Language of document : ECLI:EU:C:2014:2007

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de junho de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 45.° TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 7.° — Conceito de ‘trabalhador’ — Cidadã da União Europeia que deixou de trabalhar devido aos constrangimentos das últimas fases da gravidez e na sequência do parto»

No processo C‑507/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Reino Unido), por decisão de 31 de outubro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2012, no processo

Jessy Saint Prix

contra

Secretary of State for Work and Pensions,

sendo interveniente:

AIRE Centre,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 14 de novembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de J. Saint Prix, por R. Drabble, QC, mandatado por M. Spencer, solicitor,

¾        em representação do AIRE Centre, por J. Stratford, QC, e M. Moriarty, barrister, mandatados por D. Das, solicitor,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por V. Kaye e A. Robinson, na qualidade de agentes, assistidos por B. Kennely e J. Coppel, barristers,

¾        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por C. Tufvesson, J. Enegren e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Autoridade de Fiscalização da EFTA, por X. Lewis, M. Moustakali e C. Howdle, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do conceito de «trabalhador» na aceção do artigo 45.° TFUE e do artigo 7.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações no JO L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. Saint Prix ao Secretary of State for Work and Pensions (a seguir «Secretary of State»), a propósito do indeferimento, por parte deste último, do pedido de subsídio complementar de rendimentos daquela.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 2 a 4 e 31 da Diretiva 2004/38 enunciam:

«(2)      A livre circulação das pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno que compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a liberdade é assegurada de acordo com as disposições do Tratado [CE].

(3)      A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

(4)      Com vista a remediar esta abordagem sectorial e fragmentada do direito de livre circulação e residência e a facilitar o exercício deste direito, é necessário aprovar um único ato legislativo que altere, em parte, o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade [(JO L 257, p. 2), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de julho de 1992 (JO L 245, p. 1)], e que revogue os seguintes atos: a Diretiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade [(JO L 257, p. 13)], a Diretiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços [(JO L 172, p. 14)], a Diretiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência [(JO L 180, p. 26)], a Diretiva 90/365/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua atividade profissional [(JO L 180, p. 28)], e a Diretiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes [(JO L 317, p. 59)].

[...]

(31)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e cumpre os princípios reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A proibição de discriminação contida na Carta implica que os Estados‑Membros darão execução ao disposto na presente diretiva sem discriminação dos seus beneficiários em razão designadamente do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, haveres, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual,»

4        Nos termos do artigo 1.°, alínea a), da Diretiva 2004/38:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;»

5        O artigo 7.° da referida diretiva, com a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento [...]

[...]

3.      Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

a)      Quando tiver uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente;

b)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

c)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado no termo de um contrato de trabalho de duração determinada inferior a um ano ou ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros 12 meses, e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego. Neste caso, mantém o estatuto de trabalhador assalariado durante um período não inferior a seis meses;

d)      Quando seguir uma formação profissional. A menos que o interessado esteja em situação de desemprego involuntário, a manutenção do estatuto de trabalhador assalariado pressupõe uma relação entre a atividade profissional anterior e a formação em causa.»

6        O artigo 16.°, n.os 1 e 3, da mesma diretiva dispõe:

«1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. [...]

[...]

3.      A continuidade da residência não é afetada por ausências temporárias que não excedam seis meses por ano, nem por ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, nem por uma ausência de 12 meses consecutivos no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais para outro Estado‑Membro ou país terceiro.»

 Direito do Reino Unido

7        A Lei de 1992 relativa às contribuições e prestações de segurança social (Social Security Contributions and Benefits Act 1992) e o Regulamento (Geral) de 1987 relativo ao subsídio complementar de rendimentos [Income Support (General) Regulations 1987] constituem a regulamentação aplicável ao subsídio complementar de rendimentos.

8        O subsídio complementar de rendimentos é uma prestação concedida a diferentes categorias de pessoas, em função dos respetivos recursos, entre as quais figura, por força da regulation 4ZA do referido regulamento, em conjugação com o n.° 14(b) do anexo 1B do mesmo, a das mulheres que estão ou estiveram «grávidas, mas unicamente no referente ao período com início nas 11 semanas que precedem a semana prevista para o parto e com termo nas quinze semanas após a data do fim da gravidez».

9        A concessão do benefício da referida prestação pressupõe, designadamente, segundo a section 124(1)(b) da Lei de 1992 relativa às contribuições e subsídios de segurança social, que os rendimentos do beneficiário não excedam o «montante aplicável» fixado. Quando esse montante for zero, não é concedida nenhuma prestação.

10      Nos termos do n.° 17 do anexo 7 do Regulamento (Geral) de 1987 relativo ao subsídio complementar de rendimentos, o montante aplicável fixado para uma «pessoa estrangeira» é zero.

11      A regulation 21AA(1) deste regulamento define o conceito de «pessoa estrangeira» como «um requerente que não reside habitualmente no Reino Unido [...]».

12      Por força da regulation 21AA(2) do referido regulamento, para poder ser considerada residente habitual no Reino Unido, a pessoa que pede o subsídio complementar de rendimentos deve ser titular de um «direito de residência» nesse Estado‑Membro.

13      Nos termos da regulation 21AA(4) do mesmo regulamento:

«Um requerente não é uma pessoa estrangeira se for:

a)      um trabalhador assalariado na aceção da Diretiva [2004/38];

b)      um trabalhador não assalariado para efeitos dessa diretiva;

c)      uma pessoa que mantém o estatuto referido nas alíneas a) ou b), nos termos do artigo 7.°, n.° 3, dessa diretiva;

d)      um membro da família da pessoa referida nas alíneas a), b) ou c), no sentido do artigo 2.° dessa diretiva;

e)      uma pessoa que tenha o direito de residir permanentemente no Reino Unido ao abrigo do artigo 17.° dessa diretiva.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      J. Saint Prix é uma cidadã francesa que entrou no Reino Unido em 10 de julho de 2006 onde trabalhou, principalmente como professora auxiliar, entre 1 de setembro de 2006 e 1 de agosto de 2007. Posteriormente, inscreveu‑se na Universidade de Londres num curso que lhe permitia obter um certificado de aptidão para o ensino, cujo período de estudos previsto ia de 17 de setembro de 2007 a 27 de junho de 2008.

15      Durante esse período, engravidou, sendo a data prevista para o parto 2 de junho de 2008.

16      Em 22 de janeiro de 2008, esperando encontrar um emprego numa escola secundária, J. Saint Prix inscreveu‑se numa agência de trabalho temporário e, em 1 de fevereiro de 2008, abandonou o curso que seguia na Universidade de Londres. Como não havia nenhuma vaga numa escola secundária, trabalhou então como temporária em jardins de infância. Em 12 de março de 2008, quando estava grávida de quase seis meses, J. Saint Prix deixou esse emprego pelo facto de o trabalho de cuidar de crianças de jardins de infância se ter tornado demasiado cansativo para si. Procurou durante alguns dias, sem êxito, um trabalho mais adequado ao seu estado de gravidez.

17      Em 18 de março de 2008, ou seja onze semanas antes da data prevista para o parto, J. Saint Prix apresentou um pedido de subsídio complementar de rendimentos. Como esse pedido foi indeferido pelo Secretary of State por decisão de 4 de maio de 2008, J. Saint Prix interpôs recurso no First‑tier Tribunal.

18      Em 21 de agosto de 2008, ou seja três meses após o nascimento prematuro do seu filho, J. Saint Prix retomou o trabalho.

19      Por decisão de 4 de setembro de 2008, o First‑tier Tribunal deu provimento ao seu recurso. No entanto, em 7 de maio de 2010, o Upper Tribunal deu provimento ao recurso dessa decisão interposto pelo Secretary of State. Tendo a Court of Appeal confirmado a decisão do Upper Tribunal, J. Saint Prix recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.

20      Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se uma mulher grávida que deixe temporariamente de trabalhar devido à sua gravidez deve ser considerada «trabalhador» para efeitos da livre circulação dos trabalhadores consagrada no artigo 45.° TFUE e do direito de residência conferido pelo artigo 7.° da Diretiva 2004/38.

21      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio conclui que nem o artigo 45.° TFUE nem o artigo 7.° da referida diretiva definem o conceito de trabalhador.

22      Assim, o referido órgão jurisdicional considera, em substância, que, embora ao adotar a mesma diretiva, o legislador da União tenha tido a intenção de codificar a legislação e a jurisprudência existentes, não pretendeu, contudo, excluir uma evolução ulterior do conceito de trabalhador que tenha em consideração situações não expressamente previstas no momento dessa adoção. Por esse motivo, o Tribunal de Justiça pode, tendo em conta circunstâncias particulares como as que caracterizam a gravidez e o período pós‑parto, decidir alargar esse conceito às mulheres grávidas que deixam o seu emprego por um período razoável.

23      Nestas condições, a Supreme Court of the United Kingdom decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o direito de residência conferido a um ‘trabalhador assalariado’ no artigo 7.° da Diretiva [2004/38] ser interpretado no sentido de que apenas é aplicável às pessoas que (i) se encontrem numa relação laboral em vigor (ii) procurem emprego (pelo menos em certas circunstâncias), ou (iii) estejam abrangidas pelas medidas de extensão previstas no n.° 3 [do] artigo 7.° [dessa diretiva]; ou deve [o] artigo [7.° da referida diretiva] ser interpretado no sentido de que não exclui o reconhecimento de outras pessoas que mantêm o estatuto de ‘trabalhador assalariado’ para este efeito?

2.      a)     Nesta segunda hipótese, é igualmente extensivo a uma mulher que, legitimamente, deixa de trabalhar ou de procurar emprego, devido aos constrangimentos físicos das últimas fases da gravidez (e na sequência do parto)?

b)      Em caso de resposta afirmativa, pode esta beneficiar da definição dada pelo direito nacional a respeito do momento em que é legítimo deixar de trabalhar ou de procurar emprego?»

 Quanto às questões prejudiciais

24      Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, designadamente os artigos 45.° TFUE e 7.° da Diretiva 2004/38, devem ser interpretados no sentido de que uma mulher, que deixa de trabalhar ou de procurar emprego devido aos constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e na sequência do parto, mantém a qualidade de «trabalhador» na aceção dos referidos artigos.

25      Para responder a essas questões, importa começar por recordar que decorre dos considerandos 3 e 4 da referida diretiva que esta tem por objetivo ultrapassar uma abordagem setorial e fragmentária do direito fundamental e individual dos cidadãos da União de circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros a fim de facilitar o exercício desse direito através da aprovação de um ato legislativo único que codifique e reveja os instrumentos do direito da União Europeia anteriores a essa mesma diretiva (v., neste sentido, acórdão Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.° 37).

26      A este respeito, resulta do artigo 1.°, alínea a), da Diretiva 2004/38 que esta última visa precisar as condições de exercício do referido direito, entre as quais figura, para períodos de residência superiores a três meses, designadamente a enunciada no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva, segundo a qual os cidadãos da União devem ter a qualidade de trabalhador assalariado ou não assalariado no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 53 e jurisprudência referida).

27      O artigo 7.°, n.° 3, da referida diretiva precisa que, para efeitos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da mesma diretiva, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém, não obstante, o estatuto de trabalhador em determinados casos, a saber, quando sofra de uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente, quando, em determinadas hipóteses, estiver em situação de desemprego involuntário, ou ainda quando seguir, em determinadas condições, uma formação profissional.

28      Ora, há que constatar que o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 não prevê expressamente a situação de uma mulher que se encontre numa situação particular em razão dos constrangimentos físicos ligados às últimas fases da sua gravidez e na sequência do parto.

29      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a gravidez deve ser claramente distinguida da doença, no sentido em que o estado de gravidez não é de modo algum equiparável a um estado patológico (v., neste sentido, designadamente, acórdão Webb, C‑32/93, EU:C:1994:300, n.° 25 e jurisprudência referida).

30      Daqui decorre que uma mulher que se encontre na situação de J. Saint Prix, que deixe temporariamente de trabalhar em razão das últimas fases da gravidez e na sequência do parto, não pode ser qualificada de pessoa que sofre de uma incapacidade temporária de trabalho resultante de uma doença, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38.

31      Todavia, não resulta do artigo 7.° da referida diretiva, globalmente considerado, nem de outras disposições da mesma diretiva que, nessas circunstâncias, um cidadão da União que não preencha os requisitos previstos no referido artigo seja, por esse motivo, sistematicamente privado do estatuto de «trabalhador», na aceção do artigo 45.° TFUE.

32      Com efeito, a codificação, pretendida pela referida diretiva, dos instrumentos do direito da União anteriores à mesma, que visa expressamente facilitar o exercício do direito de os cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros, não pode, por si só, limitar o alcance do conceito de trabalhador na aceção do Tratado FUE.

33      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «trabalhador», na aceção do artigo 45.° TFUE, na medida em que define o âmbito de aplicação de uma liberdade fundamental prevista no Tratado FUE, deve ser interpretado de forma extensiva (v., neste sentido, acórdão N., C‑46/12, EU:C:2013:97, n.° 39 e jurisprudência referida).

34      Foi nessa ótica que o Tribunal de Justiça afirmou que qualquer nacional de um Estado‑Membro, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha exercido o direito de livre circulação dos trabalhadores e que tenha exercido uma atividade profissional noutro Estado‑Membro diferente do de residência, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 45.° TFUE (v., designadamente, acórdãos Ritte‑Coulais, C‑152/03, EU:C:2006:123, n.° 31, e Hartmann, C‑212/05, EU:C:2007:437, n.° 17).

35      Foi assim que o Tribunal de Justiça precisou igualmente que, no quadro do artigo 45.° TFUE, deve ser considerada trabalhador a pessoa que realiza, durante um determinado período, em benefício de outra e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Quando a relação de trabalho cessa, o interessado perde, em princípio, a qualidade de trabalhador, entendendo‑se, no entanto, que, por um lado, tal qualidade pode produzir determinados efeitos após a cessação da relação de trabalho e que, por outro, uma pessoa que verdadeiramente procura um emprego deve também ser qualificada de trabalhador (acórdão Caves Krier Frères, C‑379/11, EU:C:2012:798, n.° 26 e jurisprudência referida).

36      Por este motivo, e para efeitos do presente processo, há que sublinhar que a liberdade de circulação dos trabalhadores implica o direito de os nacionais dos Estados‑Membros circularem livremente no território dos outros Estados‑Membros e aí residirem para procurar emprego (v., designadamente, acórdão Antonissen, C‑292/89, EU:C:1991:80, n.° 13).

37      Daqui resulta que a qualificação de trabalhador na aceção do artigo 45.° TFUE e os direitos que decorrem desse estatuto não dependem necessariamente da existência ou da continuação efetiva de uma relação de trabalho (v., neste sentido, acórdão Lair, 39/86, EU:C:1988:322, n.os 31 e 36).

38      Nestas condições, não se pode afirmar, ao contrário do que alega o Governo do Reino Unido, que o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 enumera de forma exaustiva as circunstâncias em que um trabalhador migrante, que já não se encontra numa relação de emprego, pode, apesar disso, continuar a beneficiar do referido estatuto.

39      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio, sem que tal seja contestado pelas partes no processo principal, que J. Saint Prix exerceu atividades assalariadas no território do Reino Unido, antes de deixar de trabalhar, menos de três meses antes do nascimento do filho, devido a constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e na sequência do parto. Sem ter deixado o território desse Estado‑Membro durante o período de interrupção da sua atividade profissional, J. Saint Prix retomou o trabalho três meses após o nascimento do seu filho.

40      Ora, o facto de os referidos constrangimentos obrigarem uma mulher a deixar de exercer uma atividade assalariada durante o período necessário ao seu restabelecimento não é, em princípio, suscetível de privar essa pessoa da qualidade de «trabalhador» na aceção do artigo 45.° TFUE.

41      Com efeito, a circunstância de a pessoa em causa não estar efetivamente presente no mercado de emprego do Estado‑Membro de acolhimento durante alguns meses não implica que essa pessoa deixe de pertencer a esse mercado durante esse período, na condição de retomar o seu trabalho ou encontrar outro emprego num prazo razoável após o parto (v., por analogia, acórdão Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262, n.° 50).

42      Para determinar se o período que decorreu entre o parto e a retoma do trabalho pode ser considerado razoável, incumbe ao órgão jurisdicional nacional em causa ter em conta o conjunto das circunstâncias específicas do processo principal e das regras nacionais aplicáveis que regem a duração da licença de maternidade, em conformidade com o artigo 8.° da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.° 1 do artigo 16.° da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1).

43      A solução adotada no n.° 41 do presente acórdão está em conformidade com o objetivo prosseguido pelo artigo 45.° TFUE de permitir ao trabalhador deslocar‑se livremente no território de outros Estados‑Membros e aí residir e trabalhar (v. acórdão Uecker e Jacquet, C‑64/96 e C‑65/96, EU:C:1997:285, n.° 21).

44      Com efeito, como alega a Comissão Europeia, uma cidadã da União ficaria dissuadida de exercer a sua liberdade de circulação se, no caso de estar grávida no Estado de acolhimento e deixar o seu emprego por esse motivo, ainda que por um curto período, corresse o risco de perder a qualidade de trabalhador nesse Estado.

45      Além disso, importa recordar que o direito da União garante às mulheres uma proteção especial relativa à maternidade. A este título, importa referir que o artigo 16.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 prevê, para efeitos do cálculo do período ininterrupto de cinco anos de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento que permite aos cidadãos da União adquirir o direito de residência permanente nesse território, que a continuidade dessa residência não é afetada, designadamente, por uma ausência ininterrupta de doze meses consecutivos, no máximo, por razões importantes, como uma gravidez e um parto.

46      Ora, por força da referida proteção, se uma ausência motivada por um acontecimento importante, como a gravidez ou o parto, não afeta a continuidade da residência de cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento exigida para a concessão do referido direito, os constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e ao parto, que obrigam uma mulher a deixar temporariamente de trabalhar, não podem, a fortiori, implicar para esta última a perda da qualidade de trabalhador.

47      Face ao conjunto das considerações anteriores, há que responder às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 45.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma mulher, que deixa de trabalhar ou de procurar emprego em razão dos constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e na sequência do parto, mantém a qualidade de «trabalhador», na aceção desse artigo, na condição de retomar o trabalho ou encontrar outro emprego num período de tempo razoável após o nascimento do filho.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 45.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma mulher, que deixa de trabalhar ou de procurar emprego em razão dos constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e na sequência do parto, mantém a qualidade de «trabalhador», na aceção desse artigo, na condição de retomar o trabalho ou encontrar outro emprego num período de tempo razoável após o nascimento do filho.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.