insuficiente para definir um mercado relevante nos termos do direito da concorrência. Assim, no caso de mercados em mutação, as vendas e os movimentos de substituição devem ser examinados ao longo do tempo. O simples facto de que havia vendas consideráveis de anti‑H2 no final do período em causa não significa, conforme sugerido pelas recorrentes, que os anti‑H2 e os IPP fizessem parte do mesmo mercado relevante. Um produto «novo» e um produto «velho» podem coexistir em dois mercados separados.

29.      Considero, portanto, que a primeira parte do primeiro fundamento de recurso é inadmissível e/ou infundada, não podendo, pois, ser acolhida.

30.      No que diz respeito à questão da inércia, entendo que a alegação das recorrentes de que as vantagens e desvantagens relativas dos IPP e dos anti‑H2 estão necessariamente interligadas deve ser julgada improcedente porque, em meu entender, tenta fazer nascer uma quase presunção que não é apoiada pelas conclusões de facto claras do Tribunal Geral sobre as circunstâncias específicas do caso concreto (15).

31.      O Tribunal Geral reconheceu que o grau de «inércia» dos médicos prescritores desacelerou as vendas de IPP e, portanto, o processo de substituição dos anti‑H2 pelos IPP (16). Todavia, o Tribunal Geral entendeu que este facto não prova que os anti‑H2 tenham exercido uma pressão concorrencial significativa sobre os IPP (17). Embora tenha admitido expressamente que a qualidade do produto pré‑existente pode influenciar o grau de «inércia» dos médicos prescritores, se a sua eficácia terapêutica for considerada suficiente (18), o Tribunal Geral concluiu, com base nos elementos probatórios que constam dos autos, que a «inércia» se devia, em primeiro lugar, à prudência a respeito de um medicamento novo, mais especificamente ao receio quanto aos eventuais efeitos secundários cancerígenos dos IPP. Além disso, o Tribunal Geral observou, designadamente, que o facto de os IPP serem considerados o único tratamento eficaz das formas graves das doenças gastrointestinais, de os IPP e os anti‑H2 terem, por isso, utilizações terapêuticas diferenciadas e de, em muitos casos, o crescimento dos IPP não se ter verificado à custa dos anti‑H2 corroborava a tese de que a «inércia» dos médicos era mais uma consequência da acumulação e da difusão de informações sobre as propriedades dos IPP do que da qualidade dos anti‑H2 (19). Na minha opinião, estas conclusões de facto não podem ser impugnadas em sede de recurso, se não se verificar uma desvirtuação dos factos, que não foi alegada pelas recorrentes.

32.      Também considero que a abordagem do Tribunal Geral relativamente à inércia dos médicos no contexto da definição do mercado e da posição dominante não é, conforme alegado pelas recorrentes, incoerente. A inércia nas práticas de prescrição médica foi examinada no contexto da definição do mercado e da apreciação da posição dominante, tendo conduzido a conclusões bastante diferentes. Porém, a meu ver, tais diferenças podem ser conciliadas com o facto de a definição de um mercado e a apreciação de uma posição dominante constituírem exercícios muito distintos na perspetiva do direito da concorrência. Além disso, e sobretudo, o diferente tratamento da inércia na definição de um mercado e na apreciação de uma posição dominante é completamente coerente e compreensível à luz das conclusões de facto específicas do Tribunal Geral. A esse respeito, o Tribunal Geral considerou que, embora a inércia desacelerasse o processo de substituição dos anti‑H2 pelos IPP, esse facto não demonstrava que os anti‑H2 exercessem uma pressão concorrencial sobre os IPP porque a inércia não resultava das qualidades terapêuticas dos anti‑H2, mas da falta de informação sobre os IPP, que eram, de facto, superiores a nível terapêutico. No entanto, relativamente à questão da posição dominante, o Tribunal Geral concluiu que, no mercado dos IPP e, portanto, em relação a produtos semelhantes a nível terapêutico, a «inércia» dos médicos prescritores, associada ao estatuto de primeiro operador a entrar no mercado da AZ e à sólida imagem de marca do Losec, conferiam à AZ uma vantagem concorrencial considerável (20).

33.      Entendo, por conseguinte, que a segunda parte do primeiro fundamento de recurso é inadmissível e/ou infundada, não podendo, pois, ser acolhida.

2.      Segundo fundamento: não consideração do custo geral de tratamento com os IPP e os anti‑H2 na apreciação do fator preço invocado pela Comissão

a)      Argumentos

34.      As recorrentes alegam que o Tribunal Geral não examinou o custo geral do tratamento com IPP por comparação com o custo do tratamento com anti‑H2, quando avaliou os indicadores de preços invocados pela Comissão. A este respeito, sustentam que, apesar de o custo de uma dose diária de IPP ser superior ao custo de uma dose diária de anti‑H2, o custo geral do tratamento é, em princípio, idêntico porque os IPP tratam mais rapidamente. Embora o Tribunal Geral tenha reconhecido esse facto, nos n.os 188 e 193 do acórdão recorrido, concluiu, nos n.os 189 e 190 do mesmo acórdão que, dado a quantificação da relação custo/eficácia pode ser particularmente complexa e aleatória, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter em conta o preço dos medicamentos num período idêntico de tratamento. De facto, esta abordagem do Tribunal Geral é juridicamente incorreta, na medida em que inverte o ónus da prova. Assim, as recorrentes sustentam que, quando a Comissão se procura basear em fatores complexos e aleatórios, tais como indicadores de preços, o Tribunal Geral deve analisar esses fatores de forma satisfatória, ou abster‑se de evocá‑los, se não puder prová‑los devido a sua complexidade.

35.      A EFPIA apoia este fundamento e acusa o Tribunal Geral de não ter aplicado corretamente o critério da permutabilidade ao concluir que a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao comparar preços em relação a um mesmo período de tratamento.

36.      A Comissão sustenta que este fundamento é inoperante na medida em que não contesta a conclusão contida no n.° 191 do acórdão recorrido de que os anti‑H2 não eram suscetíveis de exercer uma pressão concorrencial significativa nos IPP através de preços inferiores, tendo em conta, em primeiro lugar, a sensibilidade limitada dos médicos e dos doentes às diferenças de preços e, em segundo lugar, os sistemas regulamentares em vigor. Este fundamento é também improcedente. O facto de a decisão em causa se basear num tratamento de 28 dias não pode ser considerado um erro manifesto de apreciação, porque é impossível determinar a duração precisa de cada tratamento. A Comissão sustenta, neste contexto, que a perspetiva das recorrentes acerca da apreciação da relação custo/eficácia é excessivamente simplista e não tem em conta a multiplicidade de condições e de tratamentos individuais possíveis. Além disso, o facto de o Tribunal Geral ter considerado que os dados relativos às diferenças de preços eram relevantes indica que, apesar da falta de certeza, considerou esses dados suficientemente fiáveis para fazerem parte da apreciação global. Essa apreciação não pode ser impugnada em sede recurso.

b)      Apreciação

37.      Na minha opinião, o presente fundamento de recurso é inoperante. O Tribunal Geral concluiu, no n.° 196 do acórdão recorrido, que os indicadores baseados nos preços constituem um elemento importante da definição do mercado relevante efetuada pela Comissão no caso vertente. Porém, mesmo que o Tribunal Geral tivesse errado ao concluir, no n.° 190 do acórdão recorrido, que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter em conta o preço dos medicamentos num período idêntico de tratamento (28 dias) (21), isso não põe em causa as conclusões não contestadas do Tribunal Geral, nos n.os 171 a 175 e 177 do acórdão recorrido, de que os anti‑H2 não eram suscetíveis de exercer uma pressão concorrencial significativa nos IPP através de preços inferiores (22).

38.      Além disso, considero que o presente fundamento de recurso é improcedente. Embora a diferença de preço global entre os anti‑H2 e os IPP possa ser inferior devido à relação custo/eficácia dos IPP, conforme alegado pelas recorrentes e, de facto, expressamente aceite pelo Tribunal Geral, entendo que as recorrentes se limitaram a afirmar que o Tribunal Geral errou ao aceitar o argumento da Comissão relativo à diferença de custo entre os IPP e os anti‑H2 com base num período de tratamento de 28 dias. As recorrentes não contestaram, porém, a conclusão do Tribunal Geral de que a quantificação da relação custo/eficácia podia revelar‑se particularmente complexa e aleatória. Considero, portanto, que embora o período de tratamento de 28 dias não seja um indicador baseado no preço perfeitamente fiável, o Tribunal Geral não errou ao concluir que a Comissão podia tomá‑lo em consideração, na decisão impugnada, para definir o mercado relevante, juntamente com outros indicadores baseados no preço mais concludentes, que foram descritos no acórdão recorrido.

39.      Entendo, por conseguinte, que o segundo fundamento de recurso é inoperante e improcedente, não podendo, pois, ser acolhido.

B —    Segundo grupo: primeiro abuso de posição dominante

40.      As recorrentes invocam dois fundamentos de recurso relativos ao primeiro abuso.

1.      Primeiro fundamento: inexistência de falta de concorrência baseada no mérito e invocação pela AZ de uma interpretação de boa‑fé do direito

a)      Argumento

41.      As recorrentes consideram que a abordagem do Tribunal Geral na apreciação da concorrência baseada no mérito é juridicamente errada. O Tribunal Geral errou ao entender que as declarações das recorrentes junto dos institutos de patentes eram objetivamente enganosas e ao considerar irrelevantes a razoabilidade e boa‑fé da posição da AZ relativamente ao seu direito a um CCP nos termos do artigo 19.° do Regulamento n.° 1768/92.

42.      As recorrentes alegam que o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de «concorrência baseada no mérito» ao qualificar como violação dessa concorrência o facto de não terem comunicado aos serviços de patentes nacionais a sua interpretação do artigo 19.° do Regulamento n.° 1768/92 e, portanto, em especial, o facto de a referência à primeira autorização em que basearam os seus pedidos de CCP não ser a autorização nos termos da Diretiva 65/65/CEE mas sim a autorização subsequente associada à publicação de preços. A «falta de transparência» não é suficiente para configurar um abuso e o Tribunal Geral deveria ter exigido, pelo menos, que as recorrentes soubessem que não tinham direito ao CCP. Depois de considerar irrelevante o facto de, à data da apresentação dos pedidos, tendo em conta a ambiguidade do artigo 19.° do Regulamento n.° 1768/92, ser razoável considerar que as recorrentes tinham direito ao CCP, o Tribunal Geral fixou o limiar demasiado baixo, promovendo à categoria de abuso o simples facto de uma empresa em posição dominante procurar obter um direito de que pensa poder beneficiar sem divulgar os elementos em que baseia o seu entendimento. O raciocínio do Tribunal Geral baseia‑se na premissa de que as recorrentes não tinham direito ao CCP e é feito, portanto, com o benefício da análise retrospetiva, tendo em conta o esclarecimento fornecido pelo acórdão Hässle (23).

43.      As recorrentes sustentam que existem razões políticas e jurídicas imperiosas pelas quais devia ser exigida a verificação de fraude ou de engano deliberado para se poder concluir pela existência de um abuso em circunstâncias como as do presente processo. Assim, um conceito de abuso tão severo como o aplicado pelo Tribunal Geral poderá impedir e atrasar pedidos de direitos de propriedade intelectual na Europa, em especial se combinado com a abordagem estrita da Comissão na definição do mercado. A título de comparação, no direito dos Estados Unidos, só podem ser impugnadas, nos termos do direito da concorrência, as patentes obtidas de forma fraudulenta, para não desmobilizar os pedidos de patentes. Importa também fazer um paralelo entre a jurisprudência sobre ações abusivas e as duas condições, objetiva e subjetiva, estabelecidas pelo Tribunal Geral no acórdão ITT Promedia/Comissão (24), sendo que nenhuma destas condições é satisfeita no presente processo.

44.      A EFPIA apoia este fundamento e alega ainda que, de acordo com a interpretação do Tribunal Geral, uma declaração «objetivamente enganosa» significa, na realidade, uma declaração «objetivamente errada». Se essa norma fosse aplicada, as empresas em posição dominante teriam de ser infalíveis nas suas relações com as autoridades reguladoras. Assim, mesmo um erro cometido inadvertidamente e imediatamente retificado poderia dar lugar a responsabilidade nos termos do artigo 102.° TFUE. A EFPIA sustenta, em especial, que seria juridicamente indefensável aplicar esse conceito a pedidos de patente, uma vez que muitos destes pedidos seriam rejeitados todos os anos com o fundamento de que não eram objetivamente corretos pois o seu objetivo não satisfazia os critérios de patenteabilidade. A EFPIA sublinha que o direito das patentes é particularmente complexo e que os procedimentos de busca e análise levam anos a ser concluídos.

45.      A Comissão sustenta que, com este fundamento, as recorrentes procuram minimizar o abuso, apresentando‑o como uma simples falta de transparência, quando o Tribunal Geral considerou que a sua conduta era deliberada e fortemente enganosa. Assim, as recorrentes limitam‑se a descrever os factos de uma forma que difere das conclusões do Tribunal Geral, o qual, em especial, observou que as mesmas não podiam ignorar que os agentes de patentes e os serviços de patentes tinham entendido o conceito de «autorização de colocação no mercado» como referindo‑se à autorização nos termos da Diretiva 65/65/CEE. Este fundamento é portanto inadmissível, uma vez que procura, na realidade, obter uma reapreciação dos factos subjacentes ao primeiro abuso.

46.      A Comissão salienta que o primeiro abuso não consistiu apenas no facto de as recorrentes não revelarem a sua interpretação jurídica do regulamento CCP, mas também no facto de terem conscientemente induzido em erro as autoridades competentes ao não divulgarem informações factuais muito específicas que eram necessárias para determinar se o CCP devia ser concedido e também, sendo caso disso, a sua duração. Também não é necessário provar a má‑fé no contexto de um abuso de posição dominante, porque esse abuso é um conceito objetivo. O caráter enganoso de uma declaração não depende da questão de saber se a pessoa que a faz a percebe como enganosa. A questão decisiva consiste em saber se o comportamento era objetivamente suscetível de restringir a concorrência, o que o Tribunal Geral analisou cuidadosamente. Além disso, o argumento das recorrentes equivale a afirmar que se uma empresa acreditar que pode beneficiar de um direito exclusivo não há nada que a impeça de prestar declarações falsas ou enganosas às autoridades públicas, o que é inconcebível. Por último, o acórdão ITT Promedia/Comissão (25) não é relevante no presente processo.

b)      Apreciação

47.      Resulta claramente do n.° 496 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou que a alegada boa‑fé da AZ na sua interpretação do Regulamento n.° 1768/92 e o caráter razoável desta interpretação não estão de todo em causa no quadro do primeiro abuso. Com efeito, o Tribunal Geral já referiu que resulta do caráter objetivo do conceito de abuso que a natureza enganosa das declarações prestadas às autoridades públicas deve ser analisada com base em elementos objetivos e que a demonstração do caráter deliberado do comportamento e da má‑fé da empresa em posição dominante não é exigível para efeitos de identificação de um abuso de posição dominante (26). As recorrentes alegam que o Tribunal Geral errou ao considerar irrelevante a boa‑fé da interpretação da lei efetuada pela AZ e que, ao fazê‑lo, transformou efetivamente num abuso per se a situação de uma empresa em posição dominante que pede o reconhecimento de um direito de que pensa poder beneficiar, sem revelar a base da sua convicção.

48.      A meu ver, as alegações das recorrentes não são, de forma alguma, suportadas pelas conclusões de facto detalhadas e claras a que o Tribunal Geral chegou com base nas ações concretas da AZ. A este respeito, importa observar que o Tribunal Geral considerou que as declarações prestadas pela AZ aos serviços de patentes, para efeitos dos pedidos de CCP, eram «caracterizad[as] por uma manifesta falta de transparência» (27) e eram «fortemente enganos[as]» (28). De acordo com as conclusões de facto do Tribunal Geral, os pedidos de CCP foram apresentados de modo a induzir os serviços de patentes em questão a considerar que as datas apresentadas em relação a França e ao Luxemburgo correspondiam à emissão das autorizações técnicas de colocação no mercado e não à data de publicação do preço do medicamento (29).

49.      Considero, portanto, que o Tribunal Geral concluiu que as declarações enganosas em questão não consistiam simplesmente na não divulgação pela AZ, nos pedidos de CCP, da sua interpretação do artigo 19.° do Regulamento n.° 1768/92, mas nas declarações fortemente enganosas por ela prestadas, no âmbito do procedimento de pedido. A referência do Tribunal Geral, no n.° 494 do acórdão recorrido, à falta de divulgação proactiva da natureza das datas mencionadas a respeito das autorizações de colocação no mercado no Luxemburgo e em França, por um lado, e da interpretação do Regulamento n.° 1768/92, do qual resultava a escolha dessas datas, por outro, não pode ser vista isoladamente, mas no contexto das conclusões de facto detalhadas a que chegou o Tribunal Geral relativamente às declarações fortemente enganosas prestadas pela AZ no âmbito do procedimento de pedido de CCP. Efetivamente, o Tribunal Geral concluiu que a AZ tentou deliberadamente, em várias ocasiões (30), induzir em erro as autoridades competentes, ao não divulgar informação de facto que era relevante para a concessão dos CCP.

50.      É jurisprudência assente que o conceito de abuso de posição dominante tem um conteúdo objetivo (31). Considero, portanto, que, no contexto de um abuso de posição dominante, para saber se determinado comportamento é enganador, o Tribunal Geral não estava obrigado, como afirmam as recorrentes, a apreciar a alegada convicção subjetiva da AZ acerca de uma interpretação jurídica, a sua boa‑fé ou outro aspeto, mas sim a examinar a sua conduta efetiva (32). Além disso, a alegação das recorrentes relativa à necessidade de provar que a AZ sabia que não tinha direito a um CCP e, portanto, agia fraudulentamente, afasta‑se radicalmente, na minha opinião, do princípio de que o abuso de posição dominante tem um conteúdo objetivo. Constitui também uma tentativa de aplicar padrões probatórios do processo penal a um procedimento que o Tribunal de Justiça já declarou que é de natureza administrativa e não penal (33), e é algo incoerente com o artigo 23.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho (34), que prevê que as coimas aplicadas nos termos dessa disposição não têm caráter penal.

51.      O facto de, no processo Hässle (35), ter sido solicitado ao Tribunal de Justiça que esclarecesse, a título prejudicial, o artigo 19.° do Regulamento n.° 1768/92 ou o facto de, em 1994, um ano depois do início do primeiro abuso, dois escritórios de advogados contratados pela AZ terem emitido pareceres jurídicos que apoiavam a «teoria da colocação efetiva no mercado» não é relevante e não prejudica as declarações objetivamente enganosas prestadas pela AZ, que, sublinho, à luz das conclusões do Tribunal Geral, excederam manifestamente qualquer interpretação de boa‑fé do direito aplicável. Na minha opinião, o Tribunal Geral não transformou num abuso per se, conforme alegado pelas recorrentes, o facto de uma empresa em posição dominante solicitar a concessão de um direito de que pensa poder beneficiar sem revelar a base da sua convicção. Pelo contrário, o Tribunal Geral concluiu que uma empresa em posição dominante não pode prestar declarações objetivamente enganosas às autoridades públicas para obter um direito, independentemente do facto de essa empresa pensar que pode beneficiar desse direito. Esta abordagem não fixou um limiar baixo para efeitos da existência de um abuso e, em meu entender, não terá um efeito desmobilizador nem atrasará os pedidos de direitos de propriedade intelectual na Europa ao aumentar a carga administrativa, jurídica e burocrática das empresas, conforme alegado pelas recorrentes e também pela EFPIA, mas, pelo contrário, reduzirá os abusos de posição dominante resultantes de declarações fortemente enganosas prestadas a autoridades de patentes ou a outras autoridades responsáveis em matéria de propriedade intelectual.

52.      Também considero que o Tribunal Geral entendeu corretamente que o acórdão ITT Promedia/Comissão (36) do Tribunal Geral não era relevante para o presente processo. Com efeito, nesse processo, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre os critérios necessários para determinar se uma ação judicial constitui um abuso de posição dominante. Por conseguinte, a invocação desses critérios pelas recorrentes nos seus articulados é algo especulativa (37). Além disso, considero que, em todo o caso, não pode ser estabelecido qualquer paralelo significativo entre o que as recorrentes referem como casos de ação abusiva e de abuso de regulamentação. A extrema contenção que deve ser exercida para preservar o direito fundamental de acesso à justiça, antes de se considerar que o processo judicial tem caráter abusivo, não é garantida no presente processo, visto não existir qualquer necessidade de preservar esse direito fundamental e também tendo em conta o facto de que o abuso em questão se caracterizou por declarações fortemente enganosas aos serviços de patentes.

53.      Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve negar provimento ao presente fundamento de recurso.

2.      Segundo fundamento: não constatação de um efeito na concorrência ou de uma tendência para restringir a concorrência

a)      Argumentos

54.      As recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não identificar corretamente o momento em que o primeiro abuso de posição dominante teve início. Assim, o Tribunal Geral declarou erradamente que o simples facto de pedir um CCP já constituía um abuso, sem considerar se a concorrência era afetada ou se o comportamento controvertido tinha tendência para restringir a concorrência. Se o Tribunal Geral tivesse realizado esse exame, teria chegado à conclusão de que o abuso começou não com o pedido de CCP mas apenas com a concessão desse certificado. As recorrentes observam ainda que os pedidos de CCP foram apresentados entre cinco e seis anos antes de terem entrado em vigor e que, até esse momento, os seus direitos estavam protegidos por patentes.

55.      As recorrentes alegam, em especial, que esse comportamento não pode ser impugnado ao abrigo do artigo 102.° TFUE pelo simples facto de, visto retrospetivamente, ser enganoso. Para que exista um abuso por exclusão, o comportamento enganoso deve ter um efeito real sobre a concorrência ou tendência para provocar esse efeito. A concorrência não podia ser afetada enquanto o direito exclusivo pedido não tivesse sido concedido, quando os concorrentes das recorrentes não tinham conhecimento do direito exclusivo e quando a existência desse direito não era suscetível de afetar o comportamento desses concorrentes. Em apoio da sua análise, as recorrentes invocam, em especial, as conclusões apresentadas em 1 de abril de 2008 pelo advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Sot. Lélos kai Sia e o. (38), vários acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, bem como o direito da concorrência dos Estados Unidos, nos termos do qual só existe abuso se a patente entrar em vigor.

56.      A EFPIA também censura o Tribunal Geral por ter entendido que uma declaração enganosa pode constituir um abuso mesmo que não tenha tido nenhum efeito externo, em virtude de o erro ter sido corrigido por um serviço de patentes ou por terceiros através de mecanismos de correção, como procedimentos de oposição ou de declaração de nulidade.

57.      A Comissão sustenta que, contrariamente às alegações das recorrentes, o Tribunal Geral não se baseou numa análise que demonstrava que as declarações enganosas eram abusivas «per se», mas realizou um exame exaustivo dos potenciais efeitos do comportamento controvertido, explicando de forma pormenorizada os motivos que o levaram a entender que esse comportamento era suscetível de restringir a concorrência e concluindo que o comportamento em questão tinha produzido efeitos no mercado. A Comissão refere, a este respeito, os n.os 357, 361, 377, 380, 493, 591, 593, 598, 602 a 608 e 903 do acórdão recorrido, que contém conclusões de facto que não são suscetíveis de fiscalização em sede recurso.

58.      Na medida em que as recorrentes exigem que seja provado que o abuso tem, por si só, um efeito direto na concorrência, essa alegação é contrária à jurisprudência e foi corretamente rejeitada nos n.os 376 e 377 do acórdão recorrido. Resulta da jurisprudência, além disso, que o critério da concorrência potencial pode ser adequado para definir o comportamento anticoncorrencial. Acresce que o facto de os efeitos no mercado poderem depender de uma ação adicional por parte das autoridades públicas não obsta à existência de um abuso. Se as declarações enganosas falseiam o processo de decisão dessas autoridades, o efeito anticoncorrencial resultante não é imputável à ação do Estado mas a essas declarações.

59.      No que diz respeito ao argumento relativo ao facto de o CCP não ter sido concedido em determinados países, a Comissão alega que, na medida em que o comportamento controvertido faz parte de uma estratégia global, a existência de um abuso não é afetada pelo facto de essa estratégia não ter sido bem sucedida em determinados países. O critério decisivo consiste em saber se a cadeia de eventos pode ser demonstrada com suficiente probabilidade. Por último, a Comissão sustenta que a solução adotada no direito dos Estados Unidos não pode ser transposta para o contexto europeu e que o acórdão recorrido, em especial nos seus n.os 362 e 368, está suficientemente fundamentado quanto a esse ponto.

b)      Apreciação

60.      É jurisprudência assente que o artigo 102.° TFUE diz respeito ao comportamento de uma empresa em posição dominante que, num mercado no qual o grau de concorrência já está enfraquecido precisamente por causa da presença da empresa em questão, tem como consequência impedir, através de meios diferentes daqueles que regulam uma competição normal de produtos ou serviços com base em prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento desta concorrência (39).

61.      É, portanto, necessário que o efeito anticoncorrencial seja demonstrado (40).

62.      No entanto, a medida em que um efeito anticoncorrencial deve ser demonstrado para se constatar a existência de um abuso de posição dominante foi objeto de intenso debate e é de importância fundamental para a aplicação adequada e atempada do artigo 102.° TFUE. Se a exigência de demonstração do efeito anticoncorrencial de uma prática for fixada a um nível demasiado elevado, exigindo, assim, a prova do efeito real ou de uma probabilidade elevada ou de uma suscetibilidade (41) de que esse efeito se produza, existe o risco de que o comportamento anticoncorrencial, que é prejudicial, nomeadamente, para os consumidores, não seja impugnado pelas competentes autoridades de concorrência porque o ónus da prova que lhes é imposto é demasiado elevado. Por outro lado, se a exigência de demonstração dos efeitos anticoncorrenciais de determinadas práticas for fixada a um nível demasiado baixo, partindo do princípio de que estas são per se abusivas ou exigindo pouco mais do que uma afirmação vaga ou teórica de que produzem efeitos anticoncorrenciais, há o risco de paralisar os esforços legítimos das empresas em posição dominante que competem, talvez «de forma agressiva», mas, não obstante, com base no mérito. Existe, assim, a necessidade de encontrar uma via intermédia entre estes dois extremos.

63.      Entendo, por conseguinte, que as autoridades da concorrência devem demonstrar, de uma forma adaptada às especificidades e factos de cada caso, que determinada prática «tende» a restringir a concorrência no sentido de que tem a capacidade de entravar a concorrência. Assim, deve ser demonstrado que é plausível que a prática prejudica ou prejudicará a concorrência. As afirmações abstratas, hipotéticas ou remotas ou as teorias do prejuízo não serão, portanto, suficientes.

64.      Para determinar se uma prática tem efeitos anticoncorrenciais (potenciais ou plausíveis), considero que esses efeitos devem ser apreciados no momento em que a prática foi efetivamente desenvolvida ou introduzida (42). Uma abordagem do tipo «esperar e ver», que aprecie os efeitos anticoncorrenciais num momento posterior, pode equivaler a introduzir uma norma muito próxima de uma exigência de efeitos anticoncorrenciais reais e concretos e pode colocar demasiado alto a fasquia da prova. Resulta daí, portanto, a meu ver, que o conhecimento efetivo e subsequente ou as reações de terceiros a determinada prática que já foi introduzida também não são, em princípio, relevantes para apreciar se essa prática produz tendencialmente efeitos anticoncorrenciais. Subscrevo integralmente a conclusão do Tribunal Geral, no n.° 377 do acórdão recorrido, de que as «declarações que visem obter de forma irregular direitos exclusivos apenas são constitutivas de um abuso quando se prove que, atento o contexto objetivo em que são proferidas, essas declarações são realmente suscetíveis de levar as autoridades públicas a conceder o direito exclusivo pedido».

65.      Considero, a título preliminar, que a alegação das recorrentes, referida no n.° 55, supra, de que o seu comportamento foi considerado abusivo exclusivamente com base numa análise retrospetiva não deve ser acolhida. Conforme referido no n.° 48 e seguintes, supra, o Tribunal Geral concluiu que os pedidos de CCP em questão eram «caracterizad[os] por uma manifesta falta de transparência» e eram «fortemente enganos[os]», excedendo qualquer interpretação de boa‑fé do direito aplicável.

66.      Também considero que os pedidos de CCP em questão tinham, à data em que foram efetuados, a capacidade de entravar a concorrência. A esse respeito, a circunstância de os CCP efetivamente concedidos apenas terem entrado em vigor passados vários anos, quando as patentes de base já tinham expirado, ou nunca terem sido efetivamente concedidos (43) em certos países não altera o facto de os próprios pedidos terem tido a capacidade de afetar negativamente ou entravar a concorrência devido ao efeito de exclusão dos CCP.

67.      A constatação de um efeito anticoncorrencial não exige que o comportamento abusivo seja bem sucedido (44) ou, em meu entender, que seja bem sucedido num determinado intervalo de tempo, desde que o efeito anticoncorrencial não seja tão remoto que se torne implausível.

68.      Considero que o Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.° 360 do acórdão recorrido, que o facto de certas autoridades públicas não se terem deixado enganar ou de os concorrentes terem obtido a anulação dos CCP não significa que as declarações enganosas não fossem suscetíveis de ter efeito anticoncorrencial no momento em que foram feitas. Considero, portanto, que a alegação da EFPIA referida no n.° 56, supra, deve ser rejeitada. No caso em apreço, se não fosse a intervenção de terceiros, é plausível que os pedidos de CCP tivessem dado origem à concessão dos CCP e provocado a criação de obstáculos regulamentares à concorrência. Contrariamente às alegações das recorrentes perante o Tribunal de Justiça, esta não é uma situação em que o comportamento «só restringiria a concorrência se ocorresse uma série de outras contingências». Pelo contrário, é uma situação claramente mais próxima daquela em que o comportamento restringiria a concorrência, salvo se ocorressem outras contingências (como a intervenção de terceiros) que impedissem que isso acontecesse.

69.      Na minha opinião, a Comissão tem razão ao afirmar que o critério adicional proposto pelas recorrentes, de «conhecimento por parte dos concorrentes», introduziria um elemento subjetivo no conceito de abuso de posição dominante que é incompatível com a sua natureza objetiva. Além disso, e conforme indicado pela Comissão, uma vez que a empresa em posição dominante pode não ter a possibilidade de saber se os seus concorrentes têm conhecimento do seu comportamento, essa exigência também seria contrária à segurança jurídica.

70.      No que respeita às referências ao direito americano pelas recorrentes, basta dizer que o direito americano não é relevante no contexto do presente processo, que tem por objeto a aplicação do artigo 102.° TFUE. Portanto, o Tribunal Geral decidiu corretamente, no n.° 368 do acórdão recorrido, que a posição adotada pelo direito americano não pode determinar a posição adotada pela União Europeia. Em todo o caso, considero que o nível da prova dos efeitos anticoncorrenciais defendido pelas recorrentes, por analogia com o direito americano, não deve ser aceite. A este respeito, as recorrentes observam, nas suas alegações, citando uma decisão de um tribunal distrital (federal) dos Estados Unidos da América (45), que, como «princípio geral, a simples obtenção de uma patente mediante fraude, sem tentativa subsequentemente de utilização, não constitui uma violação do direito da concorrência». Em primeiro lugar, como referi no n.° 50, a exigência de fraude constitui uma tentativa indesejável de aplicar padrões probatórios do processo penal num domínio que não tem essa natureza. Em segundo lugar, a exigência de efeitos anticoncorrenciais potenciais ou plausíveis garante que o artigo 102.° TFUE crie meios de dissuasão suficientes para impedir o abuso de posição dominante, impedindo simultaneamente a aplicação estereotipada ou per se dessa disposição, que teria o risco de paralisar a concorrência pelo mérito. Considero, portanto, que a exigência de uma tentativa de aplicação subsequente se aproxima claramente da exigência de demonstração de efeitos anticoncorrenciais efetivos. Assim, tal exigência coloca demasiado alto a fasquia da prova em relação aos efeitos anticoncorrenciais e apresenta o risco de diminuir consideravelmente o efeito dissuasor do artigo 102.° TFUE. Considero que o Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.° 362 do acórdão recorrido, que não havia necessidade de que os CCP fossem efetivamente aplicados porque «[a] simples detenção de um direito exclusivo por uma empresa tem normalmente como consequência afastar os concorrentes, sendo estes obrigados a respeitar, em virtude da regulamentação pública, esse direito exclusivo».

71.      Entendo, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça deve julgar improcedente o presente fundamento.

C —    Terceiro grupo: segundo abuso de posição dominante

72.      As recorrentes invocam dois fundamentos de recurso relativos ao segundo abuso de posição dominante.

1.      Primeiro fundamento: concorrência baseada no mérito

a)      Argumento

73.      As recorrentes alegam que o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de «concorrência baseada no mérito» ao considerar que o simples exercício de um direito conferido pelo direito da União é incompatível com essa concorrência. O direito de obter a revogação da autorização de colocação no mercado não pode, logicamente, ser concedido e, ao mesmo tempo, proibido pela União Europeia. As recorrentes sustentam, nesse contexto, que a regulamentação da União no domínio farmacêutico confere ao titular de uma autorização de colocação no mercado o direito de pedir a revogação dessa autorização, tal como o direito de não a renovar quando estiver prestes a caducar. A própria Comissão e também os advogados‑gerais A. La Pergola e L. A. Geelhoed reconheceram expressamente nos processos Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker (46) e Ferring (47) que o proprietário pode exercer esse direito a todo o tempo, sem estar obrigado a indicar quaisquer razões e a ter em conta os interesses dos fabricantes de produtos genéricos e dos importadores paralelos. Estes princípios também resultam do acórdão proferido no processo Ferring.

74.      As recorrentes salientam, a esse respeito, que a existência de uma autorização de colocação no mercado impõe obrigações de farmacovigilância rigorosas e custos permanentes, que é legítimo eliminar se o produto autorizado deixar de ser comercializado. Exigir que a empresa em posição dominante seja privada do direito de obter a revogação e obrigada a manter em vigor uma autorização de que já não necessita e, portanto, a desenvolver esforços e incorrer em despesas e a assumir uma responsabilidade em termos de saúde pública pela exatidão das informações que fornece, sem qualquer recompensa da parte dos seus concorrentes, seria levar demasiado longe a responsabilidade especial das empresas em posição dominante. Acresce que essa revogação também não impediria as importações paralelas ou a comercialização dos produtos genéricos já existentes no mercado.

75.      As recorrentes acusam ainda o Tribunal Geral de não ter fundamentado suficientemente, no n.° 677 do acórdão recorrido, a sua conclusão de que a ilegalidade de um comportamento abusivo à luz do artigo 102.° TFUE nada tem a ver com a sua conformidade com outras regras jurídicas. Assim, o Tribunal Geral devia ter explicado de que modo o exercício pela AZ de um direito legítimo constituía, neste caso, um abuso. Além disso, a própria regulamentação da União no domínio farmacêutico procura conciliar o incentivo à inovação com a proteção da concorrência. As recorrentes defendem ainda que o Tribunal Geral identificou como abuso um comportamento diferente daquele que foi identificado pela Comissão e, ao fazê‑lo, ultrapassou as suas competências.

76.      A Comissão observa, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral concluiu que a intenção da AZ ao revogar as autorizações de colocação no mercado foi impedir a introdução de produtos genéricos e as importações paralelas e que não havia nenhuma justificação objetiva para o seu comportamento. Em seguida, observa que as recorrentes deturparam tanto a posição da Comissão como a do Tribunal Geral. A Comissão alega que o simples facto de a Diretiva 65/65/CEE não impor nenhuma condição quanto à possibilidade de o titular da autorização de colocação no mercado pedir a revogação da autorização de um produto não significa que exista um direito a favor desse titular que seja digno de proteção. Além disso, há uma diferença significativa entre permitir que uma autorização caduque sem pedir a sua renovação e pedir a sua revogação antes de expirar o respetivo prazo de validade de modo a criar obstáculos à entrada no mercado de produtos genéricos e de importações paralelas. A decisão impugnada não estabelece obrigações positivas, mas concluiu que uma série de ações era abusiva. A Comissão sustenta que a ilegalidade de um comportamento abusivo à luz do artigo 102.° TFUE resulta das consequências que o mesmo pode ter para a concorrência e nada tem a ver com a sua conformidade com outras regras jurídicas. Além disso, como a Diretiva 65/65/CEE não foi adotada com base nas normas de concorrência de direito primário, não prossegue o mesmo objetivo que o artigo 102.° TFUE.

b)      Apreciação

77.      No que diz respeito à alegada divergência entre a Comissão e o Tribunal Geral sobre o comportamento relevante que constituiu o segundo abuso (48), considero que resulta claramente do n.° 789 da decisão impugnada que a Comissão considerou que esse abuso se referia aos pedidos seletivos da AZ de revogação da autorização das cápsulas de Losec na Dinamarca, Noruega e Suécia, combinados com a substituição das cápsulas de Losec pelos comprimidos de Losec MUPS. No n.° 792 da decisão impugnada, a Comissão refere que os atos individuais relativos ao lançamento, à retirada ou aos pedidos de revogação da autorização de um medicamento não são normalmente considerados abusos. Porém, a Comissão sublinhou claramente, no n.° 793 da decisão impugnada, que não defendia que o lançamento de uma nova formulação de Losec (Losec MUPS) e/ou a retirada das cápsulas de Losec constituíssem, enquanto tais, um abuso. Entendo, portanto, que o Tribunal Geral afirmou corretamente, no n.° 807 do acórdão recorrido, que o elemento central do segundo abuso consiste na revogação das autorizações de colocação no mercado das cápsulas de Losec, constituindo a migração das vendas destas cápsulas para o Losec MUPS o contexto em que operaram as revogações das autorizações de colocação no mercado. Assim, a Comissão e o Tribunal Geral concordam que, embora o abuso de posição dominante consista na revogação das autorizações de colocação no mercado, o contexto em que se verificou esse abuso não é irrelevante. Essa abordagem é, a meu ver, totalmente coerente com uma apreciação caso a caso do abuso de posição dominante, que tem em conta o quadro factual e regulamentar em que determinada prática é levada a cabo e que evita uma metodologia estereotipada.

78.      As recorrentes alegam que tinham o direito ilimitado de pedir a revogação da sua própria autorização de colocação no mercado e baseiam‑se, em grande medida, nos acórdãos Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker (49) e Ferring (50) e, em especial, nas conclusões dos advogados‑gerais e nos argumentos da Comissão apresentados nesses processos. Há que salientar que o presente processo tem por objeto a aplicação do artigo 102.° TFUE e não há qualquer referência a essa disposição ou, de facto, a quaisquer regras em matéria de concorrência estabelecidas pelo Tratado nos acórdãos ou nas conclusões dos advogados‑gerais acima referidos, que tinham por objeto, respetivamente, a aplicação da Diretiva 65/65/CEE, conforme alterada, e as regras da livre circulação de mercadorias. Assim, quaisquer afirmações contidas nesses acórdãos ou conclusões dos advogados‑gerais ou, mesmo, quaisquer argumentos da Comissão não podem ser lidos fora do contexto e transformados em afirmações gerais necessariamente aplicáveis, inter alia, aos processos respeitantes ao artigo 102.° TFUE. Embora uma empresa farmacêutica seja livre, de acordo com a Diretiva 65/65/CEE, de renunciar à autorização de colocação no mercado, tal não significa que esse comportamento não possa ser objeto da fiscalização nos termos de outras regras do direito da União, incluindo o artigo 102.° TFUE. Além disso, o facto de a Diretiva 65/65/CEE estabelecer um quadro regulamentar da União e não um quadro nacional, ou de as disposições dessa diretiva poderem indiretamente promover, inter alia, a concorrência na União, não altera esta análise nem ratifica o que seria, efetivamente, a não aplicação do artigo 102.° TFUE. Devo acrescentar que, sendo a base jurídica da Diretiva 65/65/CEE o artigo 100.° CE (atual artigo 114.°, n.° 1, TFUE), as regras dessa diretiva de harmonização não podem prevalecer sobre a aplicação do artigo 102.° TFUE. Além disso, resulta claramente do preâmbulo da referida diretiva que o seu objetivo essencial é a proteção da saúde pública, eliminando simultaneamente as disparidades entre determinadas disposições nacionais que entravam o comércio de medicamentos na União. Portanto, a Diretiva 65/65/CEE não prossegue essencialmente os mesmos objetivos que o artigo 102.° TFUE, conforme alegado pelas recorrentes.

79.      Concordo, portanto, totalmente, não só com a conclusão do Tribunal Geral no n.° 677 do acórdão recorrido, mas também com a suficiência da sua fundamentação. A circunstância, de a AZ ter o direito de pedir a revogação das suas autorizações de colocação no mercado para as cápsulas Losec não é de todo suscetível de isentar esse comportamento da proibição prevista no artigo 102.° TFUE. Como salientou a Comissão nos seus articulados, a ilegalidade de um comportamento abusivo à luz do artigo 102.° CE nada tem a ver com a sua conformidade com outras regras jurídicas.

80.      Importa observar que a decisão impugnada e o acórdão recorrido se referem a diligências ativas realizadas pela AZ para revogar as autorizações de colocação no mercado. Assim, não é possível estabelecer nenhum paralelo, conforme alegado pelas recorrentes, entre os factos específicos do caso em apreço e a caducidade de uma autorização de colocação no mercado após um período de cinco anos. A decisão impugnada e o acórdão recorrido não se referem a uma obrigação positiva da AZ de renovar uma autorização de colocação no mercado caducada ou em vias de caducar. No que diz respeito às alegações das recorrentes respeitantes às obrigações de farmacovigilância, devem, em meu entender, ser julgadas improcedentes, à luz das conclusões de facto claras contidas nos n.os 688 a 694 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral constatou que as obrigações de farmacovigilância que incumbiam à AZ na Dinamarca, Noruega e Suécia não eram particularmente onerosas e, portanto, não constituíam uma justificação objetiva para os pedidos de revogação das autorizações de colocação no mercado do Losec nesses países.

81.      Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar improcedente o presente fundamento de recurso.

2.      Segundo fundamento: conduta que tende a restringir a concorrência

a)      Argumento

82.      As recorrentes sustentam que o Tribunal Geral não teve em conta os requisitos de uma distorção da concorrência ao considerar que o simples exercício de um direito legítimo conferido pelo direito da União tendia a restringir a concorrência. O exercício desse direito só poderia, em princípio, constituir um abuso em circunstâncias excecionais, nomeadamente se houvesse eliminação da concorrência efetiva. Deveria estabelecer‑se uma analogia com o que acontece nos casos de licenciamento obrigatório, como o que foi tratado no acórdão de 29 de abril de 2004, IMS Health (51). Essa analogia é justificada não só em virtude da expropriação efetiva do direito a obter a revogação da autorização de colocação no mercado mas também em virtude do facto de a proibição de revogação constituir uma forma de licenciamento obrigatório.

83.      Além disso, ao contrário do que o Tribunal Geral indicou no n.° 830 do acórdão recorrido, a AZ ainda gozava de direitos exclusivos sobre os dados clínicos, que permaneciam confidenciais, mesmo depois de ter expirado o período de exclusividade conferido pela Diretiva 65/65/CEE. Esta diretiva não contém nenhuma obrigação para as empresas que fornecem informações confidenciais de partilharem essas informações com os seus concorrentes, o que é confirmado pelo parecer emitido pelo Parlamento Europeu no âmbito dos trabalhos preparatórios da Diretiva 87/21/CEE do Conselho, de 22 dezembro 1986, que altera a Diretiva 65/65/CEE (52).

84.      Resulta daí que, ao contrário do que o Tribunal Geral afirmou nos n.os 817 e 829 do acórdão recorrido, no presente processo, não basta demonstrar que a revogação da autorização de colocação no mercado tornou a concorrência «mais difícil», mas também deve ser demonstrado que a revogação teve um efeito desproporcionado na concorrência.

85.      No entender das recorrentes, a concorrência das empresas de medicamentos genéricos não foi eliminada. De facto, não foi substancialmente afetada. A renúncia à autorização de colocação no mercado não eliminou o direito das empresas de medicamentos genéricos já existentes no mercado de continuarem a comercializar os seus produtos. Em relação aos medicamentos genéricos que ainda não tinham entrado no mercado, havia diversas vias para aceder ao mercado, para além do procedimento simplificado previsto no artigo 4.°, n.° 8, alínea a), iii), da Diretiva 65/65/CEE. Existiam «soluções alternativas» realistas, mesmo que fossem «menos vantajosas» (53).

86.      As recorrentes também alegam que a parte da decisão impugnada relativa ao segundo abuso e às importações paralelas devia ter sido anulada na medida em que também se aplicava à Suécia. O eventual entrave à concorrência na Suécia foi causado pela aplicação incorreta do direito da União pela autoridade sueca, pois o Tribunal de Justiça já declarou que os artigos 28.° CE e 30.° CE se opõem a que a revogação da autorização de colocação de um produto farmacêutico no mercado implique, por si só, a revogação da autorização de importação paralela, na ausência de um risco para a saúde (54).

87.      A Comissão sustenta que, com os seus argumentos relativos ao «licenciamento obrigatório», as recorrentes se limitaram a reiterar os argumentos que já tinham apresentado na primeira instância, sem indicar os motivos pelos quais a análise desses argumentos pelo Tribunal Geral estava viciada. Esta argumentação é, portanto, inadmissível.

88.      A Comissão também observa, neste contexto, que a existência de uma autorização de colocação no mercado original apenas permite às autoridades farmacêuticas — para efeitos de autorização de outro medicamento ao abrigo do procedimento simplificado — a remissão para um dossiê já na sua posse. Uma vez que as recorrentes perderam o direito exclusivo de utilização das informações contidas no dossiê do medicamento original, não se coloca a questão da concessão de uma «licença obrigatória» aos produtores de medicamentos genéricos. Mesmo admitindo‑se que o dossiê continha «informações comerciais confidenciais», a aplicação do procedimento simplificado não interferiria, de forma alguma, com essa confidencialidade, uma vez que a autoridade farmacêutica nunca tornaria públicas essas informações nem as revelaria ao segundo requerente. Portanto, a constatação do segundo abuso não tem como consequência conceder aos concorrentes acesso aos dados da AZ. É claro que, nessas circunstâncias, a jurisprudência relativas aos «recursos essenciais» é irrelevante.

b)      Apreciação

89.      À luz das minhas conclusões nos n.os 79 e 80, supra, não creio que o facto de a revogação da autorização de colocação no mercado poder ser admitida nos termos da Diretiva 65/65/CEE isente esse comportamento da fiscalização nos termos do artigo 102.° TFUE. Além disso, o direito de obter a revogação de uma autorização de colocação no mercado não é, de forma alguma, semelhante a um direito de propriedade, mas constitui apenas uma opção que está disponível para as empresas nos termos da Diretiva 65/65/CEE. A aplicação do artigo 102.° TFUE não constitui, a meu ver, uma expropriação efetiva do direito de obter a revogação da autorização de colocação no mercado, conforme alegado pelas recorrentes. Assim, a exigência da eliminação da concorrência efetiva, como acontece nos processos relativos a uma licença obrigatória, não deve aplicar‑se no presente processo.

90.      As recorrentes também basearam as suas alegações sobre a exigência de uma eliminação da concorrência efetiva na premissa de que AZ gozava direitos de propriedade sobre os seus dados clínicos. Invocam ainda a natureza confidencial das informações. Na minha opinião, esta premissa é infundada.

91.      Resulta claramente dos n.os 668 e 680 do acórdão recorrido, não impugnados pelas recorrentes, que, após o período de seis ou dez anos a contar da emissão da primeira autorização de colocação no mercado, a Diretiva 65/65/CEE já não reconhece ao titular de uma especialidade farmacêutica original o direito exclusivo de explorar os resultados dos ensaios tóxico‑farmacológicos e clínicos incluídos no processo. Ao invés, essas informações podem ser tidas em conta pelas autoridades nacionais na concessão de autorizações de colocação no mercado para produtos essencialmente semelhantes, no quadro do procedimento simplificado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, n.° 8, segundo parágrafo, alínea a), iii), da mesma diretiva. A meu ver, o Tribunal Geral entendeu corretamente, no n.° 681 do acórdão recorrido, que os eventuais direitos da AZ sobre as informações em causa estavam limitados pela referida disposição na data relevante.

92.      Assim, apesar do facto de as informações confidenciais em causa não terem sido disponibilizadas diretamente a outras empresas, a Diretiva 65/65/CEE «criou uma exceção à confidencialidade de que podia beneficiar a AZ, na medida em que esta disposição dispensava o recorrente ulterior, em condições específicas, da obrigação de apresentar o seu próprio processo de informações», tal como indicaram as próprias recorrentes no recurso interposto no Tribunal Geral (55).

93.      À luz das considerações anteriores, entendo que, no n.° 830 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito, conforme alegado pelas recorrentes, ao afirmar que a «AZ já não gozava do direito exclusivo de explorar os resultados dos ensaios tóxico‑farmacológicos e clínicos» uma vez que não podia impedir as autoridades nacionais de se basearem nos dados em questão no procedimento simplificado (56). Considero, portanto, que as recorrentes não demonstraram que tivesse sido expropriado algum direito de propriedade da AZ ou que tivesse sido concedida uma licença obrigatória aos concorrentes da AZ (57) em virtude da aplicação do artigo 102.° TFUE na decisão impugnada.

94.      Acresce que, a meu ver, o acórdão IMS Health (58) não é de forma alguma aplicável, porquanto o presente processo não tem por objeto, inter alia, a recusa de uma empresa em posição dominante de fornecer acesso ou informação relativa à licença, indispensável para permitir a um potencial concorrente o acesso ao mercado em que a empresa titular do referido direito ocupa uma posição dominante. É manifesto que a decisão impugnada não impõe à AZ que ceda um elemento do ativo ou que celebre contratos com pessoas com quem não teria escolhido fazê‑lo (59).

95.      As condições extremamente rigorosas impostas nos casos da «instalação essencial», que são, por natureza, excecionais e que exigem, portanto, inter alia, a demonstração da eliminação da concorrência (60), não podem ser extrapoladas para as circunstâncias e factos do presente processo com os quais nada têm a ver.

96.      Nos seus articulados, as recorrentes também indicaram provas destinadas a demonstrar que, no período compreendido entre janeiro e fevereiro de 2003, quatro empresas de medicamentos genéricos lançaram as suas cápsulas de omeprazol genérico na Suécia. Além disso, a AZ apresenta provas de que as empresas de medicamentos genéricos podiam facilmente ter obtido a autorização de colocação no mercado de uma versão genérica das cápsulas através do procedimento relativo à literatura publicada. Uma vez que os recursos estão limitados às questões de direito, o Tribunal de Justiça não pode reapreciar os factos sem que tenha sido alegado que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova. Ora, as recorrentes não alegaram que a prova em questão tivesse sido desvirtuada. A meu ver, o presente fundamento de recurso, na medida em que pede a reapreciação dos factos em causa é, portanto, inadmissível.

97.      Entendo que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir que o comportamento (a revogação das autorizações de colocação no mercado) tinha o necessário efeito anticoncorrencial nos termos do artigo 102.° TFUE, relativamente à comercialização de produtos genéricos na Dinamarca, Noruega e Suécia. O Tribunal Geral concluiu, no n.° 833 do acórdão recorrido, que o procedimento baseado na literatura publicada ou ainda o procedimento híbrido exigiam a observância de requisitos que iam além dos que são exigidos pelo procedimento referido no artigo 4.°, n.° 8, alínea a), iii), da Diretiva 65/65/CEE. O Tribunal Geral concluiu que estes outros procedimentos eram mais onerosos para os fabricantes de produtos genéricos e duravam necessariamente mais tempo do que o procedimento simplificado. A revogação das autorizações de colocação no mercado permitiram, assim, à AZ adiar, pelo menos temporariamente, a pressão concorrencial importante que os produtos genéricos exerciam sobre ela. O Tribunal Geral considerou que, atendendo aos volumes de vendas em causa, qualquer adiamento da entrada de produtos genéricos no mercado seria significativo para a AZ (61). Ao contrário do alegado pelas recorrentes, considero que o adiamento em questão é importante e suficiente para a revogação da autorização de colocação no mercado impedir, através de meios diferentes daqueles que regem uma competição normal de produtos ou serviços com base em prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento desta concorrência.

98.      Quanto ao critério correto a aplicar às importações paralelas, no que diz respeito à Suécia, resulta claramente do n.° 862 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral concluiu que a agência sueca dos produtos farmacêuticos (SMPA) considerava que as autorizações de importações paralelas só podiam ser concedidas na presença de autorizações de colocação no mercado válidas (62) e que esta agência revogou as autorizações de importação na sequência da revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec. O Tribunal Geral concluiu, portanto, que a revogação das autorizações de colocação no mercado era suscetível de constituir um entrave às importações paralelas.

99.      O facto de a prática das autoridades suecas ser contrária ao direito da União, conforme alegado pelas recorrentes e, efetivamente, esclarecido pelo Tribunal de Justiça em acórdãos posteriores (63), não põe em causa, em meu entender, o facto de que era plausível, à data da revogação pela AZ das autorizações de colocação no mercado em causa, e à luz da prova documental da prática dessas autoridades, que a revogação tivesse o efeito de impedir o comércio paralelo na Suécia.

100. Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar o presente fundamento de recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

D —    Quarto grupo: coima

1.      Argumento

101. Neste fundamento, que se divide em duas partes, as recorrentes alegam que o montante da coima que lhes foi aplicada é excessivo.

102. As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral devia ter reduzido o montante da coima, com o fundamento de que os abusos eram novos. No presente processo, as regras concorrenciais relativas aos abusos nunca tinham sido estabelecidas, o que, de acordo com o acórdão AKZO/Comissão (64), justifica a aplicação de uma coima simbólica. Pelos motivos descritos no contexto do seu fundamento relativo ao primeiro abuso e à inexistência de falta de concorrência baseada no mérito (65), as recorrentes contestam a análise efetuada pelo Tribunal Geral segundo a qual as práticas que constituíram o primeiro abuso eram manifestamente contrárias à concorrência baseada no mérito, motivo pelo qual fora excluída a redução da coima de modo a ter em conta a novidade dessas práticas. As recorrentes consideram que o acórdão Michelin/Comissão (66), no qual o Tribunal Geral baseou a sua análise, não é aplicável porque diz respeito a um cenário completamente diferente. Quanto ao segundo abuso, as recorrentes alegam que é inédito descrever como abusivo o exercício de um direito da União e, além disso, que o facto do pedido da AZ de revogação da sua autorização de colocação no mercado ser permitido ao abrigo do direito farmacêutico da União devia ser considerado uma circunstância atenuante que justificava a redução da coima.

103. No contexto da segunda parte deste fundamento, as recorrentes sustentam que a inexistência de efeitos anticoncorrenciais é um fator que o Tribunal Geral devia tomar em consideração na revisão do montante da coima. Invocam, a esse respeito, os acórdãos T‑Mobile Netherlands e o. (67) e ARBED/Comissão (68). Assim, no que se refere ao primeiro abuso, não houve efeitos anticoncorrenciais na Dinamarca e no Reino Unido porque os CCP não foram concedidos. Na Alemanha, embora tenha sido concedido um CCP, este foi revogado muito antes de entrar em vigor, pelo que não podia ter afetado a concorrência. Além disso, não há provas de que a concorrência tenha sido efetivamente limitada na Noruega, nos Países Baixos e na Bélgica. No que diz respeito ao segundo abuso, existem poucas provas concretas de que tenha produzido quaisquer efeitos restritivos.

104. A Comissão sustenta que este fundamento é inadmissível, uma vez que tem por objetivo obter uma reapreciação geral das coimas. Assim, não compete ao Tribunal de Justiça, em processos de recurso, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal Geral, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido ao facto de terem violado o direito da concorrência. Acresce que o Tribunal Geral examinou corretamente todos os elementos relevantes para o cálculo da coima, incluindo a alegada novidade dos abusos e a alegada inexistência de efeitos.

2.      Apreciação

105. No que diz respeito à questão de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, é jurisprudência assente que não compete ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal Geral, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido ao facto de terem violado o direito da União (69). Entendo que o presente fundamento de recurso não é inadmissível porque as recorrentes não se limitam a pedir, conforme alegado pela Comissão, uma reapreciação geral das coimas impostas. Pelo contrário, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral não apreciou de uma forma juridicamente correta a novidade das violações em questão e os efeitos dessas violações para efeitos de cálculo das coimas. Entendo, por conseguinte, que o presente fundamento de recurso é admissível.

106. Quanto à questão da novidade, resulta do n.° 901 do acórdão recorrido e da referência feita pelo Tribunal Geral, no n.° 903 desse acórdão, ao n.° 908 da decisão impugnada que o Tribunal Geral e, com efeito, a Comissão consideraram que os abusos em questão eram novos.

107. De qualquer forma, essas considerações mostram claramente que o Tribunal Geral entendeu que os abusos eram novos quanto aos meios utilizados (70) e que, nesse ponto específico e limitado, não estavam claramente definidos.

108. A alegação pelas recorrentes de que a novidade dos abusos justifica a aplicação de uma multa simbólica deve, a meu ver, ser rejeitada. Essa alegação ignora totalmente o facto de que, embora os meios utilizados fossem novos porque não havia nenhuma decisão da Comissão ou acórdão do Tribunal de Justiça sobre um comportamento que os tivesse utilizado, a essência dos abusos em questão não era nova e afastava‑se claramente da concorrência baseada no mérito (71). Considero que o Tribunal Geral concluiu acertadamente, ao examinar a essência dos abusos em questão (72), que esses abusos eram violações graves. No acórdão Deutsche Telekom/Comissão, o Tribunal de Justiça declarou, quanto à questão de saber se as infrações tinham sido cometidas deliberadamente ou por negligência e eram, por isso, puníveis com coima, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa condição está preenchida quando a empresa em causa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, tenha ou não tido consciência de que violava as normas de concorrência do Tratado (73). Considero que o Tribunal Geral evocou, corretamente, no n.° 901 do acórdão recorrido, o n.° 107 do acórdão Michelin I (74) e concluiu que a AZ não podia ser isenta da responsabilidade pelo pagamento de coimas. A AZ devia ter calculado que os abusos em questão seriam abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 102.° TFUE, embora a Comissão ou o Tribunal de Justiça ainda não tivessem examinado um comportamento que utilizasse os mesmos meios ou métodos (75). Além disso, a alegação das recorrentes deve ser julgada improcedente por motivos políticos. Uma abordagem desse tipo, que privilegia a forma em relação ao conteúdo, prejudica, a meu ver, o papel dissuasor das coimas por violações do direito da concorrência.

109. No que diz respeito à alegação das recorrentes relativa às circunstâncias atenuantes e ao facto de a revogação pela AZ da autorização de colocação no mercado ser permitida nos termos da Diretiva 65/65/CEE, considero que o Tribunal Geral considerou corretamente, no n.° 914 do acórdão recorrido, que as recorrentes apresentam novamente argumentos já tidos em conta na fase da análise do abuso da posição dominante ou da apreciação da gravidade da infração. Além disso, não pode ser estabelecido um paralelo entre as circunstâncias do processo Deutsche Telekom/Comissão (T‑271/03) (76), que conduziram a uma redução da coima em 10%, e o facto de a Diretiva 65/65/CEE não impedir a revogação de autorizações de colocação no mercado. No acórdão Deutsche Telekom/Comissão, o Tribunal Geral entendeu que a Comissão tinha utilizado corretamente a sua margem de apreciação na fixação de coimas, ao considerar que a intervenção repetida, ativa e específica de uma autoridade reguladora nacional na fixação dos preços da Deutsche Telekom, no setor das telecomunicações, e o exame por essa autoridade reguladora da questão de saber os preços da Deutsche Telekom conduziam a uma compressão das margens justificavam uma redução da coima em 10% (77).

110. Quanto à alegação de que o Tribunal Geral não reduziu a coima tendo em conta os efeitos mínimos, entendo que o Tribunal Geral concluiu, no n.° 902 do acórdão recorrido, que as práticas relativas ao primeiro e ao segundo abusos eram fortemente anticoncorrenciais, uma vez que podiam afetar a concorrência de forma importante. Considero, portanto, que o Tribunal Geral concluiu corretamente, nos n.os 902 e 911 do acórdão recorrido, que, para a fixação do montante da coima, os elementos relativos ao objeto de um comportamento podem ter mais importância do que os relativos aos seus efeitos (78). Além disso, resulta claramente dos autos que os efeitos reais do primeiro abuso foram limitados, por exemplo na Dinamarca e no Reino Unido, devido à intervenção de terceiros. Seria descabido que as recorrentes retirassem um benefício dessa intervenção. Além disso, o papel dissuasivo do artigo 102.° TFUE seria, em grande medida, prejudicado se fosse adotada tal abordagem (79).

111. Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar improcedente o presente fundamento de recurso.

V —    Recurso subordinado da EFPIA

112. A EFPIA apresentou dois fundamentos para o seu recurso subordinado, relativos à existência de uma posição dominante. Alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, em primeiro lugar, ao não considerar devidamente o papel do Estado enquanto comprador único e, em segundo lugar, ao concluir que os direitos de propriedade intelectual da AZ, o estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e o seu poder financeiro constituíam elementos de prova da posição dominante da AZ.

113. Antes de examinar, em pormenor e individualmente, estes dois fundamentos de recurso, observo, a título preliminar, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora o significado das quotas de mercado possa ser diferente consoante os mercados, a posse ao longo do tempo de uma quota de mercado extremamente importante constitui, por si só, e salvo circunstâncias excecionais, a prova da existência de uma posição dominante (80). Acresce que uma quota de mercado de 70% a 80% constitui, só por si, um indício claro da existência de uma posição dominante (81).

114. Resulta de forma evidente dos n.os 245 a 254 do acórdão recorrido, que o Tribunal Geral considerou que a conclusão da Comissão no sentido da existência de uma posição dominante se baseou, em grande medida, na detenção pela AZ, durante todo o período relevante no conjunto dos países em causa, de quotas de mercado geralmente muito significativas, sem qualquer comparação com as dos seus concorrentes, que garantiram, assim, que a AZ nunca tivesse deixado de ser o primeiro operador no mercado dos IPP (82). O Tribunal Geral também referiu, no n.° 244 do acórdão recorrido, que a Comissão não baseou, acertadamente, a sua conclusão da existência de uma posição dominante da AZ apenas nas quotas de mercado, mas também examinou outros fatores. Os outros fatores tomados em consideração na decisão impugnada e confirmados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido incluíram, inter alia, os níveis de preços praticados em relação ao Losec, bem como a existência e utilização de direitos de propriedade intelectual, o estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e o poder financeiro da AZ.

115. Tendo em conta a jurisprudência sobre o valor probatório das quotas de mercado elevadas indicada no n.° 113, supra, considero que os fundamentos de recurso da EFPIA respeitantes ao papel do Estado enquanto comprador único bem como aos direitos de propriedade intelectual, ao estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e ao poder financeiro da AZ, mesmo que tenham sido confirmados, só não serão ineficazes se puserem em causa a validade da apreciação geral de uma posição dominante efetuada pela Comissão e confirmada pelo Tribunal Geral, que se baseia em grande medida na quota de mercado.

116. Uma vez que considero que os dois fundamentos de recurso da EFPIA devem ser julgados improcedentes não é necessário, no caso vertente, examinar a eficácia destes dois fundamentos relativamente às constatações gerais da posição dominante.

A —    Erro de direito em relação ao papel do Estado — poder de monopsónio

1.      Argumento

117. A EFPIA considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não apreciar se a quota de mercado elevada da AZ lhe permitia agir de forma independente dos seus concorrentes e clientes ou, pelo contrário, se o papel do Estado enquanto comprador único dos medicamentos sujeitos a receita médica e, simultaneamente, enquanto regulador dos preços excluía ou, pelo menos, atenuava o alegado poder de mercado da AZ.

118. O Tribunal Geral limitou‑se a confirmar, [nos n.os 256 e] 257 do acórdão recorrido, as conclusões da Comissão de que, em primeiro lugar, as empresas farmacêuticas que oferecem pela primeira vez no mercado produtos com um grande valor acrescentado no plano terapêutico em resultado do seu caráter inovador podem obter das autoridades públicas preços ou níveis de reembolso superiores aos dos produtos existentes e, em segundo lugar, de que as empresas farmacêuticas têm poder negocial porque os preços ou os níveis de reembolso dos medicamentos são fixados pelas autoridades públicas na sequência de uma concertação com essas empresas. De facto, nenhuma destas conclusões é suficiente para apoiar a alegação de que a AZ podia agir de forma independente no âmbito de um mercado intensivamente regulamentado em termos de preços e onde havia uma forte concorrência em termos de inovação. O Tribunal Geral também não analisou em que medida o poder negocial das empresas farmacêuticas lhes dava vantagem sobre o poder negocial do Estado.

119. Decorre, além disso, da conclusão do Tribunal Geral nos n.os 191 e 262 do acórdão recorrido que, em primeiro lugar, a sensibilidade dos médicos e dos doentes às diferenças de preços é limitada devido ao papel importante da eficácia terapêutica e, em segundo lugar, sendo o custo dos medicamentos total ou largamente coberto pelos sistemas de segurança social, esse preço terá um impacto limitado no número de receitas de Losec e, portanto, na quota de mercado da AZ. Por conseguinte, ao contrário da conclusão do Tribunal Geral no n.° 261 desse acórdão, não é possível retirar nenhuma conclusão significativa relativamente ao poder de mercado que pode decorrer do facto de a AZ ter conseguido manter quotas de mercado superiores às dos seus concorrentes ao mesmo tempo que praticava preços superiores.

120. A Comissão sustenta que este fundamento é inadmissível, uma vez que a EFPIA se limita a pedir ao Tribunal de Justiça a reapreciação das conclusões de facto do Tribunal Geral. Além disso, os argumentos apresentados no contexto deste fundamento, que já foram corretamente examinados pelo Tribunal Geral nos n.os 258 a 268 do acórdão recorrido, são infundados e constituem uma tentativa de negar a própria possibilidade da existência de uma posição dominante nos mercados dos medicamentos sujeitos a receita médica.

2.      Apreciação

121. No que diz respeito à questão da inadmissibilidade suscitada pela Comissão, entendo que a EFPIA não contesta os factos apurados pelo Tribunal Geral, mas antes as inferências jurídicas retiradas desses factos e, concretamente, a utilização ou não desses factos em apoio da conclusão da existência de uma posição dominante da AZ. O presente fundamento de recurso é, assim, a meu ver, admissível.

122. Quanto à substância do presente fundamento de recurso, há que referir que decorre de jurisprudência constante que a posição dominante a que se refere o artigo 102.° TFUE diz respeito a uma posição de poder económico detida por uma empresa, que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa e comportar‑se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (83).

123. A EFPIA não contesta a afirmação de que a AZ conseguiu manter quotas de mercado bem superiores às dos seus concorrentes, ao mesmo tempo que praticava preços superiores aos dos outros IPP (84). A EFPIA afirma, no entanto, que, devido à falta de elasticidade da procura, o preço tem um impacto limitado nesta última e, consequentemente, na quota de mercado. Em meu entender, esta afirmação é completamente vaga e abstrata e não demonstra que o Tribunal Geral tenha errado, no n.° 262 do acórdão recorrido, ao concluir que os sistemas de saúde tendem a sustentar o poder de mercado das empresas farmacêuticas devido à falta de elasticidade da procura. Em contrapartida, o Tribunal Geral adaptou a sua análise e constatações de falta de elasticidade às especificidades da situação particular do omeprazol e afirmou que quando uma empresa farmacêutica é a primeira a colocar no mercado um produto inovador consegue obter das autoridades públicas um preço superior ao de produtos semelhantes que tenham apenas um valor acrescentado limitado no plano terapêutico (85). Acresce que a EFPIA não contestou a conclusão do Tribunal Geral relativa aos esforços de redução das despesas de saúde desenvolvidos pelas autoridades públicas para compensar a pouca sensibilidade dos médicos prescritores e dos pacientes aos preços (86). Resulta daí que, como essas autoridades eram sensíveis aos preços, o Tribunal Geral não errou ao afirmar que o preço podia ser um critério relevante na avaliação do poder de mercado em determinadas circunstâncias (87).

124. Além disso, ao contrário do alegado pela EFPIA, o Tribunal Geral examinou de forma detalhada o papel do Estado na qualidade de comprador único no contexto específico do mercado dos IPP e, em especial, do medicamento omeprazol da AZ (88). O Tribunal Geral entendeu, a meu ver acertadamente, que o poder negocial das empresas farmacêuticas varia segundo o valor acrescentado no plano terapêutico dos seus produtos comparativamente com os produtos já existentes. A este respeito, as autoridades nacionais que fixam os níveis de reembolso ou os preços dos medicamentos, por força da sua missão de interesse geral, têm um poder negocial mais limitado em relação a produtos que contribuem de forma significativa para a melhoria da saúde pública. Quanto às especificidades do caso em apreço, o Tribunal Geral concluiu que, visto ter sido a primeira empresa a propor um IPP (89), o omeprazol, cujo valor terapêutico era incontestavelmente superior ao dos produtos existentes no mercado, a AZ conseguiu obter das autoridades públicas um preço superior, e isso não obstante a sensibilidade destas últimas ao preço (90). Em contrapartida, empresas farmacêuticas que se empenhavam na colocação no mercado de outros IPP não conseguiram obter tais preços, na medida em que esses produtos apresentavam um valor acrescentado limitado no plano terapêutico (91). A meu ver, o facto de as empresas farmacêuticas terem interesse em obter o mais rapidamente possível a aprovação do preço e do reembolso não põe em causa o facto de, em determinadas circunstâncias específicas, como o caso do omeprazol acima descrito, uma empresa farmacêutica poder gozar de poder de discussão nas negociações do preço com o Estado. Considero, portanto, ao contrário do alegado pela EFPIA, que o Tribunal Geral analisou efetivamente em que medida o poder negocial das empresas farmacêuticas lhes dava vantagem sobre o poder negocial do Estado.

125. A alegação pela EFPIA de que o Tribunal Geral não tomou em consideração o facto de a AZ ter enfrentado uma forte concorrência em termos de inovação é uma simples afirmação e não encontra qualquer suporte nos autos. Além disso, a alegação pela EFPIA de que o mercado está intensamente regulamentado em termos de fornecimento é, mais uma vez, uma simples afirmação. Seja como for, o facto de o Losec ser um medicamento sujeito a receita médica e de o seu fornecimento estar regulamentado foi tido em conta pelo Tribunal Geral no contexto dos níveis dos preços (92).

126. Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou corretamente que os preços superiores praticados pela AZ constituíam um elemento relevante que indicava que o seu comportamento não estava, numa medida apreciável, sujeito a pressões concorrenciais.

127. Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar improcedente o presente fundamento de recurso.

B —    Erro de direito relativamente aos direitos de propriedade intelectual, ao estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e ao poder financeiro da AZ

1.      Argumento

128. A EFPIA sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que os direitos de propriedade intelectual, o estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e o poder financeiro da AZ constituíam elementos de prova da sua posição dominante. Estas três características são normalmente partilhadas por muitas empresas inovadoras que se dedicam com sucesso à investigação de novos produtos e não permitem estabelecer uma distinção significativa entre empresas em posição dominante e empresas em posição não dominante. Por conseguinte, o Tribunal Geral aplicou erradamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial os acórdãos RTE e ITP/Comissão («Magill») (93) e IMS Health (94), que confirmaram que o simples facto de ser titular de direitos de propriedade intelectual não é suficiente para estabelecer a existência de uma posição dominante. O que levou o Tribunal de Justiça a concluir pela existência de uma posição dominante no acórdão Magill foi a existência de elementos com base nos quais considerou que as listas de programas constituíam efetivamente um recurso essencial (95). O acórdão recorrido tem fortes implicações na medida em que considera, efetivamente, que uma empresa que é a primeira a chegar ao mercado com um produto inovador se deve abster de adquirir uma carteira extensa de direitos de propriedade intelectual ou de implementar esses direitos para não correr o risco de ser considerada detentora de uma posição dominante. A EFPIA critica ainda o Tribunal Geral pelo facto de não ter confirmado que os direitos de propriedade intelectual da AZ lhe permitiam agir de forma independente no mercado.

129. A Comissão defende que este fundamento se baseia numa confusão recorrente entre a apreciação de uma posição dominante e a qualificação de determinado comportamento como abusivo. O reconhecimento da importância das patentes como um fator a ter em consideração para determinar se uma empresa tem uma posição dominante é tão antigo como o próprio direito da concorrência da União e já foi expresso no acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (96). Acresce que a existência de uma posição dominante no caso do titular de uma patente só pode ser estabelecida depois de uma análise específica da situação do mercado que, no presente processo, foi explicada em dezenas de considerandos da decisão impugnada e confirmada pelo Tribunal Geral. Além disso, o facto de uma patente não ser automaticamente sinónimo de uma posição dominante não altera o facto de poder constituir um obstáculo importante à entrada de concorrentes no mercado ou à sua expansão.

2.      Apreciação

130. Em meu entender, a EFPIA limitou‑se a afirmar mas não indicou em que medida o fez, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao tomar em conta, na sua avaliação global da posição dominante de AZ, os aspetos da força de primeiro operador e do estatuto financeiro. Considero, portanto, que as alegações da EFPIA a esse respeito são inadmissíveis.

131. No que diz respeito aos direitos de propriedade intelectual, entendo que a posse desses direitos exclusivos não implica necessariamente que uma empresa tenha uma posição dominante num mercado relevante, pois pode haver substitutos para os produtos ou serviços em questão. Assim, conforme indicado pela Comissão nos seus articulados, não existe uma presunção de que a posse desses direitos confira poder de mercado. Efetivamente, muitos produtos que dispõem da proteção de patentes, de direitos de autor, de marcas, ou de desenhos ou modelos são fracassos comerciais. Contudo, em determinados casos concretos, a posse de tais direitos pode ser suficiente, por si só, para conferir uma posição dominante a uma empresa. Em alternativa, a posse desses direitos pode, em combinação com outros fatores, levar à conclusão da existência de uma posição dominante. Qualquer apreciação de uma posição dominante deve, pois, ser efetuada caso a caso e os direitos de propriedade intelectual devem, em grande medida, ser tratados como semelhantes a outros direitos de propriedade, tendo em devida conta as especificidades dos direitos de propriedade intelectual.

132. A alegação da EFPIA de que os direitos de propriedade intelectual só podem conferir uma posição dominante quando constituam um «recurso essencial» não encontra qualquer apoio na jurisprudência por ela invocada (97), que se refere ao eventual abuso de uma posição dominante constituído pela recusa em conceder uma licença relativa a esses direitos. Além disso, embora a titularidade de um direito de propriedade intelectual, que é indispensável para competir num mercado relevante, confira, indubitavelmente, uma posição dominante a uma empresa em relação a esse mercado devido às barreiras à entrada, o caráter indispensável não é a condição sine qua non de uma conclusão da existência de uma posição dominante nessas situações (98).

133. A verificação da existência de uma posição dominante não implica, em si mesma, qualquer censura relativamente à empresa em questão (99). Só o abuso dessa posição está sujeito a sanções, nos termos do artigo 102.° TFUE. Consequentemente, o facto de o Tribunal Geral ter confirmado que a Comissão podia ter em conta, inter alia, os direitos de propriedade intelectual, o estatuto de primeiro operador a entrar no mercado e o poder financeiro da AZ como indícios de uma posição dominante, de modo algum paralisa a concorrência legítima baseada no mérito seja pela própria AZ, seja, de facto, por qualquer empresa farmacêutica.

134. À luz da conclusão não contestada do Tribunal Geral, no n.° 271 do acórdão recorrido, segundo a qual o Losec gozava, enquanto primeiro IPP a ser introduzido no mercado, de uma proteção de patente particularmente forte, com base na qual a AZ encetou uma campanha de ações judiciais que lhe permitiram exercer fortes pressões sobre as suas concorrentes (100) e controlar, em larga medida, o seu acesso ao mercado, considero que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir, no n.° 272 do acórdão recorrido, que a proteção de patente de que beneficiava o Losec permitiu à AZ exercer uma importante pressão sobre os seus concorrentes e constituía, portanto, em si mesma (101), um indicador relevante da sua posição dominante. Assim, a expressão «em si mesma», censurada pela EFPIA, deve ser lida no contexto e à luz do raciocínio específico e claro do Tribunal Geral. Em todo o caso, tendo em conta o facto de que o Tribunal Geral examinou outros fatores, quanto mais não seja a detenção pela AZ de quotas de mercado extremamente importantes nos mercados relevantes, é evidente que o acórdão recorrido exigiu mais do que «a simples detenção» de direitos intelectuais, conforme alegado pela EFPIA, para chegar à conclusão da existência de uma posição dominante.

135. Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar o presente fundamento de recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

VI — Recurso subordinado da Comissão

A —    Argumento

136. O recurso subordinado da Comissão é dirigido contra a apreciação, nos n.os 840 a 861 do acórdão recorrido, com base na qual o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha demonstrado em relação à Suécia, mas não em relação à Dinamarca e à Noruega, que a revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec era suscetível de excluir as importações paralelas destes produtos e, por conseguinte, de restringir a concorrência.

137. A Comissão sustenta que o Tribunal Geral aplicou erradamente as regras relativas ao ónus e ao nível da prova ao exigir que a Comissão demonstrasse que as autoridades nacionais estavam inclinadas a revogar, ou revogavam habitualmente, as autorizações de importações paralelas na sequência da revogação [da autorização de colocação no mercado]. Na realidade, o Tribunal Geral centrou‑se apenas nos efeitos reais da prática ou, mais precisamente, num conceito especial de «efeitos», em vez de aplicar o critério jurídico que se tinha imposto a si mesmo. A fundamentação do Tribunal Geral é contraditória e tem consequências paradoxais. Assim, a Dinamarca foi especificamente o único país onde a estratégia de revogação da AZ se mostrou completamente eficaz, mas, não obstante, o Tribunal Geral considerou que não tinha havido nenhum abuso nesse país, o que mostra que o critério da causalidade aplicado era demasiado restritivo. Assim, o simples facto de outros fatores poderem ter contribuído para a exclusão de todo o comércio paralelo não justifica a conclusão de que a revogação não pudesse ter também esse efeito. Além disso, na medida em que o contexto jurídico nos três países era exatamente o mesmo, é contraditório chegar a resultados diferentes. Além disso, o Tribunal Geral não apreciou, no n.° 850 do acórdão recorrido, provas essenciais, e, nos n.os 839 e 846 desse acórdão, aplicou de forma manifestamente errada o princípio da presunção da inocência.

138. Acresce que a conclusão do Tribunal Geral, nos n.os 848 e 849 do acórdão recorrido, de que os documentos da AZ referidos pela Comissão apenas refletiam a opinião pessoal, ou mesmo as expectativas, dos membros dos serviços da AZ e podiam, quando muito, deixar transparecer a intenção desta última de excluir as importações paralelas através da revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec, constitui uma desvirtuação manifesta do sentido claro das provas. Esses documentos mostram que a AZ tinha levado a cabo a sua própria investigação das práticas das autoridades nacionais e tinha concluído que a sua estratégia podia ser bem sucedida nos três países em questão. Nessas circunstâncias, o Tribunal Geral errou ao exigir que a Comissão investigasse, ex post facto, anos depois dos eventos, qual poderia ter sido a atitude de uma autoridade, quando a investigação pela AZ da atitude das autoridades era particularmente fiável. A Comissão também não pode ser criticada por não ter averiguado uma prática que até aí não existia, porque a operação «substituição e revogação» era inédita. O Tribunal Geral errou, além disso, ao rejeitar, no n.° 849, a relevância da prova da intenção, contrariamente ao critério que se tinha imposto a si mesmo e à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

B —    Apreciação

139. As recorrentes alegaram, na primeira instância, que o declínio nas importações paralelas das cápsulas de Losec na Suécia, Dinamarca e Noruega se devia ao sucesso dos comprimidos de Losec MUPS, e não à revogação das autorizações de colocação no mercado. A Comissão considerou, no entanto, que havia um nexo de causalidade entre a eliminação do comércio paralelo e a revogação (102).

140. O Tribunal Geral concluiu acertadamente que incumbia à Comissão o ónus da prova dos necessários efeitos anticoncorrenciais da prática de revogação sobre o comércio paralelo. É, assim, claro que, ao contrário das suas afirmações, a Comissão não tinha de demonstrar um verdadeiro nexo de causalidade entre a revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec e um entrave ao comércio paralelo, mas apenas que «era possível que as autoridades nacionais revogassem, ou mesmo que o fizessem habitualmente, as autorizações de importações paralelas na sequência da revogação [...]» (103).

141. O Tribunal Geral concluiu que a Comissão não tinha produzido elementos tangíveis de que, na sequência da revogação das autorizações de colocação no mercado do Losec em cápsulas na Dinamarca e na Noruega, era possível que as autoridades nacionais revogassem as autorizações de importações paralelas, ou até o faziam habitualmente. O referido órgão jurisdicional concluiu que, no caso da Dinamarca e da Noruega, a Comissão, não tinha conseguido demonstrar o efeito anticoncorrencial da revogação, porque se tinha baseado em elementos de prova que se limitavam a refletir as expectativas da AZ quanto às possíveis reações das autoridades competentes à revogação nesses países. Contudo, no caso da Suécia, a decisão impugnada foi confirmada a esse respeito uma vez que referia prova documental da SMPA, a qual havia sido obtida junto desta última pela AZ, e que indicava que a referida agência considerava que as autorizações de importações paralelas só podiam ser concedidas na presença de autorizações de colocação no mercado válidas (104). A própria Comissão admite que não estavam disponíveis elementos tangíveis desse tipo em relação à Noruega e à Dinamarca.

142. Resulta claramente do acórdão recorrido que a AZ tinha levado a cabo a sua própria investigação das práticas das autoridades nacionais e tinha concluído que a sua estratégia podia ser bem sucedida nos três países em questão (105). A meu ver, ao contrário do alegado pela Comissão, o Tribunal Geral não aplicou erradamente as regras relativas ao ónus e ao nível da prova e rejeitou corretamente os elementos de prova que refletiam a própria apreciação da AZ quanto à questão de saber se as autoridades dinamarquesas e norueguesas estavam inclinadas a revogar as autorizações de importações paralelas na sequência da revogação de autorizações de colocação no mercado. Considero que o Tribunal Geral concluiu corretamente que as expectativas informadas, mas em todo o caso subjetivas, da AZ quanto à reação das autoridades dinamarquesas e norueguesas à revogação, baseadas no parecer de consultores internos (106), constituíam elementos de prova da intenção anticoncorrencial da AZ, mas eram em si mesmas insuficientes para satisfazer a exigência de demonstração de um efeito anticoncorrencial, na ausência de quaisquer elementos tangíveis ou objetivos que corroborassem essas opiniões pessoais ou essas expectativas.

143. Em meu entender, o facto de que a AZ acreditava, com base numa investigação considerável e em pareceres de peritos, que as suas ações teriam o efeito anticoncorrencial desejado é insuficiente, em si mesmo, pois resulta da natureza objetiva do conceito de abuso que os efeitos anticoncorrenciais de uma prática devem ser apreciados com base em fatores objetivos. São necessários elementos tangíveis, para além da prova da intenção anticoncorrencial, para demonstrar que o comportamento tende objetivamente a restringir a concorrência. No que diz respeito à alegação da Comissão de que essa prova corroborativa é difícil de obter depois dos acontecimentos, deve ser julgada improcedente à luz do ónus da prova que incumbe à Comissão. Observo também que, em todo o caso, a Comissão não apresentou quaisquer elementos de prova, nem sequer alegou nos seus articulados, de que tivesse tentado investigar, sem sucesso, qual era a atitude das autoridades competentes na Dinamarca e Noruega em relação à revogação das autorizações de colocação no mercado e às autorizações de importações paralelas.

144. Na minha opinião, a apreciação do Tribunal Geral contida no n.° 850 do acórdão recorrido não está errada. Embora este número não mencione expressamente o n.° 302 da decisão impugnada, mas sim o n.° 311, que, por sua vez, refere esse n.° 302, este último limita‑se claramente a indicar as expectativas pessoais da AZ em relação a uma prática e, portanto, a sua intenção anticoncorrencial. A este respeito, o n.° 302 da decisão impugnada refere o documento relativo à estratégia norueguesa LPPS (107), segundo o qual a expectativa era que «o comércio paralelo das cápsulas de Losec® cessará gradualmente […]» e reproduzirá a situação que ocorreu na Dinamarca na sequência da introdução do Losec MUPS. Considero que a prova da intenção anticoncorrencial não estabelece o necessário nexo de causalidade anticoncorrencial entre a revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec e a exclusão das importações paralelas. Ao contrário do que é afirmado pela Comissão, o Tribunal Geral não considerava necessário que o desaparecimento do comércio paralelo na Dinamarca fosse exclusivamente causado pela revogação, uma vez que concluiu, no n.° 850 do acórdão recorrido, que «não se estabelece um nexo entre a revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec e a exclusão de importações paralelas».

145. Além disso, o facto de se demonstrar posteriormente que o comércio paralelo do Losec em cápsulas foi afetado na Dinamarca e não na Suécia, conforme alegado pela Comissão, não é paradoxal. No primeiro caso, a decisão impugnada não continha qualquer prova do necessário nexo de causalidade, vício que não pode ser sanado mediante a produção de provas posteriormente à adoção dessa decisão. A decisão impugnada deve ser apreciada com base no seu conteúdo. No segundo caso, o facto de determinada prática anticoncorrencial não ter sido bem sucedida não nega os seus efeitos potenciais ou plausíveis no momento da implementação dessa prática.

146. Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve julgar improcedente o recurso subordinado da Comissão.

VII — Quanto às despesas

147. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

148. Uma vez que as recorrentes foram vencidas no seu recurso, há que condená‑las nas despesas relativas a esse recurso, em conformidade com o pedido da Comissão.

149. Uma vez que EFPIA foi vencida no seu recurso subordinado, há que condená‑la nas despesas relativas a esse recurso, em conformidade com o pedido da Comissão. A EFPIA deve suportar as suas próprias despesas relativas à sua intervenção em apoio do recurso interposto pelas recorrentes. Não tendo a Comissão pedido a condenação da EFPIA nas despesas relativas à respetiva intervenção, esta última não suportará estas despesas.

150. Uma vez que a Comissão foi vencida no seu recurso subordinado, e tendo em conta as circunstâncias especiais do processo, que consistem no facto de as recorrentes não terem apresentado alegações escritas em relação a esse recurso subordinado, a Comissão deve ser condenada a suportar as suas próprias despesas.

VIII — Conclusão

151. Pelas razões antecedentes, proponho que o Tribunal de Justiça decida o seguinte:

i)      negar provimento ao recurso de anulação interposto pela AstraZeneca AB e pela AstraZeneca plc;

ii)      negar provimento ao recurso subordinado interposto pela European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA);

iii)      negar provimento ao recurso subordinado interposto pela Comissão;

iv)      condenar a AstraZeneca AB e a AstraZeneca plc nas respetivas despesas e nas despesas da Comissão, em relação ao recurso de anulação;

v)      condenar a EFPIA a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, em relação ao respetivo recurso subordinado;

vi)      condenar a EFPIA a suportar as suas próprias despesas, em relação ao recurso de anulação interposto pela AstraZeneca AB e pela AstraZeneca plc;

vii)      condenar a Comissão a suportar as suas próprias despesas, em relação ao respetivo recurso subordinado.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Colet., p. II‑2805 (a seguir «acórdão recorrido»).


3 —      Decisão da Comissão, de 15 de junho de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [do Tratado CE] e do artigo 54.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (Processo COMP/A 37.507/F3 — AstraZeneca) (a seguir «decisão impugnada»).


4 —      O Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO L 182, p. 1), prevê a criação de um certificado complementar de proteção, que tem por objeto prolongar a duração do direito exclusivo conferido pela patente e, dessa forma, conferir uma proteção de duração suplementar. O CCP destina‑se a compensar a redução da duração da proteção efetiva conferida pela patente, correspondente ao período compreendido entre a entrega do pedido de patente para um medicamento e a autorização de colocação no mercado do referido medicamento. Este regulamento é mencionado a seguir como «regulamento CCP».


5 —      JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18.


6 —      V., por exemplo, n.os 68 e 69 do acórdão recorrido.


7 —      Segundo jurisprudência bem assente, para efeitos da aplicação do artigo 102.° do TFUE, o mercado do produto ou do serviço em causa agrupa o conjunto dos produtos ou serviços que, pelas suas características, são especificamente aptos a satisfazer necessidades constantes e só em pequena parte são substituíveis por outros produtos ou serviços; v. acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colet., p. I‑7791, n.° 33 e jurisprudência referida).


8 —      V. n.° 84 do acórdão recorrido.


9 —      V. n.os 381 e 612 do acórdão recorrido.


10 —      V. n.° 613 do acórdão recorrido.


11 —      Relatório preparado pela IMS Health; v. n.° 37 do acórdão recorrido.


12 —      V. acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 23), e de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão (C‑551/03 P Colet., p. I‑3173, n.° 51).


13 —      V. n.os 83 a 107 do acórdão recorrido, em especial n.os 84 e 101.


14 —      V. também n.os 95 e 96 do acórdão recorrido.


15 —      Considero que muitos dos elementos de prova apresentados pelas recorrentes no contexto desta parte do primeiro fundamento de recurso são inadmissíveis porque visam apenas obter a reapreciação das conclusões de facto do Tribunal Geral. V. n.° 23, supra.


16 —      V. n.° 94 do acórdão recorrido.


17 —      V. n.° 94 do acórdão recorrido.


18 —      V. n.° 98 do acórdão recorrido.


19 —      V. n.° 102 do acórdão recorrido.


20 —      V. n.° 278 do acórdão recorrido.


21 —      Dado que a quantificação da relação custo/eficácia era suscetível de se revelar particularmente complexa e aleatória.


22 —      Devido à «sensibilidade limitada dos médicos e dos doentes às diferenças de preços dado o papel importante da eficácia terapêutica nas escolhas de prescrição, por um lado, e os sistemas regulamentares em vigor nos Estados em causa, que não eram concebidos de forma a permitir que os preços dos anti‑H2 exercessem uma pressão no sentido de fazer baixar as vendas ou os preços dos IPP, por outro». V. síntese no n.° 191 do acórdão recorrido.


23 —      Acórdão de 11 de dezembro de 2003, Hässle (C‑127/00, Colet., p. I‑14781).


24 —      Acórdão de 17 de julho de 1998 (T‑111/96, Colet., p. II‑2937, n.os 54 a 60).


25 —      Já referido na nota 24.


26 —      V. n.° 356 do acórdão recorrido.


27 —      V. n.° 493 do acórdão recorrido.


28 —      V. n.° 495 do acórdão recorrido.


29 —      V., por exemplo, n.os 491, 495 e 497 do acórdão recorrido.


30 —      V. n.os 573, 588 e 599 do acórdão recorrido.


31 —      Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.° 174 e jurisprudência referida).


32 —      Considero que o Tribunal Geral declarou corretamente que a prova da intenção de recorrer a práticas alheias à concorrência baseado no mérito pode, no entanto, ser relevante em apoio de uma conclusão, baseada em fatores objetivos, segundo a qual a empresa em causa cometeu um abuso de posição dominante. V., nesse sentido, n.° 359 do acórdão recorrido.


33 —      V. acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 200).


34 —      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO L 1, p. 1). V. também artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17 do Conselho de 6 de fevereiro de 1962: Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO P 13 de 21.2.1962, p. 204)


35 —      Já referido na nota 23.


36 —      Acórdão já referido na nota 24.


37 —      Nesse processo, a Comissão explicou que, para poder determinar os casos em que uma ação judicial é abusiva, devem ser satisfeitos dois critérios cumulativos. É necessário, em primeiro lugar, que não se possa razoavelmente considerar que a ação tem como objetivo fazer valer os direitos da empresa interessada e, portanto, só sirva para hostilizar a parte contrária, e, em segundo lugar, que seja concebida no âmbito de um plano que tenha por objetivo eliminar a concorrência. Importa, porém, observar que o Tribunal Geral verificou se a Comissão aplicou corretamente os dois critérios cumulativos, e não se pronunciou sobre o mérito da escolha dos critérios efetuada pela Comissão. V. n.° 58 desse acórdão.


38 —      Acórdão de 16 de setembro de 2008, Lélos kai Sia e o. (C‑468/06 a C‑478/06, Colet., p. I‑7139).


39 —      V., nesse sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colet., p. 461, n.° 91), e de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, Colet., p. I‑3359, n.° 69).


40 —      Acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 31, n.° 250. No referido processo, o Tribunal de Justiça concluiu que o efeito anticoncorrencial que a Comissão tem de demonstrar, no que respeita a práticas tarifárias de uma empresa dominante que levem à compressão das margens dos seus concorrentes igualmente eficazes, respeita aos eventuais entraves que as práticas tarifárias da recorrente possam ter causado ao desenvolvimento da oferta no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais e, portanto, ao grau de concorrência nesse mercado (sublinhado meu) (v. n.° 252). Também se concluiu, no referido processo, que as práticas tarifárias da recorrente geraram efeitos concretos de expulsão (v. n.° 259).


41 —      Não gosto da utilização pela jurisprudência, neste contexto, do termo «suscetível» (likely). Recorda‑me o critério de responsabilidade extracontratual «com base numa ponderação das probabilidades» (on the balance of probabilities) e, portanto, coloca demasiado alto a fasquia da prova. No outro extremo do espectro, o termo «capaz» (capable) pode colocar demasiado baixo a fasquia da prova, sendo qualquer possibilidade remota de efeitos anticoncorrenciais suficiente para demonstrar o abuso.


42—      Se, no momento da introdução, a prática não for suscetível de entravar a concorrência, não violará o artigo 102.° do TFUE. V., nesse sentido, acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 31, n.° 254.


43 —      Considero que o Tribunal Geral considerou acertadamente, no n.° 548 do acórdão recorrido, em relação ao pedido inicial de CCP apresentado no serviço de patentes do Reino Unido (onde não foi concedido nenhum CCP à AZ) que «decorre inequivocamente do conjunto das provas documentais apresentadas ao Tribunal, […] que o pedido inicial de CCP apresentado no serviço de patentes do Reino Unido fazia parte de uma estratégia global em matéria de pedidos de CCP que consistia em basear estes últimos na data de 21 de março de 1988 em vez da data de 15 de abril de 1987, correspondente à primeira autorização de colocação no mercado concedida na Comunidade».


44 —      V., por analogia, acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 31, n.° 254. A este respeito, também subscrevo inteiramente a conclusão do Tribunal Geral, no n.° 379 do acórdão recorrido, segundo a qual «[d]e facto, a circunstância de a AZ já não estar em posição dominante no momento em que o seu comportamento abusivo produziu os seus efeitos não altera a qualificação jurídica dos seus atos, desde logo por estes terem sido praticados numa altura em que incumbia à AZ uma especial responsabilidade de não prejudicar, pelo seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum». Considero que os efeitos referidos pelo Tribunal Geral constituem efeitos reais que não são manifestamente necessários de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em meu entender, a Comissão alegou corretamente, nos seus articulados, que a legalidade de um ato deve ser apreciada no momento em que é executado e não no momento em que provoca efeitos reais e concretos.


45 —      K‑Lath Division of Tree Island Wire (USA) Iinc v Davis Wire Corporation and Others, 15 F.Supp. 2d 952 (C:D: Cal. 1998).


46 —      Acórdão de 16 de dezembro de 1999 (C‑94/98, Colet., p. I‑8789).


47 —      Acórdão de 10 de setembro de 2002 (C‑172/00, Colet., p. I‑6891).


48 —      V. n.° 75, supra.


49 —      Já referido na nota 46.


50 —      Já referido na nota 47.


51 —      C‑418/01, Colet., p. I‑5039.


52 —      JO L 15, p. 36.


53 —      V. acórdão IMS Health, já referido na nota 51, n.° 22.


54 —      Acórdãos de 8 de maio de 2003, Paranova Läkemedel e o. (C‑15/01, Colet., p. I‑4175, n.os 25 a 28 e 33), e Paranova (C‑113/01, Colet., p. I‑4243, n.os 26 a 29 e 34).


55 —      V. n.° 492, alínea b).


56 —      O procedimento simplificado estava, no entanto, indisponível devido às ações positivas da AZ que consistiram em pedir a revogação das autorizações de colocação no mercado das cápsulas Losec nos países relevantes.


57 —      A quem não é concedido o acesso direto aos dados em questão nos termos da Diretiva 65/65/CEE.


58 —      Ou a jurisprudência da «obrigação de negociar» ou da «instalação essencial».


59 —      V. acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, Colet., p. II‑4653, n.° 161), confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de outubro de 2005, Unilever Bestfoods/Comissão (C‑552/03 P, Colet., p. I‑9091, n.° 137).


60 —      V. acórdão IMS Health, já referido na nota 51, n.° 52.


61 —      V. n.° 834 do acórdão recorrido.


62 —      Resulta claramente do n.° 315 da decisão impugnada que, em resultado das respostas a um questionário devolvido à AZ pela SMPA, em 1997, havia prova documental relativamente aos efeitos possíveis ou plausíveis da revogação da autorização de colocação no mercado das cápsulas de Losec sobre as importações paralelas na Suécia.


63 —      Acórdãos, já referidos na nota 54, Paranova Läkemedel e o., n.os 25 a 28 e 33, e Paranova, n.os 26 a 29 e 34.


64 —      Já referido na nota 39.


65 —      V. n.os 41 a 43, supra.


66 —      Acórdão de 9 de novembro de 1983, Michelin/Comissão (a seguir «Michelin I», 322/81, Recueil, p. 3461).


67 —      Acórdão de 4 de junho de 2009 (C‑8/08, Colet., p. I‑4529).


68 —      Acórdão de 11 de março de 1999 (T‑137/94, Colet., p. II‑303).


69 —      Acórdão de 17 de julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, Colet., p. I‑4411, n.° 31), e acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido na nota 12, n.° 129.


70 —      V. n.° 908 da decisão impugnada, que refere a utilização dos procedimentos e regulamentação públicos com uma intenção de exclusão.


71 —      V. n.os 47 e seguintes e 77 e seguintes, supra.


72 —      Que consistiram, em primeiro lugar, em declarações enganosas prestadas deliberadamente com o objetivo de obter direitos exclusivos aos quais a AZ não tinha direito ou tinha direito por um período mais limitado e, em segundo lugar, a revogação das autorizações de colocação no mercado com o objetivo de criar obstáculos à entrada de produtos genéricos no mercado na Dinamarca, na Noruega e na Suécia e às importações paralelas na Suécia, levando assim à compartimentação do mercado comum.


73 —      Acórdão já referido na nota 31, n.° 124.


74 —      Acórdão já referido na nota 66.


75 —      No acórdão Michelin I (já referido na nota 66), o Tribunal de Justiça referiu sistemas de desconto com as mesmas características.


76 —      Acórdão de 14 de outubro de 2010 (T‑271/03, Colet., p. II‑477, n.os 312 e 313).


77 —      Confirmado em sede de recurso. V. acórdão Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P), já referido na nota 31, n.os 279 e 286.


78 —      Resulta claramente do contexto que os efeitos em questão são efeitos reais.


79 —      V., por analogia, acórdão de 18 de dezembro de 2008 (C‑101/07 P e C‑110/07 P, Coop de France Bétail et Viande/Comissão, Colet., p. I‑10193, n.os 96 a 98).


80 —      V. acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 39, n.° 41.


81 —      Acórdão de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão (T‑30/89, Colet., p. II‑1439, n.° 92).


82 —      V. n.° 245 do acórdão recorrido. No n.° 294 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a AZ detinha uma posição dominante, na aceção do artigo 82.° CE e do artigo 54.° do Acordo EEE, no mercado dos IPP na Alemanha entre 1993 e o final de 1997, na Bélgica entre 1993 e o final de 2000, na Dinamarca entre 1993 e o final de 1999, na Noruega entre 1994 e o final de 2000, nos Países Baixos entre 1993 e o final de 2000, no Reino Unido entre 1993 e o final de 1999 e na Suécia entre 1993 e o final de 2000.


83 —      Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, Colet., p. 207, n.° 65). Ao contrário de uma situação de monopólio ou de quase monopólio, a posição dominante não exclui a existência de uma certa concorrência, embora dê à empresa que dela beneficia a possibilidade de decidir ou, pelo menos, de influenciar consideravelmente as condições em que esta concorrência se desenvolverá e, em todo o caso, de se comportar em larga medida sem ter de a tomar em linha de conta e sem que esta atitude a prejudique. V. acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 39, n.° 39.


84 —      V. n.° 261 do acórdão recorrido.


85 —      V. n.os 259 a 262 do acórdão recorrido.


86 —      V. n.° 264 do acórdão recorrido.


87 —      V. n.° 269 do acórdão recorrido.


88 —      V. n.° 256 do acórdão recorrido.


89 —      A AZ foi o primeiro operador num mercado que ela própria criou. V. n.° 260 do acórdão recorrido.


90 —      V. n.os 259 e 264 do acórdão recorrido.


91 —      V. n.° 259 do acórdão recorrido.


92 —      V., inter alia, n.° 264 do acórdão recorrido.


93 —      Acórdão de 6 de abril de 1995 (C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colet., p. I‑743).


94 —      Acórdão já referido na nota 51.


95 —      V. acórdão Magill, já referido na nota 93, n.° 47.


96 —      Acórdão de 6 de março de 1974 (6/73 e 7/73, Colet., p. 119).


97 —      Acórdãos Magill, já referidos na nota 93; IMS Health, já referido na nota 51; e de 5 de outubro de 1988, Volvo (238/87, Colet., p. 6211).


98 —      O caráter indispensável é, no entanto de importância fundamental para estabelecer a existência de um abuso nesses casos relativos a um «recurso essencial».


99 —      V. acórdão Michelin I, já referido na nota 66, n.° 57, e acórdão de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colet., p. I‑1365, n.° 37).


100 —      Takeda, Byk Gulden e Eisai.


101 —      Incluindo, inter alia, quotas de mercado extremamente importantes.


102 —      V. n.° 753 do acórdão recorrido.


103 —      V. n.° 846 do acórdão recorrido; v. também n.° 839.


104 —      V. n.° 862 do acórdão recorrido, que cita o n.° 315 da decisão impugnada.


105 —      V., por exemplo, n.os 780 e 848.


106 —      Que, segundo a Comissão, se baseava numa investigação aprofundada e exaustiva.


107 —      Estratégia Pós Patente do Losec (Losec Post Patent Strategy).