Language of document : ECLI:EU:C:2014:2401


Processos apensos C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13

Raffaella Mascolo e o.

contra

Ministero del Istruzione, del Università e della Ricerca

e

Comune di Napoli

(pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunale di Napoli e pela Corte costituzionale)

«Reenvio prejudicial — Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Contratos de trabalho a termo sucessivos — Ensino — Setor público — Substituições de lugares vagos e disponíveis enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso — Artigo 5.°, n.° 1 — Medidas destinadas a prevenir o recurso abusivo aos contratos a termo — Conceito de ‘razões objetivas’ que justificam esses contratos — Sanções — Proibição de conversão em relação de trabalho sem termo — Inexistência de direito à indemnização do dano»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 26 de novembro de 2014

1.        Questões prejudiciais — Admissibilidade — Apreciação da necessidade das questões que é da competência do juiz nacional — Questões gerais ou hipotéticas — Inadmissibilidade

(Artigo 267.° TFUE)

2.        Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Diretiva 1999/70 — Âmbito de aplicação — Trabalhadores recrutados na qualidade de docentes ou de colaboradores administrativos para efetuarem substituições anuais em escolas geridas pelo Estado — Inclusão

(Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigos 2.°, 3.°, n.° 1, e 5.°)

3.        Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Diretiva 1999/70 — Medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos — Regulamentação nacional que autoriza, enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso para o recrutamento de pessoal docente do quadro das escolas geridas pelo Estado, a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos para provimento de lugares vagos e disponíveis — Inexistência de data precisa para a conclusão desses processos de concurso — Exclusão da possibilidade de esse pessoal obter o ressarcimento do dano eventualmente sofrido em razão dessa renovação — Inadmissibilidade — Obrigação de os Estados‑Membros preverem medidas sancionatórias da utilização abusiva de contratos ou relações laborais a termo sucessivos

(Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigo 5.°, n.° 1)

1.        V. texto da decisão.

(cf. n.os 47‑50)

2.        Resulta do próprio teor do artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, que figura em anexo à Diretiva 1999/70, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo que o âmbito de aplicação deste é concebido de modo amplo, uma vez que, de maneira geral, visa os «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro». Além disso, a definição do conceito de «trabalhador contratado a termo», na aceção do acordo‑quadro, enunciado no seu artigo 3.°, n.° 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção consoante a natureza pública ou privada do empregador a que estejam vinculados e seja qual for a qualificação dos respetivos contratos no direito interno.

O acordo‑quadro aplica‑se, assim, a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no âmbito de uma relação laboral a termo que os liga ao seu empregador, na medida em que estes estejam vinculados por um contrato de trabalho na aceção do direito nacional, e sob exclusiva reserva da margem de apreciação conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 2.°, n.° 2, do acordo‑quadro quanto à aplicação deste último a determinadas categorias de contratos ou de relações de trabalho e da não aplicação, nos termos do quarto parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro, aos trabalhadores temporários.

Daqui resulta que o acordo‑quadro não exclui nenhum setor específico do seu âmbito de aplicação e que, como tal, é aplicável ao pessoal recrutado no setor do ensino. Esta conclusão é corroborada pelo conteúdo do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro, do qual resulta que, em conformidade com o terceiro parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro e os n.os 8 e 10 das suas considerações gerais, é no contexto da execução do referido acordo‑quadro que os Estados‑Membros têm a faculdade de, na medida em que seja efetivamente justificado, ter em conta as necessidades particulares relativas aos setores específicos de atividades e/ou às categorias de trabalhadores em causa.

Daqui decorre que trabalhadores que foram recrutados na qualidade de docentes ou de colaboradores administrativos para efetuarem substituições anuais em escolas geridas pelo Estado no âmbito de contratos de trabalho na aceção do direito nacional, não se contestando que não fazem parte das relações de trabalho suscetíveis de serem excluídas do âmbito de aplicação do acordo‑quadro, são abrangidos pelas disposições desse acordo‑quadro, e, designadamente, pelo seu artigo 5.°

(cf. n.os 67‑71)

3.        O artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, que figura em anexo à Diretiva 1999/70, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que autoriza, enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso para o recrutamento de pessoal docente do quadro das escolas geridas pelo Estado, a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos para provimento de lugares vagos e disponíveis de docentes e de pessoal administrativo, técnico e auxiliar, sem indicar o prazo preciso para a conclusão desses concursos e excluindo qualquer possibilidade de esses docentes e o referido pessoal obterem o ressarcimento do dano eventualmente sofrido em razão dessa renovação. Com efeito, afigura‑se que essa regulamentação, sem prejuízo de verificações a efetuar pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, por um lado, não permite deduzir critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos corresponde efetivamente a uma verdadeira necessidade, é de molde a alcançar o objetivo prosseguido e é necessária para esse efeito e, por outro, não inclui medidas destinadas a prevenir e a sancionar o recurso abusivo a contratos de trabalho a termo sucessivos.

Uma regulamentação nacional que permite a renovação de contratos de trabalho a termo para substituição, por um lado, do pessoal das escolas geridas pelo Estado enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso para recrutamento de pessoal do quadro e, por outro, do pessoal das referidas escolas que se encontra momentaneamente impedido de exercer as suas funções não é, em si, contrária ao acordo‑quadro. A substituição temporária de um trabalhador a fim de satisfazer, no essencial, necessidades provisórias do empregador em termos de pessoal pode, em princípio, constituir uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), desse acordo‑quadro.

A este respeito, em primeiro lugar, numa Administração que tem elevados efetivos de pessoal, como o setor do ensino, é inevitável que substituições temporárias sejam frequentemente necessárias devido, nomeadamente, à indisponibilidade de membros de pessoal que estejam de baixa por doença, no gozo de licenças de maternidade, de licenças parentais ou outras.

Em seguida, o ensino corresponde a um direito fundamental garantido pela constituição do Estado‑Membro que impõe a esse Estado a obrigação de organizar o serviço escolar de forma a garantir uma adequação constante entre o número de docentes e o número de alunos. Ora, não se pode negar que essa adequação depende de vários fatores, sendo que alguns deles podem, em certa medida, ser dificilmente controláveis ou previsíveis, como, designadamente, os fluxos migratórios externos e internos ou as escolhas de percursos por parte dos alunos.

Por último, quando um Estado‑Membro reserva, nas escolas que gere, o acesso aos empregos permanentes ao pessoal aprovado num concurso, através da integração nos quadros, também se pode justificar objetivamente, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), desse acordo‑quadro, que, enquanto se aguarda a conclusão desses concursos, os lugares a prover sejam preenchidos através de contratos de trabalho a termo sucessivos.

Todavia, embora uma regulamentação nacional que permita a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos para substituição do pessoal enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso seja suscetível de ser justificada por uma razão objetiva, a aplicação concreta dessa razão deve, tendo em conta as particularidades da atividade em causa e as condições do seu exercício, ser conforme com as exigências do acordo‑quadro. Quando da aplicação da referida regulamentação, as autoridades competentes devem, portanto, estar em condições de deduzir critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos corresponde efetivamente a uma verdadeira necessidade e é de molde a atingir o objetivo prosseguido e necessária para esse efeito.

A observância do disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro exige, portanto, que se verifique concretamente que a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos visa cobrir necessidades provisórias e que uma disposição nacional não é utilizada, de facto, para satisfazer necessidades permanentes e duráveis do empregador em matéria de pessoal. Para tal, incumbe examinar, em cada caso, todas as circunstâncias da situação em apreço, tomando em consideração, nomeadamente, o número dos referidos contratos sucessivos celebrados com a mesma pessoa ou para a realização de um mesmo trabalho, a fim de excluir que contratos ou relações laborais a termo, mesmo celebrados ostensivamente para cobrir uma necessidade de pessoal de substituição, sejam utilizados de forma abusiva pelos empregadores.

Consequentemente, o simples facto de a regulamentação nacional em causa poder ser justificada por uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro não basta para torná‑la conforme com esta última, caso se afigure que a aplicação concreta dessa regulamentação leva, de facto, a um recurso abusivo a contratos de trabalho a termo sucessivos.

Ora, a este respeito, o prazo de integração dos docentes nos quadros no âmbito de um regime nacional é tão variável quanto incerto. Com efeito, por um lado, não se fixa um prazo concreto para a organização de processos de concurso. Por outro lado, ocorrendo a integração nos quadros através da progressão dos docentes na lista de aptidão em função da duração global dos contratos de trabalho a termo e dos lugares que entretanto ficaram vagos, esta depende de circunstâncias aleatórias e imprevisíveis. Daqui resulta que uma regulamentação nacional que permite a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos para substituição do pessoal enquanto se aguarda a conclusão dos processos de concurso, apesar de limitar formalmente o recurso aos contratos de trabalho a termo para proceder a substituições anuais de lugares vagos e disponíveis a apenas um período temporário que termina com a conclusão dos processos de concurso, não permite garantir que a aplicação concreta dessa razão objetiva é conforme com as exigências do acordo‑quadro.

Além disso, as considerações de ordem orçamental não constituem, em si mesmas, um objetivo prosseguido pela política social e, portanto, não podem justificar a inexistência de medidas destinadas a prevenir o recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo sucessivos.

No que se refere à existência de medidas sancionatórias da utilização abusiva de contratos ou relações laborais a termo sucessivos, importa referir que, sendo certo que um Estado‑Membro tem o direito de, na execução do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro, ter em conta as necessidades de um setor específico como o do ensino, não se pode entender que esse direito o dispensa de respeitar a obrigação de prever uma medida adequada para sancionar devidamente o recurso abusivo aos referidos contratos.

(cf. n.os 91, 92, 94, 96, 99, 101, 102, 104‑108, 110, 114, 118, 120 e disp.)