Language of document : ECLI:EU:C:2006:667

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

P. MENGOZZI

apresentadas em 26 de Outubro de 2006 1(1)

Processo C‑354/04 P

Gestoras Pro Amnistía

Juan Mari Olano Olano

Julen Zelarain Errasti

contra

Conselho da União Europeia

e processo C‑355/04 P

Segi

Araitz Zubimendi Izaga

Aritza Galarraga

contra

Conselho da União Europeia

«União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Combate ao terrorismo – Posição Comum 2001/931/PESC – Medidas relativas a pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas – Acção de indemnização – Competência da jurisdição comunitária»





1.        Por despachos de 7 de Junho de 2004, proferidos nos processos T‑333/02, Gestoras Pro Amnistía e o./Conselho (não publicado na Colectânea) e T‑338/02, Segi e o./Conselho (Colect., p. II‑1647) (a seguir «despachos recorridos»), o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias julgou improcedentes as acções interpostas contra o Conselho da União Europeia pelas organizações Gestoras Pro Amnistía e Segi e pelos respectivos porta‑vozes, destinadas a obter o ressarcimento dos danos alegadamente sofridos em virtude da inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista das pessoas, grupos e entidades a que se aplica a Posição Comum 2001/931/PESC do Conselho, de 27 de Dezembro de 2001, relativa à aplicação das medidas específicas de combate ao terrorismo (2).

2.        No Tribunal de Justiça foram interpostos dois recursos dos referidos despachos pelas mesmas partes que intentaram as acções em primeira instância (a Gestoras Pro Amnistía, J. M. Olano Olano e J. Zelarain Errasti no processo C‑354/04 P; a Segi, A. Zubimendi Izaga e A. Galarraga no processo C‑355/04 P).

I –    Factos

3.        O quadro factual que está na origem do litígio, que resulta, em termos similares, dos despachos recorridos, pode ser descrito da seguinte forma.

4.        Segundo as alegações dos demandantes no processo T‑333/02, a Gestoras Pro Amnistía é uma organização, com sede em Hernani (Reino de Espanha), que tem por finalidade a defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos prisioneiros e dos exilados políticos, no território basco e cujos porta‑vozes são J. M. Olano Olano e J. Zelarain Errasti.

5.        Segundo as alegações dos demandantes no processo T‑338/02, a Segi é uma organização, com sede em Baiona (República Francesa) e Donostia (Reino de Espanha), que tem por finalidade a defesa das revindicações da juventude basca, da identidade, da cultura e da língua bascas e cujos porta‑vozes são A. Zubimendi Izaga e A. Galarraga.

6.        Em 28 de Setembro de 2001, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou a Resolução 1373 (2001), por meio da qual decidiu, em especial, que todos os Estados se devem prestar reciprocamente a maior assistência possível no âmbito dos inquéritos penais e de outros procedimentos que tenham por objecto o financiamento de actos de terrorismo ou o apoio a esses actos, incluindo a assistência para efeitos de obtenção dos elementos de prova na posse dos Estados que sejam necessários para o procedimento.

7.        Por despachos de 2 e de 19 de Novembro de 2001, o Tribunal de Instrução Central n.° 5 da Audiência Nacional de Madrid ordenou, respectivamente, a detenção dos alegados dirigentes da Gestoras Pro Amnistía, entre os quais os seus dois porta‑vozes, e declarou ilegais as actividades da Gestoras Pro Amnistía, enquanto organização integrante da organização independentista basca ETA. A Gestoras Pro Amnistía recorreu do segundo despacho.

8.        Em 27 de Dezembro de 2001, o Conselho da União Europeia (a seguir «Conselho»), considerando necessária a adopção de medidas adicionais, em relação às que havia adoptado anteriormente, para dar execução à referida resolução do Conselho de Segurança, adoptou a Posição Comum 2001/931 com base nos artigos 15.° e 34.° UE, inseridos, respectivamente, no Título V («Disposições relativas à política externa e de segurança comum») e no Título VI («Disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal») do Tratado UE.

9.        Os artigos 1.° e 4.° da Posição Comum 2001/931 dispõem que:

«Artigo 1.°

1. A presente decisão é aplicável, nos termos dos artigos seguintes, às pessoas, grupos ou entidades envolvidos em actos terroristas e enunciados no anexo.

[...]

4. A lista do anexo deve ser elaborada com base em informações precisas ou em elementos do processo que demonstrem que foi tomada uma decisão por uma autoridade competente sobre as pessoas, grupos e entidades visados, quer se trate da abertura de um inquérito ou de um processo relativo a um acto terrorista, a uma tentativa, à participação ou à facilitação de tal acto, com base em provas e indícios sérios, ou de uma condenação por esses factos. As pessoas, grupos e entidades identificados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas como estando relacionadas com terrorismo e contra quem este ordenou sanções podem ser incluídas na lista.

[...]

6. Os nomes das pessoas e entidades constantes da lista devem ser regularmente revistos, pelo menos uma vez por semestre, a fim de assegurar que a sua presença na lista continua a justificar‑se.

Artigo 4.°

Os Estados‑Membros prestam‑se reciprocamente a maior assistência possível na prevenção e combate aos actos terroristas através da cooperação policial e judiciária em matéria penal, no âmbito do título VI do Tratado da União Europeia. Para tanto, e no que se refere às investigações e acções penais conduzidos pelas respectivas autoridades em relação a qualquer das pessoas, grupos e entidades enunciados no Anexo, devem explorar plenamente, a pedido, as suas actuais competências nos termos de actos da União Europeia e de outros acordos, convénios e convenções internacionais vinculativos para os Estados‑Membros.»

10.      O anexo da Posição Comum 2001/931 indica, no seu n.° 2, relativo a «grupos ou entidades»:

«* – Euskadi Ta Askatasuna/Tierra Vasca y Libertad/Pátria Basca e Liberdade (E.T.A.) (As organizações seguintes fazem parte do grupo terrorista E.T.A.: K.A.S., Xaki, Ekin, Jarrai‑Haika‑Segi, Gestoras Pro Amnistía)»

11.      A nota de rodapé do referido anexo refere que «[a]s pessoas marcadas com um * apenas serão objecto do artigo 4.°».

12.      A declaração do Conselho inserida no anexo à acta relativa à adopção da Posição Comum 2001/931 (a seguir «declaração do Conselho relativa ao direito a indemnização») estabelece que:

«O Conselho recorda, a propósito do artigo 1.°, n.° 6, da posição comum [2001/931], que qualquer erro quanto às pessoas, grupos ou entidades consideradas, concede à parte lesada o direito de reclamar judicialmente uma indemnização» (3).

13.      Por despachos de 5 de Fevereiro e de 11 de Março de 2002, o Tribunal de Instrução Central n.° 5 da Audiência Nacional de Madrid declarou ilegais as actividades da Segi, enquanto organização integrante da organização separatista basca ETA e ordenou a detenção de alguns dos presumíveis dirigentes da Segi.

14.      Por decisão de 23 de Maio de 2002 (4), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem julgou inadmissíveis os recursos interpostos pelos recorrentes contra os quinze Estados então membros da União Europeia, tendo por objecto a Posição Comum 2001/931, com o argumento de que a situação denunciada não conferia aos recorrentes a qualidade de vítimas de uma violação da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

15.      Em 2 de Maio e 17 de Junho de 2002, o Conselho adoptou, por força dos artigos 15.° e 34.° UE, as Posições Comuns 2002/340/PESC (5) e 2002/462/PESC (6), que actualizam a Posição Comum 2001/931. Os anexos destas duas posições comuns contêm a lista actualizada das pessoas, grupos e entidades às quais se aplica a Posição Comum 2001/931, lista essa da qual constam ainda os nomes da Gestoras Pro Amnistía e da Segi, indicadas tal como na lista anexa à Posição Comum 2001/931.

16.      De referir ainda que a Gestoras Pro Amnistía e a Segi requereram ao Conselho o acesso aos documentos nos quais este se baseou para as inscrever na lista anexa à Posição Comum 2001/931. O Secretário‑geral do Conselho enviou à Gestoras Pro Amnistía e à Segi um conjunto de documentos relativos à referida posição comum. Considerando que esses documentos não lhes diziam especifica e pessoalmente respeito, as duas associações formularam um novo pedido ao Conselho, que foi rejeitado por carta de 21 de Maio de 2002, com o argumento de que as informações necessárias à elaboração da lista anexa à posição comum, depois do seu exame e consequentes determinações, tinham sido restituídos às delegações nacionais respectivas.

17.      Acresce que os recorrentes no processo C‑355/04 P alegaram, durante o processo, que, por acórdão de 20 de Junho de 2005, a Quarta Secção Penal da Audiência Nacional de Madrid, na qual se encontrava pendente o processo relativo à Segi, ilibou a referida associação da acusação de ser um grupo terrorista e de fazer parte da ETA. O Reino da Espanha não contestou a existência da referida decisão, mas salientou que a mesma não tinha transitado em julgado e que tinha sido objecto de recurso para o Supremo Tribunal, interposto pelo Ministerio Fiscal (Ministério Público) e pelas Associações de vítimas do terrorismo.

II – Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e despachos recorridos

18.      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Outubro (processo T‑333/02) e em 13 de Novembro de 2002 (processo T‑338/02), os ora recorrentes propuseram duas acções de indemnização distintas contra o Conselho.

19.      Os recorrentes pediram ao Tribunal de Primeira Instância que:

– condenasse o Conselho a pagar a cada uma das associações a quantia de 1 000 000 EUR e a cada um dos seus porta‑vozes a quantia de 100 000 EUR, a título de indemnização pelo dano alegadamente sofrido em virtude da inscrição, respectivamente, da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista de pessoas, grupos e entidades a que se aplica o artigo 1.° da Posição Comum 2001/931, actualizada pelas Posições Comuns 2002/340 e 2002/462.

– declarasse que as referidas quantias vencem juros de mora, calculados à taxa de 4,5% ao ano, a contar da data da prolação do acórdão até ao efectivo pagamento;

– condenasse o Conselho nas despesas.

20.      Por contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Fevereiro de 2003, o Conselho arguiu, em ambos os processos, uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Para além de salientar, em particular, a falta de capacidade jurídica da Gestora Pro Amnistía e da Segi, a falta de poder de representação destas últimas para agir em nome dos recorrentes pessoas singulares e a consequente invalidade dos mandatos conferidos ao defensor em nome das duas organizações, bem como a ausência de mandato ao defensor por parte de Zelarain Errast, o Conselho arguiu a incompetência do Tribunal de Primeira Instância, não só em virtude da inaplicabilidade, ao caso concreto, dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, como pela impossibilidade de aquele Tribunal se pronunciar sobre a legalidade da Posição Comum 2001/931.

21.      Nas suas respostas a esta questão prévia, os ora recorrentes requereram ao Tribunal de Primeira Instância que se pronunciasse no sentido da admissibilidade das acções e, subordinadamente, caso o Tribunal se considerasse incompetente para conhecer do pedido de indemnização, que declarasse que o Conselho, ao adoptar as referidas posições comuns, tinha violado os princípios gerais do direito comunitário que resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, em especial dos artigos 1.°, 6.°, n.° 1 e 13.°, da CEDH.

22.      Por despachos de 5 de Junho de 2003, o Presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção, nos dois processos, do Reino da Espanha e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, em apoio das conclusões do Conselho.

23.      Através dos despachos recorridos, proferidos com base no artigo 111.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância, sem iniciar a fase oral do processo, julgou improcedentes as acções intentadas pelos ora recorrentes.

24.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância declarou‑se manifestamente incompetente para conhecer das acções, na medida em que tinham por objecto uma indemnização dos danos alegadamente provocados pela inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista de pessoas, grupos e entidades a que se aplica o artigo 1.° da Posição Comum 2001/931, actualizada pelas Posições Comuns 2002/340 e 2002/462.

25.      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou‑se, em contrapartida, competente, nos termos dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, para decidir as acções de indemnização dos recorrentes na parte em que se baseavam na eventual violação por parte do Conselho, com a adopção das referidas posições comuns, das competências da Comunidade Europeia. O Tribunal de Primeira Instância, tendo analisado o mérito das acções dentro destes limites, julgou‑as manifestamente improcedentes.

26.      Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância também rejeitou o pedido subsidiário formulado pelos recorrentes, em virtude da sua manifesta incompetência, salientando que «o contencioso comunitário não conhece via processual que permita ao juiz tomar posição, pelo expediente de declaração de carácter geral, sobre uma questão cujo objecto [extravasa] o quadro do litígio» (7).

27.      Por fim, o Tribunal de Primeira Instância considerou existirem motivos excepcionais, na acepção do artigo 87.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo, para repartir as despesas do litígio entre as partes principais.

III – Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

28.      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de Agosto de 2004, registadas, respectivamente, com os números C‑354/04 P e C‑355/04 P e redigidas em termos praticamente idênticos, os recorrentes recorreram dos referidos despachos.

29.      Em ambos os processos, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        decidir ele próprio o litígio e dar provimento aos pedidos apresentados pelos recorrentes perante o Tribunal de Primeira Instância;

–        condenar o Conselho nas despesas.

30.      Em ambos os processos, o Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar os recursos manifestamente inadmissíveis;

–        a título subsidiário, negar provimento aos recursos;

–        na medida em que se justifique, reenviar o processo ao Tribunal de Primeira Instância;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

31.      Em ambos os processos, o Reino de Espanha formula os mesmos pedidos do Conselho.

IV – Análise jurídica

A –    Quanto à admissibilidade dos recursos

32.      Nas suas respostas, tanto o Conselho como o Reino de Espanha sustentam que os recursos são inadmissíveis na medida em que se limitam a repetir, quase literalmente, os fundamentos e argumentos já apresentados perante o Tribunal de Primeira Instância.

33.      Dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, resulta que o recurso contra uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar, de forma precisa, os elementos contestados da decisão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídico que se apoia especificamente esse pedido (8).

34.      É verdade, como observam o Conselho e o Reino de Espanha, que o recurso que, sem sequer conter um argumento especificamente destinado a identificar o erro jurídico que inquina o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, se limita a repetir os motivos e argumentos já apresentados perante este Tribunal, não satisfaz os referidos requisitos. Tal recurso constitui, na realidade, um pedido destinado a obter um simples reexame do recurso apresentado ao Tribunal de Primeira Instância, o que extravasa da competência do Tribunal de Justiça (9).

35.      Porém, quando esses requisitos estejam preenchidos, um recurso contra um acórdão do Tribunal de Primeira Instância pode assentar numa argumentação já apresentada em primeira instância a fim de demonstrar que aquele Tribunal violou o direito comunitário ao rejeitar os fundamentos e argumentos que lhe foram apresentados pelo recorrente (10).

36.      Ora, no caso concreto, parece‑me que nos recursos apresentados ao Tribunal de Justiça os pontos impugnados dos despachos recorridos estão suficientemente identificados. Como resulta, em especial, do n.° 32 das petições de recurso, os recorrentes censuram, por erro de direito, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, contida no n.° 40 do despacho recorrido, relativa à sua falta de competência para decidir sobre os pedidos de indemnização dos danos alegadamente provocados pela inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista das pessoas, grupos ou entidades a que se aplica a Posição Comum 2001/931 (a seguir «lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas»).

37.      Acresce que as petições de recurso, no ponto em que identificam o artigo 6.°, n.° 2, UE, a declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização e o oitavo considerando da Decisão 2003/48/GAI do Conselho, de 19 de Dezembro de 2002, relativa à aplicação de medidas específicas de cooperação policial e judiciária na luta contra o terrorismo nos termos do artigo 4.° da Posição Comum 2001/931/PESC (11), como fundamento jurídico da competência da jurisdição comunitária (12) para conhecer dos pedidos de indemnização apresentados pelos recorrentes, que o Tribunal de Primeira Instância teria, erradamente, ignorado, contêm também a exposição dos fundamentos jurídicos em apoio do pedido de anulação dos despachos recorridos.

38.      O simples facto de as petições de recurso conterem, efectivamente, amplos trechos das peças apresentadas pelos recorrentes perante o Tribunal de Primeira Instância não torna inadmissíveis os recursos.

39.      Por isso, proponho ao Tribunal de Justiça que rejeite a questão prévia de inadmissibilidade dos recursos arguida pelo Conselho e pelo Reino de Espanha.

B –    Quanto ao mérito dos recursos

1.      Considerações preliminares

40.      É certo que a exposição nas petições de recurso dos fundamentos e dos argumentos apresentados pelos recorrentes se encontra mal estruturada, articulada como está em três secções intituladas, respectivamente, «Quanto à competência da jurisdição comunitária» (n.os 33 a 44), «Quanto à existência de um prejuízo» (n.os 45 a 49) e «A instrumentalização por parte do Conselho da União Europeia da divisão em três da acção da União Europeia» (n.os 50 a 59) (13).

41.      É evidente que as considerações feitas pelos recorrentes nos n.os 45 a 49, na medida em que se destinam a demonstrar a existência do prejuízo alegado e o nexo de causalidade entre este e a Posição Comum 2001/931, não são susceptíveis de invalidar a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, o qual não se pronunciou sobres esses aspectos. As referidas considerações não configuram, portanto, um fundamento de recurso e apenas poderão assumir alguma relevância na hipótese de o Tribunal de Justiça anular os despachos recorridos e resolver decidir, ele próprio, a título definitivo, o litígio, em aplicação do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do seu Estatuto, conforme sugerido pelos recorrentes.

42.      Ao invés, permanece relativamente obscuro o objectivo que os recorrentes pretendem atingir, no plano processual, com as considerações constantes dos n.os 50 a 59 das suas petições de recurso, as quais são antes de mais confusas e, essas sim, reproduzem literalmente uma secção inteira das observações apresentadas perante o Tribunal de Primeira Instância quanto questão prévia de inadmissibilidade arguida pelo Conselho.

43.      Com as referidas considerações, os recorrentes denunciam um desvio de procedimento por parte do Conselho. Em última análise, parecem acusar o Conselho de os ter habilidosamente privado de tutela jurisdicional ao não adoptar a lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas, incluindo os sujeitos aos quais apenas se aplica o artigo 4.° da Posição Comum 2001/931, através de um instrumento comunitário. O recurso a um instrumento comunitário teria permitido a estes últimos, entre os quais os próprios recorrentes, recorrer à jurisdição comunitária para contestar a sua inclusão na lista e obter o ressarcimento do dano. A este respeito, os recorrentes denunciam uma discriminação ilícita em seu prejuízo, já que os sujeitos que também foram afectados pelas medidas previstas nos artigos 2.° e 3.° da referida posição comum (14), inscritos na mesma lista, dispõem, pelo contrário, de tutela jurisdicional, na medida em que, tais medidas, são adoptadas através de uma acção da Comunidade susceptível de ser fiscalizada pela jurisdição comunitária. Por seu turno, na réplica, os recorrentes chegam a contradizer esta argumentação, sustentando que também lhes seriam aplicáveis os artigos 2.° e 3.° da Posição Comum 2001/931.

44.      Tais considerações evocam de novo os argumentos que o Tribunal de Primeira Instância, no pressuposto da sua competência nos termos dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, analisou e rejeitou no âmbito do exame limitado do mérito das acções de indemnização efectuado numa primeira análise, concluído com uma decisão de manifesta improcedência, devido ao facto de não se ter verificado um comportamento ilegal por parte do Conselho (15). Todavia, nas petições de recurso e nas réplicas não existe qualquer referência que nos permita concluir que os recorrentes impugnaram as passagens dos despachos do Tribunal de Primeira Instância relativas a essa decisão. Como já realçámos no n.° 39 supra, os recursos parecem ter por objecto exclusivamente a declaração de incompetência constante do n.° 40 dos despachos recorridos. Por outro lado, a conclusão que os recorrentes parecem retirar das referidas considerações é que «o presente litígio contende com a competência dos órgãos jurisdicionais comunitários por força dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE» (16). O que é, precisamente, o que o Tribunal de Primeira Instância declarou no n.° 42 dos despachos recorridos.

45.      Entendo, portanto, que as considerações desenvolvidas nos n.os 50 a 59 das petições de recurso, conjugadas com as dos n.os 12 a 16 das réplicas devem ser consideradas inadmissíveis, e isto porque não só carecem dos requisitos mínimos de clareza e precisão, como não identificam de forma exacta os pontos contestados dos despachos recorridos.

46.      De todo o modo, mesmo admitindo que essas considerações pudessem interpretar‑se legitimamente no sentido de que se destinam a sustentar um posterior fundamento de recurso contra a declaração de incompetência constante do n.° 40 dos despachos recorridos, fundamento assente numa pretensa inoponibilidade aos recorrentes, por parte do Conselho, da incompetência da jurisdição comunitária, parece‑me que tal seria infundado.

47.      É evidente que, contrariamente ao que foi defendido nas réplicas, apenas os artigos 1.° e 4.° da Posição Comum 2001/931 e não os artigos 2.° e 3.°, diziam respeito aos recorrentes. O argumento invocado em sentido contrário nas réplicas, segundo o qual a nota de rodapé do anexo da Posição Comum 2001/931 se referia apenas às pessoas singulares constantes da lista e não aos grupos ou entidades aí referidas, parece‑me completamente destituído de sentido, atendendo a que, na referida lista, um asterisco distinguia também a Gestoras Pro Amnistía e a Segi e que o termo «pessoas» é suficientemente genérico para poder abranger também grupos e entidades.

48.      Ora, como muito bem realçou o Tribunal de Primeira Instância nos despachos recorridos (17), a assistência recíproca entre os Estados‑Membros para efeitos da prevenção e do combate aos actos terroristas, prevista no artigo 4.° da referida posição comum, integra o âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal prevista no Título VI do Tratado UE. Os recorrentes de forma alguma demonstraram, nem em primeira instância nem perante o Tribunal de Justiça, que esta assistência recíproca deveria ter sido determinada ou, pelo menos, executada mediante instrumentos comunitários (18). Por outro lado, não podem acusar seriamente o Conselho de não lhes ter aplicado também as sanções previstas nos artigos 2.° e 3.° da referida posição comum. Assim, não se encontra de forma alguma demonstrado que o Conselho tenha cometido um desvio de procedimento com violação das competências da Comunidade, que permita defender, mesmo que isso fosse, em abstracto, concebível, a inoponibilidade aos recorrentes da incompetência da jurisdição comunitária.

49.      Considero, portanto, que o Tribunal de Justiça deve concentrar a sua atenção no fundamento de recurso constante dos n.os 33 a 44 das petições de recurso – referente à violação, por parte do Tribunal de Primeira Instância, do artigo 6.°, n.° 2, UE, da declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização e do oitavo considerando da Decisão 2003/48 – e na declaração de incompetência a que se refere. Em consequência, abster‑me‑ei doravante de qualquer outra consideração relativa às partes não impugnadas dos despachos do Tribunal de Primeira Instância, conforme resumidas no n.os 25 e 26 supra.

2.      Fundamentos aduzidos pelo Tribunal de Primeira Instância em apoio da declaração da sua incompetência

50.      O raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância para verificar a sua falta de competência para apreciar os pedidos de indemnização apresentados pelos recorrentes (19) articula‑se, no essencial, nas seguintes passagens:

1) os actos que teriam causado os prejuízos de que os recorrentes se queixam – isto é, a Posição Comum 2001/931 e as sucessivas posições comuns que a actualizaram, mantendo, porém, os nomes da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas – baseiam‑se, no que diz respeito aos recorrentes, no artigo 34.° UE e inserem‑se no âmbito do Título VI do Tratado da União Europeia, relativo à cooperação policial e judiciária em matéria penal (20);

2) as disposições do Tratado da União Europeia não prevêem uma acção da indemnização no âmbito do seu Titulo VI e a competência da jurisdição comunitária para conhecer de um recurso desse tipo não pode deduzir‑se do artigo 46.°, alínea d), UE (21);

3) os recorrentes encontram‑se «provavelmente» privados de um recurso jurisdicional efectivo contra a inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista em questão (22);

4) esta última circunstância, porém, não justifica, por si só, a competência da jurisdição comunitária quanto aos pedidos de indemnização dos recorrentes, uma vez que o sistema da União Europeia (a seguir «União») assenta no princípio das competências de atribuição, que resulta do artigo 5.° UE (23);

5) a declaração do Conselho relativa à indemnização dos danos também não é idónea para justificar a competência da jurisdição comunitária no caso concreto (24).

3.      Exame

51.      Segundo os recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar a sua incompetência para conhecer dos pedidos de indemnização dos danos que alegadamente lhes foram provocados pela inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas. No entender dos recorrentes, a competência do Tribunal de Primeira Instância resulta das disposições conjugadas do artigo 6.°, n.° 2, UE, da declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização e do oitavo considerando da Decisão 2003/48.

52.      Com este fundamento de recurso, os recorrentes não parecem contestar as considerações do Tribunal de Primeira Instância referidas nas alíneas 1), 2) e 3) do n.° 50 supra. As suas censuras parecem ter por objecto, no essencial, as considerações do Tribunal de Primeira Instância referidas no mesmo número, sob as alíneas 4) e 5).

53.      Porém, uma vez que está em discussão o tema da competência da jurisdição comunitária, que é uma questão de ordem pública que deve ser examinada à luz de qualquer elemento relevante e não só dos elementos avançados pelas partes, considero necessário analisar, não apenas as censuras em concreto feitas pelos recorrentes nos recursos, mas todo o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância para concluir pela declaração de incompetência impugnada e, portanto, também as considerações daquele Tribunal constantes das alíneas 1), 2) e 3) do n.° 50, não impugnadas pelos recorrentes.

a)      Quanto ao fundamento jurídico das medidas tomadas em relação aos recorrentes

54.      Relembro que a Posição Comum 2001/931 responde, como se retira do seu considerando 5, à necessidade de adoptar «medidas adicionais para dar execução à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança [...]», a qual exigia de todos os Estados uma série de comportamentos destinados a combater o terrorismo, entre os quais, em especial, que os mesmos se prestassem reciprocamente a maior assistência no âmbito dos inquéritos criminais e de outros procedimentos tendo por objecto o financiamento de actos terroristas ou o apoio a esses actos, incluindo a assistência destinada à obtenção dos elementos de prova na sua posse necessários ao procedimento.

55.      Neste sentido, pode considerar‑se que a Posição Comum 2001/931 é um acto que, quanto aos seus objectivos, se insere no quadro da política externa e de segurança comum prevista no Título V, do Tratado da União Europeia. Todavia, algumas das medidas previstas nesse acto, que dizem respeito às recorrentes Gestoras Pro Amnistía e Segi e que se encontram previstas no artigo 4.° (ou seja, a assistência recíproca entre os Estados‑Membros com vista à prevenção e ao combate aos actos terroristas, em especial no âmbito de inquéritos e acções penais promovidos contra os sujeitos enumerados na lista anexa), integram, enquanto instrumentos operacionais, o âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal prevista no Título VI do referido Tratado.

56.      A inscrição e a manutenção da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas eram funcionais à aplicação a essas organizações do artigo 4.° da Posição Comum 2001/931. Assim, partilho do entendimento do Tribunal de Primeira Instância recordado na alínea 1) do n.° 50 supra, segundo o qual os actos alegadamente lesivos da posição jurídica dos recorrentes têm o seu fundamento jurídico no artigo 34.° UE, constante do Título VI do Tratado da União Europeia.

57.      Por outro lado, sublinho que, embora nos termos do artigo 1.°, n.° 4, segundo período, da Posição Comum 2001/931, possam ser incluídos na lista em questão pessoas, grupos e entidades identificados pelo Conselho de Segurança como estando relacionados com terrorismo e contra quem este ordenou sanções, não é alegado nos presentes processos que a inscrição na referida lista da Gestoras Pro Amnistía e da Segi tenha sido feita na sequência da respectiva identificação por parte do Conselho de Segurança. Deve, portanto, considerar‑se que a mesma foi decidida de forma completamente autónoma, pelo Conselho, com base nas informações transmitidas por um ou mais Estados‑Membros, em aplicação dos critérios previstos no artigo 1.°, n.° 4, primeiro período, da Posição Comum 2001/931. Mais genericamente, cabe salientar que o artigo 1.° deste acto não constitui a transposição de disposições análogas contidas na Resolução 1373 (2001), mas é fruto de uma determinação autónoma do Conselho.

b)      Quanto à falta de previsão, no Tratado UE, de uma acção de indemnização e da competência do Tribunal de Justiça para esse efeito no sector da cooperação policial e judiciária em matéria penal.

58.      Partilho também do entendimento do Tribunal de Primeira Instância recordado na alínea 2) do n.° 50 supra, não sem formular, porém, algumas precisões que me parecem oportunas.

59.      A este propósito, observe‑se que o artigo 46.° UE estabelece, de forma taxativa (como resulta da utilização do termo «apenas»), as competências do Tribunal de Justiça nos sectores de actividade da União disciplinados pelo Tratado da União Europeia. No que diz respeito às disposições do Título VI do Tratado, o artigo 46.°, alínea b), prevê que «as disposições do Tratado [CE], do Tratado [CA] e do Tratado [EA] relativas à competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e ao exercício dessa competência apenas serão aplicáveis» «nas condições previstas no artigo 35.° [UE]».

60.      Dispõe o artigo 35.° UE:

«1. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente, sob reserva das condições constantes do presente artigo, para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação das decisões‑quadro e das decisões, sobre a interpretação das convenções estabelecidas ao abrigo do presente Título e sobre a validade e a interpretação das respectivas medidas de aplicação.

2. Mediante declaração feita no momento da assinatura do Tratado de Amesterdão, ou posteriormente, a todo o tempo, qualquer Estado‑Membro pode aceitar a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial, nos termos do n.° 1.

3. Qualquer Estado‑Membro que apresente uma declaração nos termos do n.° 2 deve especificar que:

a) Qualquer órgão jurisdicional desse Estado cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse órgão jurisdicional relativa à validade ou interpretação de um acto a que se refere o n.° 1, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, ou que

b) Qualquer órgão jurisdicional desse Estado pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse órgão jurisdicional relativa à validade ou interpretação de um acto a que se refere o n.° 1, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.

4. Qualquer Estado‑Membro, quer tenha ou não feito uma declaração nos termos do n.° 2, tem o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas nos casos previstos no n.° 1.

5. O Tribunal de Justiça não é competente para fiscalizar a validade ou a proporcionalidade de operações efectuadas pelos serviços de polícia ou outros serviços responsáveis pela aplicação da lei num Estado‑Membro, ou o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna.

6. O Tribunal de Justiça é competente para fiscalizar a legalidade das decisões‑quadro e das decisões no âmbito dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado‑Membro ou pela Comissão. Os recursos previstos no presente número devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar da publicação do acto.

7. O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre qualquer litígio entre Estados‑Membros decorrente da interpretação ou da execução dos actos adoptados em aplicação do n.° 2 do artigo 34.°, sempre que o diferendo não possa ser resolvido pelo Conselho no prazo de seis meses a contar da data em que lhe tenha sido submetido por um dos seus membros. O Tribunal de Justiça é igualmente competente para decidir sobre qualquer litígio entre os Estados‑Membros e a Comissão decorrente da interpretação ou da aplicação das convenções elaboradas ao abrigo do n.° 2, alínea d), do artigo 34.°».

61.      O artigo 35.° UE não contempla, portanto, uma acção destinada a obter a indemnização dos danos causados pela actuação da União no sector da cooperação policial e judiciária em matéria penal.

62.      Por outro lado, importa desde já precisar que, em meu entender, as disposições conjugadas dos artigos 46.°, alínea b), UE e 35.° UE, embora apontem no sentido de excluir a competência da jurisdição comunitária para eventuais acções destinadas a obter a indemnização dos danos causados pela actuação da União no sector da cooperação policial e judiciária em matéria penal, não excluem, apesar disso, de uma forma geral, a propositura de acções similares em sede judicial. O Tratado da União Europeia não refere este tipo de acções, mas também não as exclui. Voltarei a este ponto mais à frente.

63.      Compartilho, também, do entendimento do Tribunal de Primeira Instância no sentido de que o artigo 46.°, alínea d), UE, não atribui uma competência suplementar à jurisdição comunitária (25).

64.      De facto, ao prever que «as disposições do Tratado [CE], do Tratado [CA] e do Tratado [EA] relativas à competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e ao exercício dessa competência apenas serão aplicáveis» ao «[artigo 6.°, n.° 2, UE] no que respeita à acção das instituições, na medida em que o Tribunal de Justiça seja competente nos termos dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias e nos termos do presente Tratado», o artigo 46.°, alínea d), UE, inserido no Tratado da União Europeia pelo Tratado de Amesterdão, mais não faz do que clarificar que a jurisdição comunitária pode fiscalizar a conformidade dos actos das instituições com os direitos fundamentais reconhecidos pela União como «princípios gerais do direito comunitário» no âmbito em que a referida jurisdição tem, ao abrigo de outro título, competência para intervir. Temos, portanto, que, a referida disposição não cria uma competência específica da jurisdição comunitária ou um tipo específico de acção destinado a invocar a violação dos direitos fundamentais, idêntico ao Verfassungsbeschwerde do direito alemão ou ao recurso de amparo do direito espanhol (26).

65.      Por outro lado e noutra perspectiva, observe‑se que, nos termos do artigo 46.°, alínea f), UE, a jurisdição comunitária é competente para interpretar e aplicar este mesmo artigo 46.° UE, relativo às competências do Tribunal de Justiça. Na medida em que é competente para tal nos termos do Tratado UE, e para efeitos do exercício dessa competência, a jurisdição comunitária também está habilitada a interpretar e aplicar o artigo 6.°, n.° 2, UE, no que diz respeito à actividade das instituições, de acordo com o artigo 46.°, alínea d), UE.

66.      Além disso, considero que, no exercício da referida competência, assente no artigo 46.°, alínea f), UE, não é vedado à jurisdição comunitária ter também em conta outras disposições do Tratado da União Europeia, ainda que não mencionadas no artigo 46.° UE. A este respeito, sublinhe‑se que, segundo o artigo 31.°, n.° 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena em 23 de Maio de 1969 (a seguir «Convenção de Viena»), na interpretação de um tratado e dos seus termos, deve ser considerado «o seu contexto», o qual compreende, entre outras coisas, o «texto» do Tratado, «preâmbulo e anexos incluídos». Assim, nada impede o Tribunal de Justiça de considerar, no âmbito dos presentes recursos e para efeitos da apreciação da competência da jurisdição comunitária quanto a acções de indemnização propostas pelos recorrentes, em especial, o preâmbulo e as «Disposições comuns» constantes do Título I do Tratado UE, entre as quais, por exemplo, o artigo 5.° UE, que o próprio Tribunal de Primeira Instância pronunciou nos despachos recorridos, ou o artigo 6.°, n.° 1, UE.

c)      Quanto à falta de idoneidade da declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização para fundamentar a competência da jurisdição comunitária para conhecer das acções de indemnização dos recorrentes

67.      Além disso, parece‑me ser indiscutivelmente correcta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, referida na alínea 5) do n.° 50 supra, relativa à falta de idoneidade da declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização para fundamentar a competência da jurisdição comunitária para conhecer das acções de indemnização dos recorrentes (27).

68.      Em primeiro lugar, essa declaração de forma alguma sugere que a indemnização dos danos derivados de erro sobre as pessoas, grupos ou entidades inseridas na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas deva ser requerida através de uma acção perante a jurisdição comunitária.

69.      Por outro lado, uma acção desse género perante a jurisdição comunitária é excluída pelas normas do Tratado da União Europeia, as quais não podem, evidentemente, ser derrogadas ou modificadas por uma declaração inscrita na acta de aprovação de um acto de direito secundário como uma posição comum.

70.      Não obstante, reservo‑me a possibilidade de dizer mais à frente em que sentido a declaração invocada pelos recorrentes não é, em minha opinião, completamente destituída de significado.

d)      Quanto à alegada falta de tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos recorrentes

71.      Em contrapartida, considero injustificada, ainda que não surpreendente, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, expressa em termos curiosamente hesitantes (28), segundo a qual os recorrentes não teriam ao seu dispor qualquer tutela jurisdicional contra a inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas.

72.      Antes de expor as razões que me levam a considerar injustificada essa apreciação, importa salientar a gravidade das suas consequências.

i)      As consequências da constatação da falta de tutela jurisdicional dos direitos dos recorrentes

73.      Importa recordar que, segundo o artigo 6.°, n.° 1, UE, na versão resultante do Tratado de Amesterdão, «a União assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios que são comuns aos Estados‑Membros».

74.      O artigo 6.°, n.° 2, UE, consagrando numa norma de direito primário e estendendo a todos os âmbitos de acção da União um princípio consolidado na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação do Tratado CE, refere que «a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

75.      A importância primordial atribuída, nos Tratados UE e CE, na versão resultante do Tratado de Amesterdão, ao princípio do Estado de direito e à tutela dos direitos fundamentais (29), ampla e diversificadamente reconhecida na doutrina, emerge igualmente de outras disposições do próprio Tratado: do artigo 7.°, que prevê um processo de verificação, por parte do Conselho, da existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, de algum dos princípios enunciados no n.° 1 do artigo 6.° UE, com possibilidade de suspensão dos direitos decorrentes da aplicação do Tratado ao Estado‑Membro em causa; do artigo 49.° UE, que subordina a adesão de novos Estados à União ao respeito, por parte dos mesmos, dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, UE; e do artigo 11.°, n.° 1, UE, que faz do «desenvolvimento e [d]o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como [do] respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais» um dos objectivos da política externa de segurança comum, objectivo esse para o qual, de acordo com o artigo 177.°, n.° 2, CE e do artigo 181.°‑A, n.° 1, CE, são também chamadas a contribuir as políticas da Comunidade nos sectores da cooperação para o desenvolvimento e da cooperação económica, financeira e técnica com países terceiros.

76.      Por outro lado, importa referir a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada solenemente em 7 de Dezembro de 2000, em Nice, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão, depois de ter sido aprovada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados‑Membros (a seguir «Carta»). Se é verdade que a Carta não constitui um instrumento jurídico vinculativo, o seu objectivo principal, como resulta do seu preâmbulo, é o de reafirmar «os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados‑Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da [CEDH], das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça [...] e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» (30).

77.      No que diz respeito ao princípio do Estado de direito, relembramos que o Tribunal de Justiça já estabeleceu como corolário, em relação à Comunidade Europeia e ao qualificá‑la como «comunidade de direito», a sujeição dos Estados‑Membros e das instituições ao controlo da conformidade dos seus actos com o Tratado e com os princípios gerais de direito, nos quais se integram os direitos fundamentais (31). Da mesma forma, deve considerar‑se que se a União se funda no princípio do Estado de direito (artigo 6.°, n.° 1, UE), as suas instituições e os Estados‑Membros que a compõem, mesmo quando agem com base nos Títulos V e VI do Tratado UE, não se encontram subtraídos ao controlo da conformidade dos seus actos com referido Tratado, nomeadamente com o artigo 6.°, n.° 2, do mesmo.

78.      No tocante à protecção dos direitos fundamentais, enquanto parte integrante dos princípios gerais de direito, é sabido que o Tribunal de Justiça garante a sua observância inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e nas indicações fornecidas pelos tratados internacionais relativos à protecção dos direitos do Homem aos quais os Estados‑Membros tenham aderido, nomeadamente a CEDH que, de acordo com Tribunal de Justiça, reveste, a este propósito, um «significado particular». Como o Tribunal de Justiça já referiu, daqui resulta que na Comunidade não podem ser admitidas medidas incompatíveis com o respeito dos direitos do Homem, dessa forma reconhecidos e garantidos, os quais constituem, assim, um requisito de legalidade dos actos comunitários (32). Como é evidente, idênticas considerações se aplicam, em face do disposto no artigo 6.°, n.° 2, UE, e da sua colocação no âmbito das «Disposições comuns» constantes do Título I do Tratado UE, às medidas pelas quais se exterioriza a acção da União nos sectores da política externa e de segurança comum (denominada «segundo pilar») e da cooperação policial e judiciária em matéria penal (denominado «terceiro pilar»).

79.      O respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e do princípio do Estado de direito apresentam, assim, uma dimensão «interna», enquanto valor fundador da União e parâmetro de avaliação da legalidade da acção das suas instituições e dos Estados‑Membros nas matérias da competência da União, e uma dimensão «externa», enquanto valor a «exportar», através dos instrumentos de persuasão, de incentivo e de negociação, para fora das fronteiras da União.

80.      Ora, o Tribunal de Justiça já salientou que o direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos, invocado no caso concreto pelos recorrentes, faz parte dos princípios jurídicos gerais que resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que este direito também está consagrado nos artigos 6.°, n.° 1 e 13.° da CEDH (33). Acrescente‑se que o referido direito também se encontra reconhecido nos artigos 8.° e 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas com a Resolução 217 A (III) de 10 de Dezembro de 1948, bem como nos artigos 2.°, n.° 3, e 14.°, n.° 1, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adoptado em 19 de Dezembro de 1966 e que entrou em vigor em 23 de Março de 1976 (34). A própria Carta o contempla no seu artigos 47.°

81.      É oportuno sublinhar que a invocação, no caso concreto, do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva assume particular importância na medida em que a tutela em questão tem por objecto, por sua vez, direitos fundamentais reconhecidos e tutelados pelo direito da União. De facto, nas suas acções para o Tribunal de Primeira Instância, os recorrentes alegaram, com argumentos não indefensáveis, que a inscrição que contestam na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas era lesiva de verdadeiros direitos fundamentais das organizações Gestoras Pro Amnistía e Segi e/ou dos seus porta‑vozes, como a presunção de inocência (artigo 6.°, n.° 2, da CEDH e artigo 48.°, n.° 1, da Carta), a liberdade de expressão (artigo 10.° da CEDH e artigo 11.° da Carta), a liberdade de associação (artigo 11.° da CEDH e artigo 12.° da Carta) e o direito ao respeito da vida privada (artigo 8.° da CEDH e artigo 7.° da Carta) (35).

82.      Assim sendo, admitir, como o Tribunal de Primeira Instância se sentiu na obrigação de fazer nos despachos recorridos, que os recorrentes estão privados de tutela jurisdicional efectiva contra a referida inscrição, significa reconhecer que, no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, podem ocorrer situações em que, faltando a tutela jurisdicional, a actuação da União pode, efectivamente, violar impunemente todos os outros direitos e liberdades fundamentais que a própria União diz respeitar.

83.      Por outro lado, se é verdade que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o denominado direito ao juiz não é absoluto, podendo ser objecto de limitações, importa recordar que essas limitações só são admissíveis, de acordo com o mesmo Tribunal, quando visem um fim legítimo e na condição de serem proporcionais em relação a esse fim e de não restringirem o acesso ao juiz concedido ao particular de uma forma que prejudique a essência do próprio direito (36). Ora, não me parece que respeite essa exigência a ausência total de tutela jurisdicional dos direitos dos recorrentes como a que foi constatada pelo Tribunal de Primeira Instância, resultante, não de uma regulamentação específica destinada a limitar o acesso ao juiz para prosseguir um determinado fim, mas da não instituição de meios de recurso adequados no âmbito de todo um sector de actividade da União.

84.      De resto, cabe recordar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem salientou que o artigo 1.° da CEDH, de acordo com o qual os Estados contratantes «reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I» da CEDH, não faz qualquer distinção quanto ao tipo de normas ou de medidas em questão e não subtrai nenhuma parte da «jurisdição» dos referidos Estados da aplicação da CEDH (37).

85.      Se num caso como o dos recorrentes, faltasse realmente uma tutela jurisdicional efectiva, estaríamos então na presença, por um lado, de uma gravíssima e flagrante incoerência do sistema no plano interno da União; por outro, de uma situação que, no plano externo, sujeitaria os Estados‑Membros da União a uma censura por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e enfraqueceria, para além da imagem e da identidade da União no plano internacional (38), a sua própria posição negocial perante os países terceiros, com o risco teórico de estes accionarem as cláusulas relativas ao respeito dos direitos do Homem (denominadas «cláusulas de condição») cuja inserção nos acordos internacionais por si estipulados a própria União impõe com muita frequência (39).

86.      Em especial, na perspectiva do cumprimento, por parte dos Estados‑Membros, das obrigações assumidas com a adesão à CEDH, salientamos, no entanto, que seria de todo improvável que o Tribunal dos Direitos do Homem estendesse ao terceiro pilar da União a presunção de equivalência na protecção dos direitos fundamentais que a mesma estabeleceu entre a CEDH e o ordenamento comunitário, ou seja, o «primeiro pilar» da própria União, que leva aquele Tribunal a efectuar um controlo apenas «marginal» da conformidade à CEDH dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade (40). Pelo contrário, parece muito provável que, no âmbito de um controlo pleno da conformidade dos actos adoptados pelas instituições em execução do Título VI do Tratado UE com a CEDH, o Tribunal dos Direitos do Homem acabe, no futuro, por declarar a violação de disposições dessa convenção, pelo menos dos artigos 6.°, n.° 1, e/ou 13.°, por parte dos Estados‑Membros da União.

87.      A propósito das relações com a CEDH, é necessário desenvolver mais dois aspectos.

88.      Em primeiro lugar, considero que, na perspectiva que acabamos de expor, a decisão tomada, em aplicação do artigo 34.° CEDH, pelo Tribunal dos Direitos do Homem no tocante às acções interpostas perante si pelos mesmos recorrentes (v. n.° 14 supra), não serve para encorajar nem tão‑pouco para excluir que, no caso concreto, do ponto de vista do direito da União, se tenha verificado uma lesão do direito dos recorrentes a uma tutela jurisdicional efectiva. Trata‑se, efectivamente, de uma decisão de inadmissibilidade e não de mérito, assente na exclusão em relação aos recorrentes, à luz das características específicas do caso concreto, da qualidade de «vítima» na acepção do artigo 34.° da CEDH, a qual, sendo uma disposição de carácter meramente processual e específica da CEDH, não pode, em meu entender, relevar no contexto da protecção dos direitos fundamentais no âmbito da União (41).

89.      Em segundo lugar, seria pouco pertinente salientar que, uma vez que, quanto aos actos adoptados pelas instituições no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, existe de qualquer modo a possibilidade de alegar a violação dos direitos fundamentais perante o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não existe um vazio de tutela desses direitos no referido âmbito.

90.      Acrescente‑se, por outro lado, que se o Tribunal de Justiça confirmasse essa ausência de tutela dos direitos fundamentais no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, os órgãos jurisdicionais nacionais dos diversos Estados‑Membros sentir‑se‑iam legitimados a efectuar eles próprios, no caso de tal lhes ser requerido, um controlo de conformidade dos actos adoptados pelo Conselho ao abrigo do artigo 34.° UE (42) com os direitos fundamentais tal como tutelados, de forma não necessariamente coincidente, nos respectivos ordenamentos nacionais. A igualdade dos cidadãos da União perante a lei ficaria prejudicada. A teoria dos denominados «controlimiti» de direito interno, afirmada na jurisprudência constitucional de diversos Estados‑Membros como um obstáculo ao exercício por parte das instituições das porções de soberania transferidas para a Comunidade (43), encontraria no terceiro pilar da União um âmbito de aplicação bem mais concreta do que aquela que teve em relação à actuação da Comunidade.

ii)    Os recorrentes não estão privados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos

91.      Realçadas as sérias consequências de uma verificação, como a que foi efectuada no n.° 38 dos despachos recorridos, da falta de tutela jurisdicional dos direitos (fundamentais) invocados pelos recorrentes, parece ainda mais evidente a necessidade de interpretar, na medida do possível, o Tratado UE de modo a assegurar a referida tutela no interior do sistema instituído por esse Tratado (44).

–       Insuficiência, para efeitos de uma tutela jurisdicional dos direitos dos recorrentes, de vias de recurso contra as medidas nacionais de execução do artigo 4.° da Posição Comum 2001/931 e do reenvio prejudicial de apreciação da validade previsto no artigo 35.°, n.° 1, UE

92.      Importa ter presente que, conforme foi salientado pelo Tribunal de Primeira Instância (45), os recorrentes alegam, no caso concreto, pedindo a sua reparação, uma lesão dos seus direitos (fundamentais) resultante, não tanto da sua sujeição às medidas previstas no artigo 4.° da Posição Comum 2001/2003, mas directamente da inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas. Assim, o dano de que se queixam não deriva da efectiva adopção de medidas nacionais de execução do referido artigo.

93.      Assim, andou bem o Tribunal de Primeira Instância ao realçar que a tutela desses direitos não pode resultar da possibilidade de accionar a responsabilidade (extracontratual) de cada um dos Estados‑Membros pelos actos nacionais adoptados em execução do artigo 4.° da Posição Comum 2001/931 (46).

94.      Aquele Tribunal considerou, seguidamente, que a competência prejudicial de apreciação da validade do Tribunal de Justiça prevista no artigo 35.°, n.° 1, UE também não é adequada para garantir essa tutela. Compartilho desse entendimento, mesmo para lá da razão exposta nos despachos recorridos, segundo os quais a referida competência não diz respeito às posições comuns mas apenas às decisões‑quadro e às decisões (47), e da eventual possibilidade de requalificar como decisão, com base na substância do acto, a Posição Comum 2001/931.

95.      Sublinhe‑se antes que o reenvio prejudicial, mesmo o de apreciação da validade, não constitui propriamente um meio de recurso, mas sim um instrumento de colaboração entre órgãos jurisdicionais nacionais e a jurisdição comunitária no âmbito de um meio de recurso exercido perante os órgãos jurisdicionais nacionais. A hipótese típica é a de suscitar um reenvio prejudicial de apreciação da validade no âmbito de um recurso de anulação interposto em sede nacional contra medidas de execução do acto cuja validade é contestada. Ora, parece‑me muito difícil que, numa situação como o caso em apreço, possa ser accionada a competência prejudicial de apreciação da validade do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 35.°, n.° 1, UE, no âmbito de uma acção através da qual se contestam eventuais medidas de execução do artigo 4.° da Posição Comum 2001/931. De facto, este último artigo não confere aos Estados‑Membros nem aos seus órgãos poderes novos, limitando‑se a encorajar ou, no máximo, a obrigar, os Estados‑Membros e os seus órgãos a fazer uso «[d]as suas actuais competências nos termos de actos da União Europeia e de outros acordos, convénios e convenções internacionais vinculativos para os Estados‑Membros». Estes poderes podiam e podem ser exercidos pelos sujeitos inscritos na lista anexa à Posição Comum 2001/931, mesmo na falta desta (48). Porém, não percebemos como é que a questão da legalidade da inscrição de um determinado sujeito na referida lista pode ser relevante para efeitos da apreciação, por parte de um órgão jurisdicional nacional, da legalidade de medidas do tipo das previstas no referido artigo 4.°

96.      De todo o modo, o exercício da competência prejudicial de apreciação da validade poderia, no máximo, resultar numa declaração de invalidade da Posição Comum 2001/931 ou das inscrições em discussão, mas não na reparação dos danos que daí tivessem eventualmente resultado. Ora, a possibilidade de obter a indemnização dos danos sofridos em consequência da violação de um direito, no caso de a simples constatação dessa violação ou a declaração de invalidade do acto lesivo não ser suficiente para dar uma adequada satisfação ao direito violado, parece‑me fazer parte de uma tutela jurisdicional do próprio direito que se pretende efectiva (49).

97.      Ora, a indemnização dos danos alegadamente sofridos constitui precisamente o objecto da acção interposta pelos recorrentes perante o Tribunal de Primeira Instância.

–       A tutela jurisdicional dos direitos dos recorrentes é atribuída aos órgãos jurisdicionais nacionais

98.      Não obstante o facto de as disposições do Tratado UE não contemplarem uma acção de indemnização dos danos eventualmente provocados por actos adoptados pelo Conselho com base no artigo 34.° UE, e excluírem que o órgão jurisdicional nacional possa conhecer dessa acção, não referida no artigo 35.° UE, isso não significa, em meu entender, que os recorrentes estejam, no caso concreto, privados de tutela jurisdicional efectiva dos direitos (fundamentais) que invocam.

99.      Considero, pelo contrário, que uma correcta interpretação do Tratado da União Europeia vai no sentido da existência de uma tutela deste tipo, a qual, porém, no estado actual do direito da União, está atribuída, não à jurisdição comunitária, mas sim ao juiz nacional.

100. Refira‑se que, com base no regime previsto no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, ainda não ratificado por todos os Estados‑Membros, num caso como este o particular teria a possibilidade de intentar na jurisdição comunitária tanto um recurso de anulação (artigo III‑365.°, aplicável também aos actos da União adoptados no sector da cooperação policial e judiciária em matéria penal) (50), como uma acção de indemnização por danos contra a União (artigos III‑370.° e III‑431.°, segundo parágrafo).

101. Como dissemos, a União assenta, entre outros, no princípio do Estado de direito e no respeito dos direitos fundamentais. O Estado de direito não é tanto o que assenta em regras e na proclamação de direitos, mas o que se funda em mecanismos que permitem fazer respeitar regras e direitos (ubi ius ibi remedium). O «direito de recurso aos tribunais é inerente ao Estado de direito» (51) é um «corolário», «uma conquista e um instrumento» (52). O particular vê ser‑lhe reconhecido pelo direito da União, agora de forma expressa (artigo 6.°, n.° 2, UE), um conjunto de direitos fundamentais que, como resulta do artigo 46.°, alínea d), EU, podem ser invocados em tribunal, como parâmetros de legalidade dos actos da União.

102. O ponto de partida a considerar é, portanto, aquele segundo o qual, por força do artigo 6.°, n.os 1 e 2, UE, a União admite a fiscalização jurisdicional da legalidade da actuação das suas instituições e garante a tutela jurisdicional dos direitos, especialmente dos que são qualificados como fundamentais.

103. Nenhuma disposição do Tratado UE pode ser invocada em sentido contrário para afirmar, em especial, que os seus autores tiveram a intenção de excluir essa fiscalização e essa tutela do âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, em que a acção da União pode, mais facilmente do que noutros sectores da sua competência, incidir negativamente sobre os direitos e liberdades fundamentais dos particulares e é posta em prática com um envolvimento muito limitado do Parlamento Europeu (53).

104. De facto, o artigo 46.° UE, apenas diz respeito e delimita as competências da jurisdição comunitária. De resto, nenhuma disposição do Tratado UE atribui a esta jurisdição o poder de apreciar a legalidade dos actos através dos quais se efectiva a acção da União. Pelo contrário, resulta do princípio das competências de atribuição, que também encontra expressão no Tratado UE (artigo 5.°), que o exercício dos poderes soberanos de que os Estados‑Membros são titulares, incluindo, assim, o poder judicial, está reservado aos mesmos, e, portanto, aos seus órgãos, quando não tais poderes sejam atribuídos às instituições da União.

105. A competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para fiscalizar a legalidade dos actos adoptados pelo Conselho com base no artigo 34.° UE, que encontra o seu óbvio limite no respeito das competências atribuídas ao Tribunal de Justiça, assenta, para além dos princípios, em que se funda a União, do Estado de direito e do respeito pelos direitos fundamentais (artigo 6.°, n.os 1 e 2, UE), entre os quais o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, no princípio da cooperação leal.

106. O Tribunal de Justiça já confirmou que o princípio da cooperação leal também se impõe no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, implicando que os Estados‑Membros adoptem todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar a execução das suas obrigações derivadas do direito da União (54).

107. Daqui resulta, nomeadamente, que também no âmbito do terceiro pilar da União compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de procedimentos destinado a garantir o respeito do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (55) e aos seus órgãos jurisdicionais interpretar e aplicar as normas processuais nacionais que regulam a propositura de acções por forma a garantir essa tutela.

108. Ainda que de forma indirecta, é possível encontrar na disciplina da competência prejudicial atribuída ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 35.° UE importantes elementos que confirmam a sujeição dos actos adoptados pelo Conselho por força do artigo 34.° UE à fiscalização jurisdicional por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais, por iniciativa dos particulares.

109. Ao prever, no seu n.° 1, uma competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar a título prejudicial, nomeadamente, sobre a validade das decisões‑quadro e das decisões, o artigo 35.° confirma sobretudo que estes actos não se encontram subtraídos a uma fiscalização jurisdicional por iniciativa dos particulares.

110. Além disso, o artigo 35.°, n.° 1, UE, mostra que os juízes nacionais actuam, em certa medida, também no âmbito do terceiro pilar da União, como no âmbito do primeiro pilar, «como órgãos jurisdicionais de direito comum» da própria União. Ao pedir ao Tribunal de Justiça indicações quanto à interpretação a dar às decisões‑quadro e às decisões, estão em melhores condições para assegurar, por exemplo, a interpretação conforme do direito nacional (56) relativamente a esses actos. Submetendo ao Tribunal de Justiça questões de validade desses mesmos actos, os órgãos jurisdicionais nacionais podem assegurar mais eficazmente que os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União, que os particulares podem invocar directamente em juízo, sejam respeitados pela acção da União no sector da cooperação policial e judiciária em matéria penal.

111. Também no âmbito do terceiro pilar da União, como no ordenamento da Comunidade, o Tribunal de Justiça move‑se num contexto no qual as instituições da União coexistem não só com os Estados‑Membros, mas também com os órgãos desses Estados. Entre estes órgãos, também os órgãos jurisdicionais contribuem para a realização do direito da União. Assim, no âmbito do terceiro pilar, o sistema jurisdicional da União também não é constituído apenas por vias de recurso passíveis de ser exercidas perante o Tribunal de Justiça, mas também perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

112. É certo que com o artigo 35.° UE os autores do Tratado de Amesterdão procederam a uma significativa extensão, relativamente à situação resultante do Tratado de Maastricht, das competências do Tribunal de Justiça no que respeita à cooperação policial e judiciária em matéria penal. Porém, as disposições desse artigo relativas à competência prejudicial do Tribunal de Justiça estão concebidas de forma a circunscrever significativamente essa competência. De resto, é sabido que as mesmas foram moldadas, no essencial, com base nas normas definidas entre os Estados‑Membros, depois de difícil negociação, no tocante à convenção Europol (57) e às quais foi dada execução no protocolo relativo à interpretação, a título prejudicial, daquela convenção pelo Tribunal de Justiça (58) e constituem uma solução de compromisso perante a oposição de alguns Estados‑Membros quanto a uma extensão da intervenção da jurisdição comunitária na matéria em análise.

113. Temos, portanto, que, a competência prejudicial do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 35.°, n.° 1, UE, é opcional para os Estados‑Membros. De facto, de acordo com o artigo 35.°, n.° 2, UE, podem aceitá‑la ou não (sistema «opt‑in»). Com base numa informação do Conselho publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 14 de Dezembro de 2005 (59), nessa data apenas 14 Estados‑Membros tinham declarado aceitar a referida competência. Naturalmente, a falta de aceitação por parte dos outros Estados‑Membros não impede os órgãos jurisdicionais dos Estados aceitantes de apresentar pedidos prejudiciais ao Tribunal de Justiça, nem este de se pronunciar sobres tais pedidos.

114. Se se devesse entender que os sujeitos afectados pelas medidas de execução de decisões‑quadro ou de decisões nos termos do artigo 34.° UE adoptadas por Estados que não aceitaram a competência prejudicial do Tribunal de Justiça estão privados da possibilidade de contestar perante os órgãos jurisdicionais desses Estados a validade de tais actos do Conselho, estaríamos perante uma intolerável desigualdade entre pessoas visadas por um mesmo acto nos termos do artigo 34.° CE, as quais disporiam ou não de tutela jurisdicional contra o mesmo acto em função da opção efectuada pelo próprio Estado ao abrigo do artigo 35.°, n.° 2, UE.

115. Uma leitura do artigo 35.°, n.os 1 e 2, UE, que respeite, para além do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, os princípios da igualdade perante a lei (v. artigo 20.° da Carta) e da não discriminação com base na nacionalidade (v. artigo 21.°, n.° 2, da Carta), sem com isto trair o sentido literal das disposições em causa, exige que se admita que também nos Estados que não aceitaram a competência prejudicial do Tribunal de Justiça os particulares possam contestar em juízo a validade das decisões‑quadro e das decisões em que se baseiam as medidas nacionais cuja anulação requerem ao órgão jurisdicional nacional. Neste caso, uma decisão, no sentido da validade ou da invalidade do acto do Conselho deve poder ser tomada, não existindo possibilidade de reenvio prejudicial, pelo próprio órgão jurisdicional nacional.

116. Além disso, resulta do artigo 35.°, n.° 3, UE, que a competência prejudicial do Tribunal de Justiça, mesmo a de apreciação da validade, é, do ponto de vista do direito da União, simplesmente facultativa para os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados que a aceitaram. Quer os Estados‑Membros indiquem, ao fazer a declaração prevista no n.° 2, pretender reservar aos órgãos jurisdicionais de última instância a possibilidade de efectuar um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça [artigo 35.°, n.° 3, alínea a)], quer indiquem pretender conceder essa possibilidade a qualquer dos seus órgãos jurisdicionais [artigo 35.°, n.° 3, alínea b)], o reenvio é sempre, de acordo com o artigo 35.°, n.° 3, UE, uma faculdade e não uma obrigação («pode pedir») para o órgão jurisdicional, qualquer que seja o grau, que repute necessária, para proferir o seu acórdão, uma decisão sobre a validade ou a interpretação de uma decisão‑quadro ou de uma decisão. De resto, o carácter facultativo do reenvio, mesmo para os órgãos jurisdicionais de última instância, explica‑se pela exigência de rapidez na decisão dos litígios que possam surgir na matéria em análise.

117. É verdade que, com base na declaração n.° 10 sobre o artigo 35.° UE, anexa à Acta Final da Conferência Intergovernamental de Amesterdão, os Estados‑Membros, ao efectuarem a declaração nos termos do artigo 35.°, n.° 2, UE, podem reservar‑se o direito de prever nas suas legislações nacionais que o reenvio prejudicial de apreciação da validade ou de interpretação seja obrigatório para as jurisdições de última instância. Porém, essa obrigação não emerge do direito da União, mas sim do direito interno do Estado‑Membro.

118. Assim, se, do ponto de vista do direito da União, o reenvio prejudicial de apreciação da validade é facultativo, mesmo para um órgão jurisdicional de última instância, quando o mesmo considere necessária, para resolver o litígio que lhe foi submetido, uma apreciação sobre a validade de uma decisão‑quadro ou de uma decisão do Conselho, daqui resulta que, de acordo com aquele direito, essa apreciação também pode ser feita directamente por aquele órgão jurisdicional, sem prévio reenvio ao Tribunal de Justiça.

119. Da mesma forma, parece‑me que se deve considerar que a possibilidade de um Estado‑Membro, com base no artigo 35.°, n.° 3, alínea a), UE, reservar às jurisdições de última instância o reenvio prejudicial implica que as jurisdições de grau inferior, quando considerem necessária uma apreciação sobre a validade de uma decisão‑quadro ou de uma decisão do Conselho, podem elas próprias efectuá‑la. De facto, não parece sensato considerar que os particulares estejam obrigadas a esperar, inutilmente, um ou mais graus de jurisdição antes de poderem suscitar uma questão de validade.

120. Naturalmente, a apreciação de validade ou de invalidade efectuada directamente pelo órgão jurisdicional nacional só terá eficácia no âmbito do processo nacional e não erga omnes.

121. Aliás, não vejo razões imperiosas para excluir que os órgãos jurisdicionais nacionais disponham do poder de declarar a invalidade de decisões‑quadro ou de decisões nos termos do artigo 34.° UE. É verdade que, com base no artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça, no acórdão Foto‑Frost (60), enunciou a regra segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais não são competentes para declarar directamente a invalidade dos actos das instituições comunitárias. No entanto, não se afigura que essa regra (a seguir «regra Foto‑Frost»), que no âmbito do artigo 234.° CE, também se aplica aos órgãos jurisdicionais que não sejam de última instância – os quais, segundo esse artigo, têm a faculdade e não a obrigação de reenvio – se imponha no âmbito do Título VI do Tratado da União Europeia.

122. A este respeito, assinale‑se que os dois pressupostos nos quais o Tribunal de Justiça baseou, no acórdão Foto‑Frost, a sua interpretação quanto ao carácter exclusivo da competência da jurisdição comunitária para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias não se verificam no âmbito do Título VI do Tratado da União Europeia.

123. Em primeiro lugar, não se pode afirmar – como o Tribunal de Justiça fez quanto aos artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e ao artigo 234.° CE, por outro, e em relação aos actos das instituições da Comunidade (61) – que o Título VI do Tratado da União Europeia tenha instituído um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinados a confiar ao Tribunal de Justiça o controlo da legalidade dos actos do Conselho previstos no artigo 34.° UE. De facto, é evidente que as únicas competências atribuídas ao Tribunal de Justiça pelo artigo 35.° UE não configuram um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos aptos a garantir o controlo da legalidade desses actos; para demonstrá‑lo, basta a inexistência de reenvio prejudicial de apreciação da validade nos Estados‑Membros que não efectuaram uma declaração nos termos do artigo 35.°, n.° 2, UE, tendo em conta o facto de não estar previsto qualquer recurso directo para o Tribunal de Justiça passível de ser exercido pelos particulares contra esses actos.

124. Aliás, o próprio Tribunal de Justiça, no n.° 35 do acórdão Pupino (62), salientou que as suas competências «por força do artigo 35.° UE, [são] menos amplas no âmbito do título VI do Tratado da União Europeia do que ao abrigo do Tratado CE».

125. Acrescente‑se, para completar a citação, que, também no n.° 35 desse acórdão, o Tribunal de Justiça salientou, ao mesmo tempo, que «não exist[e] um sistema completo de recursos e procedimentos destinados a assegurar a legalidade dos actos das instituições no âmbito do referido título VI». Contudo, estas observações devem ser lidas no contexto do raciocínio em que o Tribunal de Justiça as desenvolveu. O Tribunal respondia aos argumentos perante ele avançados por alguns Estados‑Membros que retiravam do menor grau de integração que caracteriza a cooperação policial e judiciária em matéria penal em relação à acção da Comunidade a impossibilidade de reconhecer a uma decisão‑quadro nos termos do artigo 34.° UE os efeitos denominados indirectos (obrigação para os órgãos jurisdicionais nacionais de interpretação conforme do direito nacional) que são reconhecidos às directivas comunitárias. O Tribunal de Justiça considerou, portanto, que as circunstâncias que referiu no n.° 35 do referido acórdão confirmavam o menor grau de integração que caracteriza o Título VI do Tratado UE em relação ao Tratado CE, para depois concluir no sentido da não influência do grau de integração na questão que tinha sido chamado a decidir (63). Ora, parece‑me que a referida ausência de «um sistema completo de recursos e procedimentos destinados a assegurar a legalidade dos actos das instituições no âmbito do referido título VI» pode constituir um indício pertinente de uma débil integração apenas na medida em que se refira ao nível supranacional.

126. Considero, portanto, que a passagem do acórdão Pupino referida no número anterior não só se equipara a um obiter dictum, como deve ser entendida, no contexto em que se insere, no sentido de que o Título VI não confere ao Tribunal de Justiça competência suficiente para assegurar um controlo da legalidade dos actos das instituições. O que é precisamente o que referimos no n.° 123 supra.

127. Em segundo lugar, seria pouco convincente invocar, para afirmar a existência, também no âmbito em análise, de uma regra como a regra Foto‑Frost, o segundo pressuposto no qual o Tribunal de Justiça baseou a referida regra, isto é, o facto de a competência prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, «visa[r] essencialmente garantir uma aplicação uniforme do direito comunitário pelos órgãos jurisdicionais nacionais» (64). Com efeito, o regime à la carte da competência prejudicial nos termos do artigo 35.° UE é claramente inadequado para garantir a aplicação uniforme do direito da União por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais.

128. A este respeito, recorde‑se, em primeiro lugar, que diversos Estados‑Membros da União, como lhes é permitido pelo artigo 35.° UE, até hoje não aceitaram a referida competência, pelo que, como supra realçámos, os respectivos órgãos jurisdicionais devem considerar‑se habilitados a pronunciar‑se eles próprios tanto sobre o alcance como sobre a validade das decisões‑quadro e das decisões nos termos do artigo 34.° UE, quando tal seja necessário para decidir os processos que lhes sejam submetidos. Só por isto, a aplicação uniforme do direito da União na matéria em análise não se encontra assegurada, mesmo ignorando as dúvidas relativas ao valor vinculativo ou não para estes órgãos jurisdicionais dos acórdãos prejudiciais proferidos pelo Tribunal de Justiça a pedido dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros que, ao invés, aceitaram essa competência.

129. Além disso, o facto de o artigo 35.° UE permitir aos Estados‑Membros excluir o reenvio prejudicial das jurisdições que não sejam de última instância agrava o risco de uma aplicação não uniforme do direito da União por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito do Título VI do Tratado UE, considerando que, efectivamente, uma parte dos processos nacionais se conclui sem chegar às jurisdições de última instância.

130. Importa, por isso, reconhecer que a aplicação uniforme do direito da União por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito do terceiro pilar da União está hoje garantida (e isto, note‑se, mesmo que se admitisse uma regra como a regra Foto‑Frost também no referido âmbito). O risco de falta de homogeneidade na aplicação dos actos do Conselho previstos no artigo 34.° UE representa, seguramente, um inconveniente do sistema jurisdicional concebido pelo Tratado de Amesterdão no que respeita ao referido pilar. Mas, em meu entender, uma leitura das disposições do Tratado UE que, procurando empenhadamente a aplicação uniforme do direito da União no âmbito do terceiro pilar, sacrificasse a tutela jurisdicional dos direitos que é inerente a uma comunidade de direito, conduziria a um problema bem mais grave.

131. Acrescente‑se que uma interpretação do artigo 35.° UE conforme ao princípio do respeito do direito fundamental a essa tutela obsta a que se possa reconhecer ao Tribunal de Justiça uma competência exclusiva para declarar a invalidade de um acto adoptado pelo Conselho, nos termos do artigo 34.° UE, quando os particulares não só estão privados de acesso ao órgão jurisdicional comunitário como, atento o carácter meramente facultativo do reenvio prejudicial mesmo para as jurisdições nacionais de última instância, estão também privados, mesmo nos Estados‑Membros que aceitaram a competência prejudicial do Tribunal de Justiça, de garantias suficientes de que a questão de validade que suscitam seja remetida ao Tribunal de Justiça mediante esse reenvio.

132. Efectuei esta explanação sobre o modelo de competência prejudicial do Tribunal de Justiça previsto no artigo 35.° UE para mostrar como os Estados‑Membros definiram, para o terceiro pilar da União, um sistema jurisdicional em que a intervenção do Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional supranacional, é mais limitada do que no âmbito do Tratado CE e em que, por consequência, é deixado mais espaço à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Contudo, isto não deve surpreender uma vez que, mesmo na sequência das modificações introduzidas com o Tratado de Amesterdão, a cooperação policial e judiciária em matéria penal não apresenta ainda as acentuadas características de supranacionalidade que distinguem a acção da Comunidade e permanece a meio caminho entre uma cooperação intergovernamental pura e o modelo «integracionista» comunitário. Um testemunho adicional da valorização do papel dos órgãos jurisdicionais nacionais nas matérias do terceiro pilar consta da declaração n.° 7 sobre o artigo 30.° UE anexa à Acta Final da Conferência Intergovernamental de Amesterdão, nos termos da qual «as acções no domínio da cooperação policial previstas no artigo [30.° UE], incluindo as actividades da Europol, ficarão sujeitos ao controlo jurisdicional adequado por parte das autoridades nacionais competentes, de acordo com as normas aplicáveis em cada Estado‑Membro».

–       Características da tutela jurisdicional que se pode obter perante os órgãos jurisdicionais nacionais

133. Já realcei supra de que modo também no âmbito do terceiro pilar da União compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e procedimentos destinados a garantir o respeito pelo direito a uma tutela jurisdicional efectiva e aos respectivos órgãos jurisdicionais interpretar e aplicar as normas processuais nacionais que regulam o exercício do direito de acção de modo a garantir essa tutela. Significa isto que a tutela jurisdicional que se deve considerar estar ao dispor dos particulares, por força do direito da União, nos órgãos jurisdicionais nacionais, perante a actuação da própria União no âmbito do terceiro pilar, não se limita à hipótese única, prevista no artigo 35.°, n.° 1, UE, de impugnação indirecta da validade das decisões‑quadro e das decisões (excepção de invalidade no âmbito de uma acção directa contra medidas nacionais de execução). Compreende também, em especial, a impugnação directa da validade desses actos e das posições comuns previstas no artigo 34.°, alínea a), UE, quando, apesar de não terem efeitos directos, sejam susceptíveis de prejudicar de forma imediata e por si sós, independentemente, portanto, das medidas nacionais de execução, a posição jurídica dos particulares; e isto com vista a obter, pelo menos, a indemnização dos danos que eventualmente lhes tenham sido causados.

134. A este respeito, considero que não obstam ao reconhecimento do direito a essa indemnização o facto de não constar do Tratado UE uma norma específica que contemple expressamente o referido direito ou a correlativa responsabilidade nem a circunstância de as disposições desse Tratado, em especial o artigo 41.° UE, não remeterem para o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. De facto, por um lado, o direito em causa constitui, como já referi (v. n.° 96 supra) uma componente do direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos (65), e por outro, resulta – se não do próprio direito internacional consuetudinário, como alegaram os recorrentes – pelo menos dos princípios gerais comuns aos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros, aos quais deve considerar‑se possível recorrer para integrar as lacunas do direito da União resultantes da falta de normas escritas.

135. Como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de salientar ao afirmar o princípio da responsabilidade do Estado por danos decorrentes da violação das obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, o princípio da responsabilidade extracontratual da Comunidade, que o artigo 288.° CE prevê expressamente, «mais não é do que uma expressão do princípio geral de direito reconhecido pelas ordens jurídicas dos Estados‑Membros segundo o qual uma acção ou omissão ilegal dá origem a uma obrigação de reparar o prejuízo causado» (66). Pode assim dizer‑se que o princípio da responsabilidade das autoridades públicas por danos causados aos particulares devido a uma violação do direito da União, em especial os resultantes da lesão dos direitos fundamentais que lhes são reconhecidos por esse direito, é inerente ao sistema do Tratado UE (67).

136. A existência dessa responsabilidade foi aliás reconhecida, no essencial, pelo próprio Conselho na declaração relativa ao direito da indemnização, na qual a instituição «recorda» que «qualquer erro» quanto às pessoas, grupos ou entidades afectadas faz surgir esse direito a favor da parte lesada.

137. Por outro lado, saliente‑se que o princípio da responsabilidade das autoridades públicas por danos causados aos particulares em violação do direito da União encontra expressão, no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal, em algumas disposições da Convenção Europol. No pressuposto, mencionado no preâmbulo da referida convenção, «de que também no domínio da cooperação policial há que prestar particular atenção à protecção dos direitos do indivíduo, em especial à protecção dos seus dados pessoais», os artigos 38.° e 39.°, n.° 2, da mesma convenção enunciam, respectivamente, o princípio da responsabilidade extracontratual dos diferentes Estados perante as pessoas lesadas em caso de tratamento ilícito ou incorrecto de dados em sede de Europol e o da responsabilidade extracontratual da Europol pelos danos causados pelos seu órgãos, directores‑adjuntos ou funcionários no exercício das suas funções.

138. Parece‑me oportuno referir que, ao apreciar a legalidade dos actos do Conselho nos termos do artigo 34.° UE, mesmo no âmbito de uma acção de indemnização, os órgãos jurisdicionais nacionais devem fazê‑lo, em obediência ao princípio da cooperação leal, à luz das disposições e princípios gerais pertinentes do direito da União, e em primeiro lugar dos direitos fundamentais previstos no artigo 6.°, n.° 2, UE, ou seja, os previstos na CEDH e os que resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros. O recurso, por parte do órgão jurisdicional nacional, às disposições constitucionais do seu próprio ordenamento poderia não ser suficiente para garantir o padrão de protecção dos direitos fundamentais resultantes do artigo 6.°, n.° 2, UE, na medida em que os referido padrão não corresponde, como já referimos, ao «mínimo denominador comum» da protecção conferida aos direitos fundamentais pelos ordenamentos constitucionais dos Estados‑Membros, mas sim a um nível elevado de protecção, adequado às exigências do direito da União. Neste contexto, competirá, por outro lado, aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar eventuais limitações ao exercício dos direitos fundamentais que correspondam a finalidades de interesse geral (68) tendo em conta não tanto as exigências do Estado a que pertencem mas sobretudo as exigências da União no seu todo.

139. É certo que a aplicação do padrão de protecção imposto pelo artigo 6.°, n.° 2, UE, poderá comportar algumas dificuldades para os órgãos jurisdicionais nacionais e envolvê‑los numa actividade de definição dos direitos fundamentais reconhecidos pela União que, até hoje, tem sido desenvolvida pelo órgão jurisdicional comunitário. Porém, essas dificuldades não devem, em meu entender, ser sobrevalorizadas. Os órgãos jurisdicionais nacionais podem recorrer, para esta actividade, às disposições da Carta e à jurisprudência comunitária, bem como às disposições da CEDH e à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A fim de apreciar a legalidade dos actos do Conselho previstos no artigo 34.° UE, pelos menos dos mencionados no artigo 35.°, n.° 1, UE, os órgãos jurisdicionais nacionais podem, naturalmente, na medida em que as opções efectuadas pelos respectivos Estados nos termos do artigo 35.°, n.os 2 e 3, UE, lho permitam, solicitar a ajuda do Tribunal de Justiça, efectuando um reenvio prejudicial de apreciação da validade. De todo o modo, a dificuldade em questão não pode levar a preferir a hipótese de um vazio de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais no âmbito do Título VI do Tratado EU.

140. Naturalmente, na falta de uma disciplina por parte do direito da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro designar o órgão jurisdicional competente e estabelecer as modalidades processuais das acções de indemnização destinadas a garantir a tutela dos direitos fundamentais que a União reconhece aos particulares contra os actos adoptados pelo Conselho por força do artigo 34.° UE (69). Para tanto, são aplicáveis os limites à autonomia processual dos Estados‑Membros resultantes dos princípios da equivalência e da efectividade, desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça em relação ao Tratado CE (70) e susceptíveis de transposição para o terceiro pilar da União.

–       Viabilidade e efectividade da tutela indemnizatória perante os órgãos jurisdicionais nacionais em relação a problemáticas específicas

141. Nos despachos recorridos (71), o Tribunal de Primeira Instância considerou que uma acção destinada a invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais a responsabilidade individual de cada Estado‑Membro pela sua participação na adopção da Posição Comum 2001/931 e das posteriores alterações seria «pouco efectiva».

142. Esse entendimento, cujas razões o Tribunal de Primeira Instância não adiantou, não merece a minha concordância.

143. É certo que se coloca um conjunto de interrogações quanto à viabilidade e à efectividade de uma tutela indemnizatória dos direitos dos recorrentes perante os órgãos nacionais. Limitar‑me‑ei a um rápido enunciado e tratamento dessas interrogações, apenas para demonstrar que as mesmas podem encontrar solução e que a possibilidade desta tutela não é apenas teórica, já que a procura da solução mais adequada não é necessária para conhecer dos presentes recursos, cabendo ao juiz nacional eventualmente chamado a pronunciar‑se.

144. Em primeiro lugar, coloca‑se a questão da determinação do sujeito eventualmente obrigado a indemnizar o alegado dano. Efectivamente, contra quem devem os recorrentes intentar, perante o órgão jurisdicional nacional, a acção destinada a obter a indemnização dos danos alegadamente provocados pela inscrição da Gestoras Pro Amnistía e da Segi na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas? A responsabilidade extracontratual cabe à União enquanto tal ou, solidariamente, aos diversos Estados‑Membros que adoptaram por unanimidade a Posição Comum 2001/931 e as posições comuns sucessivas que a alteraram? A resposta a esta questão dependerá da solução da questão, amplamente debatida na doutrina, relativa à personalidade jurídica da União. A este respeito, saliente‑se que tanto em relação à própria Europol como em relação à Comunidade Europeia a previsão expressa no Tratado que institui a Comunidade de uma responsabilidade extracontratual é acompanhada da atribuição expressa tanto de personalidade jurídica como, em cada um dos Estados‑Membros, da mais ampla capacidade jurídica reconhecida às pessoas colectivas pela legislação nacional, incluindo a capacidade de estar em juízo (72).

145. Em segundo lugar, coloca‑se a questão da determinação do sistema judiciário nacional competente para conhecer de uma hipotética acção de indemnização. Este problema está, de certa forma, relacionado com o da legitimidade passiva.

146. Se a responsabilidade extracontratual coubesse à União enquanto organização internacional dotada de personalidade jurídica, a acção poderia ser proposta perante o órgão jurisdicional do Estado (e do lugar) em que ocorreu ou pode ocorrer o facto danoso, de acordo com o critério previsto no artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1). De resto, saliente‑se a este propósito, que o artigo 39.° da Convenção Europol remete para as disposições pertinentes da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 (actualmente substituídas, entre os Estados‑Membros, pelo referido regulamento) para determinar as jurisdições nacionais competentes para conhecer dos litígios que envolvam a responsabilidade da Europol.

147. Se, pelo contrário, a responsabilidade extracontratual couber apenas aos diversos Estados‑Membros, a mesma pode ser accionada, contra cada Estado, essencialmente perante o órgão jurisdicional desse Estado, com base no critério do foro do domicílio do réu previsto no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. Em alternativa, a acção poderia ser interposta contra esse Estado perante os órgãos jurisdicionais do Estado no qual ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, de acordo com o critério previsto no artigo 5.°, n.° 3, desse regulamento.

148. Por outro lado, sublinhe‑se o mecanismo instituído pelo artigo 38.° da Convenção Europol para accionar a responsabilidade dos Estados pelos danos resultantes do tratamento ilícito ou incorrecto dos dados em sede da Europol. Ao prever que «os Estados‑Membros» serão responsáveis por esses danos, esse artigo estabelece que «[s]ó o Estado‑Membro em que o facto danoso tenha ocorrido poderá ser objecto de uma acção de reparação por parte da vítima, que será instaurada junto dos tribunais competentes nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro em causa». Indica‑se ainda que «um Estado‑Membro não pode invocar o facto de outro Estado‑Membro ou a Europol ter transmitido dados incorrectos para se desvincular da responsabilidade que lhe incumbe, em conformidade com o direito nacional, relativamente a uma pessoa lesada». Por fim, está previsto um direito ao reembolso a favor do Estado que tenha pago uma indemnização quando o comportamento na origem do dano indemnizado seja imputável à Europol ou a outro Estado.

149. Em terceiro lugar, poderia colocar‑se o problema da imunidade das jurisdições dos Estados e das organizações internacionais como obstáculo processual à efectiva tutela indemnizatória perante o órgão jurisdicional nacional contra os actos do Conselho nos termos do artigo 34.° UE.

150. Se se considerasse que a responsabilidade extracontratual incumbe aos Estados‑Membros, o problema apenas se colocaria no caso de os recorrentes pretenderem accionar a responsabilidade de um Estado‑Membro perante os órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro. Já não existiria, como é evidente, na hipótese mais realista de uma acção proposta contra um Estado‑Membro perante os seus próprios tribunais. A imunidade jurisdicional dos Estados não constituiria, assim, um impedimento absoluto à tutela indemnizatória em questão perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

151. Se, pelo contrário, se entendesse que deve ser a União enquanto tal, ou seja, como organização internacional dotada de personalidade jurídica, a responder pelos danos, para além do facto de que, de qualquer modo, nem o Tratado UE nem os protocolos anexos conferem à própria União uma imunidade de jurisdição (imunidade essa que, aliás, também não é conferida à Comunidade pelo Tratado CE nem pelos protocolos anexos (73)), parece‑me que se pode considerar que, quando prevista em benefício das organizações internacionais pelo direito interno do órgão jurisdicional chamado a conhecer do litígio ou por este reconhecida como resultante do direito internacional consuetudinário, o Conselho está obrigado a renunciar a essa imunidade, por força do próprio direito da União, se o facto de a invocar implicar uma denegação de justiça. Em especial, numa situação como a presente, a imunidade deveria ser excluída em relação à União na medida em que poderia prejudicar o efeito útil do princípio da responsabilidade extracontratual pelos danos provocados por actos ilegais adoptados pelo Conselho e seria incompatível com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos.

152. Em qualquer caso, a declaração do Conselho relativa ao direito a indemnização, proferida aquando da adopção do Posição Comum 2001/931, poderia, na medida em que se refere ao direito «de requerer judicialmente uma indemnização», ser interpretada como uma renúncia, pelo menos implícita, a invocar a imunidade de jurisdição no que diz respeito a eventuais danos resultantes de uma inscrição ilegal na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas.

153. Acrescente‑se ainda que a doutrina sublinhou recentemente uma tendência da prática judiciária internacional e interna de limitar a imunidade de jurisdição das organizações internacionais, retirando‑lhe o carácter absoluto que lhe era atribuído pelas concepções mais tradicionais. Esta limitação é efectuada não só em função da natureza da actividade da organização internacional que dá origem ao litígio (iure imperii ou iure gestionis) mas também, a fim de garantir o respeito do direito fundamental de acesso aos tribunais, em função da disponibilidade ou não, a favor da parte privada, de instrumentos alternativos e efectivos de resolução dos litígios, como processos instituídos no seio da própria organização ou o recurso a tribunais arbitrais aceite pela mesma (74).

154. Em quarto lugar, aceitando o princípio do direito a indemnização por danos causados por actos ilegais adoptados pelo Conselho nos termos do artigo 34.° UE como princípio inerente ao Tratado UE, coloca‑se, porém, o problema da identificação das condições concretas dessa responsabilidade e, portanto, da disciplina aplicável a esse respeito. Parece‑me que as possibilidades são, essencialmente, as seguintes: i) aplica‑se na totalidade a legislação do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, no respeito pelos princípios da equivalência e da efectividade (75); ii) quando a responsabilidade seja imputável a um determinado Estado, aplicam‑se as condições mínimas que determinam o direito a indemnização definidas pela jurisprudência comunitária em matéria de responsabilidade dos Estados por violação do direito comunitário e, quanto ao restante, o direito nacional, no respeito pelos princípios da equivalência e da efectividade; iii) aplicam‑se, quer a responsabilidade incumba ao Estado ou à União, os requisitos definidos pela jurisprudência comunitária, como princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros (artigo 288.°, segundo parágrafo, CE), no que respeita à responsabilidade extracontratual da Comunidade. Sublinhe‑se ainda que a Convenção Europol prevê, relativamente às hipóteses de responsabilidade do Estado‑Membro pelos danos resultantes de tratamento ilícito ou incorrecto de dados por parte da Europol, a aplicação, por parte do órgão jurisdicional competente, da respectiva legislação nacional (artigo 38.°, n.° 1), ao passo que nada determina quanto à disciplina aplicável em matéria de responsabilidade extracontratual da Europol (artigo 39.°).

155. À luz destas considerações, não me parece que a afirmação da possibilidade de os recorrentes obterem um tutela indemnizatória perante os órgãos jurisdicionais nacionais caia num vazio jurídico ou encontre obstáculos tais que a tornem puramente ilusória.

–       Conclusão quanto à tutela jurisdicional perante os órgãos jurisdicionais nacionais

156. Concluo, assim, quanto à questão até agora analisada, que, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância deixou entender nos despachos recorridos (76) e ao que os recorrentes defenderam nas petições de recurso, os recorrentes dispõem, com base no direito da União e perante os órgãos jurisdicionais nacionais, de uma tutela indemnizatória dos seus direitos (fundamentais) eventualmente lesados pelas referidas posições comuns.

157. Contudo, a errada apreciação do Tribunal de Primeira Instância quanto a este ponto não teve incidência na declaração de incompetência impugnada, a qual assenta, essencialmente, nas considerações constantes das alíneas 2) e 4) do n.° 50 supra. Neste sentido, não me parece que estejam preenchidos os pressupostos de uma anulação dos despachos recorridos com fundamento nessa errada apreciação.

158. Por outro lado, considerando que os recorrentes dispõem de uma tutela jurisdicional efectiva perante os órgãos jurisdicionais nacionais, uma declaração de incompetência da jurisdição comunitária para conhecer das suas acções de responsabilidade extracontratual não comporta, como pretendem, uma lesão do seu direito a essa tutela. Neste sentido, os presentes recursos assentam numa premissa errada e só por este motivo parece‑me que lhes deve ser negado provimento.

e)      Tutela jurisdicional efectiva dos direitos, princípio das competências de atribuição e competência da jurisdição comunitária

159. É, portanto, apenas para a hipótese de o Tribunal de Justiça, contrariamente ao que defendo, não admitir que os recorrentes dispõem perante o órgão jurisdicional nacional de uma tutela jurisdicional efectiva que farei algumas considerações quanto ao mérito da apreciação do Tribunal de Primeira Instância [v. n.° 53, alínea 4), supra], impugnada pelos recorrentes, segundo a qual a ausência dessa tutela não poderia, por si só, justificar a competência do órgão jurisdicional comunitário num sistema jurídico, como o da União, assente no princípio das competências de atribuição (77).

160. A argumentação dos recorrentes assenta, no essencial, numa combinação dos seguintes elementos: o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 6.°, n.° 2, UE; a declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização; o oitavo considerando da Decisão 2003/48; a obrigação de os Estados‑Membros, com base no artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena e no artigo 307.°, n.° 2, CE, respeitarem as obrigações internacionais anteriormente assumidas com a adesão à Carta das Nações Unidas e à CEDH e, finalmente, o «princípio interpretativo geral» relativo a uma «competência alargada» do Tribunal de Justiça.

161. O Conselho e o Reino de Espanha consideram totalmente infundados os argumentos dos recorrentes. Além disso, o Conselho suscita a inadmissibilidade dos argumentos baseados nos dois últimos elementos mencionados no número anterior, na medida em que apenas foram invocados na réplica.

162. Já salientei (v. n.° 67 supra) a falta de idoneidade da declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização para interferir nas competências do Tribunal de Justiça conforme fixadas pelo Tratado UE. Idêntica consideração deve ser feita, evidentemente, quanto ao oitavo considerando da Decisão 2003/48, nos termos da qual «a decisão respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.° do Tratado da União Europeia» e nenhuma das suas disposições «pode ser interpretad[a] no sentido de permitir da protecção jurídica que, no âmbito do direito nacional, assiste às pessoas, grupos e entidades que constam da lista do anexo da Posição Comum 2001/931/PESC».

163. Sem pertinência é também o argumento que os recorrentes desenvolvem relativamente ao artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena e ao artigo 307.°, n.° 1, CE. Este argumento, juntamente com o relativo a uma «competência alargada» do Tribunal de Justiça, pode ser apreciado não obstante apenas ter sido alegado pelos recorrentes nas réplicas, na medida em que se trata de um argumento em apoio de um fundamento já alegado nas petições de recurso e relativo à competência da jurisdição comunitária e, como já salientei, uma questão de ordem pública que o Tribunal de Justiça pode, em qualquer caso, apreciar oficiosamente à luz de qualquer elemento relevante.

164. O artigo 30.° da Convenção de Viena diz respeito aos direitos e obrigações dos Estados parte em Tratados sucessivos sobre a mesma matéria e não se aplica ao caso concreto na medida em que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, não pode afirmar‑se que o Tratado UE regula as mesmas matérias que são cobertas pela Carta das Nações Unidas e pela CEDH. Acresce que o seu n.° 3 prevê que «[q]uando todas as Partes no Tratado anterior são também Partes no Tratado posterior [...], o Tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do Tratado posterior». Ora, os recorrentes não têm em conta que é o Tratado UE que é posterior à Carta das Nações Unidas e à CEDH.

165. Quanto ao artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE, nos termos do qual «as disposições do [...] Tratado [CE] não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados aderentes, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro», basta salientar, com o Conselho, que tal não se aplica no âmbito dos Títulos V e VI do Tratado UE.

166. Resta portanto analisar, e fá‑lo‑ei conjuntamente, a invocação por parte dos recorrentes do direito que lhes assiste a uma tutela jurisdicional efectiva nos termos do artigo 6.° n.° 2, EU, e o «princípio interpretativo geral» que os mesmos retiram, nomeadamente, dos acórdãos do Tribunal de Justiça Les Verts/Parlamento e «Chernobyl» (78), relativos a uma competência alargada do Tribunal de Justiça. No essencial, segundo os recorrentes, numa comunidade de direito como a União, o Tribunal de Justiça está autorizado a integrar as lacunas dos Tratados para declarar a sua competência, se tal competência não estiver limitada ou excluída de modo expresso e inequívoco nos Tratados e ser necessária a fim de garantir a tutela jurisdicional dos direitos dos particulares.

167. Observe‑se que o princípio das competências de atribuição, que encontra expressão nos artigos 5.° CE (quanto à Comunidade), 7.° CE (quanto às instituições da Comunidade) e 5.° UE (quanto às instituições que compõem o quadro institucional único da União), não implica, necessariamente, uma atribuição expressa de competências. O próprio artigo 308.° CE, relativo aos poderes implícitos da Comunidade, o demonstra. As competências também podem ser implícitas e resultantes de interpretação, também extensiva, das disposições dos Tratados, respeitando a letra e a estrutura dos mesmos.

168. Em meu entender, o Tribunal de Justiça, nos acórdãos Les Verts/Parlamento e «Chernobyl», referidos pelos recorrentes – como também nos acórdãos «AETS» (79), Grécia/Conselho (80) e Simmenthal/Comissão (81) – mais não fez do que definir o âmbito de aplicação das disposições do Tratado CEE relativas aos recursos de anulação e à excepção de invalidade através de uma interpretação sistemática, teleológica ou conduzida de forma a assegurar um resultado conforme com os princípios ou as exigências gerais do ordenamento comunitário (como o respeito do equilíbrio institucional, a necessidade de uma fiscalização completa e coerente da legalidade de um acto, a tutela jurisdicional dos direitos) sem com isso violar a letra e a finalidade do próprio Tratado. Em especial, em face do silêncio da norma, o Tribunal de Justiça pode interpretá‑la «em conformidade com o imperativo de uma protecção [jurisdicional] tão adequada quanto possível» (82).

169. Pelo contrário, no acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (83), o Tribunal de Justiça considerou que uma interpretação do requisito que consiste em um acto dizer individualmente respeito a uma pessoa na acepção do artigo 173.° do Tratado CE, feita à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, não pode levar à exclusão do requisito em causa, expressamente previsto no Tratado, sem exceder as competências que este último atribui à jurisdição comunitária. A interpretação extensiva da disposição invocada pelo recorrente, com base no referido princípio, colidia com a letra do próprio Tratado.

170. Tão‑pouco é esquecida a existência de decisões mais rigorosas do que os acórdãos citados no n.° 168 supra, nas quais o Tribunal de Justiça, não obstante ter sido invocada em juízo a exigência de uma interpretação extensiva das disposições relativas ao recurso de anulação a fim de garantir a tutela jurisdicional dos particulares, interpretou os limites da sua competência atendo‑se estritamente às hipótese contempladas expressamente pela norma em causa (84).

171. Ora, parece‑me que, no presente processo, a situação se assemelha mais à do processo Unión de Pequeños Agricultores/Conselho do que às dos processos decididos pelos acórdãos mencionados no n.° 168 supra. A conjugação do disposto nos artigos 46.° UE e 35.° UE torna taxativa a enumeração das competências do Tribunal de Justiça contidas nos mesmos, excluindo, portanto, nomeadamente, uma competência da jurisdição comunitária para conhecer de acções de indemnização de danos causados por actos adoptados pelo Conselho nos termos do artigo 34.° UE.

172. Acresce que, nos acórdãos citados no n.° 168 supra, o Tribunal de Justiça, no essencial, apenas definiu algumas condições, relativas a quem são os sujeitos com legitimidade para agir, os fundamentos de invalidade arguíveis ou os actos susceptíveis de impugnação nos termos dos artigos 173.° ou 183.° do Tratado CEE, para o exercício de um tipo de competência – a de anular ou declarar inaplicáveis os actos das instituições – que lhe era claramente conferida pelas mesmas disposições. Ao invés, no caso concreto, pede‑se o exercício, por parte da jurisdição comunitária, de um tipo de competência, a de condenar na indemnização de danos, que não tem qualquer base no artigo 35.° UE.

173. Assim, se o problema é, para usar as palavras do advogado‑geral F. G. Jacobs (85), «saber como se garante – dentro dos limites impostos pela redacção e pela estrutura do Tratado – que os recorrentes particulares beneficiem de tutela jurisdicional efectiva», a resposta, num caso como este, é, como já referi, reconhecer que a tutela indemnizatória requerida pelos recorrentes seja exercida perante o juiz nacional e não perante as jurisdições comunitárias. Ao invés, se, contrariamente ao que defendo, se considerar que não é inadmissível uma tutela deste tipo perante o juiz nacional, reconhecer em alternativa a competência da jurisdição comunitária constituiria, não uma interpretação extensiva ou uma interpretação praeter legem, mas uma interpretação contra legem das disposições conjugadas dos artigos 46.° UE e 35.° UE.

174. Nesta segunda perspectiva, estaríamos na presença de um conflito insanável entre, por um lado, o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva dos direitos, reconhecido, de forma indirecta, pelo artigo 6.°, n.° 2, UE, e, por outro, o princípio das competências de atribuição consagrado no artigo 5.° UE e nas disposições conjugadas dos artigos 46.° UE e 35.° UE.

175. Trata‑se de um conflito análogo ao que existe entre, por um lado, o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e, por outro, o princípio das competências de atribuição consagrado no artigo 7.° CE e no artigo 173.° do Tratado CE, que o Tribunal de Justiça considerou de forma implícita no n.° 44 do acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, resolvendo‑o no sentido da prevalência do princípio das competências de atribuição e do artigo 173.° do Tratado CE, como muito bem foi observado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 38 dos despachos recorridos.

176. Não me parece que o Tribunal de Justiça tenha sido chamado, noutras ocasiões, a apreciar uma situação de claro e insanável conflito que exija uma escolha clara entre disposições ou princípios de nível primário (86). Saliente‑se ainda que as normas que estão em conflito no caso concreto revestem todas, em certa medida, carácter «constitucional», na medida em que dizem respeito, por um lado, à determinação dos limites fundamentais do exercício do poder público perante os particulares e, por outro, à repartição desse poder entre os diversos sujeitos institucionais chamados a exercê‑lo.

177. Dar prevalência ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva e deixar, se necessário, de aplicar as disposições pertinentes, do Tratado UE quanto à competência do Tribunal de Justiça pressupõe reconhecer que também existe uma hierarquia entre as normas de nível primário e uma espécie de valor «supra‑constitucional» em relação aos direitos fundamentais. Considero que uma abordagem deste tipo, não sendo em si mesma descabida, não é, porém, permitida no estado actual do direito da União. E isto, pelo menos, em virtude da ausência, nos Tratados em vigor, de um elenco explícito, em normas apropriadas, dos direitos fundamentais garantidos pela União. A Carta não pode, em meu entender, suprir a falta desse elenco, na medida em que representa apenas uma fonte de inspiração para a jurisdição comunitária e os órgãos jurisdicionais nacionais, na definição dos direitos fundamentais tutelados pelo direito da União como princípios gerais e, como se sabe, sem valor jurídico vinculativo. Este limite não existiria, evidentemente, em caso de ratificação, por todos os Estados‑Membros, do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, que contém, na sua parte II, um elenco dos direitos fundamentais, entre os quais está expressamente consagrado, no artigo II‑107.°, o «direito à acção e a um tribunal imparcial».

178. Voltando a repetir que, em meu entender, os recorrentes não estão privados de tutela jurisdicional efectiva dos direitos que consideram lesados pela inscrição, que impugnam, na lista dos sujeitos envolvidos em actos terroristas, dispondo dessa tutela perante os órgãos jurisdicionais nacionais, considero que, no caso de se chegar à conclusão contrária, não poderia, em qualquer caso, afirmar‑se, no estado actual do direito da União, a competência da jurisdição comunitária para conhecer das acções de indemnização propostas pelos recorrentes perante o Tribunal de Primeira Instância. Assim, o Tribunal de Primeira Instância não incorreu num erro de direito ao considerar que a ausência de um recurso judicial para a tutela dos direitos dos recorrentes não justifica, por si só, o reconhecimento da sua competência para conhecer das referidas acções.

4.      Observações finais

179. Ao propor ao Tribunal de Justiça que negue provimento aos presentes recursos, entendo ser conveniente exprimir duas notas finais.

180. Em primeiro, considero oportuno que o Tribunal de Justiça, com o acórdão que irá proferir nos presentes processos, reconheça, em nome do respeito e da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para uma acção como a que se discute no presente processo. O reconhecimento da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais demonstraria, entre outras coisas, quão infundada é a suspeita, por vezes aflorada, de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao respeito pelos direitos fundamentais enquanto princípios gerais de direito comunitário não se inspira numa genuína preocupação de tutela desses direitos, mas é sobretudo um instrumento de defesa do primado do direito comunitário e das prerrogativas da jurisdição comunitária em relação ao direito e aos órgãos dos Estados‑Membros.

181. Em segundo lugar, reconheço que a solução da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para acções de indemnização como as propostas no caso concreto apresenta inconvenientes em termos de aplicação uniforme do direito da União e, nessa medida, de segurança jurídica. Esses inconvenientes deveriam ser resolvidos através de uma oportuna extensão das competências do Tribunal de Justiça em sede de revisão dos Tratados actualmente em vigor, como a que foi feita no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Entretanto, cabe observar, no que diz respeito a esses inconvenientes, que, sobretudo em matéria de protecção dos direitos fundamentais, é sempre preferível uma certa «incerteza» do direito do que uma certeza do «não direito».

V –    Quanto às despesas

182. Concordamos totalmente com a solução adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância de repartir as despesas pelas partes, que também é válida no que diz respeito ao processo perante o Tribunal de Justiça. Para além da própria declaração do Conselho relativa ao direito de indemnização, é perfeitamente compreensível que os recorrentes, aos quais o direito da União reconhece o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, tenham procurado na jurisdição comunitária, mesmo em sede de recurso, um órgão jurisdicional competente para conhecer do seu pedido de indemnização.

183. Verificam‑se, portanto, em meu entender, motivos excepcionais que justificam, em aplicação do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento do Processo, uma repartição das despesas entre as partes principais.

184. Acresce que, em conformidade com o artigo 69.°, n.° 4, o Reino da Espanha deve suportar as suas próprias despesas.

VI – Conclusões

185. Em face das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que:

«– É negado provimento aos recursos;

– Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas».


1 – Língua original: italiano.


2 – JO L 344, p. 93.


3 –      Tradução não oficial do texto francês constante dos autos.


4 – Não publicada mas acessível através do sítio www.echr.coe.int.


5 – JO L 116, p. 75.


6 – JO L 160, p. 32.


7 – Despachos recorridos, n.° 48.


8 – V., entre outros, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2000, Kögler/Tribunal de Justiça (C‑82/98 P, Colect., p. I‑3855, n.° 21).


9 – V., entre outros, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.os 47 e 51).


10 – Acórdão Kögler/Tribunal de Justiça, já referido, n.° 23.


11 – JO 2003, L 16, p. 68.


12 – Utilizamos no texto a expressão «jurisdição comunitária» (e por vezes também «Tribunal de Justiça») para incluir o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância, ainda que nos presentes processos esteja em causa uma intervenção destes fora do âmbito do primeiro pilar da União Europeia, constituído pela Comunidade.


13 – Nossa tradução do texto francês utilizado na petição de recurso.


14 – Trata‑se do congelamento e da proibição de disponibilização de capitais e de outros recursos financeiros e económicos.


15 – Despachos recorridos, n.os 41 a 47.


16 – Réplicas, n.° 16 (tradução do texto francês original). V. também petições de recurso, n.° 59.


17 – Despachos recorridos, n.° 45.


18 – V. despachos recorridos, n.° 46.


19 – Despachos recorridos, n.° 40.


20 –      Despachos recorridos, n.os 32 e 33.


21 –      Despachos recorridos, n.os 34 a 37.


22 –      Despachos recorridos, n.° 38.


23 –      Despachos recorridos, n.° 38.


24 –      Despachos recorridos, n.° 39.


25 – Despachos recorridos, n.° 37.


26 – É sabido que a introdução no sistema jurídico da União de uma acção específica perante a jurisdição comunitária para tutela dos direitos fundamentais tinha sido equacionada, entre outras propostas, na Conferência Intergovernamental para a revisão do Tratado de Maastricht, que, contudo, não foi acolhida em sede de aprovação do Tratado de Amesterdão.


27 – Despachos recorridos, n.° 39.


28 – Refiro‑me ao emprego, na primeira frase do n.° 38 dos despachos recorridos, do advérbio «provavelmente» depois da expressão peremptória «[é forçoso] reconhecer» («No tocante à falta de recurso efectivo invocada pelos demandantes, [é forçoso] reconhecer que estes não dispõem provavelmente de qualquer recurso jurisdicional efectivo, quer perante os órgãos jurisdicionais comunitários quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais contra a inclusão [da Gestoras Pro Amnistía e da Segi] na lista das pessoas, grupos ou entidades implicadas em actos de terrorismo».


29 – O próprio preâmbulo do Tratado UE refere o «apego» dos Estados‑Membros «aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e liberdades fundamentais e do Estado de direito».


30 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).


31 – Acórdãos de 23 de Abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23) e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 38).


32 – V., em especial, acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.° 41); parecer 2/94 de 28 de Março de 1996 (Colect., p. I‑1759, n.os 33 e 34); acórdão de 29 de Maio de 1997, Kremzow/Áustria (C‑299/95, Colect., p. I‑2629,n.° 14) e acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 35.


33 – V., em especial, acórdãos de 15 de Maio de 1986, Johnston (222/84, Colect., p. 1651, n.° 18); de 27 de Novembro de 2001, Comissão/Áustria (C‑424/99, Colect., p. I‑9285, n.° 45) e Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.° 39.


34 – O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de relembrar que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos faz parte dos instrumentos internacionais respeitantes à protecção dos direitos do Homem que o Tribunal tem em conta para a aplicação dos princípios gerais do direito comunitário (v. acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 37, e a jurisprudência aí citada).


35 – Nas petições de recurso, os recorrentes referem, no n.° 46, a liberdade de expressão e o direito à imagem e à reputação da Gestoras Pro Amnistía e da Segi, bem como a liberdade de expressão, a liberdade de associação e o direito aos respeito da vida privada e da reputação dos seus porta‑vozes.


36 – V. acórdãos Osman/Reino Unido, de 28 de Outubro de 1998 (Recueil des arrêts et décisions, 1998‑VIII, p. 3124, n.° 147) e Waite e Kennedy/Alemanha, de 18 de Fevereiro de 1999 (Recueil des arrêts et décisions, 1999‑I, p. 393, n.° 59).


37 – Acórdãos Partido Comunista Unificado da Turquia e o./Turquia, de 30 de Janeiro de 1998 (Colect., 1998‑I, p. 1, n.° 29) e Matthews/Reino Unido, de 18 de Fevereiro de 1999 (Colect., 1999‑I, p. 251, n.° 29).


38 – A afirmação da sua «identidade na cena internacional, nomeadamente através da execução de uma política externa e de segurança comum», constitui, de acordo com o artigo 2.° UE, um dos objectivos da União.


39 – Estas cláusulas, qualificadas como «essenciais» no contexto dos acordos, podem autorizar as partes contratantes a proceder a uma suspensão dos acordos e até mesmo à revogação dos mesmos em caso de violação.


40 – V. acórdão Bosphorus/Irlanda, de 30 de Junho de 2005 (Recueil des arrêts et décisions, 2005‑VI) que diz respeito, como consta expressamente do seu n.° 72, apenas às disposições relativas ao primeiro pilar da União.


41 – Por outro lado, não nos parece que se possa colocar‑se em dúvida, no caso concreto, a existência de um interesse em agir por parte dos recorrentes.


42 – Trata‑se de posições comuns [artigo 34.°, n.° 2, alínea a), UE], de decisões‑quadro [artigo 34.°, n.° 2, alínea b), UE], de decisões e medidas necessárias à execução [artigo 34.°, n.° 2, alínea c), UE], bem como de medidas de aplicação de convenções [artigo 34.°, n.° 2, alínea d), UE].


43 – A teoria é de tal forma conhecida que não carece, neste sede, de explicação. Bastará referir, em especial, os acórdãos do Bundesverfassungsgericht de 22 de Outubro de 1986, conhecido como Solange II, in BverfGE, 73, 339, e do Tribunal Constitucional Italiano, de 21 de Abril de 1989, n.° 232, Fragd, in Foro it., 1990, I, 1855.


44 – Realçamos que o próprio artigo 13.° da CEDH mostra que a existência de um controlo externo dos direitos e das liberdades fundamentais, por parte dos Estados contratantes, não exime esses Estados de organizar um controlo interno.


45 – Despachos recorridos, n.° 38.


46 – Ibidem.


47 – Ibidem.


48 – Foi o que o que o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teve oportunidade de observar na decisão em que julgou inadmissíveis os recursos dos recorrentes. De facto, o referido Tribunal salientou que, «se o artigo 4.° pode servir de base jurídica para medidas concretas que podem dizer respeito aos recorrentes, em particular no quadro da cooperação policial entre Estados conduzida no âmbito de órgãos comunitários como a Europol», isso, porém, «não acrescenta novos poderes que possam ser exercidos pelos recorrentes», mas «apenas contém uma obrigação de cooperação judiciária e de polícia para os Estados‑Membros» (tradução não oficial do texto francês da decisão).


49 – V., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, Colect., p. I‑5357, n.° 33), de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame e o. (C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 22) e de 30 de Setembro de 2003, Kobler (C‑224/01, Colect., p. I‑10239, n.° 33). V. também acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Klass e o./Alemanha, de 6 de Setembro de 1978 (Série A, n.° 28, n.° 64) e Soering/Reino Unido, de 7 de Julho de 1989 (Série A, n.° 161, n.° 120), dos quais se retira que o recurso efectivo imposto pelo artigo 13.° da CEDH deve permitir à pessoa que se considere lesada por uma medida contrária à CEDH obter uma decisão sobre a sua pretensão e, quando se verifique, a adequada reparação («réparation» ou «redressement» nos textos em francês dos acórdãos).


50 – A possibilidade de recurso directo de anulação perante a jurisdição comunitária encontra‑se prevista no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa também no que diz respeito às medidas restritivas contra pessoas singulares ou colectivas adoptadas pelo Conselho em matéria de política externa e de segurança comum, não obstante a competência limitada atribuída pelo mesmo Tratado ao Tribunal de Justiça na referida matéria (artigo III‑376.°).


51 – Conclusões do advogado‑geral M. Darmon apresentadas em 28 de Janeiro de 1986 no processo Johnston, já referido, n.° 3.


52 – Conclusões do advogado‑geral P. Léger apresentadas em 8 de Abril de 2003 no processo Köbler, já referido, n.° 68.


53 – Nos termos do artigo 39.°, n.° 1, UE, o Parlamento Europeu apenas é consultado (e o seu parecer não é vinculativo) para a adopção de decisões‑quadro ou de decisões e nem sequer é consultado para a adopção de posições comuns.


54 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2005, Pupino (C‑105/03, Colect., p. I‑5285, n.° 42).


55 – V., por analogia, acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.° 41. O princípio foi retomado no artigo I‑29.°, n.° 1, do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, nos termos do qual «[o]s Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efectiva nos domínios abrangidos pelo direito da União».


56 – V. acórdão Pupino, já referido, n.os 38 e 43.


57 – Convenção baseada no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, que cria um Serviço Europeu de Polícia (Convenção Europol) (JO 1995, C 316, p. 2).


58 – Acto do Conselho, de 23 de Julho de 1996, que estabelece, com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, o Protocolo relativo à interpretação a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da Convenção que cria um Serviço Europeu de Polícia (JO 1996, C 299, p. 1).


59 – JO L 327, p. 19.


60 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, Colect., p. 4199).


61 – Acórdão Foto‑Frost, já referido, n.° 16.


62 – Acórdão Pupino, já referido.


63 – Acórdão Pupino, já referido, n.° 36 («independentemente do grau de integração pretendido pelo Tratado de Amesterdão no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa na acepção do artigo 1.°, segundo parágrafo, UE [...]»). Sublinhado nosso.


64 – Acórdão Foto‑Frost, já referido, n.° 15.


65 – O advogado‑geral P. Léger, nas suas conclusões apresentadas em 30 de Setembro de 2003 no processo Köbler, já referido, n.° 35, salientou que «o princípio da responsabilidade do Estado [pelos danos causados aos particulares por uma violação do direito comunitário] constitui o prolongamento necessário do princípio geral da protecção jurisdicional efectiva ou do ‘direito de recurso aos tribunais’».


66 – Acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.° 29. Recorde‑se, usando as palavras do advogado‑geral P. Léger (v. as suas conclusões no processo Köbler, já referidas, n.° 85) que «resulta de jurisprudência assente que, para reconhecer a existência de um princípio geral de direito, o Tribunal de Justiça não exige que a regra figure em todas as ordens jurídicas nacionais. De igual forma, o facto de o âmbito e as condições de aplicação da regra variarem de um Estado‑Membro para outro não é relevante. O Tribunal de Justiça limita‑se a declarar que o princípio é geralmente reconhecido e que, para além das diversidades, os direitos internos dos Estados‑Membros revelam a existência de critérios comuns».


67 – V., por analogia, acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.os 29 e 31.


68 – V., entre outros, acórdão de 13 de Julho de 1989, Wachauf (5/88, Colect., p. I‑2609, n.° 18), e o artigo 52.° da Carta.


69 – V., por analogia, acórdão Köbler, já referido, n.os 46 e 50.


70 – V., entre outros, acórdãos Peterbroeck, já referido, n.° 12, e de 11 de Setembro de 2003, Safalero (C‑13/01, Colect., p. I‑8679, n.° 49).


71 – Despachos recorridos, n.° 38.


72 – V., em relação à Europol, o artigo 26.°, n.os 1 e 2 da Convenção Europol e, em relação à Comunidade Europeia, os artigos 281.° CE e 282.° CE.


73 – Uma imunidade de jurisdição da Comunidade Europeia perante os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros deve, pelo contrário, considerar‑se implicitamente excluída por força do artigo 240.° CE, nos termos do qual «[s]em prejuízo da competência atribuída ao Tribunal de Justiça pelo presente Tratado, os litígios em que a Comunidade seja parte não ficam, por este motivo, subtraídos às competência dos órgãos jurisdicionais nacionais».


74 – Permita‑se‑me remeter, a este respeito, não só directamente para os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Waite e Kenedy, cit., e Beer e Regan/Alemanha, de 18 de Fevereiro de 1999 (ainda não publicado mas acessível no sítio www.echr.coe.int ), mas também para a detalhada análise e resenha de processos de A. Renisch – U. A. Weber, «In the Shadow of Waite and Kennedy. The Jurisdictional Immunity of International Organizations, the Individual’s Right of Access to the Courts and Administrative Tribunals as Alternative Means of Dispute Settlement», in International Organizations Law Review, 2004, 1, p. 59, bem como para E. Gaillard – I. Pingel‑Lenuzza, «International Organisations and Immunity from Jurisdiction: to Restrict or to Bypass», in International and Comparative Law Quarterly, 2002, vol. 51, p. 1.


75 – V. acórdão Köbler, já referido, n.os 57 e 58.


76 – Despachos recorridos, n.° 38.


77 – Despachos recorridos, n.° 38.


78 – Acórdãos do Tribunal de Justiça Les Verts/Parlamento, já referido, com o qual foi reconhecida a possibilidade de impugnar, por meio de recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE, actos do Parlamento destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, e de 22 de Maio de 1990, Parlamento/Conselho (C‑70/88, Colect., p. I‑2041), através do qual se reconheceu a legitimidade do Parlamento para interpor recurso de anulação, nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE, contra um acto do Conselho ou da Comissão a fim de ver declarada a violação das suas prerrogativas.


79 – Acórdão de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, Colect., p. 69, n.os 38 a 43), em que o Tribunal de Justiça considerou que o recurso de anulação previsto no artigo 173.° do Tratado CEE pode de ser exercido contra «todas as disposições tomadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos».


80 – Acórdão de 29 de Março de 1990, Grécia/Conselho (C‑62/88, Colect., p. I‑1527, n.° 8), no qual foi reconhecida a possibilidade, ainda que não prevista no artigo 173.° do Tratado CEE, de examinar, no âmbito de um recurso de anulação de um acto fundado numa disposição do Tratado CEEA, uma arguição baseada na violação de uma norma do Tratado CEEA ou do Tratado CECA.


81 – Acórdão de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão (92/78, Colect., p. 407, n.os 40 e 41) no qual o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 184.° do Tratado CEE era aplicável também aos actos de alcance geral que não os regulamentos, a fim de garantir aos particulares um controlo da legalidade dos actos que não podem impugnar.


82 – Assim se exprimia, referindo‑se ao acórdão Les Verts/Parlamento, já referido, o advogado‑geral Van Gerven nas suas conclusões apresentadas em 30 de Novembro de 1989 no processo C‑70/88, Parlamento/Conselho, já referido, n.° 11.


83 – Já referido, n.° 44.


84 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1977, CFDT/Conselho (66/76, Colect., p. 127, n.os 8 a 12), quanto à legitimidade activa e passiva para o recurso nos termos do artigo 33.° do Tratado CECA, e despacho de 13 de Janeiro de 1995, Roujansky/Conselho (C‑253/94 P, Colect., p. I‑17, n.os 9 e 11), quanto aos actos susceptíveis de recurso nos termos do artigo 173.° do Tratado CE.


85 – Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 21 de Março de 2002 no processo Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.° 54.


86 – Em alguns casos fez, em substância, uma ponderação entre direitos fundamentais e liberdades fundamentais previstas no Tratado CE: v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 200, Schmidberger (C‑112/00, Colect., p. I‑5659) e de 14 de Outubro de 2004, Omega (C‑36/02, Colect., p. I‑9609).