Language of document : ECLI:EU:C:2012:346

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de junho de 2012 (*)

«Incumprimento de Estado — Livre circulação de pessoas — Acesso dos trabalhadores migrantes e dos membros da sua família ao ensino — Financiamento dos estudos superiores prosseguidos fora do território do Estado‑Membro em causa — Requisito de residência»

No processo C‑542/09,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 18 de dezembro de 2009,

Comissão Europeia, representada por G. Rozet e M. van Beek, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels, J. Langer e K. Bulterman, na qualidade de agentes,

demandado,

apoiado por:

Reino da Bélgica, representado por L. van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado por V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agente,

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e C. Blaschke, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, na qualidade de agente,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, U. Lõhmus, A. Rosas, A. Ó Caoimh e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 10 de novembro de 2011,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino dos Países Baixos, ao impor um requisito de residência, a saber, a regra dita «dos 3 anos em 6», aos trabalhadores migrantes e aos membros da sua família que aqueles continuam a ter a seu cargo, para poderem obter o financiamento dos estudos superiores prosseguidos fora dos Países Baixos (a seguir «financiamento portátil»), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 45.° TFUE e do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de julho de 1992 (JO L 245, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1612/68»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

2        Nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode, no território de outros Estados‑Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

[...]»

3        O artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 dispõe:

«Os filhos de um nacional de um Estado‑Membro que esteja ou tenha estado empregado no território de outro Estado‑Membro são admitidos nos cursos de ensino geral, de aprendizagem e de formação profissional nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, desde que residam no seu território.

Os Estados‑Membros encorajarão as iniciativas que permitam a esses filhos seguir os cursos acima referidos nas melhores condições.»

 Direito neerlandês

4        O artigo 2.2 da Lei de 2000 sobre o financiamento dos estudos (Wet studiefinanciering 2000, a seguir «WSF 2000»), que estabelece os requisitos para que os estudantes possam beneficiar do financiamento integral dos seus estudos superiores, se estudarem nos Países Baixos, tem a seguinte redação:

«1.      Pode beneficiar de financiamento dos estudos o estudante que:

a)      tenha a nacionalidade neerlandesa;

b)      não tenha a nacionalidade neerlandesa, mas seja equiparado a um nacional neerlandês em matéria de financiamento dos estudos por força de um tratado ou de uma decisão de uma organização internacional […]

[...]»

5        No que respeita ao financiamento portátil, resulta do artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 que pode beneficiar dessa vantagem o estudante que, por um lado, tenha direito ao financiamento integral dos estudos nos Países Baixos e, por outro, tenha aí residido legalmente durante pelo menos três anos dos seis anos anteriores à sua inscrição em estudos superiores a prosseguir fora desse Estado‑Membro.

6        Segundo o artigo 11.5 da WSF 2000, o Ministro competente pode, em casos evidentes de injustiça grave, derrogar o requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, desta lei.

7        Até 1 de janeiro de 2014, a regra dita «dos 3 anos em 6» não é aplicável a todos os estudantes que possam requerer, nos Países Baixos, o financiamento dos estudos superiores e desejem prosseguir esses estudos em certas regiões limítrofes, a saber, a Flandres e a Região de Bruxelas, na Bélgica, e a Renânia do Norte‑Vestefália, a Baixa Saxónia e Brema, na Alemanha.

 Procedimento pré‑contencioso

8        Em meados de 2007, a Comissão recebeu uma denúncia relativa ao requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000, por força do qual o estudante, para beneficiar do financiamento portátil, devia, entre outros requisitos, ter residido legalmente nos Países Baixos durante pelo menos três dos seis anos anteriores à sua inscrição em estudos superiores.

9        Após troca de correspondência com as autoridades neerlandesas, a Comissão dirigiu ao Reino dos Países Baixos, em 4 de abril de 2008, uma notificação para cumprir. Na mesma, a Comissão alegou que o requisito de residência previsto na WSF 2000, na medida em que se aplica aos trabalhadores migrantes, incluindo os trabalhadores fronteiriços e os membros da sua família, era contrário às disposições do direito da União relativas à livre circulação de trabalhadores.

10      Por ofício de 4 de junho de 2008, o Reino dos Países Baixos respondeu à notificação para cumprir, sustentando que a regra dita «dos 3 anos em 6» respeitava o direito da União e que tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68.

11      Na sequência de uma reunião entre os serviços da Comissão e as autoridades neerlandesas, estas transmitiram à Comissão uma resposta adicional, por ofício de 24 de outubro de 2008. As referidas autoridades manifestaram igualmente a sua intenção de apresentar ao Parlamento neerlandês uma proposta de lei que alterava a regra dita «dos 3 anos em 6».

12      Por ofício de 15 de abril de 2009, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual concluiu que o Reino dos Países Baixos não tinha cumprido as suas obrigações, por força dos artigos 45.° TFUE e 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, e convidou‑o a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção.

13      Em 15 de junho de 2009, esse Estado‑Membro reiterou a sua posição, sublinhando que o requisito de residência previsto na WSF 2000 não infringia o direito da União.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

14      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de julho de 2010, foi admitida a intervenção do Reino da Bélgica, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha e do Reino da Suécia em apoio dos pedidos do Reino dos Países Baixos.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

15      Na sua petição, a Comissão recorda que, no acórdão de 26 de fevereiro de 1992, Bernini (C‑3/90, Colet., p. I‑1071), o Tribunal de Justiça declarou que um auxílio à subsistência e à formação, para prossecução de estudos de nível secundário ou superior, deve ser considerado uma vantagem social na aceção do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68. Segundo esta mesma jurisprudência, confirmada no acórdão de 8 de junho de 1999, Meeusen (C‑337/97, Colet., p. I‑3289), o filho de um trabalhador migrante pode invocar o referido artigo 7.°, n.° 2, para obter o financiamento dos seus estudos nas mesmas condições que as aplicadas aos filhos dos trabalhadores nacionais, sem que lhe possa ser aplicado um requisito suplementar relativo à sua residência.

16      A Comissão observa que, segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 45.° TFUE e no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 proíbe não apenas as discriminações diretas, baseadas na nacionalidade, mas ainda todas as formas indiretas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, levam ao mesmo resultado. Compete às autoridades nacionais que invocam uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação das pessoas provar, em cada caso concreto, que as respetivas normas são necessárias e proporcionadas, relativamente ao objetivo prosseguido.

17      A Comissão sustenta que o requisito de residência previsto na WSF 2000 constitui uma discriminação indireta. É manifesto que o referido requisito, mesmo que seja aplicável de forma idêntica aos cidadãos nacionais e aos outros cidadãos da União, é naturalmente mais fácil de cumprir pelos trabalhadores nacionais e, portanto, suscetível de desfavorecer mais particularmente os trabalhadores migrantes.

18      Além disso, segundo a Comissão, este requisito é ainda mais discriminatório para os trabalhadores fronteiriços e os seus filhos que, por definição, residem num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de emprego e estão impossibilitados de cumprir a regra dita «dos 3 anos em 6». A este respeito, a Comissão salienta que o Reino dos Países Baixos, consciente do problema, propôs uma alteração da legislação nacional, para permitir o financiamento portátil aos estudantes que, embora fossem elegíveis para o financiamento à frequência de estudos superiores nos Países Baixos, tinham vivido na «Bélgica, numa das regiões fronteiriças alemãs ou no Luxemburgo durante pelo menos três dos seis anos anteriores ao início dos estudos no estrangeiro».

19      A Comissão entende que a livre circulação dos trabalhadores no interior da União constitui um direito fundamental e que qualquer entrave nacional só se pode justificar se se integrar num objetivo compatível com o Tratado FUE, assentar numa razão imperiosa de interesse geral, for adequado a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceder o necessário para alcançar esse objetivo.

20      A Comissão alega que o caráter necessário e proporcionado da regra «dos 3 anos em 6» não resulta, como as autoridades neerlandesas afirmam, dos acórdãos de 15 de março de 2005, Bidar (C‑209/03, Colet., p. I‑2119), e de 18 de novembro de 2008, Förster (C‑158/07, Colet., p. I‑8507). Com efeito, nesses acórdãos, a análise do Tribunal de Justiça tinha por objeto a situação de estudantes economicamente inativos que não estavam abrangidos pelo artigo 45.° TFUE nem pelo Regulamento n.° 1612/68 e aos quais as autoridades nacionais podiam exigir um determinado grau de integração no Estado‑Membro de acolhimento. Em contrapartida, segundo a Comissão, é à luz do artigo 45.° TFUE e do Regulamento n.° 1612/68 que deve ser apreciado o acesso dos trabalhadores migrantes, e dos membros da sua família a seu cargo, a vantagens sociais como um auxílio concedido ao prosseguimento de estudos superiores.

21      As considerações de ordem orçamental não integram o conceito de razão imperiosa de interesse geral que permite justificar um entrave ao direito fundamental à livre circulação de trabalhadores. A Comissão duvida que a regra «dos 3 anos em 6» seja a única a poder garantir a realização do objetivo prosseguido. A este respeito, a restrição da área geográfica a que é aplicável o financiamento portátil e a duração deste constituem medidas admissíveis. Para evitar fraudes, é possível efetuar fiscalizações no território de outros Estados‑Membros diferentes do Reino dos Países Baixos, mediante o estabelecimento de uma coordenação entre os Estados‑Membros.

22      O Reino dos Países Baixos conclui pela improcedência da ação.

23      A título principal, alega que a regra «dos 3 anos em 6» não constitui uma discriminação indireta. A referida regra estabelece uma distinção entre os trabalhadores que residem nos Países Baixos há mais de três anos e os que não residiram nesse Estado durante esse período, porque se trata de situações que não são comparáveis. Uma vez que as disposições do artigo 2.14 da WSF 2000 se destinam a promover os estudos fora dos Países Baixos, é manifesto que isso implica um requisito de residência no território nacional. O Reino dos Países Baixos salienta também que a jurisprudência do Tribunal Justiça já admitiu diferenças de tratamento em função de locais de residência diferentes.

24      A título subsidiário, para o caso de as situações em causa virem a ser consideradas comparáveis, o Reino dos Países Baixos sustenta que a Comissão atribui um âmbito de aplicação demasiado amplo ao artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68. Em princípio, esse artigo só visa o próprio trabalhador migrante, ao passo que os benefícios concedidos aos seus filhos em matéria de ensino são objeto do artigo 12.° do mesmo regulamento. Aquele Estado‑Membro sublinha que este último artigo impõe aos filhos um requisito de residência, que se justifica precisamente pela demonstração da existência de um certo vínculo com a sociedade do Estado‑Membro de acolhimento. Como esse requisito não existe no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, a sua aplicação aos filhos dos trabalhadores traduzir‑se‑ia em contornar as exigências estabelecidas no referido artigo 12.°

25      A título ainda mais subsidiário, o Reino dos Países Baixos alega que a regra «dos 3 anos em 6» é objetivamente justificada e proporcionada ao objetivo prosseguido.

26      Segundo esse Estado‑Membro, a promoção da mobilidade dos estudantes só é concebível se os beneficiários do financiamento portátil tiverem um vínculo efetivo com os Países Baixos. Por um lado, esse financiamento destina‑se a oferecer a possibilidade de estudar fora dos Países Baixos aos estudantes que normalmente o fariam nos Países Baixos. Por outro, o abandono da regra «dos 3 anos em 6» teria consequências financeiras inaceitáveis e poderá afetar a própria existência desse regime de auxílio. Ainda segundo esse Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça admitiu, nos acórdãos, já referidos, Bidar e Förster, a aplicação de determinados limites à definição dos beneficiários para que o financiamento possa continuar a ser garantido.

27      Segundo o Reino dos Países Baixos, a proteção desses interesses justifica a aplicação da regra «dos 3 anos em 6» também aos trabalhadores por conta de outrem, sob pena de ver categorias de estudantes beneficiar do financiamento portátil quando este lhes não é destinado. É o que sucederia, por exemplo, com os trabalhadores‑estudantes que ocupam um emprego de curta duração nos Países Baixos unicamente para obter o referido financiamento.

28      No que se refere à proporcionalidade da regra «dos 3 anos em 6», o Reino dos Países Baixos observa que nenhuma outra medida, como o conhecimento da língua neerlandesa, a introdução de limites geográficos para lá das quais é excluído o benefício do financiamento portátil ou o prolongamento da duração da residência, é suscetível de proteger com igual eficácia os interesses em causa. Além disso, para os filhos de trabalhadores migrantes nos Países Baixos e residentes fora desse Estado‑Membro existem outras possibilidades de auxílio financeiro, designadamente o financiamento dos seus estudos no Estado‑Membro de residência ou em estabelecimentos neerlandeses.

29      O Reino dos Países Baixos recorda, além disso, que o artigo 11.5 da WSF 2000 contém uma regra de equidade que permite, num caso concreto, uma derrogação ao requisito de residência para evitar uma injustiça grave.

30      Por último, segundo o Reino dos Países Baixos, a Comissão ignorou o facto de, desde 1 de setembro de 2007, a regra «dos 3 anos em 6» não se aplicar aos filhos de trabalhadores fronteiriços que desejem estudar nas regiões limítrofes dos Países Baixos, a saber, na Flandres e na Região de Bruxelas, bem como na Renânia do Norte‑Vestefália, na Baixa Saxónia e em Brema. Esta exceção à aplicação do requisito de residência foi prorrogada até 1 de janeiro de 2014.

 Apreciação do Tribunal

31      O artigo 45.°, n.° 2, TFUE prevê que a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

32      Segundo o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

33      Esta disposição beneficia indistintamente tanto os trabalhadores migrantes que residem num Estado‑Membro de acolhimento como os trabalhadores fronteiriços que prestam o seu trabalho por conta de outrem neste último Estado‑Membro e, simultaneamente, residem noutro Estado‑Membro (acórdão de 18 de julho de 2007, Geven, C‑213/05, Colet., p. I‑6347, n.° 15).

34      Segundo jurisprudência assente, um auxílio à subsistência e à formação, concedido com vista ao prosseguimento de estudos universitários sancionados por uma qualificação profissional, constitui uma vantagem social na aceção do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 (acórdãos de 21 de junho de 1988, Lair, 39/86, Colet., p. 3161, n.° 24, e Bernini, já referido, n.° 23).

35      O Tribunal de Justiça considerou igualmente que o financiamento de estudos concedido por um Estado‑Membro aos filhos dos trabalhadores constitui, para um trabalhador migrante, uma vantagem social na aceção do referido artigo 7.°, n.° 2, quando este último continua a prover à subsistência do filho (acórdãos, já referidos, Bernini, n.os 25 e 29, e Meeusen, n.° 19).

36      O artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 obriga um Estado‑Membro, a partir do momento em que oferece aos seus trabalhadores nacionais a possibilidade de prosseguirem uma formação ministrada noutro Estado‑Membro, a alargar essa possibilidade aos trabalhadores da União estabelecidos no seu território (acórdãos de 27 de setembro de 1988, Matteucci, 235/87, Colet., p. 5589, n.° 16, e de 13 de novembro de 1990, di Leo, C‑308/89, Colet., p. I‑4185, n.° 14).

37      A este respeito, há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 45.° TFUE como no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 proíbe não apenas as discriminações manifestas, baseadas na nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de diferenciação, conduzem, de facto, ao mesmo resultado (v., designadamente, acórdãos de 27 de novembro de 1997, Meints, C‑57/96, Colet., p. I‑6689, n.° 44, e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑269/07, Colet., p. I‑7811, n.° 53).

38      É o que sucede, nomeadamente, com uma medida como a que está em causa no caso vertente, que exige um período de residência bem definido, dado que pode funcionar principalmente em detrimento dos trabalhadores migrantes e trabalhadores fronteiriços nacionais de outros Estados‑Membros, na medida em que os não residentes são, na maior parte dos casos, não nacionais (v., neste sentido, acórdãos de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, Colet., p. I‑2517, n.° 14, e de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger, C‑382/08, Colet., p. I‑139, n.° 34). Neste contexto, é indiferente que a medida controvertida afete, se for caso disso, tanto os nacionais que não podem cumprir esse critério como os nacionais dos outros Estados‑Membros. Para que uma medida possa ser qualificada de indiretamente discriminatória, não é necessário que tenha o efeito de favorecer todos os nacionais ou de apenas desfavorecer os nacionais dos outros Estados‑Membros, com exclusão dos nacionais (v., neste sentido, acórdão de 16 de janeiro de 2003, Comissão/Itália, C‑388/01, Colet., p. I‑721, n.° 14).

39      O artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 baseia‑se precisamente neste tipo de critério, na medida em que subordina o financiamento portátil, nomeadamente, ao requisito de o interessado ter residido nos Países Baixos durante pelo menos três dos seis anos anteriores à sua inscrição em estudos superiores fora desse Estado‑Membro.

40      O Reino dos Países Baixos sustenta, no entanto, que a legislação neerlandesa em causa estabelece uma distinção entre os trabalhadores que residem nos Países Baixos há pelo menos três anos e os que não cumprem esse requisito, porque estão em causa situações diferentes. Com efeito, do ponto de vista da mobilidade dos estudantes, a situação em que os estudantes residentes nos Países Baixos são encorajados a deslocar‑se para fora dos Países Baixos é completamente diferente daquela em que os estudantes residentes fora dos Países Baixos são incentivados a estudar fora desse Estado‑Membro. Uma característica inerente àquela legislação é a de que a mesma respeita exclusivamente a pessoas que residam nos Países Baixos e cujo primeiro reflexo é, naturalmente, estudar nesse Estado‑Membro. O facto de estas situações não serem comparáveis exclui, pois, qualquer discriminação.

41      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência bem assente, uma discriminação só pode provir da aplicação de regras diferentes a situações semelhantes ou da aplicação da mesma regra a situações diferentes (v., designadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C‑279/93, Colet., p. I‑225, n.° 30, e de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Hungria, C‑253/09, Colet., p. I‑12391, n.° 50).

42      A aplicação não discriminatória desse princípio exige que o critério da comparabilidade das situações se baseie em elementos objetivos, facilmente identificáveis. Este critério não pode assentar na simples probabilidade de os trabalhadores que prestam trabalho por conta de outrem nos Países Baixos, mas residem noutro Estado‑Membro, não estudarem nos Países Baixos, mas no Estado‑Membro de residência.

43      Como salientou a advogada‑geral nos n.os 52 e 53 das suas conclusões, o Reino dos Países Baixos, quando reconheceu que os filhos de trabalhadores migrantes que pretendam estudar nos Países Baixos deviam poder beneficiar de um financiamento dos seus estudos superiores nas mesmas condições que os nacionais neerlandeses, independentemente de residirem nos Países Baixos, admitiu implicitamente que pelo menos alguns filhos de trabalhadores migrantes podem, à semelhança dos filhos dos trabalhadores neerlandeses, estar predispostos a estudar nos Países Baixos, quer aí residam quer não. Assim sendo, o Reino dos Países Baixos não pode legitimamente afirmar que o Estado‑Membro de residência determina, de forma quase automática, o Estado‑Membro em que o trabalhador migrante ou os filhos a seu cargo estudarão.

44      Por conseguinte, para o acesso ao financiamento portátil, a situação de um trabalhador migrante que exerce a sua atividade nos Países Baixos, mas reside noutro Estado‑Membro, ou a de um trabalhador migrante que reside e exerce a sua atividade nos Países Baixos, sem poder invocar o período de residência imposto pela medida controvertida, é suscetível de ser comparada com a de um trabalhador neerlandês que, simultaneamente, reside e trabalha nos Países Baixos.

45      A título subsidiário, o Reino dos Países Baixos alega que a Comissão faz uma interpretação excessivamente lata do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, na medida em que, em princípio, esta disposição se refere unicamente ao trabalhador migrante. Os benefícios destinados aos seus filhos no tocante ao acesso ao ensino são abrangidos pelo artigo 12.° deste regulamento, que prevê um requisito de residência aplicável aos referidos filhos.

46      Segundo o Reino dos Países Baixos, nos acórdãos Bernini e Meeusen, já referidos, o Tribunal de Justiça, quando decidiu que o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 era aplicável aos filhos de trabalhadores migrantes, parece ter ignorado essa diferença de âmbito de aplicação destas duas disposições. Todavia, fê‑lo unicamente porque, nos processos que deram origem aos referidos acórdãos, o Tribunal de Justiça se deparou com discriminações diretas. Consequentemente, era necessário aplicar o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68. Ao invés, nos casos em que não existe uma discriminação direta, como o ora em apreço, essa necessidade é menos imperiosa e impõe‑se a aplicação do artigo 12.° do mesmo regulamento.

47      A este propósito, há que fazer as seguintes considerações.

48      Os membros da família de um trabalhador migrante são beneficiários indiretos da igualdade de tratamento concedida a esse trabalhador pelo artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/28. Uma vez que a concessão do financiamento dos estudos a um filho de um trabalhador migrante constitui, para o trabalhador migrante, uma vantagem social, o próprio filho pode invocar aquela disposição para obter esse financiamento, caso, ao abrigo do direito nacional, o mesmo seja concedido diretamente ao estudante. Todavia, este benefício apenas constitui, para o trabalhador migrante, uma vantagem social, na aceção dessa disposição, na medida em que este continue a assegurar o sustento do seu descendente (acórdãos de 18 de junho de 1987, Lebon, 316/85, Colet., p. 2811, n.os 12 e 13, e Bernini, já referido, n.os 25 e 26).

49      Em contrapartida, o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 confere aos filhos de um trabalhador migrante um direito próprio de acesso ao ensino. Esse direito não está sujeito ao estatuto de filho a cargo (acórdão de 4 de maio de 1995, Gaal, C‑7/94, Colet., p. I‑1031, n.° 25) nem ao direito de residência dos seus progenitores no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão de 23 de fevereiro de 2010, Ibrahim, C‑310/08, Colet., p. I‑1065, n.° 40). Também não está reservado aos filhos de trabalhadores migrantes, pois é igualmente aplicável aos filhos de ex‑trabalhadores migrantes (acórdão Ibrahim, já referido, n.° 39).

50      O artigo 12.° exige unicamente que o filho tenha vivido com ambos os progenitores ou com apenas um deles num Estado‑Membro, numa altura em que pelo menos um dos seus progenitores aí residia na qualidade de trabalhador (acórdãos de 21 de junho de 1988, Brown, 197/86, Colet., p. 3205, n.° 30, e de 23 de fevereiro de 2010, Teixeira, C‑480/08, Colet., p. I‑1107, n.° 52).

51      Embora os artigos 7.°, n.° 2, e 12.° do Regulamento n.° 1612/68 tenham, de facto, âmbitos de aplicação pessoal diferentes, não é menos certo que o Tribunal de Justiça já decidiu que esses dois artigos estabelecem, de forma idêntica, uma regra geral que, no domínio do ensino, impõe a todos os Estados‑Membros a obrigação de garantir a igualdade de tratamento entre os seus nacionais e os filhos dos trabalhadores nacionais de outro Estado‑Membro estabelecidos no seu território (acórdão di Leo, já referido, n.° 15).

52      No que respeita ao argumento do Reino dos Países Baixos relativo aos acórdãos Bernini e Meeusen, já referidos, basta recordar a jurisprudência mencionada no n.° 37 do presente acórdão, segundo a qual o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 proíbe não apenas as discriminações manifestas, baseadas na nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de diferenciação, conduzem, de facto, ao mesmo resultado.

53      De resto, como salientou a advogada‑geral no n.° 35 das suas conclusões, a extensão do âmbito de aplicação pessoal da obrigação de igualdade de tratamento prevista no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68 não pode depender da natureza da discriminação.

54      Daqui resulta que o requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 estabelece, no que respeita ao acesso ao financiamento portátil, uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores neerlandeses e os trabalhadores migrantes residentes nos Países Baixos, ou que prestem trabalho por conta de outrem nesse Estado‑Membro enquanto trabalhadores fronteiriços.

55      Tal desigualdade constitui uma discriminação indireta proibida pelo artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, a menos que seja objetivamente justificada. Em tal caso, é ainda necessário que a aplicação dessa medida seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não vá além do necessário para alcançar esse objetivo (v., designadamente, acórdão de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, Colet., p. I‑2177, n.° 38).

56      No caso em apreço, o Reino dos Países Baixos invoca duas razões suscetíveis de justificar o requisito de residência controvertido. Por um lado, este é necessário para evitar um encargo financeiro desrazoável que pode ter repercussões na própria existência desse regime de auxílio. Por outro, uma vez que a legislação nacional em causa visa promover os estudos fora dos Países Baixos, o referido requisito garante que o financiamento portátil beneficia apenas os estudantes que, sem esse financiamento, prosseguiriam os seus estudos nos Países Baixos.

57      Quanto à justificação baseada nos custos adicionais decorrentes da não aplicação do requisito de residência, há que recordar que, embora considerações de ordem orçamental possam estar na base das opções de política social de um Estado‑Membro e influenciar a natureza ou o alcance das medidas de proteção social que pretenda adotar, não constituem, todavia, em si mesmas, um objetivo prosseguido por essa política, não sendo, por consequência, suscetíveis de justificar uma discriminação em detrimento dos trabalhadores migrantes (v., neste sentido, acórdãos de 20 de março de 2003, Kutz‑Bauer, C‑187/00, Colet., p. I‑2741, n.° 59, e de 10 de março de 2005, Nikoloudi, C‑196/02, Colet., p. I‑1789, n.° 53).

58      Admitir que considerações de ordem orçamental possam justificar uma diferença de tratamento entre trabalhadores migrantes e trabalhadores nacionais implicaria que a aplicação e o alcance de uma regra tão fundamental do direito da União como a do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade pudesse variar, no tempo e no espaço, em função do estado das finanças públicas dos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos de 24 de fevereiro de 1994, Roks e o., C‑343/92, Colet., p. I‑571, n.° 36, e de 11 de setembro de 2003, Steinicke, C‑77/02, Colet., p. I‑9027, n.° 67).

59      O Reino dos Países Baixos alega, contudo, que, no acórdão Bidar, já referido, o Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade do objetivo de restringir, através de um requisito de residência, os beneficiários de um auxílio destinado a cobrir as despesas de subsistência de estudantes provenientes de outros Estados‑Membros para assegurar que a concessão do referido auxílio não se torna um encargo desrazoável para o Estado‑Membro de acolhimento. Essa jurisprudência terá sido confirmada no acórdão Förster, já referido.

60      Ora, importa referir que, nos processos que deram origem aos acórdãos Bidar e Förster, já referidos, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre requisitos de residência impostos pelo Estado‑Membro em causa, tendo em vista a concessão de bolsas de estudo, a estudantes nacionais de outros Estados‑Membros que não tinham a qualidade de trabalhadores migrantes ou de membros da sua família.

61      Embora o Tribunal de Justiça tenha, de facto, decidido que os estudantes em causa podiam ser obrigados, pelo Estado‑Membro de acolhimento, a demonstrar um determinado grau de integração nesse Estado, para beneficiarem de uma bolsa de subsistência, não é menos certo que o Tribunal de Justiça só o fez após ter verificado que os interessados não estavam abrangidos pelas disposições do direito da União relativas à livre circulação de trabalhadores, nomeadamente pelo Regulamento n.° 1612/68 (v. acórdãos, já referidos, Bidar, n.° 29, e Förster, n.os 32 e 33).

62      Do mesmo modo, no acórdão de 7 de setembro de 2004, Trojani (C‑456/02, Colet., p. I‑7573), o Tribunal de Justiça, antes de verificar se um nacional de um Estado‑Membro que não dispunha de recursos suficientes podia invocar a sua condição de cidadão e os direitos reconhecidos pelo artigo 21.° TFUE, para beneficiar, noutro Estado‑Membro, de uma prestação de assistência social, começou por remeter para o juiz nacional o ónus de proceder às verificações de facto necessárias para apreciar se o cidadão em causa tinha a qualidade de trabalhador, na aceção do artigo 45.° TFUE.

63      Embora a faculdade que o Tribunal de Justiça reconheceu aos Estados‑Membros, sem prejuízo da observância de determinados requisitos, de exigir aos nacionais de outros Estados‑Membros um determinado nível de integração nas respetivas sociedades para poderem beneficiar de vantagens sociais, como auxílios financeiros ao ensino, não se limite às situações em que os requerentes do auxílio em causa são cidadãos economicamente inativos, a exigência de um requisito de residência como o previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 para demonstrar a integração exigida é, em princípio, inadequada no tocante aos trabalhadores migrantes e trabalhadores fronteiriços.

64      A existência de uma distinção entre os trabalhadores migrantes e os membros da sua família, por um lado, e os cidadãos da União que solicitam auxílios sem serem economicamente ativos, por outro, resulta do artigo 24.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e — retificações — JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34). Embora esta última disposição preveja, no seu n.° 1, que todos os cidadãos da União que, nos termos desta diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento «no âmbito de aplicação do Tratado», a mesma esclarece, no seu no n.° 2, que um Estado‑Membro pode, no tocante a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos antes de adquirido o direito de residência permanente, limitar a concessão de ajuda de subsistência, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a estudantes que não adquiriram um direito de residência permanente.

65      Quanto aos trabalhadores migrantes e aos trabalhadores fronteiriços, o facto de terem acedido ao mercado de trabalho de um Estado‑Membro gera, em princípio, o vínculo de integração suficiente na sociedade desse Estado que lhes permite aí beneficiar do princípio da igualdade de tratamento, relativamente aos trabalhadores nacionais, no tocante às vantagens sociais. Este princípio é aplicável não só a todas as condições de trabalho mas também a todas as vantagens que, estando ou não ligadas a um contrato de trabalho, são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais em razão, principalmente, da sua qualidade objetiva de trabalhadores ou do simples facto de terem a sua residência habitual no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 12 de maio de 1998, Martínez Sala, C‑85/96, Colet., p. I‑2691, n.° 25, e Comissão/Alemanha, já referido, n.° 39).

66      O vínculo de integração resulta, nomeadamente, do facto de o trabalhador migrante também contribuir, com os tributos que paga no Estado‑Membro de acolhimento devido ao trabalho por conta de outrem que aí presta, para o financiamento das políticas sociais desse Estado, devendo delas beneficiar nas mesmas condições que os trabalhadores nacionais.

67      Esta conclusão é corroborada pelo terceiro considerando do Regulamento n.° 1612/68, segundo o qual a mobilidade da mão de obra na União deve ser para o trabalhador um dos meios de garantir a possibilidade de melhorar as suas condições de vida e de trabalho e de facilitar a sua promoção social, contribuindo simultaneamente para a satisfação das necessidades decorrentes da economia dos Estados‑Membros.

68      Quanto ao risco de abusos a que o Reino dos Países Baixos aludiu, resultante nomeadamente da ocupação de empregos de curta duração unicamente para obter um financiamento portátil, importa sublinhar que o conceito de «trabalhador» na aceção do artigo 45.° TFUE tem um significado autónomo no âmbito do direito da União, não podendo ser interpretado de forma restritiva. Deve ser considerada trabalhador qualquer pessoa que exerça atividades reais e efetivas, com exclusão de atividades de tal forma reduzidas que sejam puramente marginais e acessórias. A característica da relação de trabalho é, segundo esta jurisprudência, o facto de uma pessoa efetuar, durante certo tempo, a favor de outra pessoa e sob a direção desta, prestações em contrapartida das quais aufere uma remuneração (v., designadamente, acórdãos de 3 de julho de 1986, Lawrie‑Blum, 66/85, Colet., p. 2121, n.os 16 e 17, e de 14 de outubro de 2010, van Delft e o., C‑345/09, Colet., p. I‑9879, n.° 89).

69      Em face do exposto, o objetivo visado pelo Reino dos Países Baixos, de evitar um encargo financeiro desrazoável, não pode ser considerado uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores neerlandeses e os trabalhadores dos outros Estados‑Membros.

70      Segundo o Reino dos Países Baixos, o requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 acaba por poder encontrar a sua legitimidade com base numa justificação objetiva que não seja a de evitar um encargo financeiro desrazoável. A finalidade do financiamento portátil é igualmente aumentar a mobilidade dos estudantes, incentivando‑os a prosseguir estudos fora dos Países Baixos. Estes estudos não só são enriquecedores para os estudantes mas também vantajosos para a sociedade neerlandesa em geral e para o mercado de trabalho neerlandês em particular.

71      É pacífico que o objetivo de promover a mobilidade dos estudantes é do interesse geral. A este respeito, basta sublinhar que o mesmo faz parte das ações cometidas à União pelo artigo 165.° TFUE no âmbito da política de educação, formação profissional, da juventude e do desporto. Por outro lado, resulta do primeiro considerando da Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativa à mobilidade transnacional na Comunidade para fins de educação e de formação: Carta Europeia da Qualidade da Mobilidade (JO L 394, p. 5), que a mobilidade na educação e na formação é um elemento integrante da liberdade de circulação das pessoas e um dos principais objetivos da ação da União.

72      Nesta perspetiva, a justificação invocada pelo Reino dos Países Baixos relativa à promoção da mobilidade dos estudantes constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.

73      Todavia, como se indicou no n.° 55 do presente acórdão, uma legislação suscetível de restringir uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, como a livre circulação de trabalhadores, só pode ser validamente justificada se for adequada a garantir a realização do objetivo legítimo prosseguido e não for além do necessário para o alcançar.

74      No que diz respeito ao caráter adequado do requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000, o Reino dos Países Baixos alega que este requisito é a garantia de que o financiamento portátil beneficia apenas os estudantes cuja mobilidade deve ser favorecida.

75      Ao afirmar que a regra «dos 3 anos em 6» é indispensável para que o financiamento portátil seja aplicável exclusivamente a uma categoria de estudantes bem determinada, o Reino dos Países Baixos parte de duas premissas.

76      Por um lado, o regime neerlandês de auxílio aos estudos fora dos Países Baixos destina‑se aos estudantes residentes nos Países Baixos que, na falta desse regime, prosseguiriam os seus estudos nesse Estado‑Membro. Em contrapartida, os estudantes que não residem nos Países Baixos terão o reflexo inicial de estudar no Estado‑Membro da sua residência, pelo que a mobilidade não é estimulada. O Estado‑Membro de residência do estudante, quer se trate do Reino dos Países Baixos ou não, determina, de forma quase automática, aquele onde estudará.

77      Por outro lado, o Reino dos Países Baixos, ao sublinhar os méritos da política de promoção da mobilidade dos estudantes com o enriquecimento que os estudos fora dos Países Baixos trazem não só aos estudantes mas também à sociedade e ao mercado de trabalho neerlandês, espera que os estudantes que beneficiarão do referido regime regressem aos Países Baixos após terminarem os seus estudos, para aí residir e aí trabalhar.

78      Como se salientou no n.° 43 do presente acórdão, os Países Baixos reconheceram igualmente que alguns filhos de trabalhadores migrantes podem estar predispostos a estudar nos Países Baixos quer aí residam quer não. Todavia, importa reconhecer que os elementos indicados nos n.os 76 e 77 do presente acórdão tendem a refletir a situação da maioria dos estudantes.

79      Por conseguinte, há que concluir que o requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 é adequado a realizar o objetivo de promover a mobilidade dos estudantes.

80      Resta verificar se este requisito não ultrapassa o que é necessário para atingir o referido objetivo.

81      Segundo jurisprudência assente, cabe às autoridades nacionais, quando adotam uma medida derrogatória a um princípio consagrado pelo direito da União, provar, em cada caso concreto, que a referida medida é adequada para garantir a realização do objetivo invocado e que não excede o necessário para o atingir. As razões justificativas que podem ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas de uma análise da aptidão e da proporcionalidade da medida adotada por esse Estado, bem como dos elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (acórdãos de 7 de julho de 2005, Comissão/Áustria, C‑147/03, Colet., p. I‑5969, n.° 63, e de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, Colet., p. I‑2735, n.° 71).

82      O Reino dos Países Baixos tem, assim, o ónus não só de demonstrar que a medida nacional em causa é proporcionada ao objetivo prosseguido mas também de indicar os elementos suscetíveis de fundar tal conclusão.

83      Na sua contestação, os Países Baixos sustentaram que não existe nenhuma regra que proteja com igual eficácia os interesses que estão na origem da WSF 2000. Um requisito de conhecimento da língua nacional ou de titularidade de um diploma neerlandês não constitui um meio eficaz de promover o objetivo prosseguido pela legislação nacional em causa. Segundo esse Estado‑Membro, além de esses requisitos gerarem uma discriminação em razão da nacionalidade, tais critérios só fazem sentido se visarem os estudos nos Países Baixos.

84      A este respeito, importa salientar que, para o Reino dos Países Baixos se livrar do ónus de demonstrar que o requisito de residência não vai além do necessário, não basta que esse Estado‑Membro se limite a fazer referência a duas medidas alternativas que, segundo esse mesmo Estado, ainda são mais discriminatórias do que o requisito previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000.

85      Na verdade, o Tribunal de Justiça já decidiu que o ónus de prova não pode ir até à exigência de que um Estado‑Membro demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável poderia permitir realizar o referido objetivo nas mesmas condições (acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C‑110/05, Colet., p. I‑519, n.° 66).

86      Não obstante, como referiu a advogada‑geral no n.° 158 das suas conclusões, o Reino dos Países Baixos devia, pelo menos, ter demonstrado por que razão optou pela regra dita «dos 3 anos em 6», com exclusão de qualquer outro elemento representativo. A este respeito, há que observar que esta regra tem um caráter demasiado exclusivo. Com efeito, ao impor períodos específicos de residência no território do Estado‑Membro em causa, a regra dita «dos 3 anos em 6» privilegia um elemento que não é necessariamente o único representativo do real grau de conexão entre o interessado e o referido Estado‑Membro.

87      Assim, conclui‑se que o Reino dos Países Baixos não provou que o requisito de residência previsto no artigo 2.14, n.° 2, da WSF 2000 não vai além do necessário para alcançar o objetivo prosseguido por essa legislação.

88      Daqui decorre que essa disposição nacional institui uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores neerlandeses e os trabalhadores migrantes residentes nos Países Baixos, ou que prestam o seu trabalho por conta de outrem nesse Estado‑Membro enquanto trabalhadores fronteiriços, contrária ao artigo 45.° TFUE e ao artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68.

89      Em face do exposto, conclui‑se que o Reino dos Países Baixos, ao impor um requisito de residência, a saber, a regra dita «dos 3 anos em 6», aos trabalhadores migrantes e aos membros da sua família que aqueles continuam a ter a seu cargo, para poderem obter o financiamento portátil, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 45.° TFUE e do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      O Reino dos Países Baixos, ao impor um requisito de residência, a saber, a regra dita «dos 3 anos em 6», aos trabalhadores migrantes e aos membros da sua família que aqueles continuam a ter a seu cargo, para poderem obter o financiamento dos estudos superiores prosseguidos fora dos Países Baixos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 45.° TFUE e do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de julho de 1992.

2)      O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.