Language of document : ECLI:EU:C:2014:2375

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 13 de novembro de 2014 (1)

Processo C‑512/13

C. G. Sopora

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

«Direito fiscal ― Livre circulação dos trabalhadores ― Artigo 45.° TFUE ― Imposto nacional sobre o rendimento ― Ajudas de custo suportadas pelo empregador referentes a despesas de expatriação do trabalhador ― Isenção fixa a favor dos trabalhadores estrangeiros correspondente a 30% da base tributável do imposto sobre o rendimento ― Exigência de local de residência no estrangeiro situado a uma distância superior a 150 km da fronteira do Estado ― Favorecimento em relação aos trabalhadores residentes ― Tratamento menos favorável de nacionais de diferentes Estados‑Membros entre si»





I ―    Introdução

1.        À primeira vista, não se vislumbra como possa ser afetada a livre circulação no mercado interno em virtude da adoção, por um Estado‑Membro, de medidas tendentes a facilitar o emprego de trabalhadores estrangeiros no território nacional. Contudo, neste caso o Reino dos Países Baixos restringiu esta ajuda a determinados trabalhadores estrangeiros, ao tomar a distância do seu local de residência até à fronteira com os Países Baixos como critério definidor da necessidade de ajuda. Efetivamente, só se esta distância for suficientemente elevada é que os trabalhadores podem beneficiar da presunção geral de que suportam despesas consideravelmente elevadas, resultantes do facto de terem de manter duas habitações, que são devidamente consideradas, de acordo com certos pressupostos, no cálculo dos respetivos impostos sobre o rendimento.

2.        Seguidamente, determinar‑se‑á se de apreciar esta ajuda, indutora de diferenças, destinada aos trabalhadores estrangeiros, à luz do critério das liberdades fundamentais e, em caso afirmativo, abordar‑se‑á a questão de saber em que medida um legislador nacional pode utilizar presunções gerais por motivos de simplificação administrativa.

II ― Quadro jurídico

A ―    Direito da União

3.        O artigo 45.° TFUE tem o seguinte teor:

«1.      A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União.

2.      A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

[…]».

4.        O artigo 7.° do Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (2) (a seguir «Regulamento n.° 492/2011»), estatui:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento […]

2.      O trabalhador referido no n.° 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

[…]».

B ―    Direito nacional

5.        O Reino dos Países Baixos aplica um imposto sobre o rendimento. Nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da lei de 1964 sobre a tributação dos salários [Wet op de loonbelasting 1964 (3) (a seguir «lei do imposto sobre o rendimento»)], incluem‑se no salário tributável determinadas ajudas de custo que o empregador atribui ao trabalhador. Contudo, nos termos do artigo 31.°‑a, alínea e), da lei relativa ao imposto sobre o rendimento, as ajudas de custo não são tributadas se forem concedidas com referência a despesas incorridas pelo trabalhador relacionadas com a sua permanência temporária fora do seu Estado de residência, tais como despesas resultantes do facto de ter de manter duas habitações ou de um custo de vida mais elevado, bem como despesas realizadas no âmbito de uma deslocação de apresentação (despesas de expatriação).

6.        Se um empregador neerlandês contrata um trabalhador que resida nesse momento fora dos Países Baixos, então aplica‑se, em certas condições, o regime fixo consagrado nos artigos 10.°‑e a 10.°‑j do regulamento de execução do imposto sobre o rendimento [Uitvoeringsbesluit loonbelasting 1965 (a seguir «regulamento de execução»)]. Segundo o mesmo, as ajudas de custo atribuídas pelo empregador, até ao limite de 30% da base tributável do imposto sobre o rendimento, são consideradas como compensação das despesas de expatriação, sem que as despesas tenham de ser comprovadas individualmente (a seguir «regime fixo»). É possível comprovar a realização de despesas efetivas de montante superior.

7.        O regime fixo aplica‑se apenas a trabalhadores estrangeiros com competências específicas que não existem ou são escassas no mercado de trabalho neerlandês. Além disso, introduziu‑se, em 2012, uma condição adicional, segundo o qual o trabalhador, durante um período temporal superior a dois terços dos últimos dois anos, tem de ter residido a uma distância superior a 150 km, em linha reta, da fronteira com os Países Baixos (a seguir «condição dos 150 km»).

III ― Processo principal

8.        O objeto do processo principal é a aplicação do regime fixo no quadro do imposto sobre o rendimento do trabalhador C. G. Sopora.

9.        C. G. Sopora trabalhava, em 2012, para um empregador neerlandês, nos Países Baixos. Nos últimos dois anos antes do início da sua relação de trabalho nos Países Baixos residiu na Alemanha, se bem que a uma distância inferior a 150 km, em linha reta, da fronteira holandesa.

10.      A autoridade fiscal holandesa não lhe aplicou portanto o regime fixo. C. G. Sopora impugnou esta decisão, alegando que a recusa de aplicação do regime fixo viola direito da União.

IV ― Tramitação processual no Tribunal de Justiça

11.      O Hoge Raad der Nederlanden, a quem compete agora decidir o litígio, submeteu em 25 de setembro de 2013, ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões:

«1)      Existe uma discriminação indireta em razão da nacionalidade ― a carecer de justificação ― ou uma restrição da livre circulação de trabalhadores quando o regime legal de um Estado‑Membro prevê ajudas de custo por despesas de expatriação, isentas de imposto, para trabalhadores imigrantes e atribui um determinado montante fixo isento de imposto ao trabalhador que, no período anterior ao início do trabalho nesse Estado‑Membro, residia a uma distância superior a 150 km da fronteira desse Estado‑Membro, mesmo se esse montante for superior às despesas de expatriação efetivamente realizadas, quando o montante daquelas ajudas de custo isentas de imposto para trabalhadores que, durante esse período, residiam a pouca distância desse Estado‑Membro, é reduzido para o montante real e comprovável das despesas de expatriação?

2)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão], o referido regime contido no Uitvoeringsbesluit loonbelasting 1965 encontra fundamento em razões imperiosas de interesse público?

3)      Em caso de resposta afirmativa também à [segunda questão], o critério dos 150 km previsto neste regime excede o necessário para atingir o fim pretendido?»

12.      No processo que corre termos junto do Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas e participaram na audiência realizada a 2 de setembro de 2014 C. G. Sopora, o Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia.

V ―    Apreciação jurídica

13.      O órgão jurisdicional de reenvio, através das suas três questões prejudiciais, pretende saber se um regime nacional, que faz depender a aplicação de um determinado benefício fiscal, como sucede com o regime fixo ora em apreço, de uma regra como a condição dos 150 km, supra descrita, é compatível com a livre circulação dos trabalhadores, na aceção do artigo 45.° TFUE.

A ―    Limitação

14.      Desta forma, a primeira questão que se coloca é a de saber se um regime como a condição dos 150 km limita a livre circulação dos trabalhadores.

15.      Nos termos do artigo 45.°, n.° 2, TFUE, a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, nomeadamente no que diz respeito à remuneração. Segundo a jurisprudência, esta regra aplica‑se igualmente às disposições referentes à tributação do rendimento do trabalho (4).

16.      Esta proibição de diferença de tratamento reporta‑se não só às discriminações ostensivas, em razão da nacionalidade, mas ainda a qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios de diferenciação, conduza efetivamente ao mesmo resultado, como sucede, nomeadamente, com o critério de diferenciação assente no local de residência (5).

17.      No presente caso o regime fixo confere vantagens porque possibilita a um trabalhador auferir do empregador ajudas de custo isentas até ao limite de 30% da base tributável do imposto sobre o rendimento, sem necessidade de o trabalhador ter de comprovar despesas de expatriação e sem que essas despesas tenham sequer de ter sido realizadas.

18.      É certo que o recurso ao regime fixo não depende da nacionalidade do trabalhador, mas sim do seu local de residência no momento anterior ao início da sua relação de emprego nos Países Baixos. Caso resida a uma distância inferior a 150 km da fronteira com os Países Baixos, fica excluído do regime fixo.

19.      Este regime distingue indiretamente entre nacionais de diferentes Estados‑Membros. Através dele concede‑se um tratamento menos favorável a alguns não residentes relativamente a outros não residentes. Só trabalhadores que residam na Bélgica, na Alemanha, em França, no Luxemburgo ou em Inglaterra poderão, por razões geográficas, soçobrar no preenchimento da condição dos 150 km, enquanto trabalhadores com local de residência noutros Estados‑Membros preenchem sempre a referida condição. Na realidade, ficarão sempre excluídos do regime fixo todos os trabalhadores cujo local de residência se situe na Bélgica.

20.      A especificidade do presente processo consiste no facto de o Estado‑Membro ‑ diferentemente do que sucede por norma nos casos analisados pelo Tribunal de Justiça ‑ não desfavorecer não residentes em relação a residentes. De facto, no presente caso, os residentes que exerçam a respetiva atividade para um empregador holandês, encontram‑se logo à partida impedidos de invocar despesas de expatriação no quadro do regime ora em apreço, relativo ao imposto sobre o rendimento. Portanto, só se verifica um tratamento mais desfavorável de residentes em determinados Estados‑Membros em relação a residentes noutros Estados‑Membros.

21.      Consequentemente, impõe‑se responder à questão de saber se a livre circulação de trabalhadores também proíbe a discriminação entre nacionais de diferentes Estados‑Membros.

22.      A Comissão referiu com razão, a este propósito, que o artigo 7.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 492/2011, que assenta no artigo 46.° TFUE, se limita a impor que os trabalhadores dos outros Estados‑Membros sejam tratados da mesma forma como os trabalhadores nacionais. Esta previsão está em linha com o artigo 46.°, alínea c), TFUE, que zela pelas condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores nacionais, por um lado, e aos trabalhadores «dos outros Estados‑Membros», por outro lado.

23.      Contudo, o alcance do artigo 45.°, n.° 2, do TFUE, que define o conteúdo da livre circulação dos trabalhadores, é mais abrangente. Segundo esta disposição, proíbe‑se, em relação às condições de trabalho, «toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros». Esta previsão abrange também a proibição, de princípio, de discriminação entre não residentes em função do Estado‑Membro do respetivo local de residência.

24.      O Tribunal de Justiça, por seu turno, forneceu, até ao momento, indícios discrepantes relativamente à questão de saber se as liberdades fundamentais também proíbem a distinção entre nacionais de diferentes Estados‑Membros.

25.      Por um lado, no acórdão Columbus Container Services, o Tribunal de Justiça rejeitou verificar‑se violação da liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.° TFUE, pelo simples facto de haver diferença de tratamento em Estados‑Membros distintos (6). Na constatação de que inexiste a referida violação da liberdade de estabelecimento, o Tribunal de Justiça realçou que existe igualdade de tratamento entre o caso transfronteiriço em apreciação e a situação interna (7). Além disso, o Tribunal de Justiça, no que tange à livre circulação de capitais, consagrada no artigo 63.°, n.° 1, TFUE e que também se aplica a Estados terceiros, entendeu que o tratamento diferenciado dos rendimentos de capitais, consoante o Estado terceiro de que provêm, não viola a mencionada disposição (8).

26.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça, também no quadro da livre circulação de capitais, decidiu, no acórdão Orange European Smallcap Fund verificar‑se uma restrição de liberdade fundamental por força da diferença de tratamento concedida a diferentes Estados‑Membros pelo Estado‑Membro de origem (9). Em consonância, apreciou, pelo menos, noutros acórdãos proferidos tanto a propósito da livre circulação de capitais como da liberdade de estabelecimento, se o tratamento diferenciado de não residentes distintos constituía, no caso concreto em apreciação, uma restrição da liberdade fundamental em causa (10).

27.      Eu entendo que a livre circulação dos trabalhadores proíbe, em regra, não apenas a diferença de tratamento de não residentes em relação a residentes mas também a diferenciação de não residentes de diferentes Estados‑Membros entre si.

28.      Neste sentido, junto‑me aos advogados‑gerais Léger e Mengozzi, os quais, no que concerne à liberdade de estabelecimento, já fizeram notar que se obteria uma solução contrária à própria noção de «mercado único» (11), ou existiria o risco de «risco de compartimentação do mercado comum» (12), caso se permitisse o tratamento diferenciado do estabelecimento de sociedades, em função do Estado‑Membro. Seria de recear algo semelhante em relação à livre circulação dos trabalhadores, se os Estados‑Membros pudessem beneficiar os trabalhadores de certos Estados‑Membros em detrimento de trabalhadores provenientes de outros Estados‑Membros.

29.      Nos termos do artigo 26.°, n.° 2, TFUE, o mercado interno compreende um «espaço sem fronteiras internas». Porém, este objetivo só pode ser atingido se todos os trabalhadores da União forem tratados de forma igual. Uma diferenciação entre trabalhadores, em função do respetivo Estado de origem, gera novas fronteiras mesmo que nenhum trabalhador estrangeiro seja desfavorecido em relação aos trabalhadores nacionais. Efetivamente, a concessão de ajudas apenas a trabalhadores de determinados Estados‑Membros piora automaticamente as condições de concorrência a que ficam sujeitos os trabalhadores dos demais Estados‑Membros. Por conseguinte, o mercado interno também pode ser afetado por um regime como o que ora se discute, que em princípio até promove a livre circulação dos trabalhadores dentro da União.

30.      Assim, um benefício fiscal como aquele que vem consagrado na ordem jurídica holandesa, que depende de uma determinada distância do local de residência, no estrangeiro, para a fronteira do Estado‑Membro em causa, limita a livre circulação dos trabalhadores. Uma limitação deste tipo só é admissível caso se reporte a situações que não sejam objetivamente comparáveis entre si (v. infra B) ou seja justificável por razão imperiosa de interesse geral (v. infra C).

B ―    Comparabilidade objetiva das situações

31.      Nesta linha, importa agora determinar se a situação de um trabalhador como C. G. Sopora, que reside a uma distância inferior a 150 km da fronteira com os Países Baixos, e a situação de um outro trabalhador, que reside a uma distância superior a 150 km da referida fronteira, é objetivamente comparável. Segundo jurisprudência constante, a comparabilidade objetiva das situações deve ser analisada tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa (13).

32.      O Reino dos Países Baixos alegou, a este propósito, que ambos os grupos não são comparáveis no que tange às despesas de expatriação que cada um tem de suportar e as quais se pretende ter em consideração através do regime fixo. Pois estas despesas dependem da distância.

33.      Acontece que não se trata diferenciadamente ambos os grupos a manifesto justo título (14). De facto, em particular caso se comparem situações de trabalhadores que residam respetivamente a pouco mais e a pouco menos de 150 km de distância da fronteira com os Países Baixos, constata‑se que as despesas de expatriação só se distinguem em grau muito reduzido. Só é possível saber se é admissível uma diferenciação entre ambos os grupos, em função de um critério rígido de 150 km, apesar da grande semelhança entre esses mesmos grupos, caso se possa igualmente avaliar a proporcionalidade de uma tal demarcação, no quadro da análise da verificação ou não de razão que justifique a limitação da livre circulação dos trabalhadores.

34.      Nestes termos, a presente limitação da livre circulação dos trabalhadores reporta‑se a situações que são objetivamente comparáveis entre si.

C ―    Justificação

35.      Deste modo, importa ainda analisar se a limitação ora em causa da livre circulação dos trabalhadores se justifica por razão imperiosa de interesse geral.

36.      Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o regime fixo pretende assumir o caráter de subsídio para custos salariais dos empregadores nacionais que se veem forçados a recrutar trabalhadores com competências específicas no estrangeiro, devido à sua carência no mercado de trabalho neerlandês. A condição dos 150 km foi aditada posteriormente, com o fito de excluir o recurso ao regime fixo nos casos em que o trabalhador pode deslocar‑se diariamente da sua residência no estrangeiro para o trabalho, suportando portanto despesas de expatriação reduzidas. Desta forma, o legislador neerlandês pretendeu também obstar a perturbações concorrenciais entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, nas zonas fronteiriças. O Reino dos Países Baixos referiu ainda, a este propósito, que os empregadores neerlandeses situados perto da fronteira preferiam trabalhadores estrangeiros, dado que lhes podiam pagar salários inferiores aos que eram pagos aos trabalhadores nacionais, por causa do benefício fiscal que advinha do regime fixo.

37.      Cumpre começar por constatar que no presente caso a promoção da livre circulação dos trabalhadores não constitui justificação, tal como foi ponderado pelo órgão jurisdicional de reenvio. De facto, a livre circulação dos trabalhadores não sofre limitação por causa do regime fixo, em si mesmo, que é o que origina a referida promoção, mas sim por causa da condição complementar dos 150 km, que, precisamente, impede determinadas pessoas de aceder à ajuda. É exclusivamente através desta condição que se diferencia indiretamente entre os nacionais de diferentes Estados‑Membros. Portanto, também esta condição carece de uma causa de justificação.

1.      Prevenção da evasão fiscal

38.      A Comissão invocou, a este propósito, a causa de justificação do combate à evasão fiscal. Segundo a Comissão, a condição dos 150 km previne contra a evasão fiscal, na medida em que obsta à imputação desadequada de custos a trabalhadores que residem a distância inferior a 150 km da fronteira com os Países Baixos.

39.      Segundo jurisprudência constante, o objetivo do combate à evasão fiscal pode, de facto, justificar uma medida nacional quando vise lutar contra construções puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação fiscal do Estado‑Membro em causa (15).

40.      Contudo, no presente caso não se pode considerar verificar‑se evasão fiscal pelo facto de um trabalhador, que reside a menos de 150 km da fronteira com os Países Baixos, beneficiar do regime fixo. Não se vislumbra o que um trabalhador como C. G. Sopora pode, neste contexto, construir de forma puramente artificial. Desde logo, o próprio tampouco afirma suportar despesas de expatriação num determinado montante, sendo que o que pretende é usufruir, em igualdade de circunstâncias com outros trabalhadores, do regime fixo, que precisamente se aplica independentemente do montante das despesas efetivamente realizadas.

2.      Prevenção de desvantagens concorrenciais na esfera dos trabalhadores nacionais

41.      O Reino dos Países Baixos alegou, ainda, que a condição dos 150 km se justifica pelo facto de prosseguir o objetivo da prevenção de desvantagens concorrenciais na esfera dos trabalhadores holandeses, no mercado de trabalho nacional.

42.      Em princípio, a prevenção de perturbações concorrenciais pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral. Como resulta desde logo do preâmbulo do TFUE, a «lealdade na concorrência» é um objetivo essencial dos tratados. Além disso, a prevenção de perturbações concorrenciais assume uma importância crucial precisamente no domínio do direito fiscal dos Estados‑Membros. Neste sentido, este objetivo é prosseguido, nomeadamente, pela proibição de imposições discriminatórias, nos termos do artigo 110.° TFUE, pela competência para harmonização dos impostos indiretos, nos termos do artigo 113.° TFUE, e pela proibição de auxílios estatais, nos termos do artigo 107.° TFUE.

43.      Porém ‑ independentemente da questão de saber se a prevenção de desvantagens sofridas pelos trabalhadores nacionais pode igualmente constituir justificação para tratar de forma diferente os trabalhadores provenientes de outros Estados‑Membros, em função do respetivo Estado de origem ‑, sucede que no presente caso não resulta, dos factos relevantes comunicados, que a condição dos 150 km seja necessária para se prosseguir o objetivo em apreço. Efetivamente, segundo o órgão jurisdicional de reenvio o regime fixo só se aplica caso no mercado de trabalho neerlandês não exista alternativa bastante (16). A entender‑se por mercado de trabalho neerlandês o conjunto de trabalhadores residentes nos Países Baixos, então o regime fixo, por causa desta última condição, não será sequer suscetível de influenciar, pelo menos de forma significativa, a concorrência entre trabalhadores residentes e trabalhadores não residentes.

44.      Contudo, para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio, que é exclusivamente competente para interpretar o direito nacional e fixar os respetivos efeitos, chegar a um entendimento distinto acerca da situação concorrencial, aplicar‑se‑ão as seguintes reflexões, no quadro do ulterior exame desta causa de justificação.

3.      Prevenção de perturbações da concorrência entre trabalhadores não residentes

45.      No presente caso, pode ainda lançar‑se o tema da prevenção de perturbações da concorrência sob um outro prisma.

46.      A condição dos 150 km visa, em termos à primeira vista compreensíveis, fazer com que não se aplique o regime fixo em situações em que o trabalhador pode deslocar‑se diariamente da sua residência no estrangeiro até ao seu local de trabalho nos Países Baixos, suportando assim despesas de expatriação relativamente reduzidas, em particular por não ter de manter uma segunda habitação nos Países Baixos. Desta forma, tenta‑se adaptar a isenção fiscal aplicável a ajudas concedidas pelo empregador, com referência a despesas de expatriação do trabalhador, às despesas efetivamente realizadas por este último.

47.      Portanto, a diferenciação prossegue o objetivo de evitar que alguns trabalhadores beneficiem de vantagens excessivas, em decorrência da aplicação do regime fixo, e prevenir contra perturbações concorrenciais dentro do grupo dos trabalhadores não residentes. Em princípio, este objetivo pode ser considerado uma razão imperiosa de interesse geral.

a)      Adequação

48.      A condição dos 150 km tem, antes de mais, de constituir um meio adequado para atingir este objetivo e para excluir os trabalhadores que suportam despesas de expatriação mais reduzidas do âmbito de aplicação do regime fixo.

49.      Neste caso, o legislador neerlandês optou por presumir, nos casos em que local da residência do trabalhador se situa a menos de 150 km da fronteira, que o trabalhador não irá manter uma segunda habitação nos Países Baixos, pelo que suportará despesas de expatriação mais reduzidas. Diferentemente, no caso dos trabalhadores que residem a maior distância da fronteira parte‑se do princípio que terão de dispor de uma segunda habitação nos Países Baixos, pelo que terão de suportar despesas de expatriação mais elevadas. Ou seja, o legislador neerlandês, para simplificar, pretende determinar os factos relevantes, que são a manutenção de uma segunda habitação nos Países Baixos e as despesas que daí decorrem, com recurso a outros factos, que são a distância da residência principal em relação à fronteira com os Países Baixos.

50.      Esta regra, criada para efeitos de simplificação, é adequada a excluir do regime fixo os trabalhadores não residentes que não mantêm uma segunda habitação nos Países Baixos e que, por conseguinte, suportam menos despesas de expatriação. Efetivamente, pode‑se partir do princípio que os trabalhadores que residem a mais de 150 km da fronteira com os Países Baixos não estarão em condições de se deslocar diariamente até ao seu local de trabalho, pelo que terão de manter uma segunda habitação ou emigrar. Ao excluir‑se do regime fixo todos os demais trabalhadores, abarcam‑se certamente todos os trabalhadores que se deslocam diariamente até ao seu local de trabalho e que, por conseguinte, suportam menos despesas de expatriação.

b)      Proporcionalidade da regra de simplificação

51.      Não obstante, coloca‑se a questão de saber se a regra de simplificação, não vai além do que é necessário para se atingir o objetivo da prevenção de perturbações concorrenciais. É manifesto que esta regra também exclui do regime fixo os trabalhadores que não podem deslocar‑se diariamente para o trabalho e que, por isso, têm de manter uma segunda habitação nos Países Baixos, apesar de a distância da sua residência até à fronteira dos Países Baixos ser inferior a 150 km, por distância até ao seu local de trabalho ser muito superior.

52.      Em princípio é admissível que um Estado‑Membro, para efeitos de simplificação, adote um critério de diferenciação de fácil verificação em vez de um modelo complexo de determinação dos factos. Pois ainda que as dificuldades administrativas não possam justificar, por si sós, um obstáculo ao exercício de liberdades fundamentais (17), é certo que, como salientou o Reino dos Países Baixos, a jurisprudência entende que no quadro da justificação de um regime nacional importa considerar a respetiva facilidade de gestão e de controlo, pelas autoridades competentes (18), e o ónus administrativo que recai sobre as autoridades fiscais (19). Desta forma, o Tribunal de Justiça reconhece, genericamente, que o esforço inerente à atuação administrativa assume um papel importante, também no mercado interno. No presente caso, um regime alternativo, no âmbito do qual houvesse que determinar individualmente, num número elevado de casos, se um trabalhador não residente efetivamente mantém e utiliza uma segunda habitação nos Países Baixos, implicaria encargos administrativos mais elevados, tanto para o trabalhador como para a administração fiscal. Acresce ainda que a aplicação prática deste regime seria difícil de controlar pela referida administração fiscal.

53.      As regras de simplificação deste tipo, em que se recorre a um critério de diferenciação de fácil verificação, têm, contudo ‑ na medida em que são comparáveis às formas de discriminação dissimulada (20)‑, de conduzir no essencial ao mesmo resultado, apesar da adoção de um critério alternativo. Por isso, no presente caso coloca‑se a questão de saber se a condição dos 150 km é passível de refletir, no essencial, a extensão das despesas de expatriação do trabalhador.

54.      Importa começar por esclarecer que, do mesmo modo que para se ter por verificada uma discriminação indireta não tem de haver uma correlação absoluta entre a residência e a nacionalidade (21), tampouco se pode exigir, no quadro de uma regra de simplificação, que não ocorram casos alguns em que a presunção assumida pelo legislador se revele errada. Os exemplos enunciados pela Comissão, em que apesar de o local de residência do trabalhador se situar a uma distância inferior a 150 km da fronteira com os Países Baixos não se pode partir do princípio de que esse mesmo trabalhador se desloca diariamente para o trabalho, não são suficientes para demonstrar a falta de adequação do critério de diferenciação adotado pelo legislador. Na verdade, é da própria natureza de uma regra de simplificação existirem casos em que o critério de diferenciação adotado não reflete a situação pretendida.

55.      Não obstante, estes últimos casos têm de revestir caráter isolado. O critério adotado no âmbito da simplificação tem, tanto quanto possível, de ser ajustado à situação. Portanto, uma regra de simplificação só é, em princípio, proporcionada, se na grande maioria dos casos conduzir ao mesmo resultado que se teria atingido sem a simplificação. Formulei exigências comparáveis no âmbito da verificação de uma discriminação dissimulada (22).

56.      Nesta medida, a condição dos 150 km suscita dúvidas que, contudo, só poderão, em última análise, ser esclarecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do apuramento dos factos relevantes (23).

57.      Porém, é ponto assente que a distância da residência de um trabalhador à fronteira, num caso como o dos Países Baixos, em que essa fronteira se estende de norte a sul por cerca de 300 km e de oeste a leste por cerca de 180 km, diz pouco relativamente à distância da residência do mesmo trabalhador ao seu local de trabalho nos Países Baixos. Contudo, na realidade, é esta última distância que é a determinante para saber se um trabalhador poderá deslocar‑se diariamente de um para o outro ponto e, por conseguinte, para se poder determinar o montante das suas despesas de expatriação. Portanto, pode existir um elevado número de casos em que o critério de diferenciação adotado pelo legislador holandês não coincida com a situação que se pretende refletir.

58.      O Reino dos Países Baixos contrapôs que o local de trabalho é difícil de determinar, uma vez que determinados trabalhadores não têm um local de trabalho fixo, mas antes variável, e no caso de empresas multinacionais parte dos trabalhadores têm locais de trabalho que nem sequer são do conhecimento da administração fiscal. Contudo, estas dificuldades administrativas afiguram‑se‑me comparativamente reduzidas, de modo que não justificam a aplicação de um critério de diferenciação que, em muitos casos, não reflete a situação determinante. É particularmente assim se se tiver em conta que ‑ tal como foi declarado incontestadamente pela Comissão ‑ no âmbito do regime fixo só se procede uma única vez à verificação da distância do local de residência do trabalhador não residente, concretamente quando se inicia o exercício da atividade nos Países Baixos.

c)      Proporcionalidade da consequência jurídica

59.      Acresce ainda que a regra de simplificação pode ainda ir além do que é necessário para se atingir o objetivo de prevenir perturbações concorrenciais dentro do grupo dos trabalhadores não residentes, ao nível das suas consequências jurídicas.

60.      De facto, o alcance do regime fixo aplicável aos trabalhadores não residentes, mas que habitam na zona fronteiriça, podia também ter sido limitado, designadamente, através da aplicação aos mesmos de uma percentagem inferior aos 30% da base tributável do imposto sobre o rendimento, em vez de se excluírem completamente esses trabalhadores do regime fixo. Desta forma, ter‑se‑ia conservado, em benefício dos trabalhadores não residentes, mas que habitam a zona fronteiriça, algumas das vantagens do regime fixo, pois não necessitariam de fornecer prova das respetivas despesas, até um determinado montante, e ser‑lhes‑iam reconhecidas certas despesas mesmo que não tivessem sido efetivamente realizadas (24). Existia assim um meio mais moderado de prevenir perturbações concorrenciais entre trabalhadores não residentes, através do qual se calculariam as despesas de expatriação da totalidade dos trabalhadores não residentes, para efeitos de reembolso isento pelo empregador, com recurso a um regime fixo, ainda que com base em percentagens diferentes, consoante a distância do local de residência em relação à fronteira.

61.      A recusa da aplicação de um regime fixo, como aquele que ora se discute, aos trabalhadores não residentes, mas que habitam na zona fronteiriça, só seria proporcional se tais trabalhadores, na sua larga maioria, não suportassem, de todo, no essencial, quaisquer despesas de expatriação. Só neste caso é que seria necessário, para prevenir perturbações concorrenciais, excluir os trabalhadores fronteiriços das vantagens que advêm da aplicação de um regime fixo, ainda que com taxa inferior. Também esta questão deverá ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, com base dos factos e do direito nacional.

D ―    Conclusão

62.      Desta forma, um regime nacional que faz depender um benefício fiscal, como o regime fixo ora em causa, do preenchimento de uma condição como a distância de 150 km ora em causa, só é compatível com o artigo 45.° TFUE, se, em primeiro lugar, o critério de diferenciação referente à distância do local de residência em relação à fronteira permitir abarcar a larga maioria das situações de trabalhadores não residentes que se podem deslocar diariamente de casa para o de trabalho nos Países Baixos e, em segundo lugar, se tais trabalhadores não suportarem, no essencial, despesas de expatriação, na aceção do regime fixo. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar se estas condições estão ou não preenchidas.

VI ― Conclusão

63.      Pelo exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden nos seguintes termos:

«A livre circulação dos trabalhadores, na aceção do artigo 45.° TFUE, não se opõe a um regime legal nacional como aquele que se discute no processo principal, com base no qual as ajudas de custo por despesas de expatriação concedidas aos trabalhadores imigrantes são isentas de imposto e é atribuído um determinado montante fixo de isenção de imposto sem necessidade de prova aos trabalhadores que, no período anterior ao início do trabalho nesse Estado‑Membro, residissem a uma distância superior a 150 km da fronteira desse Estado‑Membro, mesmo que esse montante seja superior às despesas de expatriação efetivamente suportadas, ao passo que o montante daquelas ajudas de custo isentas de imposto para os trabalhadores que, durante esse período, residissem a pouca distância desse Estado‑Membro, é reduzido para o montante real e comprovável das despesas de expatriação, desde que estes últimos trabalhadores possam, na sua esmagadora maioria, deslocar‑se diariamente de casa para o trabalho nos Países Baixos e não suportem, no essencial, despesas de expatriação.»


1 ―      Língua original: alemão.


2 ―      JO L 141, p. 1.


3 ―      Redação de 2012, aplicável ao caso em apreço.


4 ―      V., a título de mero exemplo, acórdãos Biehl (C‑175/88, EU:C:1990:186: n.° 12) e Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.° 23).


5 ―      V., a título de mero exemplo, acórdãos Sotgiu (152/73, EU:C:1974:13, n.° 11) e Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.os 26 a 28).


6 ―      V. acórdão Columbus Container Services (C‑298/05, EU:C:2007:754, n.os 50 e 51).


7 ―      V. acórdão Columbus Container Services (C‑298/05, EU:C:2007:754, n.° 54).


8 ―      Acórdão Haribo (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.° 48).


9 ―      Acórdão Orange European Smallcap Fund (C‑194/06, EU:C:2008:289, n.° 56).


10 ―      V. acórdãos D. (C‑376/03, EU:C:2005:424, n.os 53 a 63) e Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (C‑374/04, EU:C:2006:773, n.os 82 e 83).


11 ―      V. conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Léger no processo Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:278, n.os 79 e 80).


12 ―      V. conclusões apresentadas pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Columbus Container Services (C‑298/05, EU:C:2007:197, n.os 117 e 118).


13 ―      V., a título de mero exemplo, acórdãos X Holding (C‑337/08, EU:C:2010:89, n.° 22) e SCA Group Holding e o. (C‑39/13, C‑40/13 e C‑41/13, EU:C:2014:1758, n.° 28).


14 ―      V., a este propósito, as conclusões por mim apresentadas no processo Comissão/Reino Unido (C‑172/13, EU:2014:2321, n.° 29).


15 ―      V., a propósito da liberdade de estabelecimento, acórdão Felixstowe Dock and Railway Company e o. (C‑80/12, EU:C:2014:200, n.° 21 e jurisprudência aí referida), e a propósito da livre circulação de capitais, acórdão Itelcar (C‑282/12, EU:C:2013:629, n.° 34 e jurisprudência aí referida).


16 ―      V. supra, n.° 7.


17 ―      V., neste sentido, acórdãos Terhoeve (C‑18/95, EU:C:1999:22, n.° 45), Jäger (C‑256/06, EU:C:2008:20, n.° 55) e van Caster (C‑326/12, EU:C:2014:2269, n.° 56 e jurisprudência aí referida).


18 ―      V. acórdão Comissão/Itália (C‑110/05, EU:C:2009:66, n.° 67).


19 ―      V. acórdão X (C‑498/10, EU:C:2012:635, n.° 51).


20 ―      V. supra, n.° 16.


21 ―      V., também neste sentido, acórdão Erny (C‑172/11, EU:C:2012:399, n.° 41).


22 ―      V. conclusões por mim apresentadas no processo Hervis Sport‑ és Divatkereskedelmi (C‑385/12, EU:C:2013:531, n.os 37 a 47).


23 ―      V., a propósito de uma discriminação indireta, acórdão Hervis Sport‑ és Divatkereskedelmi (C‑385/12, EU:C:2014:47, n.os 39 a 41).


24 ―      V. supra, n.° 17.