Language of document : ECLI:EU:C:2012:221

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de abril de 2012 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral ― Concorrência ― Posição dominante ― Abuso ― Mercado das máquinas automáticas para recolha de vasilhame ― Decisão que declara uma infração ao artigo 82.° CE e ao artigo 54.° do Acordo EEE ― Acordos de exclusividade, compromissos quantitativos e descontos de fidelização»

No processo C‑549/10 P,

que tem por objeto o recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 18 de novembro de 2010,

Tomra Systems ASA, com sede em Asker (Noruega),

Tomra Europe AS, com sede em Asker,

Tomra Systems GmbH, com sede em Hilden (Alemanha),

Tomra Systems BV, com sede em Apeldoorn (Países Baixos),

Tomra Leergutsysteme GmbH, com sede em Viena (Áustria),

Tomra Systems AB, com sede em Sollentuna (Suécia),

Tomra Butikksystemer AS, com sede em Asker,

representadas por O. W. Brouwer, advocaat, J. Midthjell, advokat, e A. J. Ryan, solicitor,

recorrentes em primeira instância,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por E. Gippini Fournier e N. Khan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), E. Juhász, G. Arestis e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2011,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de fevereiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, as recorrentes (a seguir «Tomra e o.») pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão (T‑155/06, Colet., p. I‑4361, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C(2006) 734 final da Comissão, de 29 de março de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑1/38.113 ― Prokent/Tomra) (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        No acórdão recorrido, o Tribunal Geral resumiu o quadro factual que originou o litígio, nos seguintes termos:

«1      A Tomra Systems ASA é a sociedade‑mãe do grupo Tomra. A Tomra Europe AS coordena a atividade das filiais de distribuição europeias do grupo. As filiais de distribuição em causa no presente processo são a Tomra Systems GmbH na Alemanha, a Tomra Systems BV nos Países Baixos, a Tomra Leergutsysteme GmbH na Áustria, a Tomra Systems AB na Suécia e a Tomra Butikksystemer AS na Noruega (a seguir designadas, em conjunto com a Tomra Systems ASA e a Tomra Europe AS, por ‘recorrentes’). O grupo Tomra produz máquinas automáticas para recolha de vasilhame (a seguir ‘RVM’), que são máquinas de recolha de embalagens usadas de bebidas que identificam a embalagem em função de determinados parâmetros, como a forma e/ou o código de barras, e calculam o montante do depósito que deve ser reembolsado ao cliente. […]

2      Em 26 de março de 2001, a Comissão […] recebeu uma denúncia da Prokent AG, uma sociedade alemã que também tinha atividade no setor da recolha das embalagens de bebidas, bem como no setor dos produtos e dos serviços conexos. A Prokent solicitou à Comissão que averiguasse se as recorrentes tinham cometido um abuso de posição dominante, ao impedi‑la de aceder ao mercado.

3      Em 26 e 27 de setembro de 2001, a Comissão realizou uma inspeção nas instalações da Tomra Systems GmbH, na Alemanha, e da Tomra Systems BV, nos Países Baixos. O Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (a seguir ‘EFTA’) inspecionou, a pedido da Comissão, as instalações da Tomra Systems ASA e das suas filiais na Noruega. […]

4      Em 23 de dezembro de 2002, numa carta dirigida à Comissão, as recorrentes declararam pôr fim aos acordos exclusivos e não mais aplicar os descontos de fidelização.

5      Em 30 de março de 2004, as recorrentes apresentaram um programa de conformidade à concorrência relativo ao grupo Tomra, aplicável a partir de 1 de abril de 2004.

6      Em 1 de setembro de 2004, a Comissão dirigiu uma comunicação das acusações à Tomra Systems ASA, à Tomra Europe AS e às filiais do grupo Tomra em seis Estados que fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE), à qual as recorrentes responderam em 22 de novembro de 2004. […]

[…]

7      Em 29 de março de 2006, a Comissão adotou a [d]ecisão [impugnada]. Nela declarou verificado que as recorrentes violaram o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do Acordo EEE no decurso do período de 1998‑2002, aplicando uma estratégia de exclusão nos mercados alemão, neerlandês, austríaco, sueco e norueguês das RMV por meio de acordos exclusivos, de compromissos quantitativos individuais e de regimes de descontos individuais retroativos, restringindo assim a concorrência nos mercados.

[I] ― Mercado em causa

8      No que se refere ao mercado dos produtos em causa, a decisão impugnada indica que, na sua apreciação, a Comissão partiu do princípio de que existe um mercado das máquinas ou sistemas automáticos de recolha de vasilhame de topo de gama, incluindo, nomeadamente, todas as RVM que podem ser instaladas através de uma parede e que podem ser ligadas a um local de apoio, e também um mercado global que inclui tanto as máquinas [de] topo de gama como as máquinas de baixo de gama. A Comissão decidiu, no entanto, utilizar a definição de mercado mais lata como base de trabalho, uma vez que permitia obter números mais favoráveis, em benefício das recorrentes.

9      No que se refere ao mercado geográfico relevante, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que as condições concorrenciais não tinham sido homogéneas em todo o EEE durante o período em apreço e que os mercados geográficos relevantes eram de âmbito nacional.

[II] ― Posição dominante

10      Na decisão impugnada, a Comissão, após ter considerado, nomeadamente, que as quotas de mercado das recorrentes na Europa tinham sido permanentemente superiores a 70% nos anos anteriores a 1997, excedendo os 95% a partir desse ano, e que em qualquer dos mercados relevantes a quota de mercado das recorrentes era várias vezes superior à dos seus concorrentes, concluiu que o grupo Tomra era uma empresa que ocupava uma posição dominante na aceção do artigo 82.° CE e do artigo 54.° do Acordo EEE.

[III] ― Comportamento abusivo

11      A decisão impugnada indica que as recorrentes conceberam uma estratégia que tinha um objetivo ou um efeito anticoncorrencial, tanto na sua prática como no seio de discussões internas do grupo. A Comissão afirma aí que as recorrentes pretendiam preservar a sua posição dominante e as suas quotas de mercado por meios que consistiam, nomeadamente, em impedir a chegada de novos operadores ao mercado, em atuar de modo a que os concorrentes se mantivessem em posição de fraqueza, limitando as suas possibilidades de crescimento, e em acabar [por] os enfraquecer e os eliminar, quer adquirindo‑os quer por outros meios. Esta estratégia foi aplicada, precisa‑se, através da assinatura de 49 acordos, entre 1998 e 2002, celebrados entre as recorrentes e determinado número de cadeias de supermercados, tomando a forma de acordos exclusivos, de acordos individuais que continham compromissos em termos de quantidade e de regimes individuais de descontos retroativos.

12      Resulta ainda da decisão impugnada que, embora os acordos, cláusulas e condições verificados neste caso incluam diversos elementos, como cláusulas de exclusividade explícitas ou de facto, compromissos ou promessas, da parte dos clientes, no sentido de adquirirem quantidades correspondentes a uma proporção significativa das suas necessidades, regimes de descontos retroativos em função das necessidades dos referidos clientes, ou ainda uma combinação destes elementos, devem ser todos analisados, segundo a Comissão, no contexto da política geral das recorrentes de impedir a entrada no mercado, o acesso ao mercado e as oportunidades de crescimento dos concorrentes existentes e potenciais, afastando‑os em última análise do mercado a fim de criar uma situação de quase‑monopólio.

13      Para começar, segundo a decisão impugnada, as cláusulas de exclusividade, na medida em obrigam os clientes a adquirirem a totalidade ou uma parte significativa das suas necessidades junto de um fornecedor dominante, são, por natureza, suscetíveis de provocar um encerramento do mercado. No caso vertente, dado que as recorrentes ocupam uma posição dominante no mercado e que as obrigações de exclusividade foram aplicadas a uma parte que ela considerou não negligenciável da procura total do mercado, a Comissão daí deduziu que estes acordos exclusivos, celebrados pelas recorrentes, eram suscetíveis de ter, e tiveram na realidade, um efeito de encerramento que se traduziu numa distorção do mercado. Ora, declarou‑se verificado na decisão impugnada que não existiram, no caso, circunstâncias que pudessem, excecionalmente, justificar as cláusulas de exclusividade ou acordos semelhantes, e que as recorrentes também não conseguiram justificar as suas práticas alegando economias de custos.

14      A decisão impugnada acrescenta, de seguida, que os descontos concedidos relativamente a quantidades individuais correspondentes à totalidade ou quase‑totalidade da procura têm o mesmo efeito que cláusulas explícitas de exclusividade, ou seja, induzem o cliente a adquirir a totalidade ou quase‑totalidade das suas necessidades junto de um fornecedor que ocupa uma posição dominante. O mesmo acontece relativamente aos descontos de fidelidade, que são descontos dependentes do facto de o cliente obter a totalidade ou a maior parte das suas necessidades junto de um fornecedor dominante. Para a Comissão, não é determinante, para efeitos do caráter exclusivo dos acordos ou das condições em causa, que o compromisso de aquisição de um determinado volume seja expresso em termos absolutos ou em termos percentuais. No que se refere aos acordos celebrados pelas recorrentes, a decisão impugnada precisa que os objetivos quantitativos estipulados constituem compromissos individuais diferentes para cada cliente, independentemente da sua dimensão e do seu volume de compras, e que correspondiam quer à totalidade quer a uma proporção significativa das necessidades dos clientes, quando não as excediam. A decisão impugnada acrescenta que a política das recorrentes no sentido de vincular os clientes, principalmente os clientes mais importantes, através de acordos que tinham por objetivo excluir os concorrentes do mercado e negar‑lhes qualquer hipótese de crescimento, surge claramente dos documentos relativos à estratégia das recorrentes, às suas negociações e às ofertas que fizeram aos seus clientes. Tendo em conta a natureza do mercado dos sistemas automáticos de recolha de vasilhame e as características específicas do próprio produto, em especial a transparência e razoável previsibilidade da procura de RVM por cliente e por ano, a Comissão constatou que as recorrentes conheciam suficientemente o mercado para poderem efetuar uma estimativa realista da procura aproximada de cada cliente individual.

15      Além disso, no que respeita às práticas de descontos, a Comissão observa, na decisão impugnada, que os regimes de descontos eram adaptados individualmente a cada cliente e que os limiares eram estabelecidos em função da totalidade ou de uma elevada proporção das necessidades de cada cliente. Eram estabelecidos com base nas necessidades estimadas dos clientes e/ou dos seus volumes de compras anteriores. Ora, o incentivo no sentido de comprar exclusivamente ou quase exclusivamente junto das recorrentes era, segundo a decisão impugnada, particularmente forte quando limiares do tipo dos que foram aplicados pelas recorrentes eram combinados com um sistema através do qual a obtenção de um bónus ou a atribuição de um limiar de bónus mais vantajoso beneficiava todas as aquisições efetuadas pelo cliente no período de referência e não só o volume de compras que excedia o limiar em questão. Para um cliente que tivesse começado a realizar as suas aquisições junto das recorrentes, cenário muito provável dada a forte posição que estas ocupavam no mercado, um sistema retroativo gerava, assim, um forte incentivo no sentido de alcançar o limiar fixado, a fim de reduzir o preço de todas as aquisições junto das recorrentes. Este incentivo aumentava, afirma‑se, progressivamente, à medida que o cliente se aproximava do limiar em questão. Ora, a Comissão constatou que a combinação de um sistema retroativo de desconto com um limiar ou limiares correspondentes à totalidade ou a uma elevada proporção das necessidades constituía um forte incentivo para adquirir a totalidade ou a quase totalidade do equipamentos necessários junto das recorrentes e aumentava artificialmente o custo da transferência para um fornecedor alternativo, mesmo para um pequeno número de unidades. A Comissão concluiu consequentemente que decorre da jurisprudência que os regimes de descontos identificados devem ser qualificados como meios de fidelização, constituindo por conseguinte descontos de fidelidade.

16      Finalmente, a decisão impugnada indica que, se bem que, […] para declarar verificado um abuso na aceção do artigo 82.° CE baste ‘demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou suscetível de ter tal efeito’, a Comissão completou a sua análise examinando os efeitos prováveis das práticas das recorrentes no mercado das RVM. A este título, a decisão impugnada indica que, durante todo o período objeto da decisão, ou seja, entre 1998 e 2002, a quota de mercado das recorrentes em cada um dos cinco mercados nacionais considerados se manteve relativamente estável. Simultaneamente, a posição dos seus concorrentes permaneceu fraca e instável. Um deles, o autor da denúncia, que tinha progredido, abandonou o mercado em 2003 após ter conquistado, em 2001, uma quota de 18% do mercado alemão. Outras empresas rivais que demonstraram potencialidades e capacidade para conquistar maiores quotas de mercado foram eliminadas pelas recorrentes através de aquisições, como foi o caso da Halton e da Eleiko. Por outro lado, segundo a Comissão, a estratégia de exclusão das recorrentes, tal como foi aplicada durante o período compreendido entre 1998 e 2002, traduziu‑se [em] alterações na repartição das quotas do mercado subordinado e nas vendas dos intervenientes no mercado. Além disso, nos termos da decisão impugnada, alguns clientes começaram a adquirir quantidades superiores de produtos concorrentes após o termo de vigência dos acordos exclusivos celebrados com as recorrentes. Para além da ausência de ganhos de eficiência em termos de custos, que seriam suscetíveis de justificar as práticas das recorrentes, não se detetam também, no caso, quaisquer vantagens para os consumidores. A decisão impugnada revela assim que os preços das RVM das recorrentes não diminuíram na sequência do aumento do volume de vendas e que, pelo contrário, esses preços estagnaram ou aumentaram durante o período objeto da investigação.

[IV] ― Coima

17      A decisão impugnada precisa que, na apreciação da gravidade do abuso cometido pelas recorrentes, deve ser tido em conta o facto de elas terem recorrido deliberadamente às práticas em questão no âmbito da sua política de exclusão, mas ainda o âmbito geográfico deste abuso, ou seja, o facto de englobar o território de cinco Estados que fazem parte do EEE, a Alemanha, os Países Baixos, a Áustria, a Suécia e a Noruega. Inversamente, deve ainda ser tomado em consideração, segundo a Comissão, o facto de a infração não ter sempre abrangido a totalidade do período examinado em todos os mercados nacionais considerados e o facto de, em cada mercado nacional, a intensidade da infração apresentar variações ao longo do tempo.

18      Em especial, a decisão impugnada precisa, no considerando 394, que a infração diz respeito aos territórios e períodos seguintes:

¾        Alemanha: 1998‑2002

¾        Países Baixos: 1998‑2002

¾        Áustria: 1999‑2001

¾        Suécia: 1999‑2002

¾        Noruega: 1998‑2001.

19      A Comissão concluiu que se tratava de uma infração grave e estabeleceu o montante de base da multa em 16 milhões de euros, baseando‑se no período de cinco anos que vai de 1998 a 2002. O montante de partida da multa foi acrescido de 10% por cada um dos anos completos cobertos pela infração. Finalmente, a decisão impugnada indica que não existem quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes.

20      A parte decisória da decisão impugnada tem a seguinte redação:

‘Artigo 1.°

[As recorrentes] cometeram uma infração ao artigo 82.° [CE] e ao artigo 54.° do [A]cordo EEE no período compreendido entre 1998 e 2002, ao aplicarem uma estratégia de exclusão nos mercados nacionais das [RVM] da Alemanha, Países Baixos, Áustria, Suécia e Noruega, através de acordos exclusivos, de acordos individuais que continham compromissos em termos de quantidades ou de regimes individuais de descontos retroativos, restringindo assim a concorrência nos mercados.

Artigo 2.°

Devido à infração acima descrita, é aplicada [às recorrentes], solidariamente responsáveis, uma coima de 24 milhões de euros.

[…]’»

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3        No âmbito do seu recurso de anulação da decisão impugnada, interposto perante o Tribunal Geral, as recorrentes invocaram seis fundamentos.

4        No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos estes fundamentos.

 Pedidos das partes

5        As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        anular o acórdão recorrido;

¾        conhecer do litígio e anular a decisão impugnada ou, em todo o caso, reduzir o montante da coima aplicada ou, a título subsidiário, se o Tribunal de Justiça decidir não conhecer do litígio, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este conheça do litígio em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça; e

¾        condenar a Comissão nas despesas dos processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

6        A Comissão conclui pedindo que seja negado provimento ao presente recurso e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

7        As recorrentes invocam cinco fundamentos de recurso, relativos, em primeiro lugar, a um erro de direito na fiscalização exercida pelo Tribunal Geral relativamente à constatação, pela Comissão, de uma intenção anticoncorrencial de fechar o mercado à concorrência; em segundo lugar, a um erro de direito e a uma falta de fundamentação, tendo em conta a parte da procura total que os acordos deviam cobrir para constituir uma prática abusiva; em terceiro lugar, a um vício processual e a um erro de direito na apreciação dos descontos retroativos; em quarto lugar, a um erro de direito e a uma falta de fundamentação na análise da questão de saber se os acordos nos quais as recorrentes são designadas como «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor» podem ser qualificados de «exclusivos»; em quinto lugar, a um erro de direito na apreciação da coima, tendo em conta o princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na fiscalização exercida pelo Tribunal Geral relativamente à constatação, pela Comissão, de uma intenção anticoncorrencial de fechar o mercado à concorrência (n.os 33 a 41 do acórdão recorrido)

 Argumentos das partes

8        A Tomra e o. entendem que, na apreciação da questão de saber se a Comissão tinha demonstrado uma intenção anticoncorrencial, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao recusar considerar elementos de prova da vontade das recorrentes de exercerem uma concorrência assente no mérito. Essa omissão é contrária à obrigação do Tribunal Geral de exercer uma fiscalização jurisdicional profunda relativamente às condições de aplicação do artigo 102.° TFUE.

9        A Tomra e o. defendem que a Comissão errou quando se baseou em comunicações internas das recorrentes para demonstrar uma intenção anticoncorrencial da sua parte, afastando os elementos de prova suscetíveis de mostrar que as recorrentes pretendiam levar a cabo uma concorrência assente no mérito.

10      A Tomra e o. observam que resulta dos considerandos 97 a 105 da decisão impugnada que a intenção anticoncorrencial constituía um elemento importante da conclusão relativa à existência de uma estratégia anticoncorrencial e que essa consideração revestia um papel determinante na declaração da infração.

11      A Comissão defende que este fundamento é improcedente. Com efeito, o conceito de «abuso» na aceção do artigo 102.° TFUE é de natureza objetiva, pelo que não se exige uma eventual intenção anticoncorrencial.

12      A Comissão considera, porém, que essa intenção não é desprovida de pertinência para apreciar de forma geral o comportamento de uma empresa em posição dominante. Com efeito, a prova dessa intenção pode, eventualmente, ser pertinente para o cálculo da coima, nomeadamente no que diz respeito à questão de saber se a infração foi cometida de forma deliberada ou por negligência.

13      Por outro lado, a Comissão contesta a afirmação das recorrentes segundo a qual a apreciação de elementos de caráter subjetivo teve uma incidência significativa na declaração da existência de uma violação ao artigo 102.° TFUE.

14      A Comissão sublinha, a este respeito, que o presente recurso não identifica os eventuais elementos de prova respeitantes à intenção do grupo Tomra de se dedicar a uma concorrência assente no mérito, que não tenham sido tidos em conta pelo Tribunal Geral, assim como não explica em que é que essas provas poderiam pôr em causa a análise dos comportamentos de exclusão postos em prática.

15      A Comissão diz também que as recorrentes não demonstraram que as suas práticas eram justificadas no plano comercial. O Tribunal Geral concluiu, portanto, com justeza pela existência de uma estratégia anticoncorrencial do grupo Tomra.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

16      Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes pretendem, no essencial, comprovar que o Tribunal Geral aceitou erradamente uma pretensa constatação da Comissão relativa à existência de uma intenção anticoncorrencial do grupo Tomra, nomeadamente deixando de tomar em conta documentos internos que atestam a vontade do mesmo de levar a cabo uma concorrência assente no mérito.

17      A fim de apreciar a justeza deste fundamento, devemos lembrar que a exploração abusiva de uma posição dominante proibida pelo artigo 102.° TFUE é um conceito objetivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante que, num mercado em que, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v. acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, Colet., p. I‑527, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

18      Não obstante, a Comissão, na sua análise do comportamento de uma empresa em posição dominante e para identificar um eventual abuso dessa posição, deve analisar todas as circunstâncias de facto pertinentes que enquadram o referido comportamento (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, British Airways/Comissão, C‑95/04 P, Colet., p. I‑2331, n.° 67).

19      A este respeito, importa observar que quando a Comissão procede a uma avaliação do comportamento de uma empresa em posição dominante, uma vez que essa avaliação é indispensável para chegar a uma conclusão relativa à existência de abuso dessa posição, é forçosamente chamada a apreciar a estratégia comercial prosseguida pela referida empresa. Neste âmbito, parece normal que a Comissão evoque fatores de natureza subjetiva, nomeadamente os interesses que motivam a estratégia comercial em questão.

20      Assim, a existência de uma eventual intenção anticoncorrencial constitui apenas uma das numerosas circunstâncias factuais suscetíveis de ser tidas em conta na determinação de um abuso de posição dominante.

21      Todavia, para aplicar o artigo 82.° CE, a Comissão não é obrigada a demonstrar a existência dessa intenção no âmbito da empresa em posição dominante.

22      A este respeito, foi com razão que o Tribunal Geral, no n.° 36 do acórdão recorrido, salientou que era perfeitamente normal que a decisão impugnada fizesse prioritariamente referência ao comportamento anticoncorrencial das recorrentes, uma vez que era precisamente esse comportamento que cumpria à Comissão demonstrar. Com efeito, admitindo‑se provada a existência de uma intenção de exercer uma concorrência assente no mérito, ela não demonstra a ausência de um abuso.

23      Tendo estes factos em conta, no n.° 38 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral lembra igualmente, sem qualquer erro de direito, como resulta do n.° 20 do presente acórdão, que o conceito de abuso é objetivo.

24      Por conseguinte, no n.° 39 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão, nos considerandos 97 e seguintes da decisão impugnada, tinha demonstrado que as práticas das recorrentes, examinadas no seu contexto e combinadas com uma série de outros elementos, entre os quais os documentos internos das recorrentes, eram suscetíveis de excluir a concorrência. O Tribunal Geral precisou, igualmente com razão, no mesmo número do acórdão recorrido, que a Comissão não se tinha baseado exclusivamente na intenção ou na estratégia das recorrentes para justificar a sua conclusão relativa à existência de uma violação do direito da concorrência. Com efeito, resulta do considerando 284, inscrito na secção da referida decisão consagrada à apreciação da Comissão, bem como do exame concreto das práticas em causa, efetuado a partir do considerando 286, que a mesma sublinha o caráter objetivo da infração ao artigo 102.° TFUE, que declarou.

25      No que respeita ao argumento de que o Tribunal Geral terá avaliado mal um determinado número de documentos de correspondência interna do grupo Tomra relativamente à estratégia comercial das recorrentes, há que recordar, entre outras, que, de acordo com jurisprudência assente, resulta dos artigos 256.° TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva para, por um lado, apurar a matéria de facto, exceto nos casos em que a inexatidão material das suas conclusões resulte dos documentos que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 256.° TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (v. acórdão de 3 de setembro de 2009, Moser Baer India/Conselho, C‑535/06 P, Colet., p. I‑7051, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

26      Assim, o Tribunal de Justiça não é competente para proceder ao apuramento dos factos nem, em princípio, para analisar as provas que o Tribunal Geral considerou sustentarem esses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as normas processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, por isso, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v. acórdão Moser Baer India/Conselho, já referido, n.° 32 e jurisprudência aí referida).

27      Por outro lado, uma eventual desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (v. acórdão Moser Baer India/Conselho, já referido, n.° 33 e jurisprudência aí referida).

28      Ora, as recorrentes não alegam nenhuma desvirtuação deste tipo perante o Tribunal de Justiça.

29      Assim, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito e a uma falta de fundamentação, tendo em conta a parte da procura total que os acordos deviam cobrir para constituir uma prática abusiva (n.os 238 a 246 do acórdão recorrido)

 Argumentos das partes

30      A Tomra e o. defendem que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e não fundamentou suficientemente a improcedência desse fundamento, na medida em que considerou que os acordos em causa diziam respeito a uma parte da procura total, suficiente para ser suscetível de restringir a concorrência.

31      A Tomra e o. consideram que o raciocínio do Tribunal Geral a este respeito se baseou em expressões como «substancial», «longe de ser pequena» ou uma proporção «muito elevada». Por consequência, por causa do emprego destes termos ambíguos, o Tribunal Geral não apresentou uma fundamentação apropriada em apoio do seu acórdão.

32      A Tomra e o. salientam que o Tribunal Geral não apresenta o critério apropriado para determinar se as práticas em causa se aplicam a uma parte do mercado suficiente para o fechar efetivamente à concorrência. O único critério respeitante à capacidade de excluir toda a concorrência, a que o acórdão impugnado se refere, resulta da observação do Tribunal Geral segundo a qual os concorrentes das recorrentes deviam poder concorrer na totalidade do mercado. A consideração do Tribunal Geral de que qualquer acordo de exclusividade é automaticamente suscetível de fechar o mercado em questão à concorrência constitui um erro de direito.

33      A Tomra e o. afirmam ainda que a Comissão deveria ter aplicado o critério da «escala mínima de viabilidade» ou outro método apropriado que permitisse determinar se os acordos em causa eram suscetíveis de fechar o mercado em questão à concorrência.

34      A Comissão salienta que não pode haver dúvida de que as práticas das recorrentes cobriam uma parte muito substancial do mercado em causa. Com efeito, as próprias recorrentes reconhecem que, em média, em cinco anos e nos cinco mercados considerados no seu conjunto, as práticas em questão vinculavam cerca de 39% da procura.

35      A Comissão observa que as repercussões dos acordos em causa se refletiam, a maioria das vezes, nos consideráveis efeitos de incitação nos clientes do grupo Tomra, no que respeita à sua escolha de fornecimento.

36      Finalmente, a Comissão defende que a utilização de termos como «significativas» era amplamente justificada por factos pertinentes. Com efeito, a fundamentação a apresentar pelo Tribunal Geral deve ter uma relação com o ato em causa, o que é o caso.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

37      O segundo fundamento trata, em substância, do mérito das apreciações do Tribunal Geral relativas à parte pertinente do mercado em causa, coberta pelos acordos em causa, para se poder determinar se eram suscetíveis de fechar o mercado à concorrência.

38      No que respeita à questão do nível de domínio de um mercado determinado, por parte da empresa em causa, com o objetivo de demonstrar a existência de um abuso no seu comportamento, resulta do n.° 79 do acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, que a posição dominante visada no artigo 102.° TFUE se refere a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe permite impedir a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa, conferindo‑lhe a possibilidade de se comportar com um grau apreciável de independência em face dos seus concorrentes e dos seus clientes.

39      Por outro lado, resulta dos n.os 80 e 81 do referido acórdão que esta disposição não inclui no conceito de posição dominante nenhuma distinção nem nenhum grau. Logo, quando uma empresa dispõe de um poder económico como o exigido pelo artigo 102.° TFUE para verificar se ela ocupa uma posição dominante num mercado determinado, há que apreciar o seu comportamento à luz dessa disposição. Não obstante, o grau de poder de mercado tem, em princípio, mais consequências no alcance dos efeitos do comportamento da empresa em questão do que na existência do abuso como tal.

40      É certo que, como resulta do n.° 239 do acórdão recorrido, a Comissão não estabeleceu um limiar preciso ultrapassado o qual as práticas do grupo Tomra seriam suscetíveis de excluir os seus concorrentes do mercado em questão.

41      No entanto, no n.° 240 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aceitou com razão a consideração da Comissão segundo a qual, ao encerrar uma parte significativa do mercado, o grupo Tomra limitou a entrada a um ou vários concorrentes e, portanto, restringiu a intensidade da concorrência na totalidade do mercado.

42      Com efeito, como refere o Tribunal Geral no n.° 241 do acórdão recorrido, o encerramento de uma parte substancial do mercado por uma empresa dominante não pode ser justificado pela demonstração de que a parte do mercado suscetível de ser conquistada é ainda suficiente para dar lugar a um número limitado de concorrentes. Por um lado, os clientes que se encontram na parte encerrada do mercado deviam ter a possibilidade de aproveitar todo o grau possível de concorrência no mercado, e os concorrentes deveriam poder concorrer, pelo seu mérito, em todo o mercado, e não apenas numa parte dele. Por outro lado, o papel da empresa dominante não é o de determinar qual o número de concorrentes viáveis autorizados a concorrer à parte da procura ainda suscetível de ser conquistada.

43      Além disso, o Tribunal Geral, no n.° 242 do acórdão recorrido, precisou que só uma análise das circunstâncias do caso, como a efetuada pela Comissão na decisão impugnada, pode permitir determinar se as práticas de uma empresa em posição dominante são suscetíveis de excluir a concorrência. Seria no entanto artificial determinar, a priori, a porção subordinada do mercado para além da qual as práticas de uma empresa em posição dominante podem ter um efeito de exclusão dos concorrentes.

44      No n.° 243 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fixou, assim, na sequência dessa análise das circunstâncias do caso, que, no período e nos países examinados, uma proporção considerável (de dois quintos) da procura total estava subtraída à concorrência.

45      Esta conclusão do Tribunal Geral deve ser considerada não ferida por erro de direito.

46      No que respeita à argumentação das recorrentes segundo a qual a Comissão deveria ter aplicado o critério da «escala mínima de viabilidade», basta observar que, por um lado, o Tribunal Geral considerou corretamente que a determinação de um limiar preciso de encerramento do mercado para lá do qual as práticas em causa devem ser consideradas abusivas não era necessária para a aplicação do artigo 102.° TFUE e que, por outro lado, tendo em conta as considerações feitas no n.° 243 do acórdão impugnado, no caso, foi para todos os efeitos feita prova bastante de que o mercado foi fechado à concorrência pelas práticas em causa.

47      Finalmente, no que respeita à argumentação das recorrentes baseada em fundamentação insuficiente, por parte do Tribunal Geral, relativa à procura total que os acordos em causa deviam cobrir para serem considerados abusivos, recorde‑se que o dever de fundamentação não impõe que o Tribunal Geral faça uma exposição a acompanhar, exaustiva e individualmente, todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio e que a fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecer as razões por que o Tribunal Geral não julgou procedentes os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., nomeadamente, acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt ― Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.° 114 e jurisprudência aí referida).

48      Resulta, no entanto, do conjunto dos elementos que precedem, nomeadamente do facto, referido no n.° 46 do presente acórdão, de a determinação de um limiar preciso de encerramento do mercado não ser indispensável, que o Tribunal Geral não faltou ao seu dever de fundamentação, ao rejeitar a argumentação referida pelas recorrentes.

49      Nestas condições, deve o segundo fundamento ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um vício processual e a um erro de direito na apreciação dos descontos retroativos (n.os 258 a 272 do acórdão recorrido)

 Argumentos das partes

50      A Tomra e o. defendem que o Tribunal Geral cometeu um vício processual ao desvirtuar os argumentos invocados a respeito dos descontos retroativos. Além disso, o acórdão recorrido está ferido de erro de direito, na medida em que a Comissão não demonstrou que os descontos retroativos resultavam em preços inferiores aos custos.

51      A Tomra e o. indicam que a Comissão não examinou os custos pertinentes a fim de determinar o nível abaixo do qual os preços aplicados pelas recorrentes tinham efeitos de exclusão. Ora, uma comparação dos preços e dos custos teria sido essencial na apreciação da capacidade de os descontos retroativos restringirem a concorrência.

52      As recorrentes invocam também a Comunicação da Comissão intitulada «Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo 82.° [CE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante» (JO 2009, C 45, p. 7, a seguir «Orientação»), observando que esta prevê precisamente essa comparação, sempre que dos preços praticados por uma empresa dominante resulte um pretenso abuso.

53      A Tomra e o. precisam que, por sua vez, o Tribunal Geral também não tentou saber se os preços praticados pelas recorrentes eram ou não inferiores aos preços de custo. Em particular, o Tribunal Geral terá ignorado o argumento segundo o qual a Comissão, para demonstrar que os descontos eram suscetíveis de ter um efeito de exclusão, devia demonstrar que os preços eram tão baixos que eram inferiores ao preço de custo.

54      A Comissão estima que o terceiro fundamento é inadmissível, dado que não foi suficientemente desenvolvido perante o Tribunal Geral.

55      Quanto ao mérito, a Comissão considera que este fundamento é irrelevante e, em qualquer caso, improcedente.

56      A Comissão indica que, mesmo supondo que as recorrentes tinham fundamento para afirmar que a questão dos «preços negativos» não era o elemento central da sua argumentação em primeira instância ― e não é esse o caso ―, não contestam, em segunda instância, a conclusão do Tribunal Geral de que a questão de saber se os concorrentes eram constrangidos a propor «preços negativos» não foi decisiva para concluir que o sistema de descontos retroativos aplicado pelo grupo Tomra era abusivo.

57      A Comissão lembra que os descontos em causa se aplicavam geralmente a quantidades que representavam a totalidade ou uma grande parte das necessidades de cada cliente num dado período de referência.

58      A Comissão alega que as recorrentes fazem uma leitura errada da decisão impugnada, ao supor que a demonstração da existência de «preços negativos» era uma condição prévia à prova do caráter abusivo dos sistemas de fidelização.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

59      Importa sublinhar, em primeiro lugar, que o terceiro fundamento não trata especificamente da alegada falta, no acórdão recorrido, de uma análise dos argumentos apresentados pelas recorrentes em primeira instância, a respeito da necessidade de comparar os preços praticados por estas e os seus custos.

60      Com efeito, o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, concentrou‑se na análise efetuada pela Comissão aos preços praticados pelo grupo Tomra, no quadro dos descontos aplicados, e nomeadamente na questão de saber se os descontos forçavam os concorrentes do referido grupo a faturar «preços negativos» aos clientes deste.

61      Assim, as recorrentes acusam o Tribunal Geral, em primeiro lugar, de ter ferido o acórdão recorrido de um vício processual, pelo facto de não ter examinado os seus argumentos baseados na relação entre os custos do grupo Tomra e os seus preços, além de, em segundo lugar, ter cometido um erro de direito, ao não exigir, quanto ao mérito, que a Comissão tivesse em conta, no que respeita ao caráter abusivo dos descontos aplicados pelas recorrentes, a incidência da questão de saber se os preços praticados eram ou não inferiores aos seus custos marginais médios a longo prazo.

62      No que diz respeito à admissibilidade do terceiro fundamento, refira‑se, antes de mais, que o mesmo visa as apreciações do Tribunal Geral relativas à terceira parte do segundo e quarto fundamentos formulados em primeira instância, sendo estes agrupados pelo Tribunal Geral num único fundamento (v. n.° 198 do acórdão recorrido). A referida parte tratava de provas e de hipóteses alegadamente inexatas e enganadoras nas quais a Comissão se teria baseado para apreciar a capacidade que os descontos retroativos teriam para afastar a concorrência.

63      A este respeito, o Tribunal Geral, nos n.os 247 e 248 do acórdão recorrido, reproduz a argumentação que lhe foi apresentada pelas recorrentes, como resulta dos n.os 102 a 131 da petição em primeira instância.

64      Decorre do resumo da referida argumentação que as recorrentes tinham defendido que a tese da Comissão a respeito dos descontos retroativos assentava no entendimento de que esses descontos permitiam ao grupo Tomra praticar «preços negativos» ou «muito baixos». Ora, resulta do n.° 105 da petição apresentada em primeira instância que a Tomra e o. acusavam a Comissão de não ter examinado os seus custos. Com efeito, as recorrentes afirmaram que a Comissão, no considerando 165 da decisão impugnada, invocava descontos que levavam a «preços muito baixos, eventualmente preços negativos», mas que não tinha examinado os custos do grupo Tomra para determinar o nível abaixo do qual esses preços seriam de exclusão ou predatórios.

65      Tendo em conta estes elementos, há que considerar que a argumentação objeto do terceiro fundamento foi devidamente desenvolvida perante o Tribunal Geral.

66      Resulta do exposto que o referido fundamento deve ser declarado admissível.

67      Quanto ao mérito, importa salientar que, segundo a Comissão, a ausência, no acórdão recorrido, de análise da argumentação relativa à questão de saber se os preços praticados pelo grupo Tomra eram inferiores aos seus custos marginais médios a longo prazo não teve incidência alguma na conclusão a que chegou o Tribunal Geral sobre o mérito da análise da Comissão relativa ao caráter abusivo dos descontos aplicados pelas recorrentes.

68      Foi correta a observação do Tribunal Geral, no n.° 289 do acórdão recorrido, de que, para provar um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.° TFUE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tem como consequência uma restrição da concorrência ou que o comportamento é suscetível de ter tal efeito.

69      No que respeita aos descontos atribuídos por uma empresa em posição dominante aos seus clientes, o Tribunal de Justiça sublinhou que estes podem ser contrários ao artigo 102.° TFUE, mesmo que não correspondam a nenhum dos exemplos enunciados no seu segundo parágrafo (v., neste sentido, acórdão British Airways/Comissão, já referido, n.° 58 e jurisprudência aí referida).

70      Nos casos em que uma empresa em posição dominante fazia uso de um sistema de descontos, o Tribunal de Justiça decidiu que a referida empresa abusava dessa posição quando, sem vincular os compradores por uma obrigação formal, aplicava, em virtude de acordos assinados com esses compradores ou unilateralmente, um regime de descontos de fidelidade, ou seja, descontos vinculados à condição de o cliente ― qualquer que fosse o montante das suas compras, considerável ou mínimo ― se abastecer, na totalidade ou numa parte significativa das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (v. acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche, 85/76, Colet., p. 217, n.° 89, e de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 71).

71      A este respeito, importa apreciar todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos, e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em nenhuma prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, a impedir o acesso ao mercado dos concorrentes ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v. acórdão Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, já referido, n.° 73).

72      Quanto ao presente processo, resulta do n.° 213 do acórdão recorrido que um sistema de descontos destinado a impedir o abastecimento dos clientes da empresa em posição dominante, junto de produtores concorrentes, deve ser considerado contrário ao artigo 102.° TFUE.

73      Ao contrário do que pretendem as recorrentes, a faturação aos clientes com «preços negativos», isto é, a preços abaixo do preço de custo, não constitui uma condição prévia para que seja declarado o caráter abusivo de um sistema de descontos retroativos por uma empresa em posição dominante.

74      Como o Tribunal Geral corretamente observou no n.° 258 do acórdão recorrido, a terceira parte do segundo e quarto fundamentos apresentados em primeira instância estava baseada numa premissa errada. Com efeito, o facto de os sistemas de descontos retroativos forçarem os concorrentes a faturar a preços negativos aos clientes das recorrentes beneficiários dos descontos não pode ser considerado um dos pilares em que se baseia a decisão impugnada para demonstrar que os sistemas de descontos retroativos das recorrentes eram suscetíveis de ter efeitos anticoncorrenciais. De resto, o Tribunal Geral referiu acertadamente, no n.° 259 do acórdão recorrido, que a decisão impugnada se baseava em toda uma série de outras considerações relativas aos descontos retroativos praticados pelas recorrentes, para concluir que estes tipos de práticas eram suscetíveis de excluir os concorrentes, em violação do artigo 102.° TFUE.

75      A este respeito, o Tribunal Geral observou, em particular, que, segundo a decisão impugnada, em primeiro lugar, o incentivo para comprar exclusivamente ou quase exclusivamente às recorrentes era particularmente forte quando os limiares do tipo dos aplicados pelas recorrentes são combinados com um sistema através do qual o benefício ligado à passagem, consoante o caso, de um limiar de bónus ou de um limiar mais vantajoso se repercute em todas as aquisições efetuadas pelo cliente no período de referência e não só no volume de compras que exceda o limiar em questão (n.° 260 do acórdão recorrido). Em segundo lugar, a combinação entre um regime de descontos específicos de cada cliente e limiares estabelecidos com base nas necessidades estimadas do cliente e/ou dos volumes de compras realizados no passado representava, portanto, um forte incentivo para adquirir às recorrentes a totalidade ou a quase totalidade do equipamento necessário e aumentava artificialmente o custo da transferência para um fornecedor alternativo, mesmo quanto a um pequeno número de unidades (n.os 261 e 262 do acórdão recorrido). Em terceiro lugar, os descontos retroativos aplicavam‑se frequentemente a alguns dos maiores clientes do grupo Tomra, com o objetivo de garantir a sua fidelidade (n.° 263 do acórdão recorrido). Finalmente, as recorrentes não demonstraram que o seu comportamento era objetivamente justificado ou que produzia ganhos de eficácia substanciais, superiores aos efeitos anticoncorrenciais produzidos nos consumidores (n.° 264 do acórdão recorrido).

76      Assim, resulta de todas as considerações enunciadas nos n.os 260 a 264 do acórdão recorrido, lembradas acima, que o Tribunal Geral chegou à conclusão de que a terceira parte do segundo e quarto fundamentos apresentados em primeira instância se baseava numa premissa errada baseada na força probatória, no que respeita ao caráter anticoncorrencial do regime de descontos em causa, das características próprias desse regime, independentemente do nível preciso dos preços praticados.

77      Com efeito, o Tribunal Geral continuou o seu raciocínio salientando, no n.° 266 do acórdão recorrido, que a Comissão, na decisão impugnada, por um lado, não afirma de modo algum que os sistemas de descontos retroativos conduziram sistematicamente a preços negativos e, por outro, também não sustenta que tal demonstração constitua uma condição prévia para se considerar que esses sistemas de descontos são abusivos.

78      O Tribunal Geral precisou, a este propósito, no n.° 267 do acórdão recorrido, que o mecanismo de exclusão constituído pelos descontos retroativos também não exige que a empresa dominante sacrifique lucros, uma vez que o custo do desconto é repartido por um grande número de unidades. Através da concessão retroativa do desconto, o preço médio obtido pela empresa dominante pode muito bem ser largamente superior aos custos e proporcionar uma margem beneficiária média elevada. Do sistema de descontos retroativos resulta, porém, para o cliente, que o preço efetivo das últimas unidades é muito baixo em razão do efeito de aspiração. O Tribunal Geral julgou, portanto, irrelevantes as alegações de erros factuais apresentadas pelas recorrentes em resposta à análise do nível de preços praticados pelas mesmas, efetuada na decisão impugnada.

79      Por conseguinte, o Tribunal Geral decidiu acertadamente, em substância, nos n.os 269 a 271 do acórdão recorrido, que o mecanismo de fidelização reside na capacidade de o fornecedor excluir os seus concorrentes, canalizando a seu favor a parte disputável da procura. Em presença de tal instrumento comercial, não é necessário proceder a uma análise dos efeitos concretos dos descontos na concorrência, dado que, para demonstrar uma violação do artigo 102.° TFUE, basta provar, como foi lembrado no n.° 66 do presente acórdão, que o comportamento em causa é suscetível de ter esse efeito.

80      Assim sendo, a alegada falta, no acórdão recorrido, de uma análise dos argumentos apresentados pelas recorrentes em primeira instância, a respeito da necessidade de comparar os preços praticados por elas e os seus custos, subjacente tanto à alegação de vício processual como à de erro de direito, não fere de erro de direito o acórdão recorrido. Com efeito, a Comissão demonstrou a existência de um abuso de posição dominante com base nas outras considerações enunciadas nos n.os 260 a 264 do acórdão recorrido, tendo o Tribunal Geral considerado acertadamente que esta análise era adequada e suficiente para demonstrar a existência desse abuso. Assim, nem a Comissão nem o Tribunal Geral eram obrigados a examinar a questão de saber se os preços praticados pelo grupo Tomra eram ou não inferiores aos seus custos marginais médios a longo prazo, de forma que o presente fundamento não colhe no contexto do presente recurso.

81      Os argumentos das recorrentes nos termos dos quais a Orientação da Comissão (v. n.° 52 do presente acórdão) prevê uma análise comparativa dos preços e dos custos não afetam esta análise. Com efeito, como observa o advogado‑geral no n.° 37 das suas conclusões, a Orientação, publicada em 2009, não é pertinente para a apreciação jurídica de uma decisão como a impugnada, adotada em 2006.

82      Do exposto resulta que o terceiro fundamento deve ser considerado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito e a uma falta de fundamentação na análise da questão de saber se os acordos nos quais as recorrentes são designadas como «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor» podem ser qualificados de exclusivos (n.os 55 a 67 do acórdão recorrido)

 Argumentos das partes

83      A Tomra e o. consideram, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral não examinou nem fundamentou suficientemente se a totalidade dos acordos nos quais as recorrentes eram classificadas de «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor» pelas partes, considerados pela Comissão como acordos de exclusividade, visavam efetivamente a exclusividade de abastecimento junto das recorrentes.

84      A Tomra e o. observam, em segundo lugar, que o Tribunal Geral negligenciou a análise da questão de saber se, nos acordos que não continham uma obrigação formal de exclusividade, existiam outros fatores de incitamento aos clientes das recorrentes para que se abastecessem exclusivamente junto delas.

85      A Comissão alega que o quarto fundamento é inadmissível na medida em que contesta a apreciação de elementos factuais efetuada pelo Tribunal Geral. Com efeito, este fundamento de recurso destina‑se a impugnar uma consideração do Tribunal Geral segundo a qual os contratos que designavam as recorrentes como «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor» implicavam uma obrigação de exclusividade. A questão de saber se esses acordos eram compreendidos pelas partes interessadas como compromissos de exclusividade é uma questão de facto, devendo ser decidida com base nos elementos de prova disponíveis, e não com base nas disposições do direito nacional que disciplinam esses contratos.

86      A Comissão sublinha que o Tribunal Geral examinou igualmente a questão de saber se os acordos em causa comportavam outros mecanismos de incitamento ao abastecimento exclusivamente no grupo Tomra. Trata‑se, por outro lado, de um fundamento novo, inadmissível num recurso de segunda instância.

87      Finalmente, a Comissão defende que o quarto fundamento não preenche as exigências do artigo 38.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Com efeito, a única passagem do presente recurso onde as recorrentes fazem referência aos acordos que designam a Tomra e o. como «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor» é uma nota de rodapé, que se limita a elencar um número limitado de acordos sem qualquer explicação. Ora, essa apresentação não pode constituir um fundamento devidamente substanciado na aceção da disposição acima referida do Regulamento de Processo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

88      Com o quarto fundamento, as recorrentes questionam, por um lado, as apreciações do Tribunal Geral relativas ao facto de os acordos impugnados, que qualificavam as recorrentes de «fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor», visarem efetivamente a exclusividade do abastecimento e, por outro lado, a falta de análise, pelo Tribunal Geral, da questão de saber se os acordos que não continham uma obrigação formal de exclusividade comportavam outros tipos de mecanismos, como compromissos quantitativos ou descontos, com o objetivo de incitar os clientes do grupo Tomra a abastecerem‑se junto deste.

89      Cabe observar, a este respeito, que o fundamento se refere às apreciações efetuadas pelo Tribunal Geral no que respeita às características particulares das relações contratuais entre as recorrentes e os seus clientes. A Comissão, na decisão impugnada, avaliou as referidas características, tendo em contra um elevado número de elementos factuais que envolveram essas relações.

90      O Tribunal Geral, no n.° 57 do acórdão recorrido, considerou que foi com base nos elementos de prova disponíveis que a Comissão, na decisão impugnada, qualificou de «exclusivos» ou «preferenciais» os diferentes contratos concebidos pelas recorrentes e que estes eram entendidos como tais, independentemente da questão do seu caráter executório no direito nacional.

91      Neste quadro, o Tribunal Geral, a título de exemplo, efetuou, nos n.os 58 a 66 e nos n.os 88 a 197 do acórdão recorrido, um grande número de avaliações relativas às relações comerciais entre o grupo Tomra e os seus clientes. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral examinou profundamente os argumentos avançados pelas recorrentes, relativos às modalidades das referidas relações, não deixando de os considerar desprovidos de pertinência quanto à qualificação dessas relações pela Comissão.

92      No seu todo, estas avaliações abrangiam, desde logo, como sublinha o advogado‑geral no n.° 60 das suas conclusões, as repercussões das práticas do grupo Tomra e os elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral sobre esse aspeto, em particular no que respeita aos mecanismos que visavam incitar os diferentes clientes a abastecerem‑se de forma exclusiva nas recorrentes.

93      Daqui decorre que a argumentação que as recorrentes formularam a este respeito visa contestar apreciações factuais do Tribunal Geral.

94      Ora, este último é exclusivamente competente, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos do processo que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram apresentados, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v. acórdãos de 21 de junho de 2001, Moccia Irme e o./Comissão, C‑280/99 P a C‑282/99 P, Colet., p. I‑4717, n.° 78, e de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 48 e 49).

95      É necessário ter em conta que, relativamente às referidas avaliações do Tribunal Geral, as recorrentes não alegaram desvirtuação alguma dos factos.

96      Resulta ainda do exposto que, ao contrário do que defendem as recorrentes, o Tribunal Geral examinou em pormenor se os acordos em causa incluíam incitamentos ao abastecimento exclusivo no grupo Tomra, pelo que o acórdão recorrido não está ferido de falta de fundamentação a este respeito.

97      Finalmente, a respeito do argumento de que o Tribunal Geral deveria ter considerado outros fatores de incitamento aos clientes das recorrentes, importa observar, como salienta o advogado‑geral nos n.os 71 e 72 das suas conclusões, que o Tribunal Geral não foi chamado a analisar esse argumento no quadro das alegações que lhe foram apresentadas.

98      Daqui resulta que o referido argumento deve ser considerado um fundamento novo.

99      Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, permitir a uma parte invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento que não apresentou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio com um objeto mais lato do que o submetido ao Tribunal Geral. No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos perante o Tribunal Geral (v. acórdão de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, Colet., p. I‑1981, n.° 59).

100    Consequentemente, o quarto fundamento deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito na apreciação da coima, tendo em conta o princípio da igualdade de tratamento (n.os 310 a 321 do acórdão recorrido)

 Argumentos das partes

101    A Tomra e o. alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao infligir às recorrentes uma coima consideravelmente superior à aplicada a outras empresas em situação comparável.

102    A Comissão considera que a argumentação apresentada pelas recorrentes não tem fundamento jurídico. Em matéria de concorrência, a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas.

103    A Comissão defende que a infração de que são acusadas as recorrentes era manifesta e foi cometida deliberadamente. Não havia nenhuma circunstância particular em defesa de uma redução da coima. Por outro lado, o montante de base da coima, fixado em 16 milhões de euros, situa‑se bem no interior do intervalo previsto para as infrações graves.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

104    Importa lembrar que o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações (v. acórdãos de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, Colet., p. I‑8935, n.° 205, e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 233).

105    Assim, o facto de, no passado, a Comissão ter aplicado, para certas categorias de infrações, coimas que se situavam num determinado nível não a pode impedir de fixar coimas a um nível superior, se for considerado que um aumento das sanções é necessário para assegurar a execução da política da concorrência da União, a qual está unicamente definida pelo Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1) (v., neste sentido, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 227).

106    Com efeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que a execução da referida política exige que a Comissão possa adaptar o nível das coimas em função dos imperativos da política na matéria (v. acórdão de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 109).

107    Há que acrescentar que a gravidade das infrações deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração (v. acórdão de 17 de julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colet., p. I‑4411, n.° 33).

108    Foi, portanto, corretamente que o Tribunal Geral, no n.° 314 do acórdão recorrido, rejeitou a argumentação das recorrentes relativa à comparação entre a coima aplicada ao grupo Tomra e as sanções aplicadas pela Comissão noutras decisões em matéria de concorrência.

109    Nestas condições, o Tribunal Geral, no quadro da sua apreciação relativa ao montante da coima aplicada, não violou o princípio da igualdade de tratamento.

110    O quinto fundamento de recurso invocado pelas recorrentes não pode ser acolhido.

111    Do exposto resulta que o recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto às despesas

112    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes e dado que estas foram vencidas, há que as condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Tomra Systems ASA, a Tomra Europe AS, a Tomra Systems GmbH, a Tomra Systems BV, a Tomra Leergutsysteme GmbH, a Tomra Systems AB e a Tomra Butikksystemer AS são condenadas nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.