Language of document : ECLI:EU:C:2002:373

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

DÁMASO RUIZ-JARABO COLOMER

apresentadas em 13 de Junho de 2002 (1)

Processo C-206/01

Arsenal Football Club plc

contra

Matthew Reed

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division]

«Marcas - Harmonização de legislações - Directiva 89/104/CEE - Artigo 5.° - Direitos do titular da marca - Extensão e limites - Uso do mesmo sinal por terceiros para produtos iguais - Interpretação do conceito ‘uso como marca’»

1.
    O titular de uma marca registada pode proibir qualquer uso, na vida comercial, de sinais idênticos para os mesmos produtos ou serviços, diferente dos previstos no artigo 6.° da Primeira Directiva sobre marcas (a seguir «directiva» ou «Primeira Directiva») (2)? Ou, pelo contrário, a exclusividade reconhecida pelo artigo 5.° abrange apenas a utilização que revela a sua origem, isto é, a relação existente entre o titular e os produtos ou serviços que a marca representa? No caso de resposta afirmativa a esta segunda questão, a utilização que exprime um sentimento de apoio, lealdade ou filiação relativamente ao titular do sinal é indicativa desse vínculo?

2.
    São estas as dúvidas que a High Court of Justice (England & Wales) - a seguir «High Court» - pede que o Tribunal de Justiça esclareça no presente processo prejudicial.

I - Os factos do litígio principal e as questões prejudiciais

3.
    O Arsenal Football Club Plc (a seguir «Arsenal») é um reputado clube de futebol inglês, fundado em 1886, também conhecido como the Gunners.

4.
    Desde 1989 estão registadas a seu favor duas marcas nominativas, «Arsenal» e «Arsenal Gunners», e duas gráficas, uma denominada The Crest Device e a outra The Cannon Device, todas elas para distinguir artigos de confecção, peças de vestuário e calçado desportivo, produtos pertencentes à classe 25 da classificação internacional de marcas.

5.
    Matthew Reed é um comerciante que, desde 1970, vende lembranças e peças de roupa relacionados com o clube demandante nas proximidades do campo de futebol de Highbury, que é o estádio dessa equipa. Esses objectos contêm os sinais que estão registados a favor do clube como marcas.

6.
    Em particular, comercializa cachecóis nos quais surge de forma proeminente o termo «Arsenal». São produtos cujo carácter não oficial M. Reed anuncia nas tendas em que exerce a sua actividade, colocando um grande cartaz com o seguinte texto:

«A palavra ou o(s) logotipo(s) nos produtos expostos para venda são unicamente utilizados para decorar o produto e não significam nem indicam qualquer filiação ou relação com os produtores ou distribuidores de qualquer outro produto. Apenas os produtos com a etiqueta dos artigos oficiais do Arsenal são produtos oficiais do Arsenal.»

7.
    O Arsenal propôs duas acções contra M. Reed. Uma por contrafacção (passing off) e a outra por violação do direito de marca, tramitadas num único processo. A primeira improcedeu porque, no entender da High Court, o clube demandante não demonstrou a existência de verdadeira confusão nos consumidores e, em particular, não fez prova de que o público considere que os produtos que o demandado vende provêm do Arsenal ou são comercializados com a sua autorização.

8.
    Quanto à segunda acção, a High Court rejeitou o argumento do Arsenal de acordo com o qual a exploração que M. Reed faz das indicações e dos símbolos da marca registada é entendida pelos consumidores como um uso que indica a proveniência dos produtos (badge of sign), isto é, constitutiva de uma utilização do sinal «como marca» (trademark use).

9.
    Na opinião do tribunal britânico, as denominações e os sinais gráficos que o demandado insere nos produtos que vende são entendidos pelo público como um testemunho de apoio, lealdade ou filiação (badge of support, loyalty or affiliation).

10.
    Com este preâmbulo, a High Court formula as seguintes questões:

«1.    Caso uma marca esteja validamente registada e um terceiro

    a)    utilize, no exercício do comércio, um sinal idêntico à referida marca em produtos idênticos àqueles para os quais foi registada a marca; e

    b)    não possa invocar em sua defesa o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas;

    pode o mesmo terceiro contestar a acusação de infracção alegando que a utilização do sinal impugnada não indica a origem comercial dos produtos (ou seja, uma ligação de natureza comercial, entre os produtos e o titular da marca)?

2.    No caso de resposta afirmativa, constitui uma conexão suficiente o facto de a utilização ser entendida como um sinal de apoio, de lealdade ou de filiação em relação ao titular da marca da marca?»

II - Tramitação processual no Tribunal de Justiça

11.
    Nos presentes autos apresentaram observações, no prazo fixado para o efeito no artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, o Arsenal, M. Reed, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre.

12.
    Na audiência de 14 de Maio de 2002, compareceram as partes no processo principal e a Comissão a fim de apresentarem oralmente as suas alegações.

III - Enquadramento jurídico

1. O direito comunitário: a Primeira Directiva

13.
    A directiva «tem por objectivo a harmonização das legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, a fim de serem eliminadas as disparidades que possam entravar a liberdade de circulação das mercadorias e de prestação de serviços ou distorcer as condições de concorrência no mercado comum. Porém, a harmonização que prossegue é apenas parcial, de modo que a intervenção do legislador comunitário fica reduzida a determinados aspectos relativos às marcas adquiridas pelo registo» (3).

14.
    O artigo 2.° refere que:

«Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.»

15.
    O artigo 5.°, que tem a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», estabelece os diversos graus de protecção jurídica que a directiva dá aos titulares desta modalidade de propriedade industrial (4).

A - O n.° 1 do artigo 5.°

16.
    No n.° 1 é conferida ao titular a faculdade de se opor a qualquer terceiro que use a marca na vida comercial. Distingue, contudo, dois graus de utilização e, consequentemente, diferentes níveis de protecção.

17.
    O primeiro consiste no uso de um sinal idêntico à marca para os mesmos produtos ou serviços [alínea a)]. Abrange os casos de imitação e de contrafacção. Esta alínea protege contra as cópias, tal como expressamente assinalou o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre nas suas observações escritas. A protecção é absoluta e incondicional (5), sem outros limites para além dos resultantes do artigo 6.° da directiva.

18.
    Pelo seu lado, a alínea b) prevê três hipóteses: a identidade de sinais e a semelhança entre produtos ou serviços; a inversa, a semelhança de indicações e a igualdade dos bens ou prestações; e, por último, a semelhança entre uns e outros. Nestes casos, a protecção fica condicionada à existência de risco de confusão, que inclui a possibilidade de associação (6).

19.
    Ao longo deste processo incidental, as partes debateram se o poder do titular vai ao ponto de proibir o uso da marca, ou, de forma mais ampla, do sinal nela incorporado. A discussão é bizantina. O objecto da directiva são as marcas registadas (7), isto é, os sinais susceptíveis de representação gráfica adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (8). Assim, nos casos de identidade de símbolos (9), o contrafactor utiliza a marca propriamente dita (o sinal registado) (10) e, pelo contrário, nos de semelhança, usa indicações parecidas mas que, por definição, não são a marca (11).

20.
    O elemento decisivo é que o titular pode proibir um terceiro de utilizar a marca, para os mesmos ou para outros produtos e serviços, ou usar sinais e indicações que, apreciados no seu conjunto (12), possam confundir os consumidores devido à sua semelhança com os registados a seu favor.

B - Os n.os 2 e 5 do artigo 5.°

21.
    A directiva tem em vista uma harmonização parcial. Limita a sua intervenção às marcas adquiridas por registo (13). É, até certo ponto, uma disposição de mínimos (14) que não impede que, em determinados casos, os Estados-Membros ampliem a protecção conferida pela legislação comunitária.

22.
    Um destes casos é o da marca de prestígio (15), a que se refere o n.° 2 do artigo 5.°, de acordo com o qual os ordenamentos jurídicos nacionais podem ir mais longe do que o legislador comunitário e proibir o uso de um sinal semelhante, mesmo em relação a produtos ou serviços não relacionados entre si. Trata-se de uma protecção nacional específica, complementar e facultativa (16).

23.
    Por outro lado, a directiva não afecta as disposições dos Estados-Membros que, com base noutros sectores do ordenamento jurídico, protegem contra o uso de um sinal registado como marca, para fins diversos dos de distinguir os produtos ou serviços que protege. Esta norma, anunciada no sexto considerando (17), consta do n.° 5 do artigo 5.°

24.
    Em ambos os casos, a protecção fica condicionada ao facto de o infractor pretender obter uma vantagem indevida da notoriedade da marca ou de o seu carácter distintivo ou o seu prestígio poderem ficar prejudicados. O objectivo é garantir ao titular do sinal distintivo o direito a preservar o seu fundo de comércio (goodwill) (18), protegendo-o contra a concorrência desleal (19).

C - Os artigos 6.° e 7.°

25.
    Estes dois preceitos são a «coroa da moeda» cuja «cara» é o artigo 5.° e o seu objecto é o de conciliar os direitos do titular constante do registo com o interesse geral, que exige a livre circulação de mercadorias e a livre prestação de serviços no mercado comum (20).

26.
    Ambos os artigos fixam os limites das faculdades do titular constante do registo e descrevem os casos em que não se pode proibir a terceiros o uso da marca, quer por se tratar de sinais singulares ou de utilização com fins específicos (artigo 6.°), quer porque razões de política comercial aconselhem a evitar a compartimentação do mercado intracomunitário levantando barreiras às liberdades que referi no número anterior (artigo 7.°).

2. O direito do Reino Unido

27.
    A incorporação da Primeira Directiva no ordenamento jurídico britânico foi feita pelo Trade Marks Act 1994, que substituiu o que estava em vigor desde 1938.

28.
    A Section 10 da referida lei dispõe:

«1.    Quem fizer uso, na vida comercial, de um sinal idêntico para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada é responsável de contrafacção de marca.

2.    É responsável de contrafacção de marca quem fizer uso, na vida comercial, de um sinal relativamente ao qual, devido

[...]

b)    à sua semelhança com a marca e ao seu uso relativamente a produtos ou serviços semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada,

exista, no espírito do público, um risco de confusão, que inclui o risco de associação com a marca.»

IV - Análise das questões prejudiciais

29.
    A High Court dirige-se ao Tribunal de Justiça no âmbito de um processo em que litigam o titular de uma marca e um terceiro que comercializa a mesma classe de produtos para os quais foi registada, nos quais surge o sinal, embora informe que essa incorporação do distintivo não significa filiação ou qualquer relação com o titular.

30.
    As questões do órgão jurisdicional britânico dizem, assim, respeito à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva. Contudo, as respostas devem ser dadas pelo Tribunal de Justiça com base numa análise integral do preceito e daqueles com os quais estiver relacionado.

1. A primeira questão prejudicial

A - A interpretação sistemática dos artigos 5.°, 6.° e 7.° da directiva

31.
    Na directiva delimitam-se positiva e negativamente os direitos do titular da marca inscrita.

32.
    Da análise a que acima procedi, resulta, como primeiro corolário, que, no que se refere à delimitação positiva, a directiva tem em vista (n.° 1 do artigo 5.°) a harmonização dos direitos do titular da marca que consistem em proibir o uso de sinais idênticos ou semelhantes para distinguir os mesmos ou semelhantes produtos, exigindo, nos casos de semelhança, a existência de risco de confusão. Tal como assinalou o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre, a protecção contra a cópia e contra a confusão pertence ao direito comunitário.

33.
    Também entra no terreno do direito comunitário a tutela das marcas de prestígio (n.° 2 do mesmo artigo) contra a utilização por terceiros para distinguir os mesmos produtos ou semelhantes. Esta protecção deve ser prestada mesmo que não exista risco de confusão, sob pena de se conceder a este tipo de marcas menor protecção quando os produtos são semelhantes do que quando não apresentem qualquer relação (21).

34.
    Entendo que o sentido do n.° 2 do artigo 5.° é o de que as marcas de prestígio devem ser protegidas, em qualquer caso, independentemente do risco de confusão (22). No que respeita a esse tipo de sinais, a directiva impõe a harmonização das legislações dos Estados-Membros, quanto à utilização para os mesmos produtos ou semelhantes, deixando-lhes a liberdade para as proteger também quando os produtos ou serviços em causa sejam diferentes. A única exigência em ambas as situações é que o terceiro que utilize indevidamente uma marca com prestígio pretenda obter uma vantagem desleal, ou prejudique o seu carácter distintivo ou o seu prestígio e a sua fama.

35.
    Assim, ficam fora da harmonização pretendida pela directiva quer a protecção das marcas de prestígio quando os produtos nem sequer forem semelhantes quer o regime de determinados usos do símbolo que não têm em vista distinguir os bens ou serviços (n.os 2 e 5 do artigo 5.°).

36.
    Os limites negativos são todos definidos pelo direito comunitário, mesmo quando a concretização de um (o previsto no n.° 2 do artigo 6.°) (23) se efectue em função do reconhecimento de determinados direitos pelos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros.

37.
    A situação de facto da causa principal consiste na utilização do sinal registado como marca para distinguir os mesmos produtos. Por conseguinte, é, em princípio, subsumível na alínea a) do artigo 5.°, n.° 1, e fica, por isso, plenamente sujeita à directiva e à harmonização que esta tem em vista.

38.
    Uma segunda consequência resultante da análise sistemática dos diferentes números do artigo 5.° é que, de acordo com os n.os 1 e 2, o titular da marca não pode proibir «qualquer uso» do sinal, mas só os que têm como objectivo distinguir (24) os produtos ou serviços que representa dos de outras empresas (25). Se assim não fosse, o n.° 5 não teria razão de ser.

39.
    Por outras palavras, o n.° 1 protege a exactidão que o sinal registado proporciona sobre os bens ou serviços que representa e, por conseguinte, sobre a sua identificação. O n.° 2 protege os titulares das marcas de prestígio contra a exploração por terceiros, independentemente dessa função de filiação, permitindo aos Estados-Membros alargar a protecção aos casos em que os bens ou serviços sejam diferentes. Por último, o n.° 5 exclui do âmbito da directiva a protecção contra o uso de uma marca para outros fins que não o de distinguir produtos e serviços. Em suma, uma situação de facto que consista na utilização de um sinal para um fim diverso do de discriminar um bem ou um serviço de outros não é abrangido pelo n.° 1 do artigo 5.°

40.
    Assim, de acordo com o referido n.° 1, o titular constante do registo pode-se opor a que, na vida comercial, um terceiro utilize a marca, ou sinais que com ela se assemelhem, para distinguir os mesmos produtos e serviços, ou outros afins, o que, quanto ao resto, é coerente com a definição de marca dada pelo artigo 2.° da directiva (26). Por outras palavras, e para recorrer aos termos utilizados pela High Court e pelas partes neste processo prejudicial, o titular pode opor-se a que um terceiro utilize a sua marca como tal (27).

B - A interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados «uso da marca para distinguir» ou «uso como marca»

41.
    Ora, afirmar que o titular constante do registo pode proibir a um terceiro a utilização da «marca como marca» é como não dizer nada. Importa, pois, dar conteúdo a este preceito jurídico indeterminado e, ao fazê-lo, há que ter bem presentes as funções da marca (28).

42.
    Noutras ocasiões e em contextos diferentes (29), referi que, sendo a função da marca distinguir os produtos e os serviços provenientes de diferentes empresas com o fim de garantir ao utente ou consumidor a identidade de origem de uns e outros, este fim imediato e específico das marcas não é mais do que uma estação no caminho para o objectivo último, o de garantir um sistema de concorrência real no mercado interno (30).

43.
    A fim de se atingir essa meta e com paragem obrigatória no referido ponto intermédio, o percurso pode ser efectuado em veículos diferentes ou em vários simultaneamente. Com esse objectivo permanente de discriminar entre os produtos e serviços de empresas diferentes, o sinal distintivo pode indicar a procedência, mas também a qualidade (31), a reputação (32) ou a fama de quem os produz ou presta, podendo-se também utilizar a marca com fins publicitários para informar e persuadir o consumidor (33).

44.
    As anteriores formas de utilizar uma marca são usos que se dirigem ao repetido fim, devido a facilitarem ao consumidor a distinção entre os produtos e serviços que lhe são oferecidos por diversas empresas, permitindo-lhe escolher livremente entre as muitas opções de que dispõe e favorecendo a concorrência no mercado interno (34). Todas elas são utilizações da «marca como marca», susceptíveis de ser proibidas pelo titular, desde que esteja presente algum dos casos em que, de acordo com os artigos 6.° e 7.° da directiva, o direito de titular decai.

45.
    Chego ao mesmo resultado se, mudando de perspectiva, passar do ponto de vista do uso da marca para o dos direitos do titular. Ao titular de uma marca registada é concedido um conjunto de direitos e faculdades para que, mediante o uso exclusivo do sinal distintivo e consequente identificação dos produtos e serviços que proporciona, se estabeleça no mercado comum um sistema de concorrência leal, não falseado, em que sejam proscritos os oportunistas e os aproveitadores do crédito alheio, pelo que tais posições jurídicas de vantagem devem apenas ir até onde for estritamente necessário para o cumprimento dessa função essencial. É óbvio que não há que atribuir ao titular de um determinado sinal distintivo um uso exclusivo contra todos e em qualquer circunstância, mas apenas contra quem quiser tirar partido da sua posição e da sua reputação (35), usurpando-o ou utilizando-o de forma que induza os consumidores em erro sobre a sua origem, bem como sobre as qualidades dos bens ou serviços que representa.

46.
    Parece-me ser um reducionismo simplista limitar a função da marca à indicação da origem empresarial. A Comissão, nas suas alegações, manifestou seguir também essa linha. A experiência ensina que, na maior parte dos casos, o utente desconhece quem produz os bens que consome. A marca adquire vida própria e, tal como já referi, expressa uma qualidade, uma reputação e mesmo, em determinados casos, uma forma de entender a vida.

47.
    As mensagens que faculta são, além disso, autónomas. O sinal distintivo pode indicar simultaneamente a procedência empresarial, a fama do seu titular e a qualidade dos produtos que representa, mas nada impede que o consumidor, desconhecendo quem fabrica os bens ou presta os serviços que a marca incorpora (36), os adquira porque a apreende como emblema de prestígio ou garantia de qualidade. Se observar o funcionamento actual do mercado e o comportamento do consumidor médio, não encontro qualquer razão para que essas outras funções da marca não sejam objecto de protecção e apenas se proteja a que indica a origem empresarial dos bens e dos serviços (37).

48.
    Por acréscimo, e tal como refere o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre, em determinadas situações, os consumidores estão mais interessados na marca em si mesma do que nos produtos a que se aplica.

49.
    Chegado a este ponto, estou em condições de propor ao Tribunal de Justiça que, quanto à primeira questão, responda à High Court que, de acordo com o disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, o titular constante do registo pode proibir a um terceiro o uso de sinais idênticos aos que integram a marca para os mesmos produtos ou serviços, que sejam susceptíveis de induzir em erro sobre a sua origem, procedência, qualidade ou reputação (38).

50.
    Dito na forma negativa, e mais delimitada, em que a High Court formula a questão, quem se serve de uma marca alheia pode opor ao titular o facto de o uso a que procede não indicar a origem dos produtos ou serviços nem gerar confusão sobre a qualidade e reputação de uns ou de outros.

51.
    Face às teses maximalistas do Arsenal e da Comissão, para quem, num caso como o dos autos principais e não estando verificadas as condições previstas no artigo 6.°, n.° 1, da directiva, o titular da marca pode proibir o seu uso a todos, compartilho da opinião mais flexível do Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre. A minha posição assenta, pois, nas considerações expostas nos números anteriores e, além disso, no entendimento que essa parte expõe no ponto 19 das suas observações escritas. Isto é, quando a directiva diz que nos casos de identidade a protecção é absoluta (39), deve-se entender que, tendo em conta o objecto e a finalidade do direito de marca, o termo «absoluto» significa que a protecção é dada ao titular, independentemente do risco de confusão, porque nessas situações existe uma presunção de que isso se verifica (40) e não, pelo contrário, que a protecção seja conferida contra todos e em todas as circunstâncias.

C - Presunção de «uso como marca»

52.
    Acabo de referir que, nos casos de identidade, o risco de confusão se pode presumir. A mesma razão que justifica essa presunção permite concluir que, em tais situações de identidade, o uso que um terceiro faz da marca é-o enquanto tal. Esta presunção, que é iuris tantum, pode ser elidida por prova em contrário. Por conseguinte, existe a possibilidade, por remota que seja, de que num caso concreto o uso de um sinal idêntico a outro registado como marca não possa ser proibido pelo titular com base no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva.

D - A apreciação das circunstâncias de cada caso cabe ao juiz nacional

53.
    A determinação de quando o uso da marca o é enquanto tal é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional em função dos dados que tiver à sua disposição para decidir a causa. Há casos, como o do litígio entre o Arsenal e M. Reed, em que, por existir a dupla identidade de sinais e de produtos ou serviços, existirá uma presunção de «uso da marca como marca», mas, em muitos outros casos, a situação não será tão nítida e deverá ter-se presente a natureza dos referidos bens e prestações, a condição dos seus eventuais destinatários, a estrutura do mercado e a implantação do titular da marca, análise essa que está fora das competências do Tribunal de Justiça.

54.
    Tendo em conta o que até aqui se expôs, proponho ao Tribunal de Justiça que, em resposta à primeira das questões prejudiciais, declare que:

1)    O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, deve ser interpretado no sentido de que, com base na disposição nele contida, o titular de uma marca registada pode proibir a um terceiro o uso de sinais idênticos, para os mesmos produtos ou serviços, que sejam susceptíveis de induzir em erro sobre a sua origem, procedência, qualidade ou reputação.

2)    Em tais casos de identidade, existe uma presunção iuris tantum de que o uso da marca por terceiro é feito enquanto tal.

3)    A determinação de quando um terceiro usa um sinal distintivo «como marca» é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional em função dos elementos que tiver à sua disposição para decidir a causa.

2. A segunda questão prejudicial

A - Os usos alheios à função própria das marcas. Os usos não comerciais

55.
    Visto o alcance que, na minha opinião, se deve atribuir aos direitos que protegem o titular de uma marca registada e, por conseguinte, os limites que os terceiros não podem passar no uso do símbolo registado ou de sinais semelhantes, fica por resolver a segunda das questões formuladas pela High Court, que, além disso, é a pedra de fecho da abóbada da causa que tem que decidir.

56.
    Neste ponto vou seguir por um caminho inverso ao que recorri para propor uma resposta à primeira questão prejudicial, em que parti do conceito de marca e das suas funções para, definindo o que é o «uso como marca», situar a margem até onde podem chegar as faculdades do titular. Agora, tentarei esclarecer as aplicações dos sinais que integram uma marca que nada têm que ver com a função característica dessa manifestação da propriedade incorpórea. Desta forma delimitarei a amplitude da questão, reduzindo a zona de penumbra em que a incógnita deve ser resolvida.

57.
    Para começar, existe um primeiro limite exterior à ideia de «uso como marca» e que tem a ver com o próprio conceito distintivo. O titular constante do registo não pode, no plano dos princípios, opor-se a que terceiros utilizem o símbolo ou a indicação inscritos se, por não reunir as condições ou por se verificar alguma das proibições estabelecidas na directiva (41), não devesse ter tido direito ao registo. Questão diferente é a de a inscrição, enquanto não for anulada, produzir efeitos e outorgar ao titular a aparência jurídica suficiente para se opor ao uso da marca por outrem.

58.
    É esse o caso do processo C-299/99, no qual apresentei as minhas conclusões em 23 de Janeiro de 2001 (42) e em que, na minha opinião, a marca que a Philips Electronics NV opõe no processo principal à Remington Consumer Products Limited não reúne as condições que o ordenamento jurídico comunitário exige para um sinal ser registado como marca. Esta questão também esteve presente no processo Arsenal contra M. Reed, no qual o demandado opôs a invalidade dos sinais registados a favor do clube de futebol por não ter carácter distintivo. Esse fundamento de oposição foi julgado improcedente pela High Court.

59.
    No plano dos sinais que legitimamente podem ser uma marca de fábrica, o titular não se pode opor, com base na directiva, à sua utilização por terceiros fora da «vida comercial» (43), isto é, fora de qualquer actividade comercial que consista em produzir e fornecer bens e serviços no mercado.

60.
    A directiva dá ao titular constante do registo um monopólio sobre o sinal que inscreveu como marca, mas este poder exclusivo de disposição é, tal como já referi, relativo, uma vez que está ao serviço de um fim que o transcende. Se se trata de os consumidores poderem escolher os bens e serviços num mercado aberto, presidido pela livre concorrência, os usos que o titular da marca pode proibir a terceiros são, precisamente, os que se verificam nesse contexto e que, por conseguinte, são susceptíveis de influir sobre o referido objectivo.

61.
    O direito de marcas tem estado sujeito, nos últimos tempos, a uma forte pressão para que, no conceito de sinais susceptíveis de constituir esta modalidade de propriedade industrial, sejam incluídos não só os que se podem apreender pelo sentido da visão (44) mas também os que são apreensíveis por outros órgãos sensoriais como o olfacto e a audição (45). Esta eventual ampliação do catálogo de sinais que podem integrar uma marca deve ser acompanhada de uma delimitação precisa dos direitos que a sua titularidade confere ao proprietário. Seria absurdo, ou mesmo grotesco, sustentar, pelo facto de alguém ter a cor turquesa registada como marca, que daí em diante, os artistas plásticos tivessem que renunciar a utilizar esse pigmento nas suas criações.

62.
    Esta última afirmação, que tenho a certeza de que é aceite unanimemente, permite-me precisar o conceito de «vida comercial». A utilização que o titular da marca pode proibir não é qualquer uma que represente um benefício material para o utente, nem sequer a que seja susceptível de ser traduzida em termos económicos, mas tão só, como expressam com maior precisão as versões linguísticas distintas da espanhola, a que se produz no mundo dos negócios, no tráfico comercial que tem por objecto, precisamente, a distribuição de bens e serviços no mercado. Em resumo, o uso comercial (46).

63.
    Parece ser tão legítimo o uso privado que alguém pode fazer da marca BMW incorporada num porta-chaves, do qual não obtém outra vantagem material para além da comodidade de ter no mesmo suporte as chaves que habitualmente utiliza (47), como aquele que fez Andy Warhol, pela década de sessenta do século passado, da marca de sopas Campbell em várias das suas telas (48), do qual, evidentemente, obteve um benefício económico (49). Um entendimento radical do alcance dos direitos do titular da marca poderia ter privado a arte contemporânea desses quadros tão expressivos, representação privilegiada da «pop art». Outros usos não comerciais, como os que prosseguem fins educativos, ficam também à margem da protecção dada ao titular.

64.
    Assim, o titular de uma marca não se pode opor à utilização, por terceiros, do símbolo ou indicação de que se apropriou se se tratar de um dos sinais que não podem ser marca ou, ainda que o seja, se o uso pretendido por outros não tiver como desígnio a sua exploração comercial.

B - Os usos que expressam adesão, lealdade ou apoio ao titular da marca são, em princípio, um «uso como marca»

65.
    Chego, assim, à zona de penumbra, ao «halo de incerteza» onde se encontra a resposta à dúvida da High Court.

66.
    Entendo que os usos a que o tribunal britânico se refere na segunda pergunta são formas de utilização da marca que, como refere o próprio órgão jurisdicional britânico, exprimem uma relação entre os produtos, o sinal e o seu titular, entre os cachecóis que ostentam as marcas em litígio e o Arsenal (50). A interpretação ampla que propus para dar resposta à primeira questão prejudicial permite esta afirmação.

67.
    A natureza ou a qualidade desta relação são irrelevantes para o direito das marcas. Dadas as funções destes sinais distintivos e o objectivo prosseguido pela directiva, o elemento decisivo não é o «sentimento» que o consumidor que compra os bens representados pela marca, ou mesmo o terceiro que a utiliza, tenham em relação ao titular constante do registo, mas sim o facto de a aquisição se verificar porque, ao incorporar o sinal, identifica o produto com a marca, qualquer que seja a apreciação que o inspire, e, sendo caso disso, com o proprietário.

68.
    É irrelevante a questão de saber se a decisão de o consumir tem por causa o facto de o adquirente entender a marca como um sinal de distinção ou como uma garantia de qualidade ou se, pelo contrário, procede a um acto de rebeldia por apologia do feio. Em suma, para a decisão da causa, não tem interesse saber se um entusiasta do futebol compra a camisola de determinada formação, protegida pela respectiva marca, por ser o clube dos seus amores e por querer vesti-la ou porque, sendo adepto da equipa rival, tem o propósito de a queimar. O centro da questão está no facto de ter decidido adquiri-la porque a peça de vestuário se identifica com a marca e, através dela, com o seu titular, isto é, com a equipa.

69.
    A discussão tem que ser deslocada para outro campo. Dado por assente que, nos casos de identidade, o consumidor adquire o bem porque contém o sinal, a resposta a dar à High Court deve situar-se na perspectiva daquele que o explora sem ser o respectivo titular. Não há que indagar o motivo pelo qual uma pessoa compra um bem ou usa um serviço, mas sim qual foi o que levou alguém não titular da marca a colocar o produto no mercado ou a prestar o serviço, utilizando o mesmo sinal distintivo. Se, qualquer que seja a razão que o move, o explora comercialmente, está a utilizá-lo «como marca» e o titular poderá opor-se, dentro dos limites e com o alcance que lhe é dado pelo artigo 5.° da directiva.

70.
    É óbvio que o titular de uma marca se pode opor a que um terceiro a use, desde que a tenha registado para a usar como tal. Se não a explorar comercialmente, não fará um «uso sério» (51) do sinal distintivo e os seus direitos ficarão sob a «espada de Dâmocles» da caducidade e da perda do seu poder de se opor à inscrição de novas indicações (52).

71.
    Com tais considerações e à luz da situação de facto subjacente às questões formuladas pelo tribunal britânico, há que saber se, quando um clube de futebol - ou, em geral, uma sociedade desportiva - inscreve uma marca no registo da propriedade industrial, o faz apenas para distribuir, pelos seus seguidores, produtos com os sinais representativos da entidade, com o fim de obter maior apoio para as suas formações no caminho para o êxito desportivo ou se, pelo contrário, é mais uma actividade empresarial, dirigida a aumentar a conta de resultados.

72.
    É evidente que a resposta não pode vir de um estudo do processo de intenções de cada entidade desportiva (no caso, o Arsenal), mas sim de uma análise objectiva da posição que as sociedades e entidades que administram os grandes clubes de futebol ocupam na sociedade actual e na sua economia.

C - O futebol como fenómeno económico

73.
    O futebol desempenha um importante papel no mundo contemporâneo. Desde o seu nascimento no seio da universidade inglesa em meados do século XIX até agora, este desporto tem sabido adaptar-se com grande sucesso aos sinais dos tempos até se converter, graças à sua difusão através dos meios de comunicação, num fenómeno de massas que ultrapassa fronteiras geográficas, culturais, religiosas e sociais. A chave do êxito do futebol - e também o seu mistério, para os que não são entusiastas - reside na imensa capacidade para gerar paixões (53), cuja origem se situa na profunda identificação existente entre as equipas, ligadas a determinada cidade ou a um país, e os seus seguidores (54).

74.
    Durante décadas, o futebol caracterizou-se pela sua relevância social, sendo relegado para segundo plano no âmbito económico. Paradoxalmente, uma actividade que atraía o interesse de milhões de pessoas em todo o mundo mal era objecto de exploração comercial e continuava alheia, por exemplo, ao modelo de gestão das grandes ligas profissionais norte-americanas (55), cujo crescimento nos anos sessenta esteve relacionado com a venda de direitos exclusivos de televisão e com o seu controlo por parte de grandes empresários (56).

75.
    Este cenário viu-se alterado de forma radical no início dos anos noventa, momento em que se começou a vislumbrar as verdadeiras possibilidades comerciais do futebol (57). Seguindo a esteira do magnata australiano Rupert Murdoch, proprietário da cadeia Sky, que obteve enormes lucros com a exploração exclusiva dos direitos de emissão da liga inglesa de futebol, as principais empresas audiovisuais europeias efectuaram avultados investimentos para obterem os direitos televisivos de numerosas competições nacionais e internacionais (58), contribuindo de forma decisiva para o desencadear de uma das maiores transformações que este desporto viveu desde a sua origem (59).

76.
    Num espaço de tempo relativamente curto, a prática profissional de futebol adquiriu o perfil próprio de uma indústria que movimenta um volume de dinheiro que há alguns anos era impensável e que gera, desse modo, milhares de empregos e actividades em sectores muito variados (60). É muito difícil fornecer dados precisos, mas calcula-se que na Itália, um dos países em que a prática do futebol está mais profissionalizada, este desporto move cerca de 4 500 milhões de euros por ano e constitui o décimo quarto grupo industrial do país (61). No caso de Espanha, estima-se que esta actividade atinge, tanto directa como indirectamente, cerca de 3 000 milhões de euros e que dá trabalho a cerca de 100 000 pessoas (62).

77.
    Neste contexto, os clubes de futebol das principais ligas europeias empreenderam importantes modificações de tipo organizativo. Salvo algumas excepções, perderam o seu carácter puramente desportivo para se converterem em sociedades comerciais e são cada vez mais as que cotizam em bolsa (63). Não é de estranhar que, em poucos anos, os orçamentos das equipas tenham disparado de forma generalizada, de tal modo que alguns dos mais famosos da Europa ultrapassam amplamente os 100 milhões de euros, quantia comparável à despesa de uma cidade média de Espanha (64).

78.
    O modelo de gestão mais elogiado actualmente é o do Manchester United, possivelmente o clube mais rico do mundo (65). Os rendimentos de várias das melhores equipas da Europa estão nas mãos de empresários de êxito, cuja concepção do futebol reflecte uma verdadeira mudança de época. Assim, por exemplo, Sergio Cragnotti, presidente do Lazio de Roma, considera que «o futebol é o negócio mais importante numa economia cada vez mais globalizada»; na sua opinião, portanto, «não há que o considerar estritamente como um desporto, mas sim uma indústria do espectáculo» (66). Uma visão semelhante tem Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, que, referindo-se às perspectivas económicas da entidade que dirige, falou de um «Walt Disney por explorar» (67).

79.
    Esta imagem esconde uma realidade não tão lisonjeira para a maioria das equipas profissionais, muitas das quais mantêm avultadas dívidas. Na realidade, e segundo uma análise da revista The Economist (68), na actualidade, caracterizada pelo forte crescimento dos salários dos jogadores e dos preços das transferências (69), as equipas encontram-se sujeitas a uma dinâmica que as obriga a gastar boa parte do que auferem, sem que se possa dizer que são mal geridas. Esta circunstância explica, por exemplo, que em Itália, cuja liga de futebol atrai numerosos investimentos, a soma total das dívidas dos clubes ascenda, na actualidade, a mais de 1 000 milhões de euros (70).

80.
    É certo que as fontes de financiamento dos clubes aumentaram nos últimos anos. As tradicionais receitas da venda de bilhetes ou das quotas dos sócios perderam relevância face a outra série de receitas mais avultadas, como as geradas pelas retransmissões de televisão, a venda de produtos relacionados com a equipa, a exploração dos direitos de imagem dos jogadores e a Internet (71). As equipas europeias também recebem dinheiro por outras fontes, entre as quais se destacam os prémios obtidos pela participação nos campeonatos organizados pela União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), pela celebração de partidas amigáveis ou pela exploração das instalações (lojas, bares, salas para reuniões).

81.
    Entre as receitas que nos últimos anos passaram a ter maior importância encontra-se, com efeito, a venda de produtos relacionados com a equipa, actividade geralmente conhecida como «merchandising» (72). Este negócio, cujo objecto é a venda, quer de forma directa quer através de empresas intermediárias, de cachecóis, galhardetes, peças de vestuário ou qualquer outro artigo que identifique o clube, demonstrou ser um dos mais rentáveis (73), pelo que se converteu em prioritário para os gestores da parte económica das sociedades (74). Segundo o director de marketing do Real Madrid, uma das razões que explicam o êxito do «merchandising» é simples: «a lealdade às equipas de futebol é muito grande. A relação de um adepto com a sua equipa goza de um grau de fidelidade que seria um sonho para as marcas de qualquer outro sector, sempre muito mais sujeitas às alterações do mercado» (75).

82.
    As previsões de crescimento desta rubrica vão manifestamente no sentido da subida. A difusão do futebol através da televisão e da Internet permite às equipas europeias abrir os seus mercados a outros lugares do mundo, em especial, a Ásia, onde o interesse por este desporto tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, em parte graças à realização do campeonato mundial de selecções nacionais de 2002 no Japão e na Coreia (76). Alguns clubes europeus decidiram abrir lojas em cidades do continente asiático para venderem directamente os seus produtos (77).

83.
    O êxito do «merchandising» pôs a descoberto as imensas possibilidades do futebol como negócio, o que explica que a cotização dos jogadores, os verdadeiros protagonistas do espectáculo, dependa não só do seu rendimento no terreno do jogo, mas também das receitas que a sua imagem puder gerar para a equipa, a título de publicidade ou pela venda de artigos associados ao desportista. Nos últimos anos foram efectuadas importantes transferências de futebolistas que confirmam esta afirmação, como a aquisição do jogador japonês Nakata pelo Parma (78) e, muito em especial, a do francês Zinedine Zidane pelo Real Madrid, o contrato mais caro da História, que ronda os 70 milhões de euros, dos quais se espera recuperar grande parte pela venda de camisolas (79).

84.
    As grandes equipas, como o Arsenal, recente vencedor da liga inglesa, não são meras associações desportivas destinadas à prática do futebol, são também autênticos «empórios» que tendo por objectivo a prática profissional do futebol, desenvolvem uma actividade económica de primeira ordem. Quando registam um sinal para o utilizarem como marca comercial e para fornecerem no mercado, directamente ou por meio de alguém autorizado, determinados bens e serviços identificados com a marca, fazem um uso efectivo da propriedade incorpórea e podem opor-se a que terceiros utilizem igual indicação, com o fim de a explorarem comercialmente e conseguirem um benefício económico, utilizando todos os meios facultados pelo ordenamento jurídico, mesmo os mais drásticos (80).

85.
    Em suma, e respondendo à segunda das dúvidas da High Court, entendo que o uso que o titular pode proibir a terceiros é o que tem como desígnio a exploração comercial, em cujo conceito se integra a utilização dos distintivos, registados como marcas a favor das empresas proprietárias de equipas de futebol, para a comercialização de peças de roupa e artigos relacionados com a formação desportiva.

86.
    A esse respeito, são irrelevantes as razões pelas quais o consumidor procede à escolha. O dado decisivo é o de o destinatário os adquirir ou consumir porque contêm o sinal distintivo.

87.
    As considerações anteriores, bem como as respostas que proponho para a primeira questão prejudicial, não seguem à letra o texto das duas questões formuladas pela High Court, mas, em interpretação da directiva, podem facultar-lhe uma resposta útil e adequada para se pronunciar na causa que é chamada a decidir (81).

V - Conclusão

88.
    Tendo em conta as considerações expostas, sugiro ao Tribunal de Justiça que, em resposta às questões formuladas pela High Court, declare que:

«1)    O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas deve ser interpretado no sentido de que, com base na disposição nele contida, o titular de uma marca registada pode proibir a um terceiro o uso de sinais idênticos, para os mesmos produtos ou serviços, que sejam susceptíveis de induzir em erro sobre a sua origem, procedência, qualidade ou reputação.

2)    A determinação de quando o uso da marca por terceiro é feito ‘como marca’ é uma questão de facto que cabe ao juiz nacional em função dos elementos que tiver à sua disposição para decidir a causa. Não obstante, nos casos de identidade de sinais e de produtos ou serviços, existe uma presunção iuris tantum de que o uso da marca por terceiro o é como tal.

3)    O uso que o titular pode proibir a terceiros é o que tem como desígnio a sua exploração comercial, em cujo conceito se integra a utilização dos distintivos, registados como marcas a favor das empresas proprietárias de equipas de futebol, para a comercialização de peças de roupa e artigos relacionados com a formação desportiva.

4)    A esse respeito, são irrelevantes as razões pelas quais o consumidor procede à escolha dos produtos ou serviços. O dado decisivo é o de o destinatário os adquirir ou consumir porque contêm o sinal distintivo.»


1: -     Língua original: espanhol.


2: -     Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO L 40, p. 1).


3: -     N.° 3 das conclusões que apresentei em 6 de Novembro de 2001 no processo C-273/00, Sieckmann, em que ainda não foi proferido acórdão. V. primeiro, terceiro, quarto e quinto considerandos da Primeira Directiva.


4: -     Uma análise do conteúdo do artigo 5.° da directiva encontra-se no acórdão de 23 de Fevereiro de 1999, BMW (C-63/97, Colect., p. I-905, n.os 27 e segs.). Eu próprio tive ocasião de analisar a disposição nas conclusões que apresentei em 21 de Março de 2002 no processo C-23/01, Robelco, no qual ainda não foi proferido acórdão (n.os 24 e segs.).


5: -    V. décimo considerando da directiva. Mais adiante precisarei o que, em minha opinião se deve entender por «protecção absoluta».


6: -     É total o paralelismo entre o n.° 1 do artigo 5.° e o mesmo número do artigo 4.°, que rege as causas de recusa ou de nulidade relativas. Há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a ideia de risco de associação, utilizada nos artigos 4.°, n.° 1, alínea b), e 5.°, n.° 1, alínea b), da directiva, não é uma alternativa ao conceito de risco de confusão, antes servindo para precisar o seu alcance [v., por todos, acórdão de 22 de Junho de 2000, Marca Mode (C-425/98, Colect., p. I-4861, n.° 34)].


7: -     V. artigo 1.°


8: -     V. artigo 2.° da directiva.


9: -     Quer para os mesmos produtos ou serviços quer para outros, mas semelhantes.


10: -     É o que está em causa nos presentes autos, em que M. Reed vende peças de roupa que contêm sinais registados como marcas a favor do Arsenal.


11: -     O advogado-geral F. G. Jacobs, nas conclusões que apresentou em 17 de Janeiro de 2002, no processo C-291/00, LTJ Diffusion, no qual ainda não foi proferido acórdão, refere que existe identidade quando a marca é reproduzida de forma idêntica, sem acrescentos, omissões ou modificações, a menos que sejam mínimas ou insignificantes. Acrescenta que, neste último caso, o órgão jurisdicional nacional deve determinar, em primeiro lugar, que percepção dos sinais confrontados tem o consumidor médio, normalmente informado, e razoavelmente atento e perspicaz; em seguida deve proceder a uma apreciação global das suas características gráficas e fonéticas e de outras particularidades sensoriais ou conceptuais, avaliando a impressão de conjunto por elas criado, em especial, pelos seus elementos distintivos e dominantes.


12: -     Sobre a apreciação global do sinal, v. acórdãos de 11 de Novembro de 1997, Sabel (C-251/95, Colect., p. I-6191, n.os 22 e 23), e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer (C-342/97, Colect., p. I-3819, n.os 18 e 19).


13: -     V. terceiro e quarto considerandos e artigo 1.°


14: -     Referidos no sétimo considerando.


15: -     O nono considerando da directiva refere que «é fundamental, para facilitar a livre circulação de produtos e serviços, providenciar para que as marcas registadas passem a usufruir da mesma protecção de acordo com a legislação de todos os Estados-Membros; que tal não priva os Estados-Membros da faculdade de conceder uma protecção mais ampla às marcas que gozem de prestígio».


16: -     V. conclusões (em particular, n.° 46) apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs em 21 de Março de 2002, no processo C-292/00, Davidoff, em que ainda não foi proferido acórdão.


17: -     «A presente directiva não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados-Membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à responsabilidade civil ou à defesa dos consumidores.»


18: -     V. o n.° 27 das conclusões que apresentei no processo Robelco, referidas na nota 4.


19: -     No que respeita ao n.° 2 do artigo 5.°, foi esse o entendimento do advogado-geral F. G. Jacobs nas conclusões do processo Davidoff, já referidas (v. n.° 66).


20: -     V. n.° 62 do acórdão BMW, já referido.


21: -     Contudo, o advogado-geral F. G. Jacobs, nas conclusões do processo Davidoff, já referidas, defende que as marcas de prestígio beneficiam da mesma protecção que as outras no ordenamento jurídico comunitário. Na sua opinião, este tipo de sinais distintivos só pode beneficiar da protecção adicional e facultativa permitida pelo artigo 5.°, n.° 2, da directiva quando os produtos ou serviços controvertidos não forem semelhantes. Se, pelo contrário, o forem, os órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a protecção a dar às marcas que beneficiam de um carácter distintivo particular, devem decidir se existe risco de confusão na acepção dos artigos 4.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da directiva (n.° 68). Pese embora as suas muito bem desenvolvidas conclusões, o meu colega F. G. Jacobs não deixa de reconhecer que «pode existir uma zona em que uma marca de prestígio não esteja protegida contra o uso de marcas ou sinais idênticos ou semelhantes» (n.° 51), embora em seguida afirme que é possível que «na prática (essa zona) seja insignificante» e que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as marcas com um forte carácter distintivo limite ainda mais o seu âmbito. Quando existe um critério de interpretação alternativo, não se pode manter outro que conduza a um resultado reconhecidamente desrazoável, sob pretexto da sua irrelevância prática e da sua eventual moderação por via jurisprudencial. Além disso, creio que a tese do advogado-geral F. G. Jacobs parte de uma premissa errada. Quanto mais forte for o carácter distintivo de um sinal, menor será o risco de confusão. A inscrição da denominação «Coco-Colo» para refrigerantes, e a correspondente comercialização dos produtos, não criará qualquer risco de confusão com as bebidas distribuídas pela «Coca-Cola», dada a força distintiva, a implantação e o prestígio desta marca. Pela via do risco de confusão, as marcas de prestígio podem ficar sem protecção contra aqueles que utilizem indicações semelhantes para distinguir os mesmo produtos ou semelhantes.


22: -     Esta interpretação está implicitamente presente na jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no n.° 20 do acórdão Sabel, já referido, refere que o artigo 5.°, n.° 5, permite «ao titular de uma marca que goza de nomeada proibir o uso, sem razão, de sinais idênticos ou similares à sua marca, sem exigir que seja demonstrado risco de confusão, e isso mesmo se os produtos em causa não são similares».


23: -     «O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial, de um direito anterior de alcance local, se tal direito for reconhecido pelas leis do Estado-Membro em questão, e dentro dos limites do território em que é reconhecido.»


24: -     Mais adiante analisarei o alcance de «distinguir» que consta do n.° 5 do artigo 5.° da directiva.


25: -     No n.° 3 do artigo 5.°, refere-se, a título meramente exemplificativo, diversas formas de uso de uma marca que o titular pode vedar a terceiros:

    «Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

    a)    Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

    b)    Oferecer os produtos para venda ou colocá-los no mercado ou armazená-los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

    c)    Importar ou exportar produtos com esse sinal;

    d)    Utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.»


26: -     Neste sentido se manifesta o advogado-geral F. G. Jacobs, nas conclusões que apresentou em 20 de Setembro de 2001 no processo C-2/00, Hölterhoff, no qual foi proferido acórdão em 14 de Maio de 2002 (Colect., p. I-4187; v., em particular, n.° 37 das conclusões).


27: -     É, de resto, a posição adoptada pelo Tribunal de Justiça, que, no n.° 38 do acórdão BMW, já referido, referiu que «o âmbito de aplicação do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva, por um lado, e do artigo 5.°, n.° 5, por outro, depende da questão de saber se o uso da marca é feito a fim de distinguir os produtos ou serviços em causa como provenientes de uma empresa determinada, ou seja, como marca, ou se o uso é feito com outros fins».


28: -     No acórdão Hölterhoff, já referido, o Tribunal de Justiça não deu um conceito de uso da marca na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), da directiva (v., em particular, n.° 17).


29: -     V. n.os 35 e segs. das conclusões que apresentei no processo em que foi proferido o acórdão de 4 de Outubro de 2001, Merz & Krell (C-517/99, Colect., p. I-6959), e os n.os 16 e segs. das minhas conclusões no processo Sieckmann, já referidas.


30: -     Nas conclusões do processo Sieckmann assinalei que, de forma paradoxal, para assegurar a livre concorrência no mercado se configura um direito que constitui uma excepção ao princípio geral da concorrência, atribuindo-se ao seu titular a faculdade de se apropriar em exclusivo de determinados sinais e indicações (v. nota 12 das referidas conclusões).


31: -     A função da marca como expressão de qualidade está presente no ordenamento jurídico comunitário. O artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), permite ao titular invocar contra um licenciado os direitos que lhe são conferidos pela titularidade do sinal distintivo registado quando este viola as condições do contrato de licença relativas à qualidade dos produtos fabricados ou dos serviços fornecidos.


32: -     O Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a função relativa à reputação no âmbito do esgotamento dos efeitos dos direitos conferidos por uma marca [acórdãos de 11 de Julho de 1996, Bristol-Myers Squibb e o. (C-427/93, C-429/93 e C-436/93, Colect., p. I-3457), e de 4 de Novembro de 1997, Parfums Christian Dior (C-337/95, Colect., p. I-6013)].


33: -     O facto de a função da marca não ser apenas a de indicar a origem empresarial dos produtos ou serviços que protege é uma afirmação que está presente há anos na jurisprudência do Tribunal de Justiça, na qual se assinala que, por meio da identificação da origem se pretende proteger a posição e o prestígio do titular e a qualidade das suas criações [v. acórdão de 17 de Outubro de 1990, HAG GF (C-10/89, Colect., p. I-3711, n.° 14, e acórdãos aí referidos)].


34: -     V. n.° 17 das conclusões que apresentei no processo Sieckmann.


35: -     V. n.os 31, 32, 42 e 43 das conclusões que apresentei no processo em que foi proferido o acórdão Merz & Krell, já referido.


36: -     Nos casos em que o titular concede uma licença a terceiros para produzir os bens abrangidos pela marca, a indicação da origem perde relevância e passa para segundo plano até, inclusivamente, desaparecer de cena.


37: -     Esta interpretação vai ocupando lugar nos ordenamentos jurídicos de vários Estados-Membros. Assim, no direito alemão, o titular de uma marca tem a faculdade de se opor a que outrem a utilize «com carácter distintivo», conceito que é interpretado com amplitude. Nesse país, a doutrina, tendo em conta as funções da marca, entende que o titular se pode opor a que o seu sinal distintivo seja utilizado sem o seu consentimento, no âmbito de uma actividade económica (Fezer, Markenrecht, 3.a edição, 2001, § 14, notas 31 e 34). A doutrina austríaca segue a mesma linha e, com maior precisão, refere que existe usurpação de marca quando esta é utilizada, por exemplo, em merchandising (Schanda, Markenschutzgesetz - Praxiskommentar, 1999, 9 61, e Character- und Personality-Merchandising, ÖBl 1998, p. 323; Ciresa, Die «Spanische Reitschule» - höchstgerichtlicher Todesstoâ für das Merchandising?, RdW 1996, pp. 193 e segs.).

    A exigência do uso com «carácter distintivo» ou do uso «como marca» verifica-se também em ordenamentos jurídicos como o finlandês, irlandês, sueco e espanhol e na jurisprudência do Tribunal de Justiça Benelux, pelo que, do ponto de vista destes ordenamentos jurídicos, a solução para a dúvida objecto da presente questão prejudicial dependerá da interpretação a dar a tais conceitos e, por conseguinte, da concepção que se tiver das próprias funções das marcas.

    Ordenamentos jurídicos como o francês e o grego autorizam o titular de uma marca a opor-se à sua utilização, qualquer que seja, por terceiros e sem o seu consentimento, de forma que qualquer exploração da mesma para produtos e serviços idênticos constitui usurpação da sua propriedade industrial. A jurisprudência e a doutrina helénicas (Rokas, N., Changements fonctionnels du droit de marque, ÅåìðÄ 1997, pp. 455 e segs.) têm uma concepção ampla das funções da marca e, ao lado da indicação da origem dos produtos, colocam a função publicitária.

    Na mesma linha se expressa o direito português, no qual, de um ponto de vista literal, as normas de direito positivo não impõem um uso com carácter distintivo para que o titular da marca possa fazer valer o seu direito exclusivo face a terceiros. Esta concepção ampla está presente também na doutrina (Côrte-Real Cruz, A., «O conteúdo e extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio», em Direito Industrial, vol. I, ADPI - Associação Portuguesa de Direito Industrial, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 79-117, em particular pp. 88 e 94, e segs.).

    No Reino Unido, a jurisprudência, embora sem unanimidade, segue uma interpretação generosa neste ponto. Pelo contrário, as posições da doutrina são mais restritivas.

    Por último, a jurisprudência italiana teve que abordar um processo cuja situação de facto é muito semelhante à do Arsenal. Tratava-se da utilização, por uma sociedade, da marca «A.C. Milan» em fotografias de jogadores de futebol vestidos com a camisola dessa formação desportiva. Um tribunal milanês considerou abusiva tal utilização, na medida em que a marca não era necessária para criar uma ligação, no espírito do comprador, entre os jogadores fotografados e o A.C. Milan (Report Q168 in the name of the Italian Group «Use of a mark ‘as a mark’ as a legal requirement in respect of the acquisition, maintenance and infringement of rights», disponível no sítio www.aippi.org).


38: -     Na minha opinião, existe uma falta de simetria na jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as funções das marcas. Quando se trata de definir o conceito de risco de confusão, o Tribunal pôs a tónica na função desta modalidade de propriedade industrial que é a de revelar a origem empresarial dos produtos ou dos serviços representados pela marca [v. acórdãos Sabel e Marca Mode, já referidos; pode-se consultar também o acórdão de 29 de Setembro de 1998, Canon (C-39/97, Colect., p. I-5507)]. Se, pelo contrário, as decisões tiveram lugar num âmbito diferente, o do esgotamento dos direitos conferidos pela marca, o Tribunal de Justiça adoptou uma visão mais ampla e teve presente este fim último que consiste em estabelecer no mercado interno um sistema de concorrência não falseado, que passa pela protecção do titular da marca e da qualidade dos seus produtos contra quem quiser abusar da sua posição e do prestígio do sinal distintivo, entendimento que, como é óbvio, vai além da ideia, mais estrita, de risco de confusão sobre a origem [v. acórdão de 23 de Maio de 1978, Hoffmann-La Roche (102/77, Colect., p. 391), e acórdãos Hag GF e Parfums Christian Dior, já referidos]. Numas e noutras situações a marca cumpre iguais funções e o estatuto jurídico do seu titular deve ser também o mesmo.


39: -     Décimo considerando.


40: -     O advogado-geral F. G. Jacobs, nas conclusões que apresentou no processo LTJ Diffusion, já referidas, considera que nos casos de identidade o risco de confusão se pode presumir (v. n.os 35 e segs.). No n.° 1 do artigo 16.° do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, anexo ao Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, feito em Marraquexe em 15 de Abril de 1994 (JO 1994, L 336, pp. 214 a 223), pode-se ler quando um terceiro utilize a mesma indicação que a registada como marca pelo titular, para produtos ou serviços idênticos, presumir-se-á a possibilidade de confusão.


41: -     V. artigos 2.°, 3.° e 4.°


42: -     Até à presente data não foi ainda proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça.


43: -     Expressão utilizada no artigo 5.°, n.° 1. A versão alemã da directiva utiliza a expressão geschäftlichen Verkehr; a versão espanhola tráfico económico; a versão francesa vie des affaires; a inglesa course of trade; a italiana nel commercio; e, por último, a portuguesa vida comercial.


44: -     Inclusivamente simples cores sem forma, que já são uma realidade nalguns registos nacionais de propriedade industrial e no Instituto de Harmonização do Mercado Interno. Este Instituto registou a cor lilás para distinguir chocolate, bombons e produtos de confeitaria (marca comunitária n.° 31336). Em França, o Conseil d'État aceitou a cor rouge congo para produtos petrolíferos (acórdão de 8 de Fevereiro de 1974, JCP 1974.III.17.720). O Instituto de Marcas do Reino Unido, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1994, aceitou o registo da cor rosa para representar fibra de vidro isolante (marca n.° 2004215). Esta marca veio depois a ser registada nos institutos do Benelux (marca n.° 575855) e de Portugal (marca n.° 310894).

    Está pendente no Tribunal de Justiça o processo C-104/01, no qual o Hoge Raad dos Países Baixos pergunta em que medida a directiva permite a inscrição de uma simples cor, enquanto tal, como marca.


45: -     V., sobre este ponto, as conclusões que apresentei no processo Sieckmann. Actualmente encontra-se pendente a questão prejudicial C-283/01, Shield Mark, na qual o Tribunal de Justiça terá que decidir se os ruídos ou sons podem constituir uma marca.


46: -     No relatório do Congresso ALAI 2001, organizado pela «Columbia Law School», Tema II. As relações entre o direito de autor, o direito de marca e a concorrência desleal. Secção II. Análise jurídica e discussão sobre a relação entre as excepções ao direito de autor e ao direito das marcas: o direito das marcas proíbe, ou deveria proibir, os actos abrangidos pelas excepções ao direito de autor? Aí se defende que, para o uso de um sinal constituir uma violação do direito das marcas, deve constituir uma exploração cujo objectivo seja o de indicar a origem comercial dos bens ou serviços (A. Kur).


47: -     No relatório já referido, elaborado por A. Kur, pode ler-se que, ao contrário do que se verifica no âmbito dos direitos de autor, a cópia privada não suscita problemas no direito das marcas.


48: -     Por exemplo «200 latas de sopa Campbell», 1962, óleo sobre tela, 188 cm x 254 cm, Nova Iorque, colecção particular.


49: -     Atrever-me-ia mesmo a afirmar que essa utilização por A. Warhol do seu sinal distintivo foi benéfica para a famosa sopa.


50: -     Por mais que anuncie que os produtos que vende não provêm do Arsenal nem são autorizados por esta entidade, M. Reed comercializa-os - e os seus clientes compram-nos - precisamente porque ostentam os sinais que, com protecção de registo, identificam o clube.


51: -     Quanto ao conceito de «uso sério» das marcas, terei brevemente ocasião de me pronunciar, nas conclusões que virei a apresentar no processo C-40/01, Ansul B.V.


52: -     V. artigos 10.° e 11.° da directiva.


53: -     Bill Shankly, que foi mítico treinador do Liverpool nos anos 60 e 70 do século passado, dizia-o da seguinte forma: «O futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais importante do que isso» (Football isn't a matter of life and death. It's far more important than that).


54: -     Tal como observa G. Bueno, filósofo e professor emérito da Universidade de Oviedo, o futebol é um desporto que por meio da televisão mobiliza cidades que se identificam com as suas equipas. Na sua opinião, nunca teria a mesma relevância, por exemplo, uma partida entre dois sindicatos operários (v. a entrevista publicada no diário La Nueva España, 13 de Fevereiro de 2002).


55: -     De futebol americano, baseball e basquetebol.


56: -     V., no diário espanhol El País, edição de 16 de Julho de 2000, o artigo de S. Segurola intitulado «Al borde de la hipertrofia».


57: -     Quanto a este ponto, o despacho de reenvio é muito expressivo relativamente ao Arsenal Football Club.


58: -     Há que ter em conta que, para as plataformas digitais e para as empresas de televisão por cabo, o futebol foi o principal chamariz para captar assinantes. Por outro lado, graças às novas tecnologias, é possível a extensão de modalidades de pagamento, podendo cada espectador, a troco de determinado montante, escolher as partidas que deseja ver.


59: -     O artigo de Segurola, S., «El fútbol rompe con su pasado», pode ser encontrado em www.elpais.es/especiales/2001/liga-00-01/liga01.htm. O autor explica o nascimento de uma nova época para o futebol, dominada pelo predomínio dos negócios.


60: -     Em especial, na hotelaria, no comércio, no sector dos transportes, bem como nos meios de comunicação.


61: -     Informação surgida em 8 de Janeiro de 2001 em www.hot.it/canali/finanza/strumenti/borsacalcio.


62: -     Artigo sobre futebol, intitulado «Un Negocio de Primera División», publicado no diário espanhol El Mundo, edição de 21 de Março de 1999.


63: -     A Inglaterra e a Itália são os dois países com mais equipas presentes na bolsa. Estão cotizados, por exemplo, o Manchester United F.C., o Chelsea F.C., o Leeds F.C., o S.S. Lazio, o A.S. Roma e a Juventus, F.C.


64: -     Segundo um estudo da companhia de contabilidade Deloitte & Touch, durante a época 1998-1999, o primeiro clube em receitas foi o Manchester United, que conseguiu gerar mais de 100 milhões de libras anuais. A seguir ficaram o Bayern de Munique e o Real Madrid, que auferiram quase 80 milhões cada. O Arsenal ficou em décima posição, com cerca de 50 milhões de libras (v. a informação surgida na edição do The Economist, de 8 de Fevereiro de 2001, com o título «It's a funny old game»).


65: -     Segundo dados do diário espanhol El Mundo, edição de 8 de Fevereiro de 2002, o clube inglês está avaliado em quase 1 600 milhões de euros. Durante os últimos três anos, o Manchester facturou uma média de 120 milhões de libras por campanha, obtendo quase 20 milhões de libras de resultados antes de impostos (dados obtidos em 11 de Março de 2001 em www.soccerbusinessonline.com). No plano desportivo, a equipa mais premiada é o Real Madrid, ao qual a FIFA concedeu a distinção de «melhor clube de futebol do século XX».


66: -     Informação obtida em www.soccerage.com, em que se cita uma entrevista publicada no diário italiano La Repubblica, edição de 17 de Julho de 2000.


67: -     V. o artigo de V. Verdú, intitulado «El fútbol de ficción», publicado no diário El País, edição de 15 de Julho de 2001.


68: -     «Football and prune juice», publicado na edição de 8 de Fevereiro de 2001.


69: -    De acordo com um estudo da companhia Deloitte & Touche, que cita o The Economist no relatório que referi na nota anterior, enquanto as receitas dos clubes aumentaram em 177% entre as épocas de 1993-1994 e 1998-1999, os salários dos jogadores aumentaram em 266%.


70: -     Dados publicados em www.futvol.com., em 20 de Março de 2002.


71: -     Os clubes mais populares da Europa recebem diariamente milhões de visitas nas suas páginas web. Através delas, auferem avultadas quantias a título de publicidade ou de vendas on-line.


72: -     Devido ao êxito desta actividade, as equipas tendem a promover as lojas oficiais em centros comerciais em detrimento das tendas à porta dos campos, muitas das quais, como a do caso de M. Reed, são exploradas por particulares, sem qualquer vínculo com as entidades proprietárias dos clubes.


73: -     Segundo dados da revista The Economist («It's a funny old game», 8 de Fevereiro de 2001), «merchandising» e patrocinadores proporcionam 26% das receitas do Manchester United. No Real Madrid, este negócio envolve aproximadamente uma quinta parte das entradas do clube e prevê-se o seu crescimento futuro (v. orçamento de 2001 em www.realmadrid.com).


74: -     Uma boa prova disso é o acordo celebrado em 7 de Fevereiro de 2001 entre o Manchester United e a equipa de baseball New York Yankees, pelo qual ambas as sociedades poderão vender as respectivas marcas nas lojas exclusivas das duas equipas e negociar conjuntamente os direitos com patrocinadores e empresas de televisão.


75: -     J.A. Sánchez Periéñez, director de marketing do Real Madrid, em El País semanal, edição de 3 de Março de 2002.


76: -     Por esse motivo, alguns websites de clubes europeus dispõem de versão em japonês.


77: -     O Manchester United tem lojas em Singapura, Banguecoque, Kuala Lumpur e Hong Kong (v. The Economist, «It's a funny old game», 8 de Fevereiro de 2001).


78: -     Na sua cotização tem-se em conta, sem dúvida, o facto de ser o jogador japonês que mais êxito conseguiu na Europa.


79: -     Na actual época, a previsão é vender 500 000 camisolas no mundo. No total, a receita ascenderia a 36 milhões de euros, quase metade dos quais seriam para o clube.


80: -     Na secção desportiva da edição do jornal de Madrid El País, de 25 de Abril deste ano, aparece uma notícia na qual se refere que membros da Guardia Civil detiveram quatro pessoas em Valência pela distribuição ilegal de 14 0000 artigos com o logotipo do Real Madrid, com um valor de mercado superior a 336 000 euros.

    Durante a realização do campeonato do mundo de futebol de 1998, as autoridades francesas iniciaram 41 processos por uso indevido de marcas.

    No relatório sobre a actuação das autoridades aduaneiras relativa à usurpação de marcas, elaborado pela Direcção-Geral de Alfândegas e Impostos Indirectos no Ministério das Finanças francês, relativo aos anos de 1994 a 1998, destaca-se o incremento verificado na usurpação de marcas relacionadas com os artigos que o público associa à prática de um desporto. No balanço feito pela mesma autoridade, relativo ao ano de 2001, relata-se a apreensão de 810 000 artigos comemorativos do campeonato do mundo de futebol de 2002 (estes dois últimos documentos podem ser consultados na Internet, no endereço www.finances.gouv.fr/douanes/actu/rapport).

    Em www.sport.fr surge uma informação, datada de 25 de Abril de 2002, na qual se anuncia a chegada maciça ao mercado de camisolas falsas das equipas nacionais que participam no campeonato do mundo que se celebra na Coreia e no Japão, e se informa que já estão a ser comercializadas usurpações das marcas das equipas como o Manchester United, o Real Madrid ou a Juventus de Turim.


81: -     Nas conclusões que apresentei em 5 de Abril de 2001, no processo em que foi proferido o acórdão de 15 de Janeiro de 2002, Elide Gottardo (C-55/00, Colect., p. I-413), tive ocasião de afirmar que «a função hermenêutica confiada ao Tribunal de Justiça pelo artigo 234.° CE, destinada a assegurar uma aplicação uniforme do direito comunitário nos Estados-Membros, não pode limitar-se a responder mecanicamente às questões, respeitando com rigor os termos em que tenham sido formuladas, mas o Tribunal, como intérprete qualificado do direito comunitário que é, deve analisar o problema com maior amplitude de vistas e mais flexibilidade para dar uma resposta útil ao juiz nacional que as suscita e aos demais juízes da União Europeia, à luz das normas comunitárias em vigor. Se assim não for, o diálogo entre órgãos jurisdicionais instaurado pelo artigo 234.° CE poderá ficar excessivamente condicionado nas mãos do juiz que submete a questão, de modo que, em função da formulação que lhe dê poderá determinar a resposta prejudicial» (n.° 36, segundo parágrafo).