Language of document : ECLI:EU:C:2012:781

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de dezembro de 2012 (*)

«Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento — Exceção de inadmissibilidade — Artigos 228.°, n.° 2, CE e 260.°, n.° 2, TFUE — Incumprimento — Sanções pecuniárias»

No processo C‑610/10,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, entrada em 22 de dezembro de 2010,

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

demandado,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, D. Hadroušek e J. Očková, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, M. Ilešič, T. von Danwitz e J. Malenovský, presidentes de secção, U. Lõhmus, E. Levits, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), C. Toader e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de junho de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que:

¾        declare que, não tendo adotado todas as medidas necessárias à execução do acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C‑499/99, Colet., p. I‑6031), relativo à recuperação dos auxílios que, nos termos da Decisão 91/1/CEE da Comissão, de 20 de dezembro de 1989, relativa aos auxílios concedidos em Espanha pelo Governo central e por vários governos autónomos à Magefesa, produtora de utensílios de cozinha de aço inoxidável e de pequenos aparelhos elétricos (JO 1991, L 5, p. 18), foram declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa decisão e do artigo 260.°, n.° 1, TFUE;

¾        ordene ao Reino de Espanha o pagamento à Comissão de uma sanção pecuniária compulsória diária, no montante de 131 136 euros, pelo atraso na execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, a contar da data da prolação do acórdão no presente processo até à execução do dito acórdão Comissão/Espanha;

¾        ordene ao Reino de Espanha o pagamento à Comissão de uma quantia fixa, cujo montante resulta da multiplicação de um montante diário de 14 343 euros pelo número de dias em que a infração persistiu, compreendidos entre a prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, e a do acórdão proferido no presente processo ou a data em que este Estado‑Membro pôs termo à infração;

¾        condene o Reino de Espanha nas despesas.

I —  Antecedentes do litígio

2        Em 20 de dezembro de 1989, a Comissão adotou a Decisão 91/1, pela qual declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos pelo Governo central espanhol e por vários governos regionais autónomos às empresas do grupo Magefesa, sob a forma de garantias de empréstimos, de um empréstimo em condições diferentes das condições de mercado, de auxílios não reembolsáveis e de uma bonificação de juros.

3        No que respeita ao presente processo, o grupo Magefesa é constituído por quatro empresas industriais que fabricam artigos domésticos, a saber, a Industrias Domésticas SA (a seguir «Indosa»), a Cubertera del Norte SA (a seguir «Cunosa»), a Manufacturas Gur SA (a seguir «GURSA») e a Manufacturas Inoxidables Gibraltar SA (a seguir «MIGSA»).

4        Os auxílios que, nos termos da Decisão 91/1, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum repartem‑se, no respeitante aos auxílios concedidos pela Comunidade Autónoma do País Basco, como segue:

¾        uma garantia de empréstimo de 300 milhões de ESP concedida diretamente à Indosa;

¾        uma garantia de empréstimo de 672 milhões de ESP concedida à Fiducias de la cocina y derivados SA, sociedade de gestão constituída no País Basco com o objetivo de atribuir às empresas do grupo Magefesa os referidos auxílios;

¾        uma bonificação de juros de 9 milhões de ESP.

5        Através da mesma decisão, as autoridades espanholas foram convidadas, designadamente, a revogar as garantias de empréstimo, a transformar o empréstimo à taxa bonificada em crédito normal e a recuperar os auxílios não reembolsáveis.

II —  Acórdão Comissão/Espanha

6        Em 22 de dezembro de 1999, a Comissão intentou, ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, uma ação por incumprimento contra o Reino de Espanha, que tinha por objeto obter a declaração de que este não tinha adotado, nos prazos estabelecidos, as medidas necessárias para dar cumprimento, designadamente, à Decisão 91/1.

7        No seu acórdão Comissão/Espanha, já referido, o Tribunal de Justiça concluiu, designadamente, que o Reino de Espanha não cumprira a sua obrigação de adotar as medidas necessárias para dar cumprimento à referida decisão, na parte em que esta declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum os auxílios concedidos às empresas Indosa, GURSA, MIGSA e Cunosa.

III —  Procedimento pré‑contencioso

8        Na sequência do acórdão Comissão/Espanha, já referido, a Comissão e o Reino de Espanha trocaram muita correspondência sobre a execução desse acórdão.

9        Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, apesar de ter sido declarada insolvente em 19 de abril de 1994, a Indosa prosseguiu as suas atividades.

10      Em resposta aos pedidos de informação da Comissão de 25 de março e 27 de julho de 2004 e de 31 de janeiro de 2005, as autoridades espanholas informaram, designadamente, por ofício de 31 de março de 2005, que o acordo de liquidação da Indosa tinha sido aprovado em 29 de setembro de 2004, que esta aprovação tinha sido contestada, mas não teve efeito suspensivo, e que, por conseguinte, a liquidação dos ativos da Indosa podia ter início.

11      Por cartas de 5 de julho e 16 de dezembro de 2005, a Comissão observou que, quase três anos após a prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, a Indosa prosseguia as suas atividades, o processo de liquidação dos seus ativos não tinha ainda começado e o auxílio ilegal não tinha sido recuperado. Além disso, aquela instituição pediu que fosse posto termo às atividades da Indosa e que a liquidação dos seus ativos ficasse concluída, o mais tardar, até 25 de janeiro de 2006.

12      Durante o mesmo ano de 2006, a Comissão considerou que a Decisão 91/1 tinha sido executada relativamente às empresas GURSA, MIGSA e Cunosa, uma vez que estas tinham cessado as respetivas atividades e os seus ativos tinham sido vendidos a preços de mercado.

13      Por ofício de 30 de maio de 2006, o Reino de Espanha comunicou que o acordo de liquidação da Indosa se tinha tornado definitivo em 2 de maio de 2006.

14      No entanto, numa série de cartas, designadamente, de 18 de outubro de 2006, 27 de janeiro de 2007 e 26 de setembro de 2008, a Comissão alegou que as atividades da Indosa não tinham cessado verdadeiramente e que os seus ativos não tinham sido liquidados. Com efeito, segundo a Comissão, as informações fornecidas pelo Reino de Espanha revelavam que as atividades da Indosa prosseguiam por intermédio da sua filial a 100%, a saber, a Compañía de Menaje Doméstico SL (a seguir «CMD»), que tinha sido constituída pelo administrador da insolvência da Indosa, para comercializar os produtos da empresa, e para a qual tinham sido transferidos todos os ativos desta última e o seu pessoal. Por considerar que os ativos da Indosa não tinham sido transferidos através de um processo aberto e transparente, a Comissão concluiu que a CMD prosseguia a atividade subvencionada e que, em consequência, a execução efetiva da Decisão 91/1 carecia da recuperação dos auxílios incompatíveis junto da CMD.

15      O Reino de Espanha respondeu com uma série de ofícios, incluindo os de 8 de outubro e 13 de novembro de 2008 e de 24 de julho e 25 de agosto de 2009, dos quais resulta que a CMD se tinha declarado insolvente em 30 de junho de 2008 e que os seus administradores judiciais tinham apresentado um pedido de rescisão coletiva dos contratos de trabalho de todo o pessoal, que foi aceite pelo órgão jurisdicional nacional competente.

16      Por cartas de 18 de agosto, 7 e 21 de setembro de 2009, a Comissão pediu um calendário detalhado com indicação da data exata da cessação das atividades da CMD e informações mais amplas sobre o procedimento de cessão dos seus ativos, incluindo a prova de que essa cessão tinha sido efetuada em condições de mercado. Pediu também ao Reino de Espanha que fornecesse provas suscetíveis de demonstrar que os auxílios declarados incompatíveis estavam inscritos no passivo da CMD como dívidas da massa insolvente.

17      Por ofícios de 21 de setembro, 13 e 21 de outubro de 2009, o Reino de Espanha respondeu, no essencial, que a CMD tinha cessado as suas atividades em 30 de julho de 2009, mas não forneceu à Comissão o calendário detalhado que ela tinha pedido.

18      Em 3 de setembro de 2009, os antigos trabalhadores da CMD constituíram uma sociedade de responsabilidade limitada com participação dos trabalhadores, denominada Euskomenaje 1870 SLL (a seguir «Euskomenaje»), cuja atividade consiste no fabrico e na comercialização de utensílios de cozinha e pequenos aparelhos elétricos.

19      Na sequência da constituição da referida sociedade, os administradores da insolvência da CMD autorizaram a cessão provisória dos ativos desta à Euskomenaje, até ao final do processo de liquidação da CMD.

20      Em 23 de novembro de 2009, a Comissão enviou ao Reino de Espanha, nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, uma carta de notificação para cumprir. Nesta notificação, a Comissão referia que se reservava o direito de, após tomar conhecimento das observações desse Estado‑Membro ou na falta destas, formular, se fosse caso disso, um parecer fundamentado, em conformidade com aquela disposição.

21      Em 26 de janeiro de 2010, o Reino de Espanha respondeu à carta de notificação para cumprir, referindo que a Indosa e a CMD estavam em liquidação e tinham cessado as suas atividades.

22      Em 22 de março de 2010, a Comissão enviou ao Reino de Espanha uma carta de notificação para cumprir complementar, na qual o convidava, nos termos do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, a apresentar‑lhe as suas observações no prazo de dois meses a contar da receção da mesma. Nessa carta, a Comissão precisou que se reservava o direito de, após tomar conhecimento das observações desse Estado‑Membro ou na falta destas, propor uma ação no Tribunal de Justiça, em aplicação da mesma disposição.

23      Por ofícios de 2 e 9 de junho de 2010, o Reino de Espanha fez o ponto de situação das medidas tomadas para execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido. Indicou, designadamente, que a Comunidade Autónoma do País Basco não figurava na lista de credores da CMD relativamente aos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum pela Decisão 91/1, mas iria participar no processo de insolvência desta sociedade, pedindo que o crédito relativo aos referidos auxílios fosse inscrito na tabela de créditos. Em 10 de junho de 2010, esta Comunidade Autónoma declarou um crédito de 16 828,34 euros. Posteriormente, corrigiu essa declaração várias vezes, aumentando o montante da dívida em causa, que ascende a 22 683 745 euros, segundo a sua última declaração de 7 de dezembro de 2011.

24      Por ofício de 7 de julho de 2010, o Reino de Espanha transmitiu à Comissão o plano de liquidação da CMD e o despacho do órgão jurisdicional nacional competente de 22 de junho de 2010 que aprovou esse plano. Resulta do mesmo que os auxílios ilegais em causa não figuram entre os créditos reconhecidos. Além disso, este plano prevê que a totalidade dos ativos da CMD deve ser vendida aos seus credores, que são, principalmente, os trabalhadores da CMD, mediante uma compensação parcial dos seus créditos, a não ser que seja apresentada uma oferta melhor no prazo de quinze dias a contar da publicação desse plano.

25      Por não ter ficado convencida com as explicações prestadas pelo Reino de Espanha, a Comissão intentou a presente ação.

26      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de maio de 2011, foi admitida a intervenção da República Checa em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

IV —  Desenvolvimentos após a propositura da ação no Tribunal de Justiça

27      Por despacho de 12 de janeiro de 2011, o Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao (Espanha) ordenou a cessação da atividade da CMD e o encerramento dos seus estabelecimentos.

28      Em 3 de março de 2011, a Comunidade Autónoma do País Basco intentou uma ação no referido órgão jurisdicional, destinada a obter a cessação da atividade da Euskomenaje que se desenvolvia nas instalações da CMD.

29      Em 10 de março de 2011, a referida Comunidade recorreu do despacho de 22 de junho de 2010 que aprovou o plano de liquidação da CMD.

30      Por despacho de 16 de janeiro de 2012, a Audiencia Provincial de Bizkaia (Espanha) anulou o referido despacho e ordenou a liquidação dos ativos da CMD em condições de concorrência livre, transparente e aberta a terceiros.

31      Por despacho de 4 de abril de 2012 do Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao, foi inscrito no passivo da CMD um crédito de 22 683 745 euros a favor da Comunidade Autónoma do País Basco.

V —  Quanto à admissibilidade

A —  Argumentos das partes

32      Apoiado pela República Checa, o Reino de Espanha contesta a admissibilidade da presente ação, com fundamento em que a Comissão não lhe tinha enviado um parecer fundamentado nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, que é aplicável ao caso em apreço, dado que o processo foi iniciado em 20 de novembro de 2009, ou seja, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Ora, esta disposição prevê o envio ao Estado‑Membro em causa quer da notificação para cumprir quer de um parecer fundamentado.

33      O Reino de Espanha alega que, na medida em que o artigo 260.°, n.° 2, TFUE pode ser interpretado no sentido de que suprime a etapa relativa à formulação de um parecer fundamentado, a aplicação retroativa desta disposição a um processo iniciado antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa é contrária aos princípios da segurança jurídica, da irretroatividade das normas que preveem sanções menos favoráveis e da legalidade dos delitos e das penas.

34      Além disso, resulta do n.° 42 do acórdão de 4 de julho de 2000, Comissão/Grécia (C‑387/97, Colet., p. I‑5047), que as regras enunciadas numa disposição nova de um Tratado só são aplicáveis se todas as fases do procedimento pré‑contencioso tiverem decorrido após a entrada em vigor desse Tratado.

35      Acresce que o Protocolo n.° 36 relativo às disposições transitórias, anexo ao Tratado FUE, não contém nenhuma disposição que permita a aplicação do artigo 260.°, n.° 2, TFUE a um processo iniciado antes da entrada em vigor deste Tratado.

36      A título subsidiário, o Reino de Espanha alega que o artigo 260.°, n.° 2, TFUE não pode ser interpretado no sentido de que a etapa relativa à formulação de um parecer fundamentado foi suprimida da fase pré‑contenciosa do processo. A interpretação contrária reduziria as garantias processuais e os direitos de defesa do Estado‑Membro em causa.

37      A título ainda mais subsidiário, o referido Estado‑Membro considera que o artigo 288.°, primeiro parágrafo, TFUE, segundo o qual, para exercer as suas competências, as instituições da União Europeia adotam regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres, impõe a formulação de um parecer fundamentado no âmbito do procedimento previsto no artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

38      A Comissão pede a rejeição da exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino de Espanha.

B —  Apreciação do Tribunal de Justiça

39      Antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o processo por incumprimento por inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento do direito da União por um Estado‑Membro era regulado pelo artigo 228.°, n.° 2, CE.

40      Nos termos desta disposição, quando o Tribunal de Justiça declarava que um Estado‑Membro não tinha cumprido alguma das obrigações que lhe incumbiam por força do Tratado CE e, posteriormente, a Comissão entendia que esse Estado‑Membro não tinha tomado as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça que declarou esse incumprimento, a Comissão, após ter dado ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações, formulava um parecer fundamentado, especificando os pontos do referido acórdão a que esse Estado‑Membro não tinha dado cumprimento.

41      O procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 228.°, n.° 2, CE compreendia, assim, duas etapas sucessivas, a saber, a notificação para cumprir do Estado‑Membro em causa e a formulação de um parecer fundamentado dirigido a esse Estado.

42      A partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o artigo 260.°, n.° 2, TFUE dispõe que se a Comissão considerar que o Estado‑Membro em causa não tomou as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento, pode submeter o caso a este Tribunal, após ter dado a esse Estado‑Membro a possibilidade de apresentar as suas observações.

43      Como resulta da própria redação do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, esta disposição alterou a tramitação do procedimento pré‑contencioso, ao suprimir a etapa da formulação de um parecer fundamentado. Atualmente, este procedimento comporta uma única etapa, a saber, a notificação para cumprir do Estado‑Membro em causa.

44      Na presente ação, coloca‑se a questão de saber se um procedimento pré‑contencioso que foi iniciado antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, isto é, em 1 de dezembro de 2009, mas que continua pendente após essa data, é regulado pelo artigo 228.°, n.° 2, CE ou pelo artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

45      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, pressupõe‑se que as regras processuais são aplicáveis, geralmente, na data em que entram em vigor (acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália, C‑334/08, Colet., p. I‑6869, n.° 60; acórdãos de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, Colet., p. I‑2239, n.° 75 e jurisprudência referida, e ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 88; e acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, n.° 47).

46      Ora, as disposições que regulam a tramitação do procedimento pré‑contencioso e que precisam, designadamente, as etapas que o mesmo comporta pertencem às normas processuais aplicáveis na matéria. Com efeito, tanto a notificação para cumprir como o parecer fundamentado dirigido ao Estado‑Membro em causa são apenas meios processuais destinados a fazer cumprir a obrigação, que incumbe a esse Estado, de tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça que declarou o incumprimento. Por conseguinte, as etapas que este procedimento comporta não dizem respeito, enquanto tais, às obrigações dos Estados‑Membros decorrentes dos Tratados e às sanções que lhes podem ser aplicadas em caso de incumprimento dessas obrigações.

47      Consequentemente, as normas que regulam a tramitação do procedimento pré‑contencioso, previstas no artigo 260.°, n.° 2, TFUE, são normas processuais aplicáveis, enquanto tais, desde a entrada em vigor desta disposição. Daqui decorre que estas normas são aplicáveis a qualquer ação por incumprimento intentada após a data da sua entrada em vigor, apesar de o procedimento pré‑contencioso ter sido iniciado antes dessa data.

48      Os princípios da segurança jurídica, da irretroatividade das sanções mais gravosas e da legalidade dos delitos e das penas, invocados pelo Reino de Espanha, não põem em causa as considerações que precedem.

49      No que se refere ao princípio da segurança jurídica, deve recordar‑se que exige que a regulamentação da União permita aos interessados conhecerem com exatidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe e que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referido, n.° 68).

50      A este respeito, há que observar que os Estados‑Membros tinham pleno conhecimento quer da sua obrigação de tomar as medidas necessárias à execução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento de Estado quer das consequências que o incumprimento dessa obrigação pode implicar, uma vez que estas estavam enunciadas no direito primário da União, muito antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Nestas condições, os Estados‑Membros não podem invocar o princípio da segurança jurídica para se oporem à aplicação imediata das novas regras processuais contidas no artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

51      Do mesmo modo, no que se refere aos princípios da irretroatividade das disposições mais gravosas e da legalidade dos delitos e das penas, basta observar que o Tratado FUE não introduziu nenhuma alteração no tocante, por um lado, à obrigação dos Estados‑Membros de tomarem as medidas necessárias à execução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento e, por outro, às sanções em que os Estados‑Membros incorrem em caso de incumprimento dessa obrigação.

52      O Reino de Espanha também não pode invocar, fundadamente, uma violação dos seus direitos de defesa, uma vez que, no caso em apreço, teve a possibilidade de apresentar as suas observações em resposta quer à carta de notificação para cumprir quer à carta de notificação para cumprir complementar. Além disso, este Estado‑Membro estava informado, por esta última carta, de que a Comissão tinha intenção de submeter o caso ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

53      Quanto à conclusão que o Reino de Espanha infere do acórdão Comissão/Grécia, já referido, de que as regras enunciadas numa nova disposição de um Tratado só são aplicáveis se todas as fases do procedimento pré‑contencioso tiverem ocorrido após a entrada em vigor desse Tratado, não se pode deixar de observar que a mesma procede de uma leitura errada desse acórdão.

54      Com efeito, a exceção de inadmissibilidade deduzida no litígio que deu origem ao acórdão Comissão/Grécia, já referido, baseou‑se na premissa de que o procedimento pré‑contencioso tinha sido iniciado antes da entrada em vigor do Tratado UE, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa. Para rejeitar esta exceção, basta o Tribunal de Justiça observar que, contrariamente ao que afirma o Estado‑Membro em causa, todas as fases desse procedimento ocorreram após a entrada em vigor daquele Tratado. No entanto, não se pode deduzir do mesmo acórdão que o Tribunal de Justiça teria chegado à conclusão inversa, se uma das referidas fases tivesse ocorrido antes da entrada em vigor do dito Tratado.

55      Os argumentos invocados pelo Reino de Espanha a título subsidiário também não podem proceder. No que se refere à alegação de que o artigo 260.°, n.° 2, TFUE não teria suprimido a etapa relativa à formulação de um parecer fundamentado durante o procedimento pré‑contencioso, importa remeter para as considerações constantes do n.° 43 do presente acórdão. Quanto ao argumento relativo ao artigo 288.°, primeiro parágrafo, TFUE, basta constatar que esta disposição não tem nenhuma relação com o procedimento previsto no artigo 260.°, n.° 2, TFUE.

56      Nestas condições, há que rejeitar a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino de Espanha.

VI —  Quanto ao incumprimento

A —  Argumentos das partes

57      A Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter tomado as medidas necessárias à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, no que se refere aos auxílios ilegais concedidos à Indosa (a seguir «auxílios ilegais em causa»). Com efeito, embora esta última tenha sido declarada insolvente em 1994, esses auxílios não foram recuperados nem inscritos como dívidas na massa insolvente desta empresa.

58      Além disso, apesar da declaração da insolvência da Indosa, as atividades desta sociedade foram prosseguidas, num primeiro momento, pela própria Indosa, depois, num segundo momento, pela sua filial a 100%, ou seja, a CMD. Além disso, a transferência dos ativos da Indosa para a CMD não foi efetuada de forma transparente e aberta à concorrência.

59      No que se refere à CMD, sociedade que, posteriormente, foi também declarada insolvente, a Comissão considera que as autoridades espanholas não demonstraram que o crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa foi inscrito na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência desta sociedade, antes do termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar. Com efeito, a lista definitiva de créditos que foi enviada à Comissão em 1 de dezembro de 2009 não incluía o crédito relativo à restituição dos referidos auxílios, o que foi expressamente confirmado pelas autoridades espanholas nos seus ofícios de 2 e 9 de junho de 2010.

60      Pelo contrário, o Reino de Espanha considera que tomou todas as medidas possíveis tendo em vista a execução da Decisão 91/1 e do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

61      Em primeiro lugar, no que se refere à inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa no âmbito do processo de insolvência da CMD, este Estado‑Membro sustenta que a Comunidade Autónoma do País Basco tomou uma série de medidas, descritas no n.° 23 do presente acórdão, com vista à inscrição deste crédito.

62      Em segundo lugar, no que se refere à cessação da atividade subvencionada, o Reino de Espanha admite que esta prosseguiu nas instalações da CMD, por intermédio da Euskomenaje. No entanto, este Estado‑Membro considera ter tomado as medidas necessárias para pôr termo a essa atividade.

63      Em terceiro lugar, no que se refere à venda dos ativos da CMD, o Reino de Espanha alega, reportando‑se ao acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C‑496/09, Colet., p. I‑11483), que, para efeitos de execução de uma obrigação de recuperação de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado comum, basta que o crédito relativo à restituição dos auxílios em questão seja inscrito na tabela de créditos, pelo que já não é exigida a venda dos ativos do beneficiário desse auxílio a preços de mercado.

64      Por último, o Reino de Espanha alega que os credores públicos não puderam acelerar a liquidação da CMD, que se desenrolou sob a supervisão de um juiz e segundo o procedimento previsto na legislação nacional aplicável.

B —  Apreciação do Tribunal de Justiça

65      Para determinar se o Reino de Espanha adotou todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, há que verificar se os montantes dos auxílios ilegais em causa foram restituídos pelas empresas beneficiárias dos mesmos. A este respeito, há que observar que o litígio submetido ao Tribunal de Justiça diz respeito, unicamente, aos auxílios concedidos à Indosa.

66      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, relativa ao artigo 228.°, n.° 2, CE, a data de referência para apreciar a existência de um incumprimento nos termos desta disposição se situa no termo do prazo fixado no parecer fundamentado formulado ao abrigo da mesma (v. acórdãos de 12 de julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colet., p. I‑6263, n.° 30, e de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, C‑369/07, Colet., p. I‑5703, n.° 43).

67      Uma vez que, nos termos do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, o Tratado FUE suprimiu do processo por incumprimento a etapa relativa à formulação de um parecer fundamentado, como se observou no n.° 43 do presente acórdão, deve‑se considerar como data de referência para apreciar a existência de um incumprimento deste tipo a data do termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir emitida ao abrigo dessa disposição.

68      No caso em apreço, uma vez que a Comissão enviou ao Reino de Espanha uma carta de notificação para cumprir complementar, a data de referência mencionada no número anterior é a data do termo do prazo fixado nesta carta, a saber, 22 de maio de 2010.

69      Ora, é ponto assente que, nessa data, os auxílios ilegais em causa pagos à Indosa não tinham sido recuperados junto desta.

70      Além disso, não é contestado que os referidos auxílios devem ser recuperados junto da CMD, sociedade que foi declarada insolvente em 30 de junho de 2008, após ter sucedido à Indosa, também declarada insolvente em 19 de abril de 1994.

71      Quando os auxílios ilegalmente pagos devam ser recuperados junto de uma empresa em estado de insolvência ou sujeita a um processo de insolvência cujo objeto é proceder à realização do ativo e ao apuramento do passivo, é jurisprudência assente que o facto de essa empresa estar em dificuldade ou ser insolvente não afeta a obrigação de recuperação (v., designadamente, acórdão de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑280/05, n.° 28 e jurisprudência citada).

72      É igualmente jurisprudência assente que a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios ilegalmente pagos podem, em princípio, realizar‑se mediante a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa (v., neste sentido, acórdãos de 15 de janeiro de 1986, Comissão/Bélgica, 52/84, Colet., p. 89, n.° 14; de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, dito «Tubemeuse», C‑142/87, Colet., p. I‑959, n.os 60 a 62; de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, Colet., p. I‑3925, n.° 85; e de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia, C‑331/09, Colet., p. I‑2933, n.° 60).

73      No caso em apreço, é ponto assente que a Comunidade Autónoma do País Basco só em 10 de junho de 2010 é que apresentou um pedido de inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa, no âmbito do processo de insolvência da CMD, sendo de salientar que esse pedido só abrangia uma parte mínima dos auxílios cuja restituição era exigida pela Decisão 91/1. Posteriormente, esse pedido foi objeto de várias correções, a última das quais foi apresentada em 7 de dezembro de 2011. Ora, todas estas medidas foram tomadas após o termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar.

74      É forçoso concluir, pois, que, em 22 de maio de 2010, data do termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar, o crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa não tinha sido inscrito na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência da CMD.

75      Nestas condições, o Reino de Espanha não pode alegar que tomou, no prazo fixado, todas as medidas necessárias à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

76      Consequentemente, há que declarar que, não tendo tomado, na data do termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar emitida pela Comissão, em aplicação do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, todas as medidas necessárias à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, relativo, designadamente, à recuperação, junto da Indosa, dos auxílios que, nos termos da Decisão 91/1, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.° 1 do mesmo artigo.

VII —  Quanto às sanções pecuniárias

A —  Quanto à sanção pecuniária compulsória

1.     Argumentos das partes

77      A Comissão considera que, no caso em apreço, se impõe a aplicação de sanções pecuniárias, atendendo a que a atividade que beneficiou dos auxílios ilegais em causa prosseguiu durante mais de 22 anos após a adoção da Decisão 91/1, por intermédio, num primeiro momento, da CMD e, num segundo momento, da Euskomenaje.

78      Relativamente aos desenvolvimentos ocorridos após o termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar, a Comissão considera que não puseram fim ao incumprimento, conforme declarado no acórdão Comissão/Espanha, já referido.

79      Embora admita que o crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa acabou por ser inscrito na tabela de créditos na sequência do despacho de 4 de abril de 2012 do Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao, a Comissão considera que a atividade subvencionada prosseguiu nas instalações da CMD por intermédio da Euskomenaje.

80      Por outro lado, a Comissão recorda que o plano de liquidação da CMD previa a venda dos seus ativos aos antigos trabalhadores desta sociedade, que, entretanto, tinham criado a Euskomenaje para prosseguir a atividade subvencionada. Na verdade, a aprovação deste plano foi anulada por despacho de 16 de janeiro de 2012 da Audiencia Provincial de Bizkaia, mas esta anulação não produziu efeitos na utilização em curso dos ativos da CMD pela Euskomenaje. Com efeito, os administradores da insolvência daquela sociedade autorizaram a Euskomenaje a utilizar os seus ativos a título provisório e gratuito.

81      Quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória, a Comissão, baseando‑se na sua comunicação SEC(2005) 1658, de 13 de dezembro de 2005, relativa à aplicação do artigo 228.° CE (JO 2007, C 126, p. 15), atualizada em 20 de julho de 2010 [SEC(2010) 923)], propõe que seja calculado multiplicando um montante fixo de base uniforme por um coeficiente de gravidade e um coeficiente de duração. O resultado obtido será então multiplicado por um fator que tem em conta, simultaneamente, a capacidade de pagamento do Estado‑Membro inadimplente e o número de votos de que o mesmo dispõe no Conselho da União Europeia.

82      No caso em apreço, a Comissão considera que uma sanção pecuniária compulsória de 131 136 euros por dia é adaptada às circunstâncias e proporcionada ao incumprimento verificado e à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Esse montante obtém‑se multiplicando um montante de base fixo de 640 euros por dia, por um coeficiente de gravidade de 5 numa escala de 1 a 20, por um coeficiente de duração de 3 numa escala de 1 a 3 e, por último, por um fator fixo, denominado «fator n», que reflete a capacidade de pagamento do Reino de Espanha, a saber, 13,66.

83      Antes de mais, no que se refere à gravidade da infração, a Comissão recorda que as disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado revestem um caráter fundamental. Além disso, a recuperação dos auxílios ilegais em causa não se devia ter deparado com dificuldades maiores, uma vez que seria efetuada junto de uma única empresa. Em seguida, no que concerne à duração da infração, o incumprimento persistiu por um período de mais de 22 anos, ou seja, desde a notificação da Decisão 91/1. Por último, quanto à periodicidade da sanção pecuniária compulsória, a Comissão considera que deve ser diária.

84      O Reino de Espanha considera que não devem ser aplicadas sanções pecuniárias no caso em apreço, tendo em conta, designadamente, os desenvolvimentos destinados a assegurar a execução da Decisão 91/1 e do acórdão Comissão/Espanha, já referido, que ocorreram após o termo do prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar.

85      Em primeiro lugar, as medidas tomadas pela Comunidade Autónoma do País Basco para inscrição do crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa, conforme descritas no n.° 23 do presente acórdão, originaram, designadamente, o despacho de 4 de abril de 2012, pelo qual o Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao admitiu a inscrição, a favor dessa Comunidade, de um crédito no valor de 22 683 745 euros, relativo à restituição dos referidos auxílios. Além disso, o montante dos auxílios em causa era de 22 469 459 euros, e não de 22 683 745 euros, contrariamente às estimativas da Comissão.

86      Em segundo lugar, por despacho de 12 de janeiro de 2011, o Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao ordenou a cessação da atividade da CMD e o encerramento dos seus estabelecimentos comerciais. A Comunidade Autónoma do País Basco também pediu a este mesmo órgão jurisdicional, em 3 de março de 2011, que ordenasse a cessação efetiva da atividade exercida pela Euskomenaje nas instalações da CMD.

87      Quanto à utilização pela Euskomenaje dos direitos de propriedade industrial da Magefesa, entre os quais figura a marca Magefesa, o Reino de Espanha sublinha que o plano de liquidação desta última empresa prevê a atribuição direta desses direitos à Euskomenaje. No entanto, a Comunidade Autónoma do País Basco opôs‑se ao referido plano e pediu o congelamento da utilização dos mesmos direitos. Esta Comunidade também propôs que a transferência desses direitos fosse feita segundo um processo de concurso e na sequência de publicidade difundida a nível da União. No entanto, estas propostas não foram acolhidas.

88      Em terceiro lugar, ao mesmo tempo que defende que o plano inicial de liquidação da CMD, aprovado pelo despacho do órgão jurisdicional nacional competente de 22 de junho de 2010, previa um processo de concurso aberto, incondicional e transparente, o Reino de Espanha alega que a Comunidade Autónoma do País Basco interpôs recurso deste despacho. Ora, em 16 de janeiro de 2012, este despacho foi anulado pela Audiencia Provincial de Bizkaia, que ordenou que a liquidação dos ativos da CMD fosse efetuada em condições de concorrência livre e transparente.

89      Em qualquer caso, reportando‑se ao acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália, já referido, o Reino de Espanha considera que, para demonstrar a execução da Decisão 91/1 e do acórdão Comissão/Espanha, já referido, basta provar que as autoridades nacionais atuaram com diligência, tendo em vista a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo aos auxílios ilegais em causa.

90      Relativamente ao montante da sanção pecuniária compulsória proposto pela Comissão, o Reino de Espanha alega que é desproporcionado. A este respeito, este Estado‑Membro defende que o presente procedimento só visa uma das quatro sociedades do grupo Magefesa que beneficiou dos referidos auxílios. Por esta razão, o montante de base fixo deveria corresponder a um quarto do montante fixo proposto pela Comissão, ou seja, 160 euros por dia.

91      Além disso, dado que os auxílios ilegais em causa foram concedidos por uma Comunidade Autónoma que representa 6,24% do produto interno bruto espanhol (a seguir «PIB») e que o direito nacional obriga o Governo espanhol a repercutir as sanções eventualmente aplicadas, no âmbito do presente processo, nas entidades infraestatais responsáveis pelo incumprimento do direito da União, o montante de base fixo deve, segundo este Estado‑Membro, ser fixado em 9,98 euros por dia, correspondente à multiplicação da quantia de 160 euros por 6,24%.

92      No que diz respeito ao coeficiente de gravidade da infração, o referido Estado‑Membro propõe que seja fixado em 1, uma vez que as autoridades nacionais fizeram o possível para executar o acórdão Comissão/Espanha, já referido. Além disso, o montante das vendas efetuadas pela Indosa, pela CMD e pela Euskomenaje, entre 1986 e 2010, diminuiu 77,7% em valor real, ao passo que o restante pessoal representava apenas 3,3% do pessoal em 1986. A quota de mercado pertinente detida em 2002 pela Indosa era muito superior à detida em 2010 pela Euskomenaje, a qual decresceu de 8,4% para 4,1%. Estes dados demonstram a diminuição significativa da distorção da concorrência em virtude da prossecução da atividade em causa pela Euskomenaje.

93      No que toca ao coeficiente relativo à duração da infração, deve ser fixado em 1, porquanto, segundo o Reino de Espanha, no caso em apreço, essa duração deve ser apreciada à luz da duração média dos processos de insolvência naquele Estado, a saber, 1 114 dias.

94      Por conseguinte, o Reino de Espanha propõe um montante de 136,33 euros por dia, a título de sanção pecuniária compulsória.

95      Quanto à periodicidade da sanção pecuniária compulsória, o referido Estado‑Membro defende que não devia ser diária, mas trimestral, uma vez que, em aplicação do direito nacional, os administradores judiciários apresentam os seus relatórios trimestralmente.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

a)     Observações preliminares

96      Tendo declarado que o Reino de Espanha não deu cumprimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, no prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar, o Tribunal de Justiça pode impor a este Estado‑Membro o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, desde que o incumprimento persista até à apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 59 e jurisprudência referida).

97      Por conseguinte, importa verificar se é esse o caso.

b)     Quanto à persistência do incumprimento

98      Para determinar se o incumprimento imputado ao Reino de Espanha persistiu até à apreciação dos factos do caso em apreço pelo Tribunal de Justiça, há que analisar as medidas que, segundo esse Estado‑Membro, foram tomadas posteriormente ao prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar.

99      A este respeito, deve recordar‑se, como foi feito no n.° 72 do presente acórdão, que, no caso de a empresa beneficiária dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado ter sido declarada insolvente, a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios ilegalmente pagos podem, em princípio, realizar‑se mediante a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição desses auxílios.

100    No caso em apreço, a Comunidade Autónoma do País Basco pediu, em 10 de junho de 2010, a inscrição de um crédito de 16 828,34 euros relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa. Como esse montante era manifestamente inferior à totalidade dos auxílios em questão, a referida Comunidade corrigiu‑o diversas vezes, até ficar, segundo a última declaração de 7 de dezembro de 2011, em 22 683 745 euros, montante que corresponde às estimativas do crédito em causa efetuadas pela Comissão. Por despacho de 4 de abril de 2012 do Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao, este crédito foi inscrito no passivo da CMD, pelo valor correspondente a esta última quantia.

101    Atendendo a estes últimos desenvolvimentos, não há que apreciar a alegação do Reino de Espanha de que o montante dos auxílios em causa é de 22 469 459 euros, e não de 22 683 745 euros.

102    Por conseguinte, conclui‑se que o crédito relativo à restituição dos auxílios ilegais em causa foi inscrito na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência relativo à CMD.

103    No entanto, contrariamente ao que alega o Reino de Espanha, esta circunstância não basta, por si só, para satisfazer a obrigação de execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

104    Com efeito, como o Tribunal de Justiça já decidiu reiteradamente, a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em questão só permite satisfazer a obrigação de recuperação se, no caso de as autoridades estatais não poderem recuperar a totalidade do montante dos auxílios, o processo de insolvência conduzir à liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, isto é, à cessação definitiva da sua atividade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Bélgica, n.os 14 e 15, e Comissão/Polónia, n.os 63 a 65; e acórdão de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália, C‑454/09, n.° 36).

105    A este respeito, importa recordar que a recuperação dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum visa eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial de que o beneficiário desses auxílios gozou no mercado em relação aos seus concorrentes, restabelecendo assim a situação anterior ao pagamento dos referidos auxílios (v., neste sentido, acórdão de 4 de abril de 1995, Comissão/Itália, C‑348/93, Colet., p. I‑673, n.° 27, e acórdão Comissão/Polónia, já referido, n.° 56).

106    Ora, a partir do momento em que a empresa beneficiária dos auxílios ilegais está insolvente e que foi criada uma sociedade para prosseguir uma parte das atividades dessa empresa insolvente, a prossecução dessa atividade, sem os auxílios em questão terem sido integralmente recuperados, é suscetível de fazer perdurar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial de que essa sociedade gozou no mercado em relação aos seus concorrentes. Assim, essa nova sociedade pode ser obrigada a reembolsar os auxílios em causa, se essa vantagem persistir a seu favor. É, designadamente, o que acontece quando se prove que essa sociedade mantém o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício desses auxílios, em particular, quando a mesma procede à aquisição dos ativos da sociedade em liquidação, sem pagar, em contrapartida, um preço conforme com as condições de mercado, ou quando se demonstre que a constituição dessa sociedade teve por efeito contornar a obrigação de restituição dos referidos auxílios (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.° 86). Isto é válido, em particular, quando o pagamento de um preço conforme com as condições de mercado não é suficiente para anular a vantagem concorrencial associada ao benefício dos auxílios ilegais.

107    Neste caso, o registo, na tabela de créditos, do crédito relativo aos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum não é suficiente para, por si só, eliminar a distorção da concorrência assim criada.

108    As considerações que precedem não são prejudicadas pelo acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália, já referido. Com efeito, não resulta desse acórdão que, desde que o crédito relativo aos auxílios em questão tenha sido inscrito na tabela de créditos, no âmbito do processo de insolvência do beneficiário desses auxílios, este pode prosseguir a sua atividade, mesmo que esses auxílios não tenham sido integralmente recuperados.

109    No n.° 69 do presente acórdão, constatou‑se que, no caso em apreço, os auxílios ilegais em causa não foram efetivamente recuperados. Por conseguinte, importa verificar se, na data de apreciação dos factos do presente processo pelo Tribunal de Justiça, persiste a vantagem concorrencial associada ao benefício desses auxílios.

110    A este respeito, vários elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça revelam que a Euskomenaje mantém o gozo efetivo dessa vantagem. Com efeito, os desenvolvimentos subsequentes no âmbito do processo de insolvência da CMD sugerem que os mesmos tinham por objetivo assegurar a continuidade da atividade subvencionada, apesar de os auxílios ilegais não terem sido integralmente recuperados.

111    Em particular, resulta dos autos que:

¾        o plano de liquidação da CMD, aprovado por despacho de 22 de junho de 2010 do Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao, previa, em substância, que todos os ativos dessa sociedade seriam vendidos em bloco aos respetivos credores, que eram, essencialmente, os seus antigos trabalhadores, mediante uma compensação parcial dos seus créditos, sendo de salientar que o crédito relativo aos auxílios ilegais em causa não figurava, à época, entre os créditos reconhecidos;

¾        pouco antes da aprovação desse plano, a Euskomenaje, cuja atividade é substancialmente idêntica à exercida até então pela CMD, tinha acabado de ser criada por antigos trabalhadores desta última;

¾        o plano de liquidação da CMD prosseguia «claramente o objetivo de continuidade da atividade através de uma sociedade criada de novo, que não assumiria a responsabilidade pelas dívidas da CMD», como resulta de um ofício dirigido, em 17 de fevereiro de 2011, pelo Governo basco ao presidente do conselho de administração da Euskomenaje;

¾        a Euskomenaje usa a propriedade industrial da Magefesa, que inclui a marca Magefesa, que lhe fora adjudicada diretamente, ou seja, sem concurso e sem nenhuma contrapartida, como resulta, designadamente, dos ofícios de 3 de dezembro de 2010 e de 10 de março de 2011, dirigidos pela Comunidade Autónoma do País Basco ao Juzgado de Primera Instancia n° 10 de Bilbao;

¾        a oposição da Comunidade Autónoma do País Basco à adjudicação acima mencionada não foi julgada procedente;

¾        embora, na sequência de um recurso interposto pela Comunidade Autónoma do País Basco, após a propositura da presente ação no Tribunal de Justiça, o plano de liquidação da CMD tenha sido anulado por despacho de 16 de janeiro de 2012 da Audiencia Provincial de Bizkaia, os administradores da insolvência dessa sociedade tinham, entretanto, autorizado a cessão provisória dos seus ativos à Euskomenaje, até à conclusão do processo de liquidação da CMD, sem nenhuma contrapartida, sem publicidade, sem transferência de títulos de propriedade e «em contradição com os princípios elementares de gestão de um processo de insolvência», como resulta, designadamente, do ofício mencionado no terceiro travessão deste número;

¾        apesar do despacho de 12 de janeiro de 2011 que decidiu a cessação da atividade da CMD e o encerramento dos seus estabelecimentos, a Euskomenaje continua a fabricar artigos domésticos nas instalações da CMD, servindo‑se dos seus imóveis, das suas máquinas e da sua propriedade industrial, como resulta do pedido apresentado, em 3 de março de 2011, pela Comunidade Autónoma do País Basco no Juzgado de lo Mercantil n° 2 de Bilbao, destinado, precisamente, a obter a cessação da atividade da Euskomenaje que prosseguia nas instalações da CMD.

112    Tendo em conta estes elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, há que concluir que a vantagem concorrencial associada ao benefício dos auxílios ilegais em causa persiste, pelo que a inscrição, na tabela de créditos, dos créditos relativos à recuperação desses auxílios, entretanto efetuada, não é suficiente para dar cumprimento à Decisão 91/1 e ao acórdão Comissão/Espanha, já referido.

113    Face às considerações precedentes, conclui‑se que o incumprimento imputado ao Reino de Espanha persistiu até à apreciação dos factos do caso em apreço pelo Tribunal de Justiça.

114    Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera que a condenação do Reino de Espanha no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória constitui um meio financeiro adequado para o incitar a tomar as medidas necessárias para pôr termo ao incumprimento verificado e assegurar a execução completa da Decisão 91/1 e do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

c)     Quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória

i)     Observações preliminares

115    Há que recordar que cabe ao Tribunal de Justiça, em cada processo, apreciar, tendo em conta as circunstâncias do caso em análise, as sanções pecuniárias a aplicar (v. acórdão de 12 de julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.° 86, e acórdão 14 de março de 2006, Comissão/França, C‑177/04, Colet., p. I‑2461, n.° 58).

116    Para o efeito, as propostas da Comissão não vinculam o Tribunal de Justiça e apenas constituem uma base de referência útil. De igual modo, orientações como as constantes das comunicações da Comissão não vinculam o Tribunal de Justiça, mas contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação empreendida por aquela instituição (v. acórdãos de 10 de janeiro de 2008, Comissão/Portugal, C‑70/06, Colet., p. I‑1, n.° 34, e de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 112).

117    Quanto à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, o Tribunal de Justiça já decidiu que uma sanção deste tipo deve ser determinada em função do grau de pressão necessário para persuadir o Estado‑Membro inadimplente a executar um acórdão de incumprimento e a modificar o seu comportamento, para pôr termo à infração que lhe é imputada (v., neste sentido, acórdão de 12 de julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.° 91).

118    No exercício do seu poder de apreciação na matéria, compete ao Tribunal de Justiça fixar a sanção pecuniária compulsória, de modo a que esta seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada tanto ao incumprimento verificado como à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa (v. acórdãos, já referidos, de 12 de julho de 2005, Comissão/França, n.° 103, e de 14 de março de 2006, Comissão/França, n.° 61).

119    Assim, no âmbito da apreciação do Tribunal de Justiça, os critérios a ter em conta para garantir a natureza coerciva da sanção pecuniária compulsória, com vista à aplicação uniforme e efetiva do direito comunitário, são, em princípio, a duração da infração, o seu grau de gravidade e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Para aplicar estes critérios, o Tribunal de Justiça tem de levar em conta, em especial, as consequências do não cumprimento para os interesses privados e públicos e a urgência com que o Estado‑Membro em causa deve ser incitado a dar cumprimento às suas obrigações (v. acórdãos, já referidos, de 12 de julho de 2005, Comissão/França, n.° 104; de 14 de março de 2006, Comissão/França, n.° 62; e Comissão/Portugal, n.° 39).

ii)  Quanto à duração da infração

120    A duração da infração deve ser avaliada atendendo ao momento em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos, e não ao momento em que a Comissão intenta a ação (v. acórdãos, já referidos, de 14 de março de 2006, Comissão/França, n.° 71, e Comissão/Portugal, n.° 45).

121    Nestas condições, uma vez que o Reino de Espanha não logrou demonstrar que o incumprimento da sua obrigação de executar plenamente o acórdão Comissão/Espanha, já referido, cessou efetivamente, há que considerar que esse incumprimento se mantém há mais de dez anos, o que constitui um lapso de tempo excecionalmente longo.

122    Além disso, importa considerar que decorreram mais de 22 anos entre a adoção da Decisão 91/1 e a data em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos.

123    Esta duração é tanto mais censurável, no caso em apreço, quanto é certo que o número de beneficiários dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum pela Decisão 91/1 era reduzido, que eles estavam nominalmente identificados nela e no acórdão Comissão/Espanha, já referido, e que as quantias exatas a recuperar estavam especificadas nessa decisão. Nestas condições, a execução do acórdão Comissão/Espanha não se devia deparar com dificuldades maiores.

124    A duração média do processo de insolvência, invocada pelo Reino de Espanha para explicar o seu atraso na execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, também não pode justificar esse atraso, atendendo especialmente a que este Estado‑Membro só diligenciou verdadeiramente no sentido de pôr termo ao incumprimento em questão, pouco tempo antes da data em que a Comissão intentou a presente ação no Tribunal de Justiça e, no essencial, mesmo após essa data, como resulta dos n.os 23 a 31 do presente acórdão.

iii)  Quanto à gravidade da infração

125    Quanto à gravidade da infração, importa recordar o caráter fundamental das disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado (acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 118).

126    Com efeito, as regras em que se baseiam tanto a Decisão 91/1 como o acórdão Comissão/Espanha, já referido, constituem a expressão de uma das missões essenciais conferidas à União Europeia por força do artigo 3.°, n.° 3, TUE, a saber, o estabelecimento do mercado interno, bem como do Protocolo n.° 27 relativo ao mercado interno e à concorrência, o qual, por força do artigo 51.° TUE, faz parte integrante dos Tratados, e nos termos do qual o mercado interno inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada (v. acórdão de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália, já referido, n.° 60).

127    A importância das disposições da União infringidas num caso como o presente reflete‑se, designadamente, no facto de que, com o reembolso dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, se elimina a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial que aqueles proporcionam e, com essa restituição, o beneficiário perde a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 4 de abril de 1995, Comissão/Itália, n.° 22, e Alemanha/Comissão, n.° 75).

128    Quanto ao incumprimento verificado no presente processo, importa declarar que o acórdão Comissão/Espanha, já referido, foi executado relativamente a três dos quatro beneficiários dos auxílios ilegais visados pela Decisão 91/1. Além disso, é pacífico que os auxílios concedidos à Indosa constituem apenas cerca de um quinto da totalidade dos auxílios objeto desta decisão e do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

129    Sendo assim, não é contestado que, até hoje, não foi recuperada nenhuma parte dos auxílios concedidos à Indosa.

130    Além disso, embora o Reino de Espanha tenha, muito recentemente, empreendido uma série de diligências que demonstram uma vontade séria de pôr termo ao incumprimento em causa, é ponto assente que essas diligências só foram feitas pouco tempo antes da data em que a Comissão intentou a presente ação no Tribunal de Justiça e, na sua maior parte, mesmo após essa data. Por conseguinte, durante muitos anos, este Estado‑Membro não fez prova da diligência requerida.

iv)  Quanto à capacidade de pagamento do Reino de Espanha

131    Relativamente à capacidade de pagamento do Reino de Espanha, importa ter em conta a evolução recente da inflação e do PIB deste Estado‑Membro, tal como se apresenta na data de apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça.

132    A este respeito, não pode ser acolhido o argumento do Reino de Espanha de que, no caso em apreço, a capacidade de pagamento deve refletir a da Comunidade Autónoma do País Basco, e não a do Estado‑Membro enquanto tal. A este propósito, basta recordar que a circunstância de um Estado‑Membro ter confiado às suas regiões a tarefa de executar a recuperação de um auxílio ilegal e incompatível com o mercado comum não pode ter repercussões na aplicação do artigo 260.° TFUE. Com efeito, se bem que cada Estado‑Membro seja livre de repartir, como entender, as competências do poder central e regional no plano interno, a verdade é que, por força desse mesmo artigo, continua a ser o único responsável, perante a União, pelo respeito das obrigações que resultam do direito da União (v., a propósito do artigo 226.° CE, acórdão de 10 de junho de 2004, Comissão/Itália, C‑87/02, Colet., p. I‑5975, n.° 38).

v)     Quanto à periodicidade da sanção pecuniária compulsória

133    Quanto à periodicidade da sanção pecuniária compulsória, há que aplicar ao Estado‑Membro demandado uma sanção pecuniária compulsória numa base diária.

134    A este respeito, o pedido do Reino de Espanha tendente a que a sanção pecuniária compulsória seja aplicada numa base trimestral não pode ser acolhido, tendo em conta, por um lado, a duração extremamente longa do incumprimento verificado e, por outro, a necessidade urgente de pôr imediatamente termo ao mesmo.

vi)  Conclusão

135    Face às considerações precedentes, o Tribunal de Justiça considera adequada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 50 000 euros por dia.

136    Tendo em conta estes elementos, há que condenar o Reino de Espanha a pagar à Comissão, por depósito na conta «Recursos próprios da União Europeia», uma sanção pecuniária compulsória no montante de 50 000 euros por dia de atraso na execução das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, a partir da data da prolação do presente acórdão e até à data da execução do mesmo acórdão Comissão/Espanha.

B —  Quanto à quantia fixa

1.     Argumentos das partes

137    Para o cálculo da quantia fixa, a Comissão propõe a aplicação do método que consiste em fixar um montante de base de 210 euros por dia, multiplicado, num primeiro momento, por um coeficiente de gravidade e por um «fator n», cujos valores são idênticos aos propostos para o cálculo da sanção pecuniária compulsória (5 e 13,66, respetivamente), e, num segundo momento, pelo número de dias durante o qual o incumprimento persistiu. Assim, o montante da quantia fixa deverá ser igual ao resultado da multiplicação de 14 343 euros pelo número de dias decorridos entre a data da prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, e a data da execução, pelo Estado‑Membro, das suas obrigações ou, quando não, a data da prolação do presente acórdão.

138    Apoiando‑se nos mesmos argumentos invocados a propósito da sanção pecuniária compulsória, o Reino de Espanha propõe que o montante de base da quantia fixa seja dividido por quatro, para refletir o facto de o acórdão ter sido executado relativamente a três dos quatro beneficiários dos auxílios ilegais em causa, e, em seguida, multiplicado por 6,24%, para ter em conta o facto de que essa cifra corresponde à parcela do País Basco no PIB espanhol. O montante de base seria, assim, de 3,28 euros. Seguidamente, dever‑se‑ia aplicar o mesmo coeficiente de gravidade e o mesmo fator fixo «n» propostos para a sanção pecuniária compulsória. Deste modo, o montante da referida quantia fixa devia ser igual ao resultado da multiplicação de 44,80 euros pelo número de dias que durou o incumprimento.

139    Além disso, o Reino de Espanha pede que o período compreendido entre a data da introdução da exceção de inadmissibilidade que suscitou no presente processo e a data em que o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre essa exceção seja deduzido ao número de dias que durou o incumprimento, para efeitos do cálculo da quantia fixa.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

140    A título preliminar, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça está habilitado, no exercício do poder de apreciação que lhe é conferido no domínio considerado, a aplicar cumulativamente uma sanção pecuniária compulsória e uma quantia fixa (acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 143).

141    A aplicação de uma quantia fixa deve, em cada caso, depender de todos os elementos pertinentes relacionados tanto com as características do incumprimento verificado como com a atitude do Estado‑Membro demandado no processo iniciado com base no artigo 260.° TFUE. Neste aspeto, esta disposição investe o Tribunal de Justiça de um amplo poder de apreciação para decidir ou não a aplicação de uma sanção desta natureza (neste sentido, acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 144).

142    No presente litígio, todos os elementos jurídicos e fácticos relacionados com o incumprimento verificado constituem um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas ao direito da União é suscetível de exigir a adoção de uma medida dissuasória como a aplicação de uma quantia fixa.

143    Nestas circunstâncias, compete ao Tribunal de Justiça, no exercício do seu poder de apreciação, estipular o montante da quantia fixa, de modo a que esta seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada tanto ao incumprimento verificado como à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa (acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 146).

144    Entre os fatores pertinentes a esse respeito, figuram, designadamente, elementos como o período durante o qual o incumprimento imputado persistiu, desde o acórdão que o declara, e a gravidade da infração (v. acórdão de 7 de novembro de 2011, Comissão/Itália, já referido, n.° 94).

145    As circunstâncias a levar em conta resultam, nomeadamente, das considerações constantes dos n.os 120 a 130 do presente acórdão, relativas à duração e à gravidade do incumprimento. Assim, foi verificado, por um lado, que o incumprimento persiste há mais de dez anos, desde a data da prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, e há mais de 22 anos relativamente à data da adoção da Decisão 91/1, e, por outro, que a execução deste acórdão não se devia deparar com dificuldades maiores, dado que o número de beneficiários dos auxílios ilegais em causa era reduzido, que eles estavam nominalmente identificados e que as quantias a recuperar estavam especificadas nesta decisão.

146    O pedido do Reino de Espanha enunciado no n.° 139 do presente acórdão não pode proceder, dado que a apreciação, pelo Tribunal de Justiça, da exceção de inadmissibilidade suscitada por este Estado‑Membro no presente litígio não tem nenhuma relação com a duração do incumprimento imputado.

147    Com base nestes elementos, o Tribunal de Justiça considera que é feita uma apreciação justa das circunstâncias do caso em apreço, ao fixar em 20 milhões de euros o montante da quantia fixa que o Reino de Espanha deverá pagar.

148    Consequentemente, há que condenar o Reino de Espanha a pagar à Comissão, por depósito na conta «Recursos próprios da União Europeia», a quantia fixa de 20 milhões de euros.

VIII —  Quanto às despesas

149    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que o condenar nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.°, n.° 1, do mesmo regulamento, segundo o qual os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, há que decidir que a República Checa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Não tendo tomado, na data em que terminou o prazo fixado na carta de notificação para cumprir complementar emitida em 18 de março de 2010 pela Comissão Europeia, em aplicação do artigo 260.°, n.° 2, TFUE, todas as medidas necessárias à execução do acórdão de 2 de julho de 2002, Comissão/Espanha (C‑499/99), relativo, designadamente, à recuperação, junto da Industrias Domésticas SA, dos auxílios que, nos termos da Decisão 91/1/CEE da Comissão, de 20 de dezembro de 1989, relativa aos auxílios concedidos em Espanha pelo Governo central e por vários governos autónomos à Magefesa, produtora de utensílios de cozinha de aço inoxidável e de pequenos aparelhos elétricos, foram declarados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.° 1 do mesmo artigo.

2)      O Reino de Espanha é condenado a pagar à Comissão Europeia, por depósito na conta «Recursos próprios da União Europeia», uma sanção pecuniária compulsória no montante de 50 000 euros por dia de atraso na execução das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, a partir da data da prolação do presente acórdão e até à data da execução do mesmo acórdão Comissão/Espanha.

3)      O Reino de Espanha é condenado a pagar à Comissão Europeia, por depósito na conta «Recursos próprios da União Europeia», a quantia fixa de 20 milhões de euros.

4)      O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

5)      A República Checa suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.