Language of document : ECLI:EU:C:2012:631

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

16 de outubro de 2012 (*)

«Incumprimento de Estado ― Diretiva 95/46/CE ― Tratamento de dados pessoais e livre circulação desses dados ― Proteção das pessoas singulares ― Artigo 28.°, n.° 1 ― Autoridade nacional de fiscalização ― Independência ― Autoridade de fiscalização e Chancelaria Federal ― Nexos pessoais e organizacionais»

No processo C‑614/10,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 22 de dezembro de 2010,

Comissão Europeia, representada por B. Martenczuk e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

apoiada por:

Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD), representada por H. Kranenborg, I. Chatelier e H. Hijmans, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

República da Áustria, representada por G. Hesse, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente, A. Tizzano, M. Ilešič, G. Arestis, M. Berger, E. Jarašiūnas, presidentes de secção, E. Juhász, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, D. Šváby e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de abril de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Áustria, não tendo tomado todas as disposições necessárias para que a legislação em vigor na Áustria cumpra o critério de independência no tocante à Datenschutzkommission (Comissão para a proteção de dados, a seguir «DSK»), instituída como autoridade de fiscalização da proteção dos dados pessoais, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31).

 Quadro jurídico

 Direito da União

2        O artigo 28.°, n.° 1, da Diretiva 95/46, sob a epígrafe «Autoridade de controlo», dispõe:

«Cada Estado‑Membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adotadas pelos Estados‑Membros nos termos da presente diretiva.

Essas autoridades exercerão com total independência as funções que lhes forem atribuídas.»

3        O Regulamento (CE) n.° 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1), institui, no seu capítulo V, uma autoridade independente de controlo, a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD).

4        O artigo 43.° do Regulamento n.° 45/2001, que rege o estatuto e as condições gerais de exercício de funções da AEPD, dispõe, no seu n.° 3:

«O orçamento da [AEPD] consta de uma rubrica específica da secção VIII do Orçamento Geral da União Europeia.»

 Direito austríaco

 Constituição federal

5        O artigo 20.°, n.° 2, da Constituição federal (Bundes‑Verfassungsgesetz, a seguir «BVG»), na sua versão alterada de 1 de janeiro de 2008, tem a seguinte redação:

«Por lei, podem ser isentos da obrigação de respeitar as instruções de órgãos superiores, os órgãos:

[…]

2.      De fiscalização do cumprimento das leis em vigor pela administração e de fiscalização da adjudicação de contratos públicos;

3.      Que decidem em última instância, se forem organizados de forma colegial, deles fizer parte pelo menos um juiz e as suas decisões não forem suscetíveis de anulação ou alteração administrativas;

[…]

8.      Na medida em que o direito da União Europeia o imponha.

A Constituição de um Land pode criar outros tipos de órgãos autónomos. A lei deve prever um direito de supervisão adequado pelos órgãos superiores, no mínimo o direito de se informarem de todos os aspetos da gestão dos órgãos autónomos, e ― desde que não se trate dos órgãos a que se referem os n.os 2, 3 e 8 ― o direito de dissolverem os órgãos autónomos, por um motivo grave.»

 Lei de 1979 relativa ao estatuto dos funcionários públicos

6        O § 45, n.° 1, da Lei de 1979 relativa ao estatuto dos funcionários públicos (Beamten‑Dienstrechtsgesetz 1979, a seguir «BDG 1979») dispõe:

«O superior hierárquico diligencia para que os seus colaboradores cumpram as funções que lhes incumbem respeitando as leis e de forma eficaz e económica. O superior hierárquico orienta os seus colaboradores no exercício das suas funções, dá‑lhes instruções na medida do necessário, corrige eventuais erros e omissões e zela pelo cumprimento do horário de trabalho. Favorece a progressão dos seus colaboradores em função do seu desempenho e orienta‑os para as funções que melhor correspondam às suas capacidades.»

 Lei de 2000 relativa à proteção de dados

7        A Lei de 2000 relativa à proteção de dados (Datenschutzgesetz 2000, a seguir «DSG 2000») visa transpor a Diretiva 95/46 para o direito austríaco.

8        De acordo com o § 36, n.° 1, da DSG 2000, a DSK é composta por seis membros, designados pelo presidente federal, sob proposta do Governo federal, para um mandato de cinco anos.

9        Nos termos do § 36, n.° 2, da DSG 2000, cinco membros da DSK são propostos pelas autoridades que representam legalmente interesses profissionais, pelos Länder austríacos e pelo presidente do Oberster Gerichtshof. Segundo o § 36, n.° 3, da DSG 2000, o sexto membro é «proposto de entre os funcionários públicos federais que são juristas».

10      Uma vez que a função de membro da DSK é concebida como uma atividade a tempo parcial, é exercida, de acordo com o § 36, n.° 3a, da DSG 2000, em paralelo com outras atividades profissionais.

11      Por força do § 37, n.° 1, da DSG 2000, os membros da DSK «são independentes e não ficam vinculados por nenhuma instrução no exercício da sua função». O § 37, n.° 2, da DSG 2000 dispõe que os funcionários do gabinete da DSK «só estão sujeitos às instruções técnicas do presidente ou do membro administrador da [DSK]».

12      O § 38, n.° 1, da DSG 2000 dispõe que a DSK aprova um regimento que atribui a gestão dos assuntos correntes a um dos seus membros, o «membro administrador».

13      O § 38, n.° 2, da DSG 2000 dispõe:

«Em apoio da gestão da [DSK], o chanceler federal constitui um gabinete e disponibiliza‑lhe o equipamento e o pessoal necessários. Tem o direito de se informar a todo o tempo, junto do presidente e do membro administrador, sobre todos os aspetos da gestão da [DSK].»

 Regimento da DSK

14      O § 4, n.° 1, do regimento da DSK dispõe que o funcionário público federal designado nos termos do § 36, n.° 3, da DSG 2000 exerce as funções de administrador.

15      O § 7, n.° 1, desse regimento prevê que, sem prejuízo da supervisão exercida pela Chancelaria Federal, os funcionários do gabinete da DSK só recebem instruções do presidente e do membro administrador da DSK.

 Procedimento pré‑contencioso

16      Em 5 de julho de 2005, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à República da Áustria, em que alegava que a organização, de direito e de facto, da DSK não cumpria o critério de independência exigido no artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

17      Por ofício de 2 de novembro de 2005, a República da Áustria transmitiu à Comissão as suas observações em resposta, afirmando que a DSK cumpria as exigências da referida diretiva.

18      Em 8 de janeiro de 2008, a Comissão enviou uma nova notificação para cumprir à República da Áustria, convidando‑a a prestar‑lhe informações mais amplas sobre as consequências, para a DSK, da alteração da BVG, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2008.

19      Nas suas observações complementares de 9 de janeiro e 7 de março de 2008, a República da Áustria explicou que a versão alterada do artigo 20.°, n.° 2, da BVG não tinha nenhuma repercussão na independência da DSK.

20      Em seguida, a Comissão enviou, em 9 de outubro de 2009, um parecer fundamentado à República da Áustria, reiterando as acusações anteriormente formuladas.

21      Uma vez que a argumentação expendida pela República da Áustria no seu ofício de 9 de dezembro de 2009 em resposta ao parecer fundamentado não a convenceu, a Comissão propôs a presente ação.

22      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2011, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio dos pedidos da República da Áustria.

23      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2011, foi admitida a intervenção da AEPD em apoio dos pedidos da Comissão.

24      Por ofício de 25 de novembro de 2011, a República da Áustria solicitou, com fundamento no artigo 44.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que a causa fosse julgada pela Grande Secção.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

25      A Comissão e a AEPD alegam que a República da Áustria transpôs erradamente o artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46, porquanto a legislação nacional em vigor não permite à DSK exercer as suas funções «com total independência» na aceção da referida disposição. Nesse sentido, referem, em primeiro lugar, que, de acordo com a legislação em vigor, o membro administrador da DSK tem de ser sempre um funcionário da Chancelaria Federal. Assim, na prática, todos os assuntos correntes da DSK são geridos por um funcionário federal, que continua vinculado pelas instruções do seu empregador e sujeito à supervisão prevista no § 45, n.° 1, da BDG 1979. O § 37, n.° 1, da DSG 2000 só prevê uma simples autonomia funcional da entidade de fiscalização.

26      Em segundo lugar, a Comissão e a AEPD observam que, estruturalmente, o gabinete da DSK está integrado nos serviços da Chancelaria Federal. Devido a essa integração, a DSK não é orgânica nem materialmente independente. Com efeito, todos os funcionários do gabinete da DSK estão, como resulta do § 38, n.° 2, da DSG 2000 e do § 7, n.° 1, do regimento, colocados sob a autoridade da Chancelaria Federal, pelo que estão sujeitos à sua supervisão.

27      Em terceiro lugar, a Comissão e a AEPD referem‑se ao direito do chanceler federal à informação, resultante do artigo 20.°, n.° 2, da BVG e do § 38, n.° 2, da DSG 2000.

28      A República da Áustria e a República Federal da Alemanha concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente.

29      Sublinham que a DSK é uma «entidade colegial com funções jurisdicionais» na aceção da BVG. Um organismo desta natureza constitui um órgão jurisdicional independente na aceção do artigo 267.° TFUE e do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, que desse modo cumpre também o requisito de independência do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

30      Segundo a República da Áustria, o artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 refere‑se a uma independência funcional. A DSK dispõe dessa independência, uma vez que, de acordo com o § 37, n.° 1, da DSG 2000, os seus membros são independentes e não estão vinculados por nenhuma instrução no exercício da sua função.

31      Nenhuma das características destacadas pela Comissão é suscetível de pôr em causa a independência da DSK na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

32      Em primeiro lugar, o membro administrador não é necessariamente um funcionário da Chancelaria Federal. De acordo com o § 4, n.° 1, do regimento e o § 36, n.° 3, da DSG 2000, é proposto de entre os funcionários públicos federais que são juristas. Por outro lado, a própria DSK pode decidir nomear livremente o seu membro administrador alterando autonomamente o seu regimento. O facto de o membro administrador, à semelhança de qualquer outro funcionário, depender, para efeitos da sua promoção, da decisão do seu superior hierárquico e, em última análise, de um Ministro não afeta a sua independência.

33      Em segundo lugar, quanto à integração do gabinete da DSK nos serviços da Chancelaria Federal, a República da Áustria alega que qualquer órgão da Administração federal pertence, do ponto de vista orçamental, a um departamento de um ministério. Com efeito, cabe ao governo, em colaboração com o Parlamento, diligenciar no sentido de os diferentes órgãos de execução terem meios materiais e pessoais suficientes. Por outro lado, o gabinete ocupa‑se exclusivamente da gestão dos programas de ação da DSK. Os funcionários do gabinete cumprem as instruções do presidente e do membro administrador da DSK. O facto de, juridicamente, os funcionários do gabinete estarem vinculados à Chancelaria Federal, quer do ponto de vista hierárquico quer do ponto de vista da sua retribuição, não afeta a sua independência. A supervisão, no sentido de fiscalização disciplinar, representa uma garantia do bom funcionamento da DSK.

34      Em terceiro lugar, quanto ao «direito à informação» do chanceler federal, a República da Áustria recorda que esse direito se destina a garantir uma certa conexão democrática dos órgãos autónomos com o Parlamento. Não permite exercer nenhuma influência na gestão da DSK. Por outro lado, um direito à informação tão‑pouco é contrário às exigências de independência que se aplicam a um tribunal.

35      Nas suas alegações de intervenção, a República Federal da Alemanha acrescenta que uma supervisão restrita é conforme com as prescrições do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46. A supervisão restrita só garante que a pessoa supervisionada age em conformidade com as suas obrigações. Em contrapartida, não lesa a sua independência material e pessoal, e não permite, em especial, influenciá‑la substantivamente. A jurisprudência constitucional alemã reconhece a compatibilidade de uma supervisão restrita dos juízes com o princípio da independência destes.

 Apreciação do Tribunal

36      O artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 impõe aos Estados‑Membros que instituam uma ou mais autoridades de fiscalização da proteção dos dados pessoais, que exercerão com total independência as funções que lhes forem atribuídas. A exigência de fiscalização, por uma autoridade independente, do cumprimento das regras da União relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais resulta também do direito primário da União, nomeadamente do artigo 8.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 16.°, n.° 2, TFUE.

37      A instituição, nos Estados‑Membros, de autoridades de fiscalização independentes constitui, pois, um elemento essencial da proteção das pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais (acórdão de 9 de março de 2010, Comissão/Alemanha, C‑518/07, Colet., p. I‑1885, n.° 23).

38      Para apreciar o mérito da presente ação, há que averiguar se, como a Comissão sustenta, a legislação em vigor na Áustria não permite à DSK exercer as suas funções «com total independência» na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

39      A este respeito, há que rejeitar desde já a argumentação da República da Áustria e da República Federal da Alemanha segundo a qual a DSK beneficia do grau de independência exigido pelo artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 uma vez que cumpre o requisito de independência inerente ao artigo 267.° TFUE para poder ser qualificada de órgão jurisdicional de um Estado‑Membro.

40      Com efeito, resulta do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, que a expressão «com total independência» constante do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 deve receber uma interpretação autónoma e, por isso, independente do artigo 267.° TFUE, baseada na própria letra dessa disposição da Diretiva 95/46, bem como nos objetivos e na sistemática desta última (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.os 17 e 29).

41      O Tribunal já decidiu, no seu acórdão Comissão/Alemanha, já referido (n.° 30), que os termos «com total independência» constantes do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 deviam ser interpretados no sentido de que as autoridades de fiscalização da proteção dos dados pessoais devem gozar de uma independência que lhes permita exercer as suas funções sem influência externa. O Tribunal esclareceu, nesse mesmo acórdão, que as referidas autoridades devem estar ao abrigo de qualquer influência externa, quer seja direta ou indireta, suscetível de orientar as suas decisões (v., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.os 19, 25, 30 e 50).

42      Na verdade, o facto de a DSK beneficiar de uma independência funcional na medida em que, de acordo com o § 37, n.° 1, da DSG 2000, os seus membros «são independentes e não estão vinculados por nenhuma instrução no exercício da sua função» é um requisito necessário para que essa autoridade possa cumprir o critério de independência na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46. Contudo, ao invés do que a República da Áustria sustenta, essa independência funcional não basta, por si só, para resguardar a referida autoridade de fiscalização de qualquer influência externa.

43      Com efeito, a independência exigida pelo artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 visa excluir não só a influência direta, sob a forma de instruções, mas também, e como se recordou no n.° 41 do presente acórdão, qualquer forma de influência indireta suscetível de orientar as decisões da autoridade de fiscalização.

44      Ora, os vários elementos da legislação austríaca referidos nas três acusações constantes da petição da Comissão obstam a que se possa considerar que a DSK exerce as suas funções ao abrigo de qualquer influência indireta.

45      No que respeita, antes de mais, à primeira acusação, que diz respeito à posição do membro administrador na DSK, resulta da leitura conjugada dos §§ 36, n.° 3, e 38, n.° 1, da DSG 2000 e do § 4, n.° 1, do regimento da DSK que o referido membro é um funcionário federal.

46      Em seguida, há que salientar que, por força do § 38, n.° 1, da DSG 2000, esse funcionário federal gere os assuntos correntes daquela.

47      Na verdade, como a República da Áustria observa, o membro administrador da DSK não é, por força do quadro legislativo em vigor, necessariamente um funcionário da Chancelaria Federal, ainda que seja pacífico que esse posto foi sempre ocupado por um desses funcionários.

48      Contudo, independentemente da autoridade federal a que o membro administrador da DSK pertence, é pacífico que existe um nexo funcional entre este último e a referida autoridade federal, que permite ao superior hierárquico do dito membro administrador fiscalizar as atividades deste último.

49      Recorde‑se, a este respeito, que o § 45, n.° 1, da BDG 1979 atribui ao superior hierárquico um amplo poder de fiscalização dos funcionários pertencentes ao seu departamento. Com efeito, essa disposição não só permite que o superior hierárquico diligencie para que os seus colaboradores cumpram as funções que lhes incumbem respeitando as leis e de forma eficaz e económica mas também que os oriente no exercício das suas funções, corrija eventuais erros e omissões, zele pelo cumprimento do horário de trabalho, favoreça a progressão dos seus colaboradores em função do seu desempenho e os oriente para as funções que melhor correspondam às suas capacidades.

50      Ora, atendendo à posição que o membro administrador ocupa na DSK, o artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 opõe‑se à supervisão a que o referido membro está sujeito por força do § 45, n.° 1, da BDG 1979. Com efeito, ainda que o § 37, n.° 1, da DSG 2000 vise impedir o superior hierárquico do membro administrador de lhe dar instruções, não deixa de ser verdade que o § 45, n.° 1, da BDG 1979 atribui ao superior hierárquico um poder de fiscalização suscetível de entravar a independência da DSK no exercício das suas funções.

51      Basta mencionar, a este respeito, que não está excluído que a avaliação, pelo superior hierárquico, do membro administrador da DSK, com vista a favorecer a promoção do referido funcionário, possa levar a uma forma de «obediência antecipada» por parte do mesmo (v., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 36).

52      Por outro lado, devido aos nexos do membro administrador da DSK com o órgão político, que está sujeito à fiscalização da DSK, esta não se encontra acima de qualquer suspeita de parcialidade. Ora, atendendo ao papel de guardiãs do direito à reserva da vida privada que as referidas autoridades desempenham, o artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46 exige que as suas decisões, e, consequentemente, elas próprias, estejam acima de qualquer suspeita de parcialidade (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 36).

53      A República da Áustria responde, contudo, que é por força do § 4, n.° 1, do regimento da DSK que o funcionário público federal designado nos termos do § 36, n.° 3, da DSG 2000 exerce a função de membro administrador. Uma vez que a presença, na DSK, de um funcionário da Chancelaria Federal como membro administrador assenta numa decisão autónoma dessa autoridade, isso não afeta a independência da referida autoridade de fiscalização.

54      Semelhante argumentação deve ser rejeitada.

55      Como resulta dos n.os 48 a 52 do presente acórdão, o nexo de serviço existente entre o membro administrador da DSK e a autoridade federal a que pertence afeta a independência da DSK e, no caso vertente, a forma de designação do referido membro não põe em causa esta conclusão. Ora, cabe à República da Áustria adotar as normas jurídicas necessárias para garantir à referida autoridade de fiscalização que esta pode exercer as suas funções «com total independência» na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

56      Em seguida, quanto à segunda acusação formulada pela Comissão, recorde‑se que, de acordo com o § 38, n.° 2, do DSG 2000, a Chancelaria Federal disponibiliza ao gabinete da DSK o equipamento e o pessoal necessário. É pacífico que o gabinete da DSK é composto por funcionários da Chancelaria Federal.

57      Como sustenta a Comissão, a integração do gabinete da DSK nos serviços da Chancelaria Federal tão‑pouco permite considerar que a referida autoridade de fiscalização possa exercer as suas funções ao abrigo de qualquer influência da Chancelaria Federal.

58      Na verdade, como a República da Áustria sublinha, a DSK não deve dispor de uma rubrica orçamental autónoma, à semelhança da prevista no artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento n.° 45/2001 para a AEPD, para poder cumprir o critério de independência previsto no artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46. Com efeito, os Estados‑Membros não são obrigados a reproduzir, na sua legislação nacional, disposições análogas às do capítulo V do Regulamento n.° 45/2001 para garantir uma independência total à(s) sua(s) autoridade(s) de fiscalização, pelo que podem prever que, do ponto de vista orçamental, a autoridade de fiscalização depende de um determinado departamento ministerial. Contudo, a atribuição dos meios humanos e materiais necessários a essa autoridade não deve impedi‑la de exercer as suas funções «com total independência» na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

59      Ora, o quadro legislativo em vigor na Áustria não cumpre esta última condição. Com efeito, o pessoal disponibilizado ao gabinete da DSK é composto por funcionários da Chancelaria Federal, sobre os quais esta exerce a supervisão prevista no § 45, n.° 1, da BDG 1979. Ora, como resulta dos n.os 49 a 52 do presente acórdão, essa supervisão estatal não é compatível com a exigência de independência prevista no artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46, que as autoridades de fiscalização da proteção de dados pessoais devem cumprir.

60      Há que rejeitar o argumento da República da Áustria de que a organização do gabinete não pode afetar a independência da DSK uma vez que esse gabinete só executa as decisões da DSK.

61      Com efeito, atendendo ao volume de trabalho que impende sobre uma autoridade de fiscalização da proteção de dados pessoais, por um lado, e a que, de acordo com o § 36, n.° 3a, da DSG 2000, os membros da DSK exercem as suas funções paralelamente a outras atividades profissionais, por outro, há que considerar que os membros dessa autoridade dependem em grande medida, para o exercício das suas funções, do pessoal que lhes foi disponibilizado. O facto de o gabinete ser composto por funcionários da Chancelaria Federal, que está ela própria sujeita à fiscalização da DSK, implica o risco de influência nas decisões desta última. Em todo o caso, tal imbricação, em termos organizacionais, entre a DSK e a Chancelaria Federal impede que a DSK esteja acima de qualquer suspeita de parcialidade, pelo que é incompatível com a exigência de «independência» na aceção do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

62      Quanto à terceira acusação formulada pela Comissão, constata‑se que, de acordo com o artigo 20.°, n.° 2, da BVG e com o § 38, n.° 2, da DSG 2000, o chanceler federal tem o direito de se informar a todo o tempo, junto do presidente e do membro administrador, sobre todos os aspetos da gestão da referida autoridade de fiscalização.

63      Este direito à informação também é suscetível de sujeitar a DSK a uma influência indireta por parte do chanceler federal que é incompatível com o critério de independência a que se refere o artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46. Basta referir, a este respeito, por um lado, que o direito à informação é muito vasto na medida em que incide sobre «todos os aspetos da gestão da [DSK]» e, por outro, que é incondicional.

64      Nestas condições, o direito à informação enunciado no artigo 20.°, n.° 2, da BVG e no § 38, n.° 2, da DSG 2000 obsta a que se possa considerar que a DSK pode operar, em quaisquer circunstâncias, acima de qualquer suspeita de parcialidade.

65      Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha reproduzido no n.° 35 do presente acórdão, basta recordar que o membro administrador da DSK é um funcionário federal sujeito a uma supervisão tal que não exclui que o superior hierárquico do dito membro exerça uma influência indireta nas decisões da referida autoridade de fiscalização (v. n.os 48 a 52 do presente acórdão).

66      Em face do exposto, há que declarar que a República da Áustria, não tendo tomado todas as disposições necessárias para que a legislação em vigor na Áustria cumpra o critério de independência no tocante à DSK, mais precisamente, ao instituir um quadro legislativo nos termos do qual:

¾        o membro administrador da DSK é um funcionário federal sujeito a supervisão;

¾        o gabinete da DSK está integrado nos serviços da Chancelaria Federal; e

¾        o chanceler federal dispõe de um direito incondicional à informação sobre todos os aspetos da gestão da DSK;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46.

 Quanto às despesas

67      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Áustria e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

68      De acordo com o artigo 69.°, n.° 4, primeiro e terceiro parágrafos, do mesmo regulamento, a República Federal da Alemanha e a AEPD, que intervieram no processo, suportam as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      A República da Áustria, não tendo tomado todas as disposições necessárias para que a legislação em vigor na Áustria cumpra o critério de independência no tocante à Datenschutzkommission (Comissão para a proteção de dados), mais precisamente, ao instituir um quadro legislativo nos termos do qual:

¾        o membro administrador da Datenschutzkommission é um funcionário federal sujeito a supervisão;

¾        o gabinete da Datenschutzkommission está integrado nos serviços da Chancelaria Federal; e

¾        o chanceler federal dispõe de um direito incondicional à informação sobre todos os aspetos da gestão da Datenschutzkommission;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

2)      A República da Áustria é condenada a suportar as despesas da Comissão Europeia.

3)      A República Federal da Alemanha e a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Línguas de processo: alemão.