Language of document : ECLI:EU:T:2012:452

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

20 de setembro de 2012 (*)

«Auxílios de Estado ― Auxílio alegadamente concedido pela França sob a forma de uma garantia implícita ilimitada a favor da La Poste resultante do seu estatuto de estabelecimento público ― Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno ― Recurso de anulação ― Interesse em agir ― Admissibilidade ― Ónus da prova da existência de um auxílio de Estado ― Vantagem»

No processo T‑154/10,

República Francesa, representada inicialmente por E. Belliard, G. de Bergues, B. Beaupère‑Manokha, J. Gstalter e S. Menez e, em seguida, por E. Belliard, G. de Bergues, J. Gstalter e S. Menez, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e D. Grespan, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão 2010/605/UE da Comissão, de 26 de janeiro de 2010, relativa ao auxílio estatal C 56/07 (ex E 15/05) concedido por França à La Poste (JO L 274, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, N. Wahl (relator) e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Direito nacional que regula o estatuto da La Poste

 Estatuto da La Poste, desde 1 de janeiro de 1991, e respetivas consequências jurídicas

1        Nos termos da Lei n.° 90‑568, de 2 de julho de 1990, relativa à organização do serviço público dos correios e das telecomunicações (JORF de 8 de julho de 1990, p. 8069), a antiga Direcção‑Geral dos Correios e das Telecomunicações, que dependia até então do Ministério responsável pelos Correios e Telecomunicações, foi transformada, em 1 de janeiro de 1991, em duas pessoas coletivas autónomas de direito público: a France Télécom e a La Poste. Essa lei autorizou expressamente a La Poste a desenvolver, a par das suas missões de serviço público, determinadas atividades abertas à concorrência.

2        De acordo com o artigo 1.° do Decreto de 31 de dezembro de 1990 que concede a garantia do Estado aos empréstimos obrigacionistas PTT e às obrigações de poupança PTT emitidas até 31 de dezembro de 1990 (JORF de 18 de janeiro de 1991, p. 917), «[o] pagamento de juros, amortização, prémios, comissões, despesas e acessórios dos empréstimos obrigacionistas e obrigações de poupança PTT emitidos até 31 de dezembro de 1990, com vista a contribuir para o financiamento das despesas de investimento do orçamento anexo dos correios e telecomunicações, nos termos do artigo L. 127 do Código dos Correios e Telecomunicações [...], e transferidos para a La Poste por força do artigo 22.° da Lei de 2 de julho de 1990 [...], é garantido incondicionalmente pelo Estado».

3        Por acórdão de 18 de janeiro de 2001, a Cour de cassation (Segunda Secção Cível) aplicou o princípio segundo o qual a La Poste deve ser equiparada a um estabelecimento público industrial e comercial (a seguir «EPIC»).

4        No direito administrativo francês, os EPIC são pessoas coletivas de direito público, com personalidade jurídica distinta do Estado, autonomia financeira e atribuições especiais, as quais incluem geralmente o exercício de uma ou várias missões de serviço público.

5        O estatuto dos EPIC implica um certo número de consequências jurídicas, nomeadamente:

¾        a inaplicabilidade dos processos de insolvência e de falência de direito comum [v., em particular, artigo 2.° da Lei n.° 85‑98, de 25 de janeiro de 1985, em matéria de recuperação e liquidação judiciais das empresas (JORF de 26 de janeiro de 1985, p. 1097), que passou a artigo L. 620‑2 do Código Comercial];

¾        a aplicabilidade da Lei n.° 80‑539, de 16 de julho de 1980, relativa às sanções pecuniárias compulsórias aplicadas em matéria administrativa e à execução das sentenças por pessoas coletivas de direito público (JORF de 17 de julho de 1980, p. 1799), bem como a designação do Estado como responsável em último recurso pela cobrança das dívidas contraídas [v. artigo 1.°, II, da Lei n.° 80‑539; artigo 3‑1, quarto e quinto parágrafos, do Decreto n.° 81‑501, de 12 de maio de 1981, adotado em aplicação da Lei n.° 80‑539 (JORF de 14 de maio de 1981, p. 1406), e artigo 10.° do Decreto n.° 2008‑479, de 20 de maio de 2008 (que revoga o Decreto n.° 81‑501), relativo à execução das condenações pecuniárias proferidas contra as coletividades públicas].

 Alteração do estatuto da La Poste, desde 1 de março de 2010

6        Em 29 de julho de 2009, o Governo francês apresentou um projeto de lei no sentido da transformação da La Poste em sociedade anónima. Esse projeto conduziu à adoção da Lei n.° 2010‑123, de 9 de fevereiro de 2010, relativa à empresa pública La Poste e às atividades postais (JORF de 10 de fevereiro de 2010, p. 2321), que entrou em vigor em 1 de novembro seguinte. O artigo 1‑2.I. dessa lei dispõe:

«A partir de 1 de março de 2010, a pessoa coletiva de direito público La Poste é transformada numa sociedade anónima denominada La Poste. O capital social é detido pelo Estado, acionista maioritário, e por outras pessoas coletivas de direito público, com exceção da parte do capital que pode ser detida a título de participação do pessoal, nas condições previstas na presente lei. Esta transformação não pode ter como consequência pôr em causa o caráter de serviço público nacional da La Poste.

[...]

Esta transformação não implica a criação de uma nova pessoa jurídica. A totalidade dos ativos, direitos e obrigações, contratos, acordos e autorizações de qualquer natureza da pessoa coletiva de direito público La Poste, em França e fora de França, são de pleno direito e sem mais formalidades os da sociedade anónima La Poste, a partir da data da transformação. Esta não tem nenhuma incidência nesses bens, direitos e obrigações, contratos, acordos e autorizações e não implica, em particular, a alteração dos contratos e das convenções em curso celebrados pela La Poste ou pelas sociedades coligadas com ela na aceção dos artigos L. 233‑1 a L. 233‑4 do Código Comercial, nem a sua rescisão nem, se for caso disso, o reembolso antecipado das dívidas que deles são objeto [...]»

 Procedimento administrativo

7        Por decisão datada de 21 de dezembro de 2005, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou a transferência das atividades bancárias e financeiras da La Poste para a sua filial, a La Banque Postale. Nessa decisão, a Comissão sublinhou que a questão da garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste seria objeto de procedimento separado.

8        Em 21 de fevereiro de 2006, a Comissão, em conformidade com o artigo 17.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1), informou as autoridades francesas das suas conclusões preliminares quanto à existência de uma garantia ilimitada do Estado resultante do estatuto da La Poste e que constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, convidando‑as a apresentar as suas observações. Entendendo que essa alegada garantia existia antes de 1 de janeiro de 1958, data da entrada em vigor do Tratado CE em França, a Comissão aplicou as regras processuais relativas aos auxílios existentes.

9        A resposta das autoridades francesas a esse convite chegou à Comissão em 24 de abril de 2006.

10      Em 4 de outubro de 2006, em conformidade com o artigo 18.° do Regulamento n.° 659/1999, a Comissão convidou, designadamente, a República Francesa a eliminar, até 31 de dezembro de 2008, a garantia de que beneficiava a La Poste, em virtude do seu estatuto, relativamente a todos os seus compromissos.

11      Em 6 de dezembro de 2006, a Comissão recebeu uma nota das autoridades francesas, contestando as conclusões apresentadas pela Comissão na sua carta de 4 de outubro de 2006, que propunha iniciar uma discussão a fim de dissipar as dúvidas que tinha quanto à existência de uma garantia ilimitada do Estado francês a favor da La Poste.

12      Em 20 de dezembro de 2006, realizou‑se uma reunião entre os serviços da Comissão e as autoridades francesas.

13      Por carta de 16 de janeiro de 2007, as autoridades francesas, não deixando de contestar as conclusões da Comissão, mas com a preocupação de clarificar o alcance da Lei n.° 80‑539, apresentaram‑lhe um projeto de alteração do Decreto n.° 81‑501.

14      Após análise das informações e precisões fornecidas pelas autoridades francesas em 1 de fevereiro e 16 de março de 2007, designadamente a respeito da questão da eventual responsabilidade do Estado no caso de insuficiência de ativos da La Poste, a Comissão, por carta de 29 de novembro de 2007, informou‑as da sua decisão de dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Através da publicação dessa decisão no Jornal Oficial da União Europeia de 3 de junho de 2008 (JO C 135, p. 7), a Comissão convidou os interessados a apresentarem as suas observações acerca da medida controvertida.

15      A Comissão não recebeu observações a respeito da referida medida. Em contrapartida, as autoridades francesas apresentaram observações por carta de 23 de janeiro de 2008. Além disso, na sequência de um concurso, a Comissão confiou a um perito a realização de um estudo sobre a garantia ilimitada concedida pela República Francesa à La Poste. Esse perito apresentou o seu relatório em 17 de novembro de 2008.

16      Na sequência da publicação de informações relativas à adoção, pelo Governo francês, de um projeto de lei que confirmava a alteração do estatuto da La Poste, a Comissão perguntou à República Francesa, em 20 de julho de 2009, se aceitaria assumir um compromisso quanto à transformação da La Poste em sociedade anónima sujeita aos procedimentos de recuperação e liquidação judiciais de direito comum. Pela mesma carta, a Comissão comunicou às autoridades francesas o relatório do perito.

17      Por nota enviada em 31 de julho de 2009, as autoridades francesas informaram a Comissão de que o Conselho francês de Ministros de 29 de julho de 2009 tinha aprovado um projeto de lei relativo à La Poste e às atividades postais, que previa, nomeadamente, a transformação da La Poste em sociedade anónima, a partir de 1 de janeiro de 2010. As autoridades francesas indicaram, por outro lado, que fariam chegar as suas observações sobre o relatório do perito da Comissão.

18      Após dois avisos da Comissão, datados de 9 de setembro e 6 de outubro de 2009, a República Francesa, por nota transmitida em 27 de outubro de 2009, comunicou as suas observações sobre o relatório do perito da Comissão e deu um parecer elaborado por um perito.

19      Em 11 de dezembro de 2009, foi apresentada uma alteração ao projeto de lei relativo à La Poste e às atividades postais, adiando para março de 2010 a data da transformação da La Poste em sociedade anónima.

20      Em 26 de janeiro de 2010, a Comissão adotou a Decisão C (2010) 133, relativa ao auxílio estatal C 56/07 (ex E 15/05) concedido pela França à La Poste (a seguir «decisão recorrida»). Esta decisão, que foi notificada às autoridades francesas em 27 de fevereiro de 2010, foi publicada com a referência 2010/605/UE no Jornal Oficial da União Europeia de 19 de outubro de 2010 (JO L 274, p. 1).

 Decisão recorrida

21      Após ter recordado a tramitação do procedimento administrativo (considerandos 1 a 17 da decisão recorrida), o teor da medida controvertida (considerandos 18 a 37 da referida decisão), bem como as observações e propostas feitas pelas autoridades francesas (considerandos 38 a 114 da decisão), a Comissão procedeu ao exame propriamente dito da questão de saber se existia, primeiro, uma garantia ilimitada do Estado francês a favor da La Poste (considerandos 116 a 255 da decisão recorrida) e, segundo, uma vantagem seletiva decorrente dessa mesma garantia (considerandos 256 a 300 da referida decisão), suscetível de falsear a concorrência e de afetar as trocas comerciais (considerando 301 da mesma decisão) na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

22      Em primeiro lugar, no que respeita à existência, no presente caso, de uma garantia ilimitada, a Comissão, depois de analisar os numerosos argumentos apresentados pelas autoridades francesas, chegou à conclusão de que a La Poste beneficiava de uma tal garantia do Estado francês, devido a algumas particularidades que estavam intrinsecamente ligadas ao seu estatuto de estabelecimento público (v., nomeadamente, considerandos 251 a 253 da decisão recorrida). Na opinião da Comissão, essa garantia não só criava uma transferência de recursos estatais na aceção do ponto 2.1 da Comunicação 2008/C 155/02 da Comissão, relativa à aplicação dos artigos 87.° [CE] e 88.° [CE] aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2008, C 155, p. 10; a seguir «comunicação de 2008») (considerando 254 da decisão recorrida), como era imputável ao Estado (v. considerando 255 da referida decisão).

23      No tocante, mais precisamente, à apreciação da existência de uma garantia ilimitada do Estado francês a favor dos EPIC, a Comissão sublinha, a título liminar, que a La Poste não estava sujeita ao direito comum relativo à recuperação e liquidação de empresas em dificuldade e que, de acordo com o ponto 1.2, segundo parágrafo, quarto travessão, da comunicação de 2008, as condições de crédito mais favoráveis obtidas pelas empresas cujo estatuto legal exclui a possibilidade de um processo de falência ou de insolvência são consideradas um auxílio sob forma de garantia. Verificando que as autoridades francesas contestavam a conclusão de que a não aplicação à La Poste do direito comum em matéria de recuperação e liquidação de empresas era equiparável a um mecanismo de garantia estatal a seu favor, tanto no que diz respeito ao reembolso aos seus credores como à manutenção da sua existência no caso de se vir a encontrar numa situação de insolvência, a Comissão examinou a totalidade dos argumentos apresentados por essas autoridades (v. considerando 117 da decisão recorrida).

24      Em primeiro lugar, referiu que, contrariamente ao que foi defendido pelas autoridades francesas, o direito francês não excluía a existência de garantias implícitas e, mais especificamente, de uma garantia do Estado, a favor dos EPIC, o que é, entre outros elementos, confirmado por uma nota do Conseil d’État francês (a seguir «Conseil d’État»), redigida em 1995 no âmbito do processo dito «do Crédit Lyonnais» (v. considerandos 120 a 147 da decisão recorrida).

25      Examinando depois a diligência de um credor da La Poste com vista à liquidação do seu crédito no caso de a La Poste estar com dificuldades financeiras e não poder honrar as suas dívidas, concluiu que:

¾        os obstáculos tradicionais ao pagamento de um crédito de um organismo de direito privado não existiam no tocante aos estabelecimentos públicos (considerandos 150 a 155 da decisão recorrida);

¾        o procedimento de cobrança das dívidas dos estabelecimentos públicos condenados por uma decisão judicial prevista na Lei n.° 80‑539 não levava em nenhum caso à extinção da dívida (considerandos 156 a 184 da decisão recorrida);

¾        o regime de responsabilidade do Estado na implementação do procedimento de recuperação das dívidas pelos estabelecimentos públicos apresentava todas as características de um mecanismo de garantia (considerandos 185 a 226 da decisão recorrida);

¾        mesmo que não obtivesse satisfação, o credor de um estabelecimento público podia, de acordo com a teoria da aparência, obter efeitos jurídicos, alegando o erro legítimo cometido por ocasião da constituição do crédito, ao julgar que este seria sempre honrado (considerandos 227 a 229 da decisão recorrida).

26      Por último, a Comissão considerou que, mesmo que, num prazo razoável e após a utilização dos processos de recuperação que tinha descrito nos considerandos 150 a 229 da decisão recorrida, o credor de um estabelecimento público não conseguisse obter o pagamento do seu crédito, continuava a ter a certeza de que este não seria extinto, uma vez que, segundo a Comissão, os direitos e as obrigações das entidades públicas seriam sempre transferidas para o Estado ou para outra pessoa coletiva de direito público (considerandos 230 a 250 da decisão recorrida).

27      Em segundo lugar, a Comissão concluiu que as condições de crédito mais favoráveis obtidas pela La Poste em virtude dessa garantia ilimitada constituíam uma vantagem (considerandos 256 a 299 da decisão recorrida) de natureza seletiva (considerando 300 da decisão recorrida), suscetível de falsear a concorrência e afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros (considerando 301 da decisão recorrida).

28      No que respeita, em particular, à existência de uma vantagem, a Comissão considerou, antes de mais, que a garantia em causa era um elemento essencial do apoio do Estado, graças ao qual a La Poste beneficiava de condições de crédito mais favoráveis do que as que teria obtido se tivesse sido avaliada unicamente pelo seu mérito. A este respeito, a Comissão salientou que as condições de crédito eram, nomeadamente, fixadas com base na notação financeira (v. considerando 257 da decisão recorrida). Ora, na opinião da Comissão, resulta de uma série de análises e metodologias das agências de notação que a garantia em causa, enquanto elemento essencial do apoio do Estado a favor da La Poste, influencia de forma positiva a sua notação financeira e, portanto, as condições de crédito que pode obter (considerandos 258 a 293 da decisão recorrida). A Comissão considerou que, no caso, não tinha de demonstrar os efeitos concretos que essa garantia tinha tido no passado (considerando 298 da decisão recorrida). Indicou ainda que, tendo em conta o caráter ilimitado da garantia, não era possível, no caso, calcular o montante do prémio de mercado que a La Poste deveria ter pago ao Estado, o que tornava inaplicável o dispositivo de restituição proposto pelas autoridades francesas (considerando 299 da decisão recorrida).

29      A Comissão concluiu definitivamente que, visto estarem reunidas todas as condições de aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, a garantia controvertida constituía um auxílio de Estado na aceção da mesma disposição (considerando 302 da decisão recorrida) e que, mesmo alterada no sentido sugerido pelas autoridades francesas, não preenchia nenhuma das condições para poder ser declarada compatível com o mercado comum (considerandos 303 a 315 da referida decisão).

30      O dispositivo da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

A garantia ilimitada concedida pela França à La Poste constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado interno. A França suprimirá este auxílio o mais tardar até 31 de março de 2010.

Artigo 2.°

A Comissão considera que a transformação efetiva da La Poste em sociedade anónima suprimirá a garantia ilimitada de que esta beneficia. A supressão efetiva desta garantia ilimitada o mais tardar até 31 de março de 2010 constitui uma medida adequada para suprimir, em conformidade com o Direito da União, o auxílio estatal referido no artigo 1.°

Artigo 3.°

A França comunicará à Comissão, num prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, uma descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão.

Artigo 4.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

 Processo e pedidos das partes

31      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de abril de 2010, a República Francesa interpôs o presente recurso.

32      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu abrir a fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 19 de março de 2012.

33      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão recorrida;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        julgar o recurso inadmissível e, subsidiariamente, improcedente;

¾        condenar a República Francesa nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

35      Sem suscitar formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade na aceção do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão sustenta que o presente recurso é inadmissível, na medida em que a decisão recorrida não é desfavorável à República Francesa. Alega, essencialmente, que essa decisão, que se refere a um auxílio existente que as autoridades nacionais, por razões suas, decidiram revogar, não produz efeitos jurídicos vinculativos capazes de afetar os interesses da República Francesa. A este respeito, a Comissão observa que qualquer recorrente, incluindo um Estado‑Membro, deve demonstrar que a decisão recorrida teve efeitos negativos e caracterizados nos interesses reais e existentes, prova que não existiu no presente caso.

36      O Tribunal Geral recorda que o conceito de interesse em agir remete para a necessidade de qualquer pessoa singular ou coletiva que interpôs um recurso de anulação demonstrar um interesse efetivo e atual na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si própria, de ter consequências jurídicas ou, segundo outra fórmula, que o recurso seja suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o interpôs. Portanto, uma decisão que satisfaz inteiramente essa pessoa não é, por definição, suscetível de lhe causar prejuízo, e essa pessoa não tem interesse em pedir a sua anulação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, Colet., p. II‑471, n.os 84 e 85 e jurisprudência referida).

37      Importa salientar que, à semelhança do artigo 230.° CE, o artigo 263.° CE faz uma nítida distinção entre o direito de recurso de anulação por parte das instituições da União e dos Estados‑Membros, por um lado, e o das pessoas singulares e coletivas, por outro, uma vez que o segundo parágrafo desse artigo confere, nomeadamente, a qualquer Estado‑Membro o direito de impugnar, através de um recurso de anulação, a legalidade das decisões da Comissão, sem que o exercício desse direito esteja condicionado pela demonstração de interesse em agir. Para que o seu recurso seja admissível, um Estado‑Membro não tem, portanto, de demonstrar que um ato da Comissão por ele impugnado produz efeitos jurídicos em relação a ele. Todavia, para que um ato da Comissão possa ser objeto de um recurso de anulação, deve destinar‑se a produzir efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 27 de novembro de 2001, Portugal/Comissão, C‑208/99, Colet., p. I‑9183, n.os 22 a 24, e acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, Colet., p. I‑9639, n.° 36 e jurisprudência referida), o que convém determinar com base na sua substância.

38      No presente caso, não se pode negar que a decisão recorrida, que conclui pela existência de um auxílio de Estado a favor da La Poste, sob forma de uma garantia ilimitada, e o declara incompatível com o mercado comum, é necessariamente destinada a produzir efeitos jurídicos vinculativos e constitui, por conseguinte, um ato recorrível na aceção do artigo 263.° TFUE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, Colet., p. I‑7671, n.os 35 a 42).

39      Nenhum dos elementos e argumentos apresentados pela Comissão é suscetível de desmentir esta conclusão.

40      Em primeiro lugar, embora seja exato que, como referiu a Comissão, o Governo francês decidiu, por razões suas, à margem de qualquer pressão exercida pela Comissão, como atestado num comunicado de imprensa do Governo francês datado de 29 de julho de 2009 e numa proposta de lei com a mesma data, para a transformação da La Poste em sociedade anónima (v. n.° 6, supra), suprimir a medida qualificada de auxílio existente através da decisão recorrida, vários meses antes da sua adoção, não é menos verdade que a República Francesa estava juridicamente obrigada a executar a decisão recorrida, decisão cuja adoção é anterior à conversão do estatuto da La Poste em sociedade anónima. O facto, invocado pela Comissão, de poder existir, na execução da decisão recorrida, uma convergência dos interesses defendidos pela Comissão e dos da República Francesa não a pode impedir de interpor um recurso de anulação dessa mesma decisão. Como a própria República Francesa refere com razão, esse critério, que leva a penalizar os Estados‑Membros, consoante tenham podido ou não encontrar um interesse legítimo para dar cumprimento a uma decisão da Comissão, é eminentemente subjetivo. Ora, a apreciação da questão de saber se um ato é passível de recurso de anulação, na medida em que produz ou se destina a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, deve assentar numa apreciação objetiva da substância desse ato.

41      Em segundo lugar, quanto à argumentação da Comissão de que não ficou minimamente provado que a decisão recorrida tenha tido efeitos negativos e caracterizados nos interesses reais e existentes da República Francesa, refere‑se, na realidade, ao problema da existência de um interesse em agir, questão que não pode ser confundida com o conceito de ato recorrível e que, como foi acima recordado no n.° 37, não deve ser examinada no quadro dos recursos de anulação interpostos pelos Estados‑Membros.

42      Em terceiro lugar, a jurisprudência citada pela Comissão é irrelevante no caso presente.

43      No que respeita, primeiro, ao processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2000, Países Baixos/Comissão (C‑147/96, Colet., p. I‑4723), basta observar que a razão que tinha levado a julgar o recurso inadmissível residia no facto de a carta controvertida apenas ter caráter preparatório e, portanto, não ser suscetível de produzir efeitos jurídicos nem se destinar a produzir tais efeitos. Daí o Tribunal de Justiça concluiu que a referida carta não constituía uma decisão definitiva passível de recurso de anulação (v. n.° 35 desse acórdão).

44      Em seguida, no que respeita à solução acolhida no despacho Portugal/Comissão, já referido, a mesma assentava no facto de o Estado‑Membro recorrente só ter pedido a anulação das decisões impugnadas na medida em que nele era designado como destinatário. Ora, salienta o Tribunal de Justiça, manifestamente, essa designação não tinha efeitos jurídicos autónomos. Refira‑se que, nesse contexto, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de recordar que, para que um ato da Comissão pudesse ser objeto de recurso de anulação, era necessário que se destinasse a produzir efeitos jurídicos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 1988, Reino Unido/Comissão, 114/86, Colet., p. 5289, n.° 12; de 20 de março de 1997, França/Comissão, C‑57/95, Colet., p. I‑1627, n.° 7; e de 6 de abril de 2000, Espanha/Comissão, C‑443/97, Colet., p. I‑2415, n.os 27 e 28), mesmo que, quando um Estado‑Membro pretendesse apresentar esse pedido, esses efeitos não se produzissem «na sua esfera jurídica» (n.° 24 do despacho).

45      Quanto ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de junho de 2002, Alemanha/Comissão (C‑242/00, Colet., p. I‑5603), refere‑se à situação específica em que tanto o conteúdo da decisão recorrida como o contexto em que esta tinha sido adotada indicavam que essa decisão não tinha por objeto nem por efeito indeferir tacitamente um pedido do Estado‑Membro em causa (v. n.° 45 do acórdão). Por conseguinte, esta jurisprudência de modo nenhum vem em apoio da posição defendida pela Comissão.

46      O mesmo se diga do processo que deu origem ao acórdão do Tribunal Geral de 30 de janeiro de 2002, Nuove Industrie Molisane/Comissão (T‑212/00, Colet., p. II‑347), que negou provimento, por falta de interesse em agir, ao recurso interposto pela empresa beneficiária, ou seja, um particular e não um Estado‑Membro, de um auxílio notificado, pelo facto de este ter sido declarado compatível com o mercado comum e de, por outro lado, a apreciação dessa compatibilidade não ter, de qualquer modo, afetado os interesses dessa empresa.

47      Estas considerações são igualmente válidas para os acórdãos do Tribunal Geral de 18 de março de 2010, Centre de coordination Carrefour/Comissão (T‑94/08, Colet., p. II‑1015) e Forum 187/Comissão (T‑189/08, Colet., p. II‑1039), que declaram inadmissíveis, por falta de interesse em agir, certos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas.

48      Em face do exposto e sem que seja necessário decidir da questão de saber se o objetivo prosseguido pela República Francesa, no âmbito do presente recurso, é o de obter a anulação de uma decisão que constitua um precedente na análise do estatuto de outros EPIC, o presente recurso deve ser julgado admissível.

 Quanto ao mérito

49      A República Francesa invoca três fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito na medida em que a Comissão não fez prova bastante da existência de um auxílio de Estado. Através do seu segundo fundamento, a República Francesa alega que a Comissão cometeu erros de facto e de direito ao considerar que a La Poste, pelo seu estatuto de EPIC, beneficiava de uma garantia das dívidas tácita e ilimitada por parte do Estado. O terceiro fundamento é relativo à inexistência de um benefício na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

 Considerações preliminares

50      O artigo 107.°, n.° 1, TFUE dispõe que, «[s]alvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

51      Em conformidade com o ponto 1.2, segundo parágrafo, quarto travessão, da comunicação de 2008, «a Comissão considera igualmente como auxílio sob forma de garantia as condições de financiamento mais favoráveis obtidas por empresas cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência».

52      Resulta de jurisprudência assente que a qualificação de auxílio, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, requer que estejam preenchidas todas as condições aí referidas. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário, favorecendo certas empresas ou certas produções. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colet., p. I‑7747, n.os 74 e 75, e acórdão do Tribunal Geral de 22 de fevereiro de 2006, Le Levant 001 e o./Comissão, T‑34/02, Colet., p. II‑267, n.° 110).

53      Em primeiro lugar, verifica‑se que os fundamentos invocados em apoio do presente recurso visam, no essencial, demonstrar que foi erradamente que a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem em proveito da La Poste, vantagem resultante de uma garantia estatal de natureza tácita e ilimitada e cuja existência é igualmente posta em causa. Esses fundamentos dizem respeito, no essencial, à determinação da existência de uma vantagem.

54      Embora a República Francesa, na fase da réplica, tenha igualmente posto em causa a condição da existência de uma transferência de recursos estatais, não se pode deixar de observar que essa argumentação não constitui a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com ele. Com efeito, este argumento refere‑se a outra condição de aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 4 de março de 2009, Itália/Comissão, T‑424/05, não publicado na Coletânea, n.os 103 a 105).

55      Por conseguinte, o argumento de inobservância da condição relativa à transferência de recursos estatais deve ser julgado inadmissível de acordo com as disposições conjugadas do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento do Processo, das quais resulta que a petição inicial deve conter, designadamente, uma exposição sumária dos fundamentos do pedido e que a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que esses fundamentos assentem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo (v. acórdão do Tribunal Geral de 19 de setembro de 2000, Dürbeck/Comissão, T‑252/97, Colet., p. II‑3031, n.° 39 e jurisprudência aí referida).

56      No caso em apreço, não se demonstra nem mesmo se alega que o fundamento relativo à inexistência de transferência de recursos de Estado se baseia em elementos de direito e de facto que se tivessem revelado durante o processo. Mesmo admitindo que se devesse considerar que a apresentação tardia do referido fundamento se explicava pela prolação, após a interposição do recurso, do acórdão do Tribunal Geral de 21 de maio de 2010, França e o./Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04, Colet., p. II‑2099), que a Comissão refere na réplica, esse acórdão não pode ser qualificado de elemento novo suscetível de justificar a apresentação tardia deste argumento. Com efeito, um acórdão do Tribunal da União que não fez mais do que confirmar um pressuposto jurídico que o recorrente conhecia, em princípio, no momento em que interpôs o seu recurso não pode ser considerado um elemento novo que permita a dedução de um novo fundamento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Recueil, p. 1251, n.° 17, e acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 1996, Atlanta e o./CE, T‑521/93, Colet., p. II‑1707, n.° 39).

57      Questionada sobre este ponto na audiência, a República Francesa admite que o seu argumento apenas visava a condição da existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, o que foi registado na ata da audiência.

58      Em segundo lugar e no tocante ao alcance e à natureza da fiscalização jurisdicional, antes de mais, há que recordar que o conceito de auxílio de Estado, tal como definido pelo Tratado, é um conceito jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por esta razão, o juiz da União deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral relativamente à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colet., p. I‑3271, n.° 25, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colet., p. I‑10515, n.° 111).

59      Em seguida, deve especificar‑se que a legalidade de uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colet., p. 2263, n.° 16, e de 14 de setembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑276/02, Colet., p. I‑8091, n.° 31). Daqui resulta, em especial, que, uma vez que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva que é apreciada à data em que a Comissão adota a sua decisão, as apreciações levadas a cabo nessa data é que devem ser tomadas em conta para efetuar essa fiscalização jurisdicional (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 144).

60      O Tribunal Geral considera oportuno abordar o recurso pela apreciação do segundo fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito no que respeita à existência de uma garantia ilimitada a favor da La Poste

61      Com o seu segundo fundamento, a República Francesa alega que a Comissão cometeu erros de facto e de direito na apreciação da questão de saber se existia uma garantia ilimitada e tácita do Estado a favor da La Poste. Este fundamento divide‑se em quatro partes em que se alega que a Comissão cometeu vários erros, respetivamente:

¾        na medida em que concluiu pela existência, no direito francês, de um princípio de garantia estatal tácita decorrente do estatuto de EPIC;

¾        na determinação das consequências a extrair da não aplicação aos EPIC dos procedimentos de recuperação e de liquidação judicial de direito comum;

¾        ao equiparar os pressupostos da responsabilidade do Estado a um mecanismo de garantia automática e ilimitada do passivo da La Poste;

¾        na determinação das consequências de eventuais transferências das obrigações de serviço público de um EPIC dissolvido.

 Quanto à primeira parte, relativa a um erro da Comissão na medida em que concluiu pela existência, no direito francês, de uma garantia estatal tácita decorrente do estatuto de EPIC

62      A República Francesa sustenta que a Comissão cometeu um erro na medida em que concluiu pela existência, no direito francês, de uma garantia de Estado, tácita e ilimitada, concedida aos EPIC.

63      Em apoio do seu pedido, a República Francesa alega, no essencial, em primeiro lugar, que a jurisprudência do Conseil d’État exclui o próprio princípio subjacente a essa garantia; em segundo lugar, que o extrato do relatório anual do Conseil d’État de 1995, em que a Comissão se baseou, não tem alcance geral e obrigatório, tendo em conta nomeadamente um parecer do Conseil d’État de 8 de setembro de 2005; em terceiro lugar, que o direito francês das finanças públicas exclui, por princípio, qualquer conceito de «garantia tácita»; e, em quarto lugar, que não existem medidas suscetíveis de preservar os direitos dos credores de um EPIC, caso seu o estatuto venha a mudar.

64      No caso, a determinação da existência de uma garantia estatal ilimitada implica um exame preciso e circunstanciado dos mecanismos instituídos no direito francês, no caso de um EPIC como a La Poste vir a incumprir perante os seus credores.

65      A este respeito, importa recordar que, no quadro do contencioso dos auxílios de Estado, a apreciação dos factos e das provas é inteiramente da livre apreciação do Tribunal Geral. Além disso, neste contexto, a questão de saber se e em que medida uma regra do direito nacional é ou não aplicável ao caso concreto inscreve‑se na apreciação dos factos pelo julgador e está sujeita às regras da administração da prova e da repartição do ónus da prova.

66      Por outro lado, importa constatar que, contrariamente ao que poderia levar a admitir a argumentação desenvolvida pela República Francesa, a Comissão não concluiu que existia no direito francês um princípio de garantia tácita do Estado, baseando‑se, no essencial, num extrato de um relatório do Conseil d’État. Resulta claramente da decisão recorrida que, para demonstrar que existia uma garantia estatal a favor da La Poste, a Comissão analisou, nomeadamente, a questão de saber se, como sustentavam as autoridades francesas, essa garantia estava excluída no direito francês (v. considerandos 120 a 136 da decisão recorrida). Concluiu que os textos e a jurisprudência não permitiam afirmar que o direito francês excluía a possibilidade de o Estado garantir as obrigações assumidas pelos EPIC perante terceiros.

67      Esta conclusão não pode ser posta em causa.

68      Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a jurisprudência do Conseil d’État exclui o próprio princípio de uma garantia do Estado a favor dos estabelecimentos públicos, resulta dos articulados das partes que estas se opõem, no essencial, quando à interpretação a dar à jurisprudência resultante do acórdão do Conseil d’État (Assemblée) de 1 de abril de 1938, Sociétés de l’Hotel d’Albe (Recueil des décisions du Conseil d’État, p. 341).

69      Resulta dos termos desse acórdão que o Conseil d’État se recusou a julgar procedente o pedido de um credor de um EPIC dirigido diretamente aos serviços do Estado, indicando que este último não pode ser obrigado a pagar as dívidas contraídas por esse estabelecimento. Ora, como a Comissão salientou com razão no considerando 123 da decisão recorrida, a situação em causa no processo que deu origem a esse acórdão é muito diferente da de um EPIC que se encontre em Estado de insolvência, o único elemento relevante para efeitos de apreciar se a garantia do Estado pode ser acionada. O facto de, segundo esse acórdão, os estabelecimentos públicos, na aceção do direito francês, serem dotados de personalidade jurídica e de autonomia financeira não implica necessariamente que o Estado não possa garantir, em último recurso, as obrigações dos referidos estabelecimentos. Assim, a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao concluir que não se podia deduzir da jurisprudência que o próprio princípio de uma garantia do Estado em benefício dos EPIC estava excluído.

70      Em segundo lugar, a República Francesa sustenta que foi erradamente que a Comissão se baseou numa frase retirada do relatório anual do Conseil d’État de 1995, quando o alcance e o caráter vinculativo do referido relatório estavam sujeitos a reserva.

71      Essa argumentação não pode proceder, por várias razões. Em primeiro lugar, como a Comissão sublinhou, a passagem a que se refere a Comissão (v. considerando 139 da decisão recorrida), ela própria retirada de uma nota redigida em 1995, por ocasião da criação de um estabelecimento público para servir de apoio ao auxílio financeiro concedido pelo Estado francês com vista ao saneamento do Crédit Lyonnais, está redigida em termos desprovidos de ambiguidade. Com efeito, resulta desse ponto que o Conseil d’État indicou claramente que «a garantia estatal concedida a este estabelecimento decorrerá, sem disposição legislativa explícita, da própria natureza de estabelecimento público do organismo». Além disso, o excerto do referido relatório constitui apenas um dos elementos concretos invocados pela Comissão para demonstrar a existência de uma garantia do Estado. Decorre, em particular, dos considerandos 146 e 147 da decisão recorrida que a Comissão mencionou, em apoio da sua posição, a nota do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês, de 22 de julho de 2003, que tinha por objeto o «[r]ecenseamento dos dispositivos de garantia implícita ou explícita», bem como os documentos a ela anexos. Contrariamente à interpretação defendida pela República Francesa, conclui‑se que esta nota não se refere apenas aos casos em que a responsabilidade do Estado francês pode ser acionada na sua qualidade de acionista, designadamente com fundamento numa ação de cobertura do passivo, uma vez que se refere expressamente, no seu folheto informativo, à criação de estabelecimentos públicos. Por último, o parecer do Conseil d’État de 8 de setembro de 2005 não era suscetível de invalidar a conclusão a que a Comissão chegou. Como a própria República Francesa, em parte, reconhece, esse parecer, proferido a propósito da criação da comissão de controlo dos seguros, dos mutualistas e das instituições de previdência (CCAMIP), recordando embora o princípio de que incumbe a qualquer pessoa coletiva de direito público assumir as consequências das ações de responsabilidade que possam ser intentadas contra ela, não exclui, à partida, a possibilidade de existir uma garantia do Estado que pode ser acionada em caso de insolvência de um estabelecimento público.

72      Em terceiro lugar, a República Francesa alega que, desde a entrada em vigor da Lei Orgânica de 1 de agosto de 2001 relativa às leis de finanças (LOLF), nenhuma garantia ou assunção de dívidas de um terceiro pelo Estado pode ser executada na falta de uma autorização da lei de finanças.

73      Esta posição não pode ser acolhida. Com efeito, resulta da Decisão n.° 2001‑448 DC do Conseil constitutionnel, de 25 de julho de 2001 (Recueil des décisions du Conseil constitutionnel, p. 99), que o artigo 61.° da LOLF «tem por objetivo assegurar a informação do Parlamento sobre as garantias concedidas pelo Estado, e não gerar a caducidade das que, no passado, não foram autorizadas nos prazos previstos». Na falta de precisão quanto à natureza das garantias visadas pelo Conseil constitutionnel nessa decisão, nada permite concluir que as garantias implícitas que cobrem dívidas anteriores à entrada em vigor da LOLF (ou seja, em 1 de janeiro de 2005) também se extingam por caducidade. A este respeito, foi sem cometer nenhum erro de apreciação que a Comissão indicou, no considerando 126 da decisão recorrida, que, para determinar se a garantia tácita concedida pelo Estado à La Poste tinha caducado por força da LOLF, ou não, havia que atender à data em que a La Poste tinha começado a beneficiar dessa garantia, e não às datas de autorização das dívidas contraídas pela La Poste.

74      Se, como sublinhou a República Francesa, o perito designado pelas autoridades francesas manifestou dúvidas sobre a questão de saber se os motivos que levaram o Conseil constitutionnel a afastar a caducidade das garantias cuja concessão não tinha sido autorizada pela LOLF eram válidos tanto para os créditos tácitos como para os créditos expressos, essa interpretação não encontra apoio sólido algum no texto da decisão do Conseil constitutionnel. De resto, foi com razão que a Comissão mencionou, no considerando 131 da decisão recorrida, que não estava vinculada pela qualificação dada no direito francês à medida de garantia em causa, nem sequer pelo facto de se tratar de uma garantia abrangida pela LOLF.

75      Em quarto lugar, também não é convincente o argumento de que a falta de medidas destinadas a preservar os direitos dos credores das EPIC, no caso de estes virem a mudar de estatuto, como aconteceu na transformação da France Télécom, da Gaz de France, da Électricité de France e da Aéroports de Paris em sociedades anónimas, constitui um indicador da falta de qualquer garantia.

76      O facto de o Estado francês ter decidido conceder garantias expressas em certos casos não prova que a concessão de uma garantia implícita tenha sido excluída no caso. Por outro lado, o facto de, como resulta de diversas decisões do Conseil constitutionnel, o direito de crédito estar protegido constitucionalmente no direito francês, tal como o direito de propriedade, não é suscetível de invalidar essa conclusão. De resto, a jurisprudência do Conseil constitutionnel referida pela República Francesa não faz parte dos elementos apresentados à Comissão e de que ela pudesse dispor no momento em que adotou a decisão recorrida. Daqui decorre que, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 59, a jurisprudência do Conseil constitutionnel relativa à proteção do direito de crédito não faz parte dos elementos relativamente aos quais era necessário apreciar a legalidade da decisão recorrida.

77      Quanto à referência feita pela República Francesa, na réplica, ao relatório de estudo do Conseil d’État sobre os estabelecimentos públicos, adotado pela assembleia plenária do Conseil d’État, em 15 de outubro de 2009, nos termos do qual «a própria existência de uma garantia dada pelo Estado aos estabelecimentos públicos é muito contestável», e a um artigo de doutrina publicado em 28 de junho de 2010, na sequência do referido relatório, não se pode deixar de observar que essas publicações, mesmo admitindo que possam ser invocadas no âmbito do presente processo, não contêm nenhum elemento novo que seja diretamente pertinente para a questão de saber se o direito francês exclui, por princípio, a existência de uma garantia implícita do Estado a favor dos EPIC. Com efeito, nesse relatório de revisão, o Conseil d’État limitou‑se a fazer referência a apreciações de ordem geral quanto à possibilidade de detetar, na jurisprudência da União, a existência de um auxílio de Estado «a partir de elementos unicamente estatutários». No momento de se pronunciarem sobre a questão de saber se o direito da concorrência punha em causa a existência dos estabelecimentos públicos, os autores desse relatório limitaram‑se a indicar que se devia «relativizar o risco de que as relações entre o Estado e os seus estabelecimentos públicos caiam sistemicamente na qualificação de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.° [CE]». Quanto ao artigo de doutrina datado de 28 de junho de 2010, refere‑se a um debate iniciado na sequência da publicação desse relatório de revisão quanto ao destino das entidades com o estatuto de estabelecimento público, nomeadamente, mas não exclusivamente, na perspetiva do direito dos auxílios de Estado. Ora, no que diz respeito, mais precisamente, a este último aspeto, importa assinalar que de modo nenhum é abordado um pilar essencial do raciocínio seguido pela Comissão na decisão recorrida, ou seja, a verificação de que os organismos que beneficiam do estatuto de estabelecimento público na aceção do direito público francês não podem ser submetidos aos processos de insolvência e de falência de direito comum.

78      Decorre de todas estas considerações que a Comissão não cometeu nenhum erro quando concluiu que, contrariamente ao que foi defendido pelas autoridades francesas, o direito francês não exclui a possibilidade de o Estado conferir uma garantia implícita aos EPIC. Improcede, portanto, a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de facto e de direito no que respeita às consequências a extrair da não aplicabilidade à La Poste dos procedimentos de recuperação e de liquidação judiciais de direito comum

79      A República Francesa considera que, contrariamente à interpretação defendida pela Comissão, a não aplicabilidade à La Poste dos procedimentos de direito comum em matéria de recuperação e liquidação judiciais, a saber, a Lei n.° 85‑98, que constitui apenas uma «lei de processo», não significa que a La Poste não possa abrir falência nem ficar numa situação em que deixe de efetuar pagamentos. A República Francesa salienta que são aplicáveis aos EPIC procedimentos específicos que de modo nenhum garantem aos credores que eles cobrirão a totalidade dos seus créditos. Em especial, a Lei n.° 80‑539 e os textos adotados em sua aplicação, cujo principal objetivo era regular as situações em que as entidades públicas, embora solventes, se recusassem a pagar determinadas dívidas, puseram em prática um regime de vias de execução, que confere à autoridade de supervisão o poder de se substituir ao executivo de um estabelecimento público, de modo a libertar no orçamento desse estabelecimento as «dotações necessárias», e não os recursos de Estado, a fim de satisfazer os credores potenciais. Todavia, esta lei não confere de modo algum ao Estado, cujo papel é equiparável ao de um mandatário ad hoc, o direito, e muito menos a obrigação, de libertação de recursos estatais a favor de eventuais credores de estabelecimentos públicos. Esta interpretação é confirmada tanto pelo Parecer n.° 381‑088 do Conseil d’État, de 25 de março de 2008, como pela jurisprudência administrativa francesa. Por último, a existência dos programas identificados pela Comissão nos considerandos 174 a 178 da decisão recorrida, que permitem adiantamentos do Estado a organismos que não gerem serviços públicos, não pode comprovar a implementação de um mecanismo de garantia tácita.

80      A este respeito, o Tribunal Geral observa que as partes estão de acordo quanto à conclusão de que a Lei n.° 85‑98 excluía do seu âmbito de aplicação todas as entidades públicas e, em particular, os EPIC. Com efeito, nos termos do artigo 2.° dessa lei, que passou a artigo L. 620‑2 do Código Comercial, na sua versão em vigor até 1 de janeiro de 2006, «[a] recuperação e liquidação judiciais são aplicáveis a qualquer comerciante, a qualquer pessoa registada no registo de profissões, a qualquer agricultor e a qualquer pessoa coletiva de direito privado». A disposição correspondente em vigor à data da adoção da decisão recorrida dispõe, no mesmo sentido, que «[o] processo de salvaguarda é aplicável a todas as pessoas que exercem uma atividade comercial ou artesanal, a qualquer agricultor, a qualquer outra pessoa singular que exerça uma atividade profissional independente, incluindo uma profissão liberal sujeita a um estatuto legal ou regulamentar, ou cujo título seja protegido, bem como a qualquer pessoa coletiva de direito privado». Por outro lado, decorre da jurisprudência da Cour de cassation francesa, à qual a República Francesa se referiu nos seus articulados, que resulta dos textos «que os bens não pertencentes a pessoas privadas são administrados e alienados em moldes e de acordo com regras próprias; que, relativamente aos bens pertencentes a pessoas públicas, mesmo que exerçam uma atividade industrial e comercial, o princípio da impenhorabilidade desses bens não permite recorrer às vias de execução de direito privado; que cabe somente ao credor beneficiário de uma decisão judicial transitada em julgado e que condene uma entidade pública no pagamento, mesmo a título de provisão, de uma quantia em dinheiro, aplicar as regras especiais resultantes da Lei [n.° 80‑539]» [v. acórdão da Cour de cassation (Primeira Secção Cível) de 21 de dezembro de 1987, Bureau de recherches géologiques et minières (BRGM) c/ Sté Llyod continental, Bulletin des arrêts de la Cour de cassation I, n.° 348, p. 249].

81      As partes opõem‑se, em contrapartida, no que diz respeito às consequências a extrair da inaplicabilidade aos EPIC dos procedimentos de recuperação e de liquidação de direito comum para a determinação da existência de uma garantia estatal a favor da La Poste.

82      Refira‑se desde logo que, nos termos da decisão recorrida (v. considerandos 118 e 119), a Comissão considerou que, para determinar se existia a garantia sobre o reembolso dos créditos individuais, devia, após exame dos textos e da jurisprudência nacional (v. primeira parte do segundo fundamento, supra), analisar se o procedimento seguido por um credor da La Poste para pagamento do seu crédito, no caso de esta se encontrar em dificuldade financeira, era comparável ao seguido pelo credor de uma empresa sujeita ao direito comercial. Contrariamente ao que dá a entender a argumentação da República Francesa, a iniciativa da Comissão não se destinava a concluir que um EPIC não podia abrir falência, pelo facto de que não estava sujeito à aplicação do direito comum da recuperação e da liquidação judicial.

83      No caso, a Comissão chegou à conclusão de que os credores dos EPIC estavam numa situação mais favorável que os credores privados, com o fundamento de que, contrariamente ao que sucedia no âmbito da aplicação do direito comum em matéria de recuperação e liquidação judicial, o credor de um estabelecimento público não corria o risco de o seu crédito desaparecer devido à abertura de um processo judicial de liquidação (v. considerando 150 da decisão recorrida).

84      Esta conclusão deve ser acolhida. Com efeito, como admitiu a República Francesa na petição, a Lei n.° 80‑539 prevê um mecanismo diferente do instituído pelos procedimentos de recuperação e de liquidação de direito comum. Esta lei e os textos adotados em sua aplicação põem em prática um processo de cobrança do crédito cujo acionamento, ao contrário do processo de insolvência na aceção do direito comum, não leva a fazer desaparecer os créditos, mas, quando muito, a um adiamento do seu pagamento. Por isso, os credores dos estabelecimentos públicos encontram‑se necessariamente numa situação mais favorável do que a dos credores das pessoas abrangidas pela Lei n.° 85‑98, cujo crédito pode desaparecer em caso de insuficiência de ativos da pessoa ou entidade devedora.

85      Como resulta da descrição dos procedimentos aplicáveis aos EPIC por força da Lei n.° 80‑539 (v., nomeadamente, considerandos 23 a 28 da decisão recorrida), em caso de insuficiência de ativos de um EPIC, ou o pagamento dos créditos é diferido ou a autoridade de supervisão competente liberta os recursos para honrar os créditos. Daí resulta que os credores dos estabelecimentos públicos se encontram necessariamente numa situação mais favorável do que os credores dos particulares.

86      Por outro lado, se, como a própria República Francesa referiu, o que, de resto, não foi posto em causa pela Comissão (v., nomeadamente, considerando 160 da decisão recorrida), a Lei n.° 80‑539 não prevê expressamente que o Estado tem a obrigação de libertar recursos estatais para efeitos da execução de uma decisão judicial em aplicação do artigo 1‑II da referida lei, foi sem cometer nenhum erro que a Comissão alegou que, uma vez esgotados os recursos próprios do estabelecimento público inadimplente, virão fundos estatais, com toda a probabilidade, pagar as dívidas deste.

87      A este respeito, foi sem cometer nenhum erro de apreciação que a Comissão fez referência, nos considerandos 174 a 176 da decisão recorrida, a determinadas missões e programas financeiros, a fim de demonstrar a existência de recursos de Estado eventualmente mobilizáveis em caso de incumprimento das EPIC e, portanto, um indício da efetividade da garantia implícita do Estado em benefício destes últimos.

88      Face ao exposto, são procedentes as conclusões enunciadas nos considerandos 179 e 180 da decisão recorrida, apresentadas como indícios da existência de uma garantia ilimitada do Estado a favor dos EPIC, quanto às consequências decorrentes da aplicação da Lei n.° 80‑539.

 Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro ao equiparar as possibilidades da responsabilidade do Estado, em caso de incumprimento de um EPIC, a um mecanismo de garantia automática e ilimitada do passivo

89      Através da terceira parte do segundo fundamento, a República Francesa alega que, contrariamente ao que afirma a Comissão, os credores da La Poste não podem acionar sistematicamente a responsabilidade do Estado, em caso de incumprimento desta. Contesta, designadamente, a conclusão de que a responsabilidade do Estado possa ser acionada de forma automática, unicamente por causa de uma situação financeira do estabelecimento público que não lhe permite honrar as suas dívidas. Na opinião da República Francesa, a responsabilidade do Estado, que está sujeita a condições estritas por força da jurisprudência do Conseil d’État, não pode ser equiparada a um mecanismo de garantia automática e ilimitada. A este respeito, alega que a responsabilidade do Estado pressupõe, por um lado, que o prejuízo sofrido pelo credor tenha um caráter anormal e especial e, por outro, que existe um nexo de causalidade direto entre a ação ou a omissão do Estado e o prejuízo sofrido.

90      A título preliminar, há que lembrar que só as conclusões objetivas que levem à conclusão de que o Estado estava juridicamente vinculado a reembolsar os credores de um EPIC como o visado no caso em apreço permitem concluir pela existência de uma garantia de Estado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 26 de junho de 2008, SIC/Comissão, T‑442/03, Colet., p. II‑1161, n.° 126).

91      No caso em apreço, as partes estão de acordo em que existem inegavelmente diferenças entre, por um lado, um mecanismo de garantia, que consiste no facto de se substituir a um devedor, de forma automática e indefinida, no caso de este se encontrar na impossibilidade de responder aos seus compromissos financeiros, e, por outro, um regime de responsabilidade, que assenta num facto gerador diretamente imputável à pessoa responsável e que implica que se tomem em consideração os dados próprios de cada caso concreto.

92      No que toca à decisão recorrida, o raciocínio da Comissão baseia‑se no acórdão do Conseil d’État de 18 de novembro de 2005, Société fermière de Campoloro e outro (Recueil des décisions du Conseil d’État, p. 515), que, segundo o considerando 124 da referida decisão, dispõe que o regime de responsabilidade do Estado na implementação do procedimento de recuperação das dívidas dos estabelecimentos públicos apresenta todas as características de um mecanismo de garantia. O considerando de princípio do referido acórdão está assim redigido:

«Considerando que, com estas disposições, o legislador pretendeu dar ao representante do Estado, no caso de uma coletividade territorial não assegurar a execução de uma decisão judicial transitada em julgado e depois de interpelada para o efeito, o poder de se substituir aos órgãos dessa entidade a fim de libertar ou de criar os recursos que permitam a plena execução dessa decisão judicial; que, para este efeito, lhe incumbe tomar as medidas necessárias, sob o controlo do juiz, tendo em conta a situação da coletividade e imperativos de interesse geral; que, entre essas medidas, figura a possibilidade de proceder à venda de bens pertencentes à coletividade, desde que estes não sejam indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços públicos da sua competência; que se o representante do Estado se abstiver ou não fizer uso das prerrogativas que lhe são assim fixadas por lei, o credor da coletividade territorial tem o direito de demandar o Estado, no caso de falta grave cometida no exercício do poder de tutela; que, além disso, no caso em que, tendo em conta a situação da coletividade, nomeadamente a insuficiência dos seus ativos, ou por imperativos de interesse geral, o representante do Estado tenha podido legalmente recusar tomar certas medidas com vista a assegurar a efetiva execução da decisão judicial, o prejuízo que daí resulta para o credor da coletividade territorial é suscetível de gerar a responsabilidade da autoridade pública se revestir caráter anormal e especial.»

93      O raciocínio da Comissão baseia‑se também numa nota do Conseil d’État de 1995 (considerando 139 da decisão recorrida), bem como num acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 26 de setembro de 2006, Société de gestion du port de Campoloro et Société fermière de Campoloro c. France (n.° 57516/00) (considerandos 204 e seguintes da decisão recorrida).

94      Ora, foi sem cometer nenhum erro que a Comissão chegou à conclusão, no essencial, de que a responsabilidade do Estado pode, à luz desses acórdãos e dessa nota, ser acionada no caso de o dispositivo decorrente da execução da Lei n.° 80‑539 não permitir ao credor de um EPIC cobrar o seu crédito, como é aqui o caso da La Poste.

95      Nenhum dos argumentos apresentados pela República Francesa é suscetível de invalidar esta conclusão.

96      Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência do Conseil d’État, acima lembrada no n.° 92, que o credor tem o direito de demandar o Estado, no caso de falta grave cometida no exercício do poder de tutela, e igualmente o direito de acionar a responsabilidade da autoridade pública, no caso de, atendendo à situação da pessoa coletiva de direito público em causa, nomeadamente à insuficiência dos seus ativos, ou devido a imperativos de interesse geral, esse credor ter sofrido um prejuízo anormal e especial resultante da recusa de o representante do Estado tomar as medidas adequadas para garantir os direitos desse credor.

97      Ora, a decisão da causa, no processo relativo ao porto de Campoloro (França), tal como resulta do acórdão Société de gestion du port de Campoloro e Société fermière de Campoloro c. France, já referido, traduziu‑se no facto de, não obstante os argumentos avançados pela recorrente, o Estado ter assumido a obrigação de assegurar o pagamento aos credores, consagrando assim a ideia de que a responsabilidade do Estado pode ser efetivada em última instância. Como se refere no considerando 208 da decisão recorrida, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no já referido acórdão, considerou que incumbia ao Estado assegurar o pagamento aos credores, uma vez que estes tinham sofrido um encargo especial e exorbitante por causa da falta de pagamento das quantias de que deviam ter beneficiado.

98      Em segundo lugar, quanto à afirmação de que a responsabilidade do Estado exige a prova de um nexo de causalidade direto entre a atuação do Estado e o dano sofrido pelos credores, basta observar que, como a República Francesa reconheceu, quando um EPIC, ao qual foi conferida uma missão de serviço público, não cumpre as suas dívidas e é condenado a pagar por decisão judicial, o Estado é mandatado oficiosamente para acionar os fundos necessários. Caso se recuse a fazer a EPIC suportar os créditos em causa, com recurso a todas as medidas necessárias, incluindo a venda de bens, coloca‑se numa situação suscetível de gerar a sua responsabilidade. Ora, como a Comissão sublinhou, parece estar excluído que o Estado seja obrigado a proceder a uma venda de todos os bens da La Poste. Em conformidade com a exigência de continuidade do serviço público, que integra no direito francês um princípio de valor constitucional e que se impõe às autoridades estatais na execução da Lei n.° 80‑539, os bens necessários ao cumprimento de uma missão de serviço público por um EPIC não podem ser cedidos.

99      Em terceiro lugar, a República Francesa sustenta que foi com razão que a Comissão se referiu, por um lado, à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à não execução de decisões judiciais, que, por sua vez, tenha originado uma violação do direito de propriedade, em especial ao acórdão Société de gestion du port de Campoloro e Société fermière de Campoloro c. France, já referido (v. considerandos 204 a 211 da decisão recorrida), e, por outro, à teoria da aparência, no sentido de que os credores dos EPIC poderiam criar uma convicção legítima da existência de uma garantia estatal. Não se pode deixar de observar que o recurso a esta teoria apenas foi apresentado por acréscimo. Assim, a Comissão indicou, no considerando 227 da decisão recorrida, que «[a] aplicação da teoria da aparência permit[ia] confirmar a demonstração». Portanto, o argumento baseado no facto de a teoria da aparência não ser aplicável num caso, como o presente, em que está em causa a formação de créditos, deve ser julgado inoperante. Com efeito, um fundamento errado não justifica a anulação do ato que dele esteja ferido, se tiver caráter acessório e houver outros motivos bastantes para o justificar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2011, Grécia/Comissão, C‑321/09 P, não publicado na Coletânea, n.° 61 e jurisprudência aí referida).

 Quanto à quarta parte, relativa a um erro cometido pela Comissão quanto às consequências de eventuais transferências das obrigações de um EPIC dissolvido

100    A República Francesa sustenta que a eventual manutenção de certos créditos ligados às obrigações de serviço público da La Poste não tem relação com o estatuto de EPIC. Embora reconhecendo que o princípio da continuidade do serviço público implica, em caso de desaparecimento de um estabelecimento público, uma transferência dessa missão e dos bens que estavam afetos à sua execução, considera que nada impede o desaparecimento de um EPIC, desde que as missões de serviço público que exerce possam ser prosseguidas.

101    Não se pode deixar de observar que a argumentação da República Francesa, que não é suscetível de invalidar a conclusão de que a Comissão podia, com razão, concluir pela existência de uma garantia estatal ilimitada apenas com base nas verificações operadas no quadro das três primeiras partes do presente fundamento, deve ser declarada inoperante (v. jurisprudência acima referida no n.° 99).

102    Em todo o caso, a República Francesa reconheceu expressamente que o princípio da continuidade do serviço público implicava, em caso de desaparecimento de um estabelecimento público que exerça uma função de serviço público (o que é o caso da La Poste), uma transferência dessa missão e dos bens a ela afetos e, portanto, a transferência dos direitos e obrigações inerentes à missão. Ora, a transferência dos direitos e obrigações correspondentes a uma missão de serviço público implica, em princípio e como resulta das considerações da Comissão, a transferência concomitante dos direitos e obrigações do estabelecimento encarregado dessa missão.

103    Decorre do conjunto destas considerações que o segundo fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do conceito de vantagem na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE

104    O terceiro fundamento invocado pela República Francesa divide‑se em duas partes.

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter incorretamente concluído que a existência de uma garantia estatal, supondo‑a demonstrada, criaria uma vantagem em proveito da La Poste

105    Na primeira parte, a República Francesa considera que, admitindo demonstrada a existência de uma garantia estatal ilimitada para a EPIC, não foi demonstrado que a mesma cria uma vantagem em proveito da La Poste. Afirma, no essencial, que foi em razão das análises realizadas pelas agências de notação, que reproduzem diretamente as tomadas de posição da Comissão relativas a outros EPIC e a recomendação da Comissão dirigida às autoridades francesas em 4 de outubro de 2006 (v. n.° 10, supra), que se concluiu pela existência de uma garantia e, portanto, de uma vantagem em proveito da La Poste. Assim, foi através de um raciocínio perfeitamente circular que a Comissão concluiu pela existência de um benefício concedido à La Poste.

106    Há que considerar que a concessão de uma garantia em condições que não correspondem às do mercado, como seja uma garantia ilimitada concedida sem contrapartida, é, de modo geral, suscetível de conferir uma vantagem à pessoa que dela beneficia, no sentido de que tem por consequência uma melhoria da posição financeira do beneficiário mediante uma diminuição dos encargos que, normalmente, oneram o seu orçamento. Em resposta a uma questão colocada na audiência, a República Francesa admite que, em conformidade com a comunicação de 2008, se pode admitir que, quando uma empresa, em razão do seu estatuto legal, não está sujeita a um processo de falência ou equivalente, está em condições de obter condições de crédito mais favoráveis e, por conseguinte, de beneficiar de uma vantagem na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

107    A este respeito, há que recordar que, como resulta de jurisprudência assente, o conceito de auxílio é mais geral que o de subvenção, pois abrange não apenas prestações positivas, como as próprias subvenções, mas também as intervenções do Estado que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, C‑328/99 e C‑399/00, Colet., p. I‑4035, n.° 35, e de 15 de junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium, C‑393/04 e C‑41/05, Colet., p. I‑5293, n.° 29 e jurisprudência aí referida). Segundo jurisprudência assente, para apreciar se uma medida estatal constitui um auxílio, há que determinar se a empresa beneficiária obtém uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 1996, SFEI e o., C‑39/94, Colet., p. I‑3547, n.° 60, e Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 87 e jurisprudência aí referida).

108    Ora, uma garantia estatal ilimitada permite nomeadamente ao seu beneficiário obter condições de crédito mais favoráveis do que as que teria obtido apenas pelos seus méritos e, portanto, permite reduzir a pressão sobre o seu orçamento.

109    Observe‑se que foi unicamente na perspetiva de demonstrar que a La Poste beneficiou de condições de crédito mais favoráveis e, por conseguinte, de uma vantagem financeira, que a Comissão se referiu às tomadas de posição das agências de notação e, mais particularmente, às maiores delas. A Comissão salienta, a este respeito, que, na medida em que a Fitch e a Standard & Poor’s são duas importantes agências de notação e na medida em que está demonstrado que o mercado tem em conta a sua notação para avaliar o crédito a conceder a uma dada empresa, uma classificação, por estas agências (por uma ou outra, ou por ambas), melhor do que a que teria sido concedida na falta de garantia, é suscetível de conferir uma vantagem à La Poste, que não teria obtido em condições normais de mercado.

110    É, portanto, erradamente que a República Francesa alega que a Comissão procedeu a um raciocínio circular. A referência aos métodos de notação utilizados pelas agências reconhecidas foi feita apenas com o fim de confirmar que a garantia do Estado em benefício dos EPIC era suscetível de criar uma vantagem em seu benefício, através de condições de crédito mais favoráveis (v., nomeadamente, o considerando 257 da decisão recorrida), e não para demonstrar que tal garantia existia.

111    De qualquer modo, a afirmação de que essas posições apenas refletem os anúncios da Comissão carece de base factual. Designadamente, a República Francesa não demonstrou que a consideração de uma garantia estatal pelas agências de notação teve origem na Decisão 2005/145/CE da Comissão, de 16 de dezembro de 2003, relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à EDF e ao setor industrial da eletricidade e do gás (JO 2005, L 49, p. 9). O simples facto de os documentos das agências de notação, a que a Comissão se referiu, serem posteriores a essa decisão não basta para demonstrar que a tomada em conta das garantias de Estado, por parte das agências, teria tido necessariamente origem na adoção da referida decisão. A este respeito, a Comissão não pode ser criticada por se ter reportado a documentos contemporâneos da decisão recorrida, e não a relatórios muito anteriores à data da sua adoção.

112    Por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter incorretamente concluído que a alegada garantia de Estado era suscetível de proporcionar uma vantagem à La Poste em razão da influência positiva que exercia na sua notação financeira

113    Na segunda parte, a República Francesa sustenta que foi erradamente que a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem em razão da influência positiva que a garantia podia exercer na sua classificação. Em primeiro lugar, sublinha que a Comissão ignorou o facto de a classificação de que a La Poste beneficia resultar de uma compreensão, pelas agências de notação, do apoio do Estado no seu todo, o que implica a tomada em consideração de múltiplos elementos e não apenas da existência de uma garantia. Indica, em segundo lugar, que, mesmo sem essa garantia, a classificação atribuída à La Poste pelas agências de notação, que são especialmente sensíveis ao facto de essa empresa ser detida pelo Estado, permaneceria inalterada. À semelhança das agências, a Comissão não distingue claramente o que resulta do estatuto da La Poste do que decorre da propriedade do seu capital.

114    A argumentação da República Francesa não pode ser acolhida.

115    Antes de mais, há que salientar que a Comissão não nega que, para além da garantia estatal de que uma empresa possa eventualmente beneficiar, a notação financeira tem em conta o conjunto dos parâmetros que comprovam o apoio esperado do Estado (v. considerando 280 da decisão recorrida).

116    Em seguida, a República Francesa não conseguiu invalidar a constatação, feita com base em documentos metodológicos elaborados pelas agências de notação, segundo a qual as agências de notação eram, em geral, sensíveis ao estatuto jurídico das entidades notadas, no caso, o facto de que beneficiava do estatuto de EPIC.

117    Em face do exposto, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na medida em que a Comissão não fez prova bastante da existência de um auxílio de Estado

118    A República Francesa sustenta que a Comissão não respeitou o ónus da prova nem o nível de prova que lhe incumbe no domínio dos auxílios de Estado. Designadamente, a Comissão não teve em conta os princípios estabelecidos pela jurisprudência, baseou a sua análise em várias presunções negativas, conjeturas e especulações e, portanto, não demonstrou positivamente a existência de um auxílio a favor da La Poste. Isso acontece quer no âmbito da demonstração da existência de uma garantia tácita do Estado francês a favor da La Poste (v. considerandos 129, 134, 136, 152, 154, 160, 161, 165, 169, 179, 195, 202 e 251) quer no âmbito da análise da existência de uma vantagem, ao examinar precisamente, como exige a jurisprudência, os efeitos da medida controvertida. A esse respeito, não basta demonstrar que a referida medida é «suscetível» de constituir uma vantagem, para a qualificar de auxílio de Estado e, mais especificamente, de auxílio existente. Por fim, a República Francesa alega, na réplica, que a Comissão não fez prova de que a alegada vantagem da qual terá beneficiado a La Poste decorria de uma transferência de recursos estatais.

119    Resulta da jurisprudência que a Comissão não pode pressupor que uma empresa beneficiou de uma vantagem constitutiva de um auxílio estatal, apenas com base numa presunção negativa, assente na ausência de informações que permitam chegar à conclusão contrária, na falta de outros elementos suscetíveis de demonstrar positivamente a existência dessa vantagem. Nesta perspetiva, a Comissão é, pelo menos, obrigada a certificar‑se de que as informações de que dispõe, ainda que possam ser fragmentárias e incompletas, constituem uma base suficiente para concluir que uma empresa beneficiou de uma vantagem constitutiva de um auxílio de Estado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de setembro de 2009, Comissão/MTU Friedrichshafen, C‑520/07 P, Colet., p. I‑8555, n.° 56).

120    A este respeito, a natureza das provas que devem ser apresentadas pela Comissão depende, em larga medida, da natureza da medida estatal em causa. No que se refere, em especial, à prova da existência de uma garantia estatal de natureza implícita, ela pode ser deduzida de um conjunto de elementos convergentes, dotados de uma certa fiabilidade e coerência, resultantes, designadamente, da interpretação das disposições de direito nacional pertinentes, e, em especial, ser inferida dos efeitos jurídicos que o estatuto jurídico da empresa beneficiária implica. A este respeito, para demonstrar que o Estado atribuiu uma garantia financeira implícita, que, por definição, não foi expressamente consagrada pela lei nacional, a uma empresa dotada de um estatuto particular, podem ser consideradas pertinentes as notas e as circulares interpretativas.

121    No caso vertente, resulta das considerações acima desenvolvidas no âmbito da análise do segundo fundamento que a Comissão examinou positivamente a existência de uma garantia ilimitada do Estado a favor da La Poste. Teve em conta vários elementos concordantes, que constituíam uma base suficiente para demonstrar que a La Poste beneficiava, devido ao seu estatuto de EPIC, de uma garantia implícita e ilimitada do Estado. Estes indícios objetivos baseiam‑se, em primeiro lugar, no facto objetivo de que a La Poste não estava sujeita ao direito comum da recuperação e da liquidação de empresas em dificuldade (considerando 117 da decisão recorrida), em segundo lugar, de que a Lei n.° 80‑539, à qual a La Poste estava sujeita, não produzia os mesmos efeitos que um processo de liquidação de direito comum e colocava os credores dos EPIC numa situação muito mais favorável do que a dos credores de privados (considerandos 148 a 180 da decisão recorrida) e, em terceiro lugar e por acréscimo, de que, «na hipótese pouco provável de o procedimento estabelecido na Lei [n.° 80‑539] não permitir o reembolso do credor» (considerando 184 da decisão recorrida), este podia ainda ser pago acionando a responsabilidade do Estado (considerandos 185 a 222 da decisão recorrida).

122    O facto de a Comissão ter considerado oportuno demonstrar, em resposta aos argumentos apresentados pelas autoridades francesas no procedimento administrativo, que nada, no direito francês, excluía a existência de uma garantia implícita do Estado a favor dos EPIC (v. considerandos 120 a 138 da decisão recorrida) apenas constitui o ponto de partida do raciocínio que expôs claramente nos considerandos 116 a 255 da decisão recorrida. Não se pode, portanto, sustentar que a Comissão se baseou, para efeitos dessa prova, em simples presunções negativas e em especulações. Como foi acima indicado no n.° 71, a Comissão fez expressamente referência a uma nota do Conseil d’État de 1995 (considerando 139 da decisão recorrida) e a uma nota do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês, de 22 de julho de 2003 (considerandos 146 a 147 da decisão recorrida), notas que estão redigidas em termos que não apresentam ambiguidade alguma.

123    Do mesmo modo, a Comissão apresentou elementos suficientes para provar que essa garantia era constitutiva de uma vantagem. Relativamente à demonstração dos efeitos reais da medida controvertida, resulta da jurisprudência que a Comissão não tem de proceder a essa demonstração quando se trata de auxílios já concedidos [v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de junho de 2006, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C‑442/03 P e C‑471/03 P, Colet., p. I‑4845, n.° 110 e jurisprudência aí referida). A este respeito, não há que efetuar qualquer distinção entre os auxílios existentes e os auxílios ilegais.

124    Além disso, pode ser presumido o efeito real da vantagem proporcionada por uma garantia de Estado. Uma tal garantia confere ao devedor a possibilidade de beneficiar de taxas de juro mais baixas ou oferecer uma garantia menor. Resulta assim da jurisprudência que mesmo uma vantagem concedida por meio de um encargo suplementar potencial para o Estado pode constituir um auxílio de Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de dezembro de 1998, Ecotrade, C‑200/97, Colet., p. I‑7907, n.° 43, e acórdão do Tribunal Geral de 13 de junho de 2000, EPAC/Comissão, T‑204/97 e T‑270/97, Colet., p. II‑2267, n.° 80). Tal é frequentemente o caso de garantias que estão geralmente ligadas a um empréstimo ou a outra obrigação financeira contraída por um mutuário junto de um mutuante.

125    Por conseguinte, improcede também o primeiro fundamento.

126    Resulta do exposto que o recurso deve ser julgado integralmente improcedente.

 Quanto às despesas

127    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Francesa é condenada nas despesas.

Kanninen

Wahl

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de setembro de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.