Language of document : ECLI:EU:C:2014:2007

Processo C‑507/12

Jessy Saint Prix

contra

Secretary of State for Work and Pensions

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supreme Court of the United Kingdom)

«Reenvio prejudicial — Artigo 45.° TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 7.° — Conceito de ‘trabalhador’ — Cidadã da União Europeia que deixou de trabalhar devido aos constrangimentos das últimas fases da gravidez e na sequência do parto»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de junho de 2014

1.        Livre circulação de pessoas — Trabalhadores — Conceito — Mulher que deixou de trabalhar devido aos constrangimentos das últimas fases da gravidez e na sequência do parto — Manutenção da qualidade de trabalhador — Requisito — Regresso ao trabalho num prazo razoável — Verificação pelo órgão jurisdicional nacional

[Artigo 45.° TFUE; Diretiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 7.°, n.° 1 e 3, alínea a), e 16.°, n.° 3]

2.        Cidadania da União — Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros — Diretiva 2004/38 — Pessoa que sofre de uma incapacidade temporária de trabalho resultante de uma doença — Conceito — Mulher que deixou de trabalhar devido aos constrangimentos das últimas fases da gravidez e na sequência do parto — Exclusão — Possibilidade de continuar a beneficiar do estatuto de trabalhador

[Diretiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.°, n.° 3, alínea a)]

1.        O artigo 45.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma mulher, que deixa de trabalhar ou de procurar emprego em razão dos constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e na sequência do parto, mantém a qualidade de «trabalhador», na aceção desse artigo, na condição de retomar o trabalho ou encontrar outro emprego num período de tempo razoável após o nascimento do filho.

Todavia, não resulta do artigo 7.° da referida diretiva, globalmente considerado, nem de outras disposições da mesma diretiva que, nessas circunstâncias, um cidadão da União que não preencha os requisitos previstos no referido artigo seja, por esse motivo, sistematicamente privado do estatuto de «trabalhador», na aceção do artigo 45.° TFUE.

Com efeito, a codificação, pretendida pela referida diretiva, dos instrumentos do direito da União anteriores à mesma, que visa expressamente facilitar o exercício do direito dos cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros, não pode, por si só, limitar o alcance do conceito de trabalhador na aceção do Tratado FUE.

Para determinar se o período que decorreu entre o parto e a retoma do trabalho pode ser considerado razoável, incumbe ao órgão jurisdicional nacional em causa ter em conta o conjunto das circunstâncias específicas do processo principal e das regras nacionais aplicáveis que regem a duração da licença de maternidade, em conformidade com o artigo 8.° da Diretiva 92/85, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho.

Com efeito, como alega a Comissão Europeia, uma cidadã da União ficaria dissuadida de exercer a sua liberdade de circulação se, no caso de estar grávida no Estado de acolhimento e deixar o seu emprego por esse motivo, ainda que por um curto período, corresse o risco de perder a qualidade de trabalhador nesse Estado.

Ora, por força da referida proteção, se uma ausência motivada por um acontecimento importante, como a gravidez ou o parto, não afeta a continuidade da residência de cinco anos no Estado‑Membro de acolhimento exigida para a concessão do referido direito, os constrangimentos físicos ligados às últimas fases da gravidez e ao parto, que obrigam uma mulher a deixar temporariamente de trabalhar, não podem, a fortiori, implicar para esta última a perda da qualidade de trabalhador.

(cf. n.os 31, 32, 42, 44, 46, 47 e disp.)

2.        Daqui decorre que uma mulher que se encontre na situação de J. Saint Prix, que deixe temporariamente de trabalhar em razão das últimas fases da gravidez e na sequência do parto, não pode ser qualificada de pessoa que sofre de uma incapacidade temporária de trabalho resultante de uma doença, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros.

Nestas condições, não se pode afirmar, ao contrário do que alega o Governo do Reino Unido, que o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 enumera de forma exaustiva as circunstâncias em que um trabalhador migrante, que já não se encontra numa relação de emprego, pode, apesar disso, continuar a beneficiar do referido estatuto.

(cf. n.os 30, 38)