Language of document : ECLI:EU:C:2012:800

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 13 de dezembro de 2012 (1)

Processo C‑439/11 P

Ziegler SA

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 81.°, n.° 1, CE e artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE — Efeitos jurídicos das orientações da Comissão — Afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros — Cálculo das coimas — Direito a um processo equitativo — Imparcialidade objetiva da Comissão — Princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação — ‘Cartel das mudanças’ — Mercado dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica»





I —    Introdução

1.        O presente caso confere ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aprofundar a sua jurisprudência relativa aos efeitos jurídicos das orientações publicadas em grande número pela Comissão, na sua qualidade de autoridade responsável em matéria de concorrência da União Europeia. Assumem particular interesse neste âmbito as «Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros», de 2004 (2), bem como as «Orientações para o cálculo das coimas», publicadas em 2006 (3).

2.        Colocam‑se ainda alguns problemas em matéria de direitos fundamentais, repetidamente discutidos, no contexto da execução pela Comissão de processos para a aplicação de coimas em matéria de concorrência. Os referidos problemas dizem respeito, por um lado, ao cálculo da coima e, por outro, à problemática da imparcialidade objetiva da Comissão na sua qualidade de autoridade de instrução e decisória.

3.        Estas questões jurídicas foram suscitadas no âmbito do «cartel das mudanças» descoberto, há alguns anos, pela Comissão no mercado belga dos serviços de mudanças internacionais e objeto, em 11 de março de 2008, de uma decisão de aplicação de coima (a seguir, também, «decisão controvertida») (4). A Comissão imputou à empresa Ziegler SA (a seguir «Ziegler» ou «recorrente») a participação, juntamente com nove outras empresas e grupos de empresas, no cartel das mudanças e aplicou‑lhe uma coima.

4.        Após o seu recurso de anulação, interposto em primeira instância contra a referida decisão, ter sido julgado improcedente pelo Tribunal Geral, por acórdão de 16 de junho de 2011 (5) (a seguir, também, «acórdão do Tribunal Geral» ou «acórdão recorrido»), a Ziegler interpôs o presente recurso para o Tribunal de Justiça. É interessante constatar que também a Comissão não concorda com algumas passagens centrais da fundamentação do acórdão recorrido, tendo pedido ao Tribunal Geral que mantivesse o referido acórdão com outros fundamentos. A questão de saber se, e em que medida, uma substituição de fundamentos (“substitution de motifs”) deste tipo é admissível no recurso também deverá, por conseguinte, ser objeto de discussão no presente processo.

5.        O Tribunal de Justiça terá ainda de se pronunciar sobre uma série de outras questões jurídicas suscitadas nos restantes processos de recurso relativos ao cartel das mudanças ainda pendentes (6).

II — Antecedentes do litígio

6.        A Ziegler, com sede em Bruxelas (Bélgica), qualifica‑se de empresa familiar pertencente a pessoas singulares, todas descendentes dos fundadores da empresa, e a duas sociedades gestoras de participações sociais, ligadas igualmente à família Ziegler (7). Uma parte significativa da atividade da Ziegler é composta por serviços de mudanças, realizados até dezembro de 2003 por uma divisão da empresa e desde dezembro de 2003 por uma sociedade separada denominada Ziegler Relocation SA (anterior Euro Time) que integra o grupo Ziegler (8).

7.        De acordo com os resultados das investigações levadas a cabo pela Comissão, no mercado belga dos serviços de mudanças internacionais existiu, entre 1984 e 2003, um cartel em que participaram dez empresas de mudanças (9) em períodos (10) e medidas diferentes.

8.        Na decisão controvertida, a Comissão declarou que o referido cartel se tratava de um cartel global sob a forma de uma infração única e continuada (11), baseado, no total, em três tipos de acordos (12):

      acordos sobre preços, em que as empresas de mudanças participantes se concertavam sobre a remuneração das suas prestações face aos clientes;

—      acordos sobre um sistema de compensações financeiras para as propostas recusadas ou em caso de não apresentação de propostas (comissões); através destes acordos, os concorrentes da empresa, à qual fora adjudicado o concurso relativo a um serviço de mudanças internacionais, deveriam, por assim dizer, receber uma compensação financeira, independentemente de os próprios terem ou não apresentado uma proposta no âmbito do concurso em causa; as referidas comissões estavam incluídas no preço final das respetivas prestações de serviços de mudanças internacionais, sem que o consumidor o notasse;

—      acordos sobre a repartição do mercado através de um sistema de orçamentos fictícios (orçamentos de conveniência), entregues ao cliente ou à pessoa que se mudava, por uma empresa de mudanças que não tinha a intenção de realizar a mudança; para esse efeito, a empresa em causa indicava aos seus concorrentes o preço, a taxa de seguro e as despesas de armazenagem que estes deviam faturar pela prestação fictícia.

9.        Enquanto os acordos sobre as comissões e os orçamentos de conveniência foram aplicados ao longo de toda a duração do cartel (de 1984 a 2003), a execução dos acordos sobre os preços não pôde ser provada para além do mês de maio de 1990 (13).

10.      Na decisão controvertida, a Comissão concluiu com base nos factos por si apurados que as empresas implicadas infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), «fixando de forma direta e indireta os preços dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, repartindo uma parte desse mercado e manipulando o processo de apresentação de propostas» durante diferentes períodos (14).

11.      A decisão controvertida foi notificada a um total de 31 pessoas jurídicas, às quais a Comissão aplicou, além disso, em parte de forma individual, em parte solidariamente, coimas de diferentes montantes (15) pela infração cometida. Para calcular o valor das coimas, a Comissão recorreu na decisão controvertida ao método apresentado nas suas orientações para o cálculo de coimas de 2006.

12.      De acordo com as constatações da Comissão no artigo 1.°, alínea j), da decisão controvertida, a Ziegler participou no cartel global durante o período de 4 de outubro de 1984 a 8 de setembro de 2003, ou seja, ao longo de toda a sua existência. Por este facto, nos termos do artigo 2.°, alínea l), da decisão controvertida foi aplicada à empresa uma coima de 9,2 milhões de euros, sem que fosse decretada uma responsabilidade solidária.

13.      Vários dos destinatários da decisão impugnada procuraram proteção jurídica por meio de recursos de anulação dessa decisão interpostos em primeira instância perante o Tribunal Geral (16).

14.      Em 16 de junho de 2011, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela Ziegler em 3 de junho de 2008, tendo‑a ainda condenado nas despesas (17).

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.      Por petição de 25 de agosto de 2011, a Ziegler interpôs o presente recurso, no qual pede que o Tribunal de Justiça se digne a

—      declarar o presente recurso admissível e fundado;

—      anular o acórdão do Tribunal Geral e decidir definitivamente sobre o litígio objeto desse acórdão;

—      declarar os pedidos apresentados em primeira instância procedentes e, consequentemente, anular a decisão controvertida; a título subsidiário, anular a coima aplicada à recorrente nessa decisão ou, a título ainda mais subsidiário, reduzir substancialmente a referida coima;

—      condenar a Comissão no pagamento das despesas nas duas instâncias.

16.      Por sua vez, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne a

—      negar provimento ao recurso substituindo determinados pontos da fundamentação do Tribunal Geral,

—      a título subsidiário, negar provimento ao recurso de anulação e

—      condenar a recorrente nas despesas.

17.      No âmbito do presente recurso, foram apresentadas no Tribunal de Justiça alegações escritas e, posteriormente, alegações orais em 24 de outubro de 2012.

IV — Apreciação

18.      O recurso interposto pela Ziegler baseia‑se em quatro fundamentos, que dizem respeito a várias questões jurídicas relacionadas com a afetação sensível do comércio entre os Estados‑Membros, o cálculo do montante da coima e o princípio da imparcialidade da Comissão.

A —    Questões prévias

19.      Antes de proceder a uma análise material dos fundamentos de recurso invocados pela Ziegler importa apreciar duas questões prévias, a primeira das quais diz respeito à admissibilidade de determinados argumentos apresentados pela Comissão e a segunda à admissibilidade de determinados aspetos das alegações da Ziegler.

1.      Quanto à admissibilidade do pedido da Comissão de substituição de determinados fundamentos do acórdão

20.      No âmbito do primeiro e do segundo fundamento, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que, mantendo o acórdão recorrido, substitua alguns dos fundamentos apresentados pelo Tribunal Geral por outros (em francês: «substitution de motifs»). Em particular, relativamente ao primeiro fundamento, a Comissão considera que o dever de definição do mercado pressuposto pelo Tribunal Geral não existe. Quanto ao segundo fundamento contesta, designadamente, que as orientações para o cálculo de coimas de 2006 tenham provocado um aumento geral das exigências impostas à fundamentação de decisões de aplicação de coimas.

21.      A Ziegler considera que este pedido é inadmissível, na medida em que a argumentação da Comissão é imprecisa, para além de a mesma carecer de um interesse em agir.

22.      Quanto à primeira objeção da Ziegler, basta recordar que da resposta ao recurso resulta com suficiente precisão quais os elementos da fundamentação do acórdão recorrido que a Comissão pretende substituir e que fundamentação a mesma considera adequada, em detrimento daquela que foi utilizada pelo Tribunal Geral. Ao contrário do entendimento da Ziegler, para tal não era necessário que a Comissão apresentasse uma proposta de formulação concreta.

23.      Quanto à segunda objeção, importa sublinhar que, efetivamente, o Tribunal de Justiça já considerou inadmissíveis determinados pedidos da Comissão de substituição de fundamentos de um acórdão em virtude de uma falta de suficiente interesse em agir (18). A necessidade de um interesse em agir, que neste contexto se aplica quer a recorrentes privilegiados quer a recorrentes não privilegiados (19) exige que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (20).

24.      No entanto, a referida jurisprudência relativa à inadmissibilidade de pedidos de substituição de fundamentos de um acórdão apenas diz respeito a casos em que a própria Comissão interpôs um recurso ou um recurso subordinado (21), ou em que a mesma recorre ao Tribunal de Justiça para que este proceda à correção de alegados erros de direito na fundamentação do Tribunal Geral, apesar de estes não serem objeto do processo de recurso (22).

25.      A situação afigura‑se diferente no presente contexto: a Comissão não interpôs qualquer recurso (subordinado) e — para além de uma exceção ainda a referir (23) — nas suas alegações escritas e orais apresentadas no Tribunal de Justiça também não foi além do objeto do recurso interposto pela Ziegler. Pelo contrário, no essencial a Comissão limitou‑se a defender o acórdão do Tribunal Geral, em especial no que respeita aos erros de direito invocados pela Ziegler. No âmbito deste objeto do litígio, a Comissão solicitou uma substituição dos fundamentos sem necessidade de anular o dispositivo do acórdão.

26.      Nestas circunstâncias, a jurisprudência constante admite a substituição da fundamentação do acórdão no procedimento de recurso (24), independentemente da questão de saber se o Tribunal de Justiça a realiza por iniciativa própria ou se segue, neste âmbito, o «pedido» ou a «proposta» de uma das partes no processo. O Tribunal de Justiça não pode estar obrigado a ter em conta unicamente os argumentos invocados pela recorrente em apoio das suas pretensões, sob pena de se ver compelido, eventualmente, a fundamentar a sua decisão em considerações jurídicas erradas (25). Ao substituir uma fundamentação do acórdão recorrido, errada do ponto de vista do direito, o Tribunal de Justiça pode cumprir, de uma forma processualmente eficaz, a sua função de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (artigo 19.°, n.° 1, segunda frase, TUE).

27.      Apenas as considerações da Comissão a respeito do limiar de 40 milhões de euros necessitam de uma apreciação diferente, na medida em que a passagem do acórdão recorrido em que o Tribunal Geral analisa esta temática (26)não é objeto de quaisquer fundamentos da Ziegler no recurso (27). Logo, a Comissão também não pode propor qualquer substituição de fundamentos na referida passagem do acórdão.

28.      Abstraindo desta exceção, os pedidos da Comissão de substituição da fundamentação do acórdão são, no entanto, admissíveis. Quanto ao seu mérito, irei pronunciar‑me no local apropriado no âmbito da análise dos correspondentes fundamentos apresentados pela Ziegler.

29.      Caso determinadas passagens da fundamentação do acórdão recorrido devam efetivamente ser substituídas, daqui não decorre a inadmissibilidade do recurso, ao contrário do entendimento da Comissão, mas sim a sua improcedência (28), na medida em que os argumentos da Ziegler contra o acórdão recorrido são inoperantes, ou seja, não procedem (em francês: «inopérant») (29).

2.      Quanto à alegação da Comissão de que a Ziegler não colocou em causa no procedimento administrativo a existência de uma afetação sensível do comércio

30.      Em vários pontos dos seus articulados a Comissão sublinha o facto de a Ziegler não ter colocado em causa no procedimento administrativo a existência de uma afetação sensível do comércio, tendo apenas formulado uma alegação correspondente no processo judicial.

31.      Da perspetiva da economia processual, este tipo de atuação é indubitavelmente lamentável. No entanto, não pode ser criticado do ponto de vista jurídico, na medida em que não existe qualquer disposição do direito da União que levaria a uma preclusão de todas as acusações não invocadas em procedimentos administrativos em matéria de concorrência (30). Por conseguinte, a argumentação da Ziegler em relação à afetação sensível do comércio é admissível.

B —    Apreciação do recurso quanto ao mérito

32.      A decisão controvertida foi adotada antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Por conseguinte, no que respeita à sua apreciação jurídica são ainda pertinentes as normas dos Tratados europeus, na sua versão resultante do Tratado de Nice, nomeadamente a proibição dos cartéis (artigo 81.°, n.° 1, CE) e o dever de fundamentação nos termos do artigo 253.° CE. As considerações seguintes podem, no entanto, ser aplicadas, sem mais, ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE e o artigo 296.°, n.° 2, TFUE.

1.      Quanto à afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros (primeiro fundamento)

33.      O primeiro fundamento da Ziegler diz respeito aos n.os 64 a 74 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral debate a questão de saber se o cartel das mudanças poderia afetar o comércio entre Estados‑Membros.

34.      Isto porque o artigo 81.°, n.° 1, CE apenas proíbe os acordos de natureza anticoncorrencial quando «sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros». Esta denominada cláusula do comércio entre Estados‑Membros estabelece a fronteira entre o âmbito de aplicação do direito nacional da concorrência e o do direito da concorrência da União (31).

35.      Nos termos da jurisprudência constante, é necessário que os efeitos concretos ou potenciais de um acordo sobre o comércio entre os Estados‑Membros não sejam apenas «insignificantes» (32), ou seja, o comércio deve ser «sensivelmente» afetado (33).

36.      Nas suas orientações de 2004, a Comissão, baseando‑se na jurisprudência dos tribunais da União, apresentou determinados critérios que permitem analisar se um acordo entre empresas é adequado a afetar sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros. Entre estes critérios inclui‑se, designadamente, o limiar de 5% de quota de mercado agregada das partes de um acordo entre empresas nos mercados afetados pelo referido acordo (34) (a seguir, também, «critério dos 5%»).

37.      A Ziegler considera que o Tribunal Geral terá cometido vários erros ao interpretar e aplicar o referido critério dos 5%.

a)      Quanto à necessidade de definir previamente o mercado relevante ao aplicar o critério dos 5% (primeira parte do primeiro fundamento)

38.      No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente critica, antes de mais, o Tribunal Geral por ter «dispensado» erradamente a Comissão do dever de definir o mercado no que respeita ao «critério dos 5%».

39.      Esta crítica tem como pano de fundo as considerações do Tribunal Geral nos n.os 66 a 72 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral começa por partir da observação de que o cálculo de uma quota de mercado implica, logicamente, a definição desse mercado, e que no ponto 55 das suas orientações de 2004 a Comissão se comprometeu precisamente a uma definição do mercado deste tipo, tendo em consideração o critério dos 5% (35). De seguida, o Tribunal Geral constata que a Comissão não cumpriu essa mesma obrigação, na medida em que não procedeu a uma definição do mercado (36). No entanto, o Tribunal Geral considera que, nas circunstâncias do processo em apreço, a Comissão «fez prova bastante» (37) de que o limiar de 5% tinha sido ultrapassado. Decisiva para esta conclusão do Tribunal Geral foi a sua avaliação de que a Comissão «forneceu uma descrição suficientemente detalhada do setor em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico» (38). Por conseguinte, a Comissão podia, «excecionalmente», basear‑se no critério dos 5%, sem efetuar expressamente uma definição do mercado na aceção das suas orientações de 2004 (39).

40.      A Ziegler alega que o acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado quanto a este ponto e que, em qualquer caso, os fundamentos são contraditórios e materialmente errados.

41.      De seguida, começarei por analisar a crítica da falta de fundamentação [v., desde logo, a alínea i)], antes de apreciar as exigências legais impostas a uma definição do mercado no contexto do critério dos 5% [v., infra, a alínea ii)] e examinar resumidamente os vícios substanciais invocados pela Ziegler no que respeita à definição do mercado [v., infra, a alínea iii)].

i)      Quanto à alegação de uma fundamentação insuficiente e contraditória do acórdão

42.      A Ziegler começa por criticar o facto de o Tribunal Geral não ter de forma alguma fundamentado por que razão «isentou» a Comissão do dever de definir o mercado no que respeita ao critério dos 5 %. De qualquer modo, a fundamentação do acórdão é contraditória.

43.      Ao contrário do que afirma a Comissão, esta crítica tem um significado autónomo, a par dos argumentos de fundo da recorrente em relação à definição do mercado. Isto porque independentemente da questão de saber se o Tribunal Geral impôs, em termos de conteúdo, as exigências corretas ou exigências demasiado rígidas à definição do mercado, este deve, do ponto de vista formal, fundamentar devidamente o seu acórdão: para tal, deve expor os fundamentos que, no seu entender, foram decisivos para a decisão em primeira instância.

44.      O dever do Tribunal Geral de fundamentar os seus acórdãos resulta do artigo 36.°, em conjugação com o artigo 53.°, n.° 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça. Segundo jurisprudência assente, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (40). Para além disso, a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral não pode ser contraditória (41).

45.      À primeira vista, parece efetivamente que o Tribunal Geral se enredou no presente caso em contradições significativas, na medida em que, por um lado, no contexto da aplicação do critério dos 5%, refere a falta de uma definição do mercado na decisão controvertida (42) e, por outro, constata que, ao remeter para «os serviços de mudanças internacionais na Bélgica», a Comissão «forneceu uma descrição suficientemente detalhada do setor em causa, incluindo a oferta, a procura e o âmbito geográfico» (43). Para além disso, o Tribunal Geral considera obrigatória uma definição do mercado no que respeita à aplicação do critério dos 5%, mas entende simultaneamente que no presente caso a Comissão podia basear‑se precisamente no referido critério dos 5%, «sem efetuar expressamente uma definição do mercado» (44).

46.      Vendo bem, neste caso o Tribunal Geral apenas se expressou, no entanto, de uma forma pouco feliz, na medida em que do contexto global da passagem do acórdão em causa resulta com suficiente clareza que a decisão controvertida contém uma descrição do mercado por parte da Comissão («os serviços de mudanças internacionais na Bélgica») e que o Tribunal Geral considera esta descrição suficiente para a equiparar a uma verdadeira definição do mercado e validá‑la como base para a aplicação do critério dos 5%. Recorrendo a uma leitura benévola, as considerações do Tribunal Geral a respeito desta questão não são, por conseguinte, contraditórias, não obstante o que possa ter parecido de início.

47.      As afirmações do Tribunal Geral permitem, para além disso, reconhecer com suficiente clareza por que razão o Tribunal Geral «excecionalmente» se absteve de «afastar» as conclusões da Comissão quanto ao critério dos 5%. O Tribunal Geral acabou por partir do pressuposto de que a descrição do setor relevante na decisão controvertida continha todas as informações necessárias para a aplicação do critério dos 5% e, por conseguinte, era equivalente à definição do mercado considerada necessária pelo Tribunal Geral.

48.      Logo, a crítica de uma fundamentação insuficiente e contraditória do acórdão deve ser rejeitada.

ii)    Quanto às exigências legais impostas a uma definição do mercado

49.      Para além disso, a recorrente contesta o facto de a decisão controvertida, ao contrário das afirmações do Tribunal Geral, não identificar de forma precisa os serviços em causa, bem como o mercado relevante, na medida em que a mera descrição de um «setor» («os serviços de mudanças internacionais na Bélgica») não é equivalente a uma definição plena do mercado relevante.

50.      A este respeito, importa começar por referir que nos termos da cláusula do comércio entre Estados‑Membros na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, nem sempre é necessário efetuar uma definição do mercado. Isto porque a existência de uma afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros também pode ser demonstrada sem recorrer a uma definição do mercado, designadamente se existem elementos que indiciem que as empresas, através de um determinado comportamento, têm a intenção de dificultar significativamente as exportações para outros Estados‑Membros ou as importações de outros Estados‑Membros (45).

51.      Caso, no entanto, uma autoridade da concorrência ou um órgão jurisdicional se baseie especificamente no critério dos 5% para provar o caráter sensível da afetação do comércio na aceção da cláusula do comércio entre Estados‑Membros, a definição do mercado torna‑se imprescindível, na medida em que sem a definição prévia do mercado relevante é impossível determinar as quotas de mercado. A este respeito, o Tribunal Geral está correto quando afirma que «o cálculo de uma quota de mercado implica, numa lógica prévia, a definição desse mercado» (46).

52.      No entanto, tal como a Comissão sublinha com razão, no que respeita à aplicação do critério dos 5% a descrição do mercado relevante não tem necessariamente de ser efetuada com o mesmo nível de pormenor que uma definição do mercado que visa avaliar o comportamento de empresas concorrentes. Os níveis de exigência impostos à definição do mercado podem variar consoante o objetivo prosseguido com a referida definição do mercado. Tendencialmente, uma definição do mercado deve ser tanto mais precisa quanto mais complexos forem os contextos económicos e mais aprofundadas forem as análises necessárias para a sua avaliação, o que sucede designadamente com a declaração da existência ou do abuso de uma posição dominante no mercado nos termos do artigo 82.° CE (atual artigo 102.° TFUE) ou em decisões de análise prospetiva sobre o desenvolvimento futuro do mercado em determinados procedimentos de controlo das operações de concentração.

53.      A recorrente está portanto equivocada ao considerar que por definição do mercado se deve entender sempre o mesmo e que no presente caso a Comissão deveria ter efetuado, como base para a aplicação do critério dos 5%, a mesma descrição de mercado detalhada que faria noutro contexto.

54.      A meu ver, o Tribunal Geral pôde concluir, sem quaisquer erros de direito, que a referência da Comissão ao «setor de serviços de mudanças internacionais na Bélgica», que abrange todos os serviços de mudanças de e para a Bélgica, independentemente de serem encomendados por particulares, empresas ou entidades públicas (47), delimitava a matéria de facto do presente caso de forma suficientemente precisa para possibilitar uma aplicação do critério dos 5% (48).

55.      Ao contrário do entendimento da Ziegler, também das orientações de 2004 não é possível retirar para o presente caso quaisquer exigências mais rígidas relativamente à definição do mercado.

56.      É certo que, ao invés do que é referido pela Comissão, as orientações de 2004 contêm mais do que uma mera codificação da jurisprudência proferida até à data sobre a questão da afetação do comércio entre Estados‑Membros, na medida em que nas referidas orientações a Comissão estabelece a sua «metodologia para a aplicação do conceito de afetação do comércio» (49), anunciando ainda que em determinadas circunstâncias não dará início a um procedimento contra as empresas nem lhes aplicará coimas (50). Ao publicar estas orientações, a Comissão impôs‑se a si própria uma obrigação que deverá respeitar no exercício do seu poder de apreciação de circunstâncias económicas no contexto da afetação do comércio entre Estados‑Membros (51). Por conseguinte, não pode aplicar, sem razão válida, uma metodologia diferente da apresentada nas suas orientações de 2004 ao analisar se o comportamento de empresas na aceção dos artigos 81.° CE e 82.° CE (artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE) é suscetível de afetar sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros.

57.      Em termos de conteúdo, as orientações de 2004 limitam‑se, no entanto, à afirmação manifestamente insuficiente de que é «necessário determinar o mercado relevante» para a aplicação do critério dos 5% (52). No que respeita à questão do detalhe com que deve ser efetuada esta definição do mercado, em causa no presente processo, as orientações de 2004 nada referem.

58.      Ao contrário do entendimento da Ziegler, mesmo a referência das orientações de 2004 à Comunicação relativa à definição do mercado relevante (53) não fornece dados adicionais, na medida em que a referida comunicação também não exclui que a definição dos mercados relevantes pode ser mais ou menos detalhada consoante os problemas de concorrência a resolver. A comunicação relativa à definição do mercado relevante, por seu lado, reconhece mesmo que a definição do mercado está estreitamente relacionada com os respetivos objetivos prosseguidos (54) e pode conduzir a resultados distintos «consoante a natureza da questão a ser examinada do ponto de vista da concorrência» (55). Deste modo, deixa subsistir um espaço suficiente para uma atuação pragmática, adequada às circunstâncias do caso concreto, no âmbito da definição do mercado.

59.      Num caso comparativamente simples como o presente, seria manifestamente contrário às exigências de um comportamento administrativo eficiente e economizador de recursos se a Comissão despendesse mais esforço do que o necessário na definição do mercado no que respeita à aplicação do critério dos 5%.

60.      Tudo ponderado, há que considerar que a argumentação da Ziegler em relação às exigências legais impostas à definição do mercado deve ser rejeitada.

iii) Quanto às alegadas lacunas em termos de conteúdo no que respeita à definição do mercado

61.      Por fim, a recorrente invoca que a descrição dos serviços afetados e do mercado («os serviços de mudanças internacionais na Bélgica») aprovada pelo Tribunal Geral no presente caso apresenta erros em termos de conteúdo, tanto no que diz respeito à definição do mercado materialmente relevante como também à definição do mercado geográfico relevante.

62.      Com este fundamento, a Ziegler contesta, em especial, o n.° 71 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral expõe que «a Comissão tinha razão quando considerou que os serviços em causa eram os serviços de mudanças internacionais na Bélgica» e que o mercado assim descrito «foi identificado corretamente pela Comissão como o mercado em causa».

63.      A recorrente baseia as suas críticas à referida passagem do acórdão sobretudo em considerações relativas à permutabilidade dos serviços de mudanças internacionais, apresentando a sua argumentação tanto a respeito do lado da oferta como da procura.

64.      Neste âmbito, a recorrente parece, no entanto, ignorar que a questão de saber como se comportam a oferta e a procura num determinado mercado e se os serviços de mudança concretamente em causa são substituíveis entre si não constitui uma questão de direito, mas sim uma questão de facto, para a qual o Tribunal de Justiça — sem prejuízo de uma eventual desvirtuação, não invocada neste caso — não é competente em sede de recurso (56).

65.      Por conseguinte, a crítica da Ziegler às considerações do Tribunal Geral quanto à definição do mercado, controvertidas no presente processo, devem ser julgadas inadmissíveis.

66.      Neste sentido, a primeira parte do primeiro fundamento não procede no seu todo.

b)      Quanto à prova de ultrapassagem do limiar de 5% no presente processo (segunda parte do primeiro fundamento)

67.      Na segunda parte do primeiro fundamento a Ziegler alega, a título subsidiário, que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação do acórdão e o princípio do contraditório ao concluir que no presente caso a quota de mercado acumulada dos participantes no cartel «ultrapassa largamente o limiar de 5%».

68.      A acusação da recorrente dirige‑se, em particular, contra as duas últimas frases do n.° 71 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral conclui que «para que o limiar de 5% não fosse ultrapassado, a dimensão do mercado relevante teria de ser de, pelo menos, 435 milhões de euros», acrescentando ainda o seguinte: «Ora, a única possibilidade de se chegar a tal dimensão do mercado relevante seria partir de um mercado muito mais abrangente do que o dos serviços de mudanças internacionais na Bélgica, mercado esse que foi, no entanto, identificado corretamente pela Comissão como o mercado em causa.»

69.      A Ziegler opõe‑se à afirmação do Tribunal Geral de que apenas um mercado muito mais abrangente do que o dos «serviços de mudanças internacionais na Bélgica» alcançaria a dimensão de 435 milhões de euros. A recorrente considera que esta afirmação do Tribunal Geral não está minimamente fundamentada, não tendo, para além disso, os pressupostos subjacentes sido objeto de um debate contraditório com as partes na primeira instância.

70.      Ambas as acusações não são convincentes.

71.      As evidências não necessitam de esclarecimentos mais aprofundados, tal como sucede com a passagem do acórdão em causa no presente processo: é óbvio que apenas se pode partir de quotas de mercado mais reduzidas de participantes no cartel quando — baseando‑se nos volumes de negócio apurados das empresas correspondentes — é presumido um volume de mercado manifestamente superior. O cálculo realizado pelo Tribunal Geral, nos termos do qual o mercado relevante deveria ter uma dimensão de 435 milhões de euros para que as quotas de mercado dos participantes no cartel baixassem de dois dígitos (quase 30% (57), abaixo dos 5% de acordo com as afirmações do Tribunal Geral) não necessitava, por conseguinte, de qualquer aprofundamento na fundamentação do acórdão.

72.      No que respeita aos dados quantificados, nos quais se baseiam os cálculos do Tribunal Geral, importa referir que estes, ao contrário das afirmações da Ziegler, foram efetivamente debatidos com as partes do processo, tendo origem na resposta escrita da Comissão às questões do Tribunal Geral no processo em primeira instância (58), e que a Ziegler podia apresentar as suas observações a qualquer momento. Para além disso, é possível deduzir do acórdão recorrido que na audiência em primeira instância a Ziegler foi expressamente questionada pelo Tribunal Geral a respeito desta temática (59).

73.      Neste contexto, a recorrente contesta erradamente o facto de os dados quantificados da Comissão não serem fidedignos. Apesar de o Tribunal Geral ter constatado um erro de apreciação da Comissão noutra passagem no acórdão recorrido, com efeitos sobre o cálculo do volume de mercado (60), daqui não pode, no entanto, ser concluído de forma global que os dados da Comissão são, em geral, inúteis.

74.      Em qualquer caso, a questão relativa ao caráter correto e fiável dos dados apurados pela Comissão constitui uma questão relacionada com a verificação dos factos e a apreciação das provas que, enquanto tal, — sem prejuízo da desvirtuação — não é analisada pelo Tribunal de Justiça como instância de recurso (61). Na medida em que a Ziegler não alegou a desvirtuação dos factos ou das provas, a empresa tem de ater‑se à verificação dos factos e à apreciação das provas efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

75.      Das considerações precedentes resulta que também a segunda parte do primeiro fundamento não tem qualquer hipótese de proceder.

c)      Quanto à questão de saber se a ultrapassagem do limiar de 5% é suficiente para confirmar uma afetação sensível do comércio (terceira parte do primeiro fundamento)

76.      Com a terceira parte do primeiro fundamento, que também é invocado a título subsidiário, a Ziegler opõe‑se em particular ao n.° 73 do acórdão recorrido, que dispõe o seguinte:

«Por último, como a Comissão corretamente observou, no âmbito da presunção positiva prevista no n.° 53 das orientações de 2004 basta que apenas uma das duas condições alternativas esteja preenchida para provar o caráter sensível da afetação do comércio entre os Estados‑Membros.»

77.      A recorrente considera que nesta passagem do acórdão o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao deduzir a afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros apenas da circunstância de a quota de mercado acumulada dos participantes no cartel ultrapassar o limiar de 5%, o que, no entender da Ziegler, não é compatível nem com a jurisprudência nem com o n.° 53 das orientações de 2004.

78.      É certo que a questão da afetação do comércio entre Estados‑Membros deve ser apreciada tendo em consideração todas as circunstâncias relevantes do respetivo caso concreto. Com efeito, segundo jurisprudência assente, um acordo entre empresas é suscetível de afetar o comércio no interior da União quando, com base num conjunto de elementos objetivos de direito ou de facto, é possível prever, com um grau de probabilidade suficiente, que pode exercer influência, direta ou indireta, efetiva ou potencial, nas correntes de trocas comerciais entre Estados‑Membros, de uma forma suscetível de prejudicar a realização dos objetivos de um mercado único entre Estados (62).

79.      Em geral, uma afetação do comércio no interior da União resultará da combinação de diversos fatores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes (63). Isto não exclui, no entanto, a possibilidade de no caso concreto um único elemento — designadamente uma ultrapassagem manifesta do limiar de 5% de quota de mercado — se cristalizar como o elemento decisivo da globalidade de circunstâncias jurídicas e de facto a ter em consideração, apontando o mesmo desde logo de uma forma razoavelmente previsível para uma afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros (64).

80.      No presente caso pode, no entanto, ficar em aberto se especialmente o cumprimento do critério dos 5%, por si só, poderia permitir presumir que se corria o risco de uma afetação sensível do comércio entre Estados‑Membros. Isto porque, tal como a Comissão sublinha corretamente, o cartel das mudanças distinguia‑se por outras duas características, com base nas quais o Tribunal Geral — mesmo independentemente da ultrapassagem do limiar de 5% de quota de mercado — poderia partir do pressuposto da existência de uma afetação sensível do comércio.

81.      Por um lado, de acordo com as conclusões do Tribunal Geral, o cartel das mudanças dizia respeito a todos os serviços de mudanças internacionais de e para a Bélgica, ou seja, todas as mudanças internacionais em que a Bélgica constituía o ponto de origem ou de destino. Neste sentido, todo o território de um Estado‑Membro estava afetado pelo cartel. Um cartel deste tipo tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelos Tratados (65).

82.      Por outro lado, o cartel das mudanças, no qual participaram importantes empresas de mudanças com sede tanto no interior como no exterior da Bélgica (66), dizia especialmente respeito a mudanças internacionais de e para a Bélgica, pelo que, pela sua própria natureza, teria de exercer uma influência considerável sobre o comércio transfronteiriço entre Estados‑Membros (67).

83.      O Tribunal Geral estava consciente destes dois elementos suplementares ao analisar o critério dos 5% no presente processo (68). Estaria, por conseguinte, errado considerar que a afetação sensível do comércio, presumida pelo Tribunal Geral, apenas se baseava na ultrapassagem do limiar de 5%, mesmo que uma consideração isolada do n.° 73, aqui controvertido, possa dar esta impressão em caso de leitura rápida.

84.      Em suma, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter ignorado as exigências legais da cláusula do comércio entre Estados‑Membros constante do artigo 81.°, n.° 1, CE.

85.      Do ponto 53 das orientações de 2004, através do qual a Comissão se impôs a si própria uma obrigação no âmbito do exercício do seu poder de apreciação, não resulta uma conclusão diferente (69). É certo que, nos termos desta disposição, a ultrapassagem do limiar de 5%, como tal, apenas pode fundamentar a presunção de uma afetação sensível do comércio interno na União quando o acordo em causa é, para além disso, suscetível, pela sua própria natureza, de afetar o comércio entre os Estados‑Membros. No entanto, no caso de uma restrição grave como a que sucede com o presente cartel, que, para além disso, nos termos das conclusões do Tribunal Geral, diz respeito a serviços de mudanças internacionais, ou seja, transfronteiriças, não há qualquer dúvida de que esta condição suplementar está preenchida.

86.      Por conseguinte, não se pode igualmente falar de uma violação do n.° 53 das orientações de 2004.

87.      No seu todo, esta terceira parte do primeiro fundamento é improcedente, pelo que deve ser negado provimento na sua totalidade ao primeiro fundamento.

2.      Quanto à fundamentação do valor da coima (segundo fundamento)

88.      Com o seu segundo fundamento, a Ziegler opõe‑se aos n.os 88 a 94 do acórdão recorrido. A recorrente critica o Tribunal Geral por ter imposto exigências demasiado leves à fundamentação da decisão controvertida no que respeita ao cálculo da coima, tendo desta forma ignorado, por um lado, as exigências de fundamentação impostas a atos jurídicos da União e, por outro, o direito fundamental a um processo equitativo [v., a este respeito, infra, alínea a)]. A título subsidiário a recorrente alega que o Tribunal Geral violou o «princípio geral da igualdade e da não discriminação» e fundamentou de forma insuficiente o seu próprio acórdão [v., a este respeito, infra, alínea b)].

89.      Estas críticas têm como pano de fundo a nova prática da Comissão, introduzida com as orientações para o cálculo de coimas de 2006, de calcular o montante de base das coimas em matéria de direito da concorrência, bem como um fator dissuasivo eventualmente aplicado, com base numa percentagem do valor das vendas (70) de cada empresa em causa. Consoante a gravidade das infrações, esta percentagem para a definição do montante de base das coimas situa‑se entre 0% e 30% do valor das vendas (71), enquanto o cálculo do fator dissuasivo se baseia uma escala que vai de 15% a 25% do valor das vendas (72).

90.      O Tribunal Geral considera que este tipo de cálculo das coimas implica exigências mais elevadas em relação à fundamentação de decisões de aplicação das coimas, considerando que a Comissão não pode, em princípio, limitar‑se a classificar apenas uma infração em determinadas categorias de gravidade (como por exemplo «muito grave» no presente caso), sem esclarecer mais pormenorizadamente de que forma determinou em concreto a percentagem do valor das vendas, com base no qual são depois calculados o montante de base da coima e o fator dissuasivo (73).

91.      Apesar disso, no presente caso o Tribunal Geral considerou suficiente que a Comissão, sem mais explicações, tenha optado por uma percentagem do volume das vendas de 17% como base de cálculo para a coima, fundamentando a sua escolha apenas com a natureza «muito grave» da infração (74). No entender do Tribunal Geral, uma fundamentação deste tipo é suficiente «na situação em que a Comissão aplica uma taxa muito próxima do limite inferior do escalão previsto para as infrações mais graves, que é, aliás, muito favorável à recorrente. Com efeito, neste caso, não é necessária uma fundamentação adicional que ultrapasse a fundamentação subjacente às orientações. Em contrapartida, se aquela pretendesse aplicar uma taxa mais elevada, teria de apresentar uma fundamentação mais detalhada» (75).

92.      Estas considerações levam a Ziegler a criticar que, apesar de o Tribunal Geral ter reconhecido na teoria a necessidade de exigências de fundamentação elevadas para o cálculo das coimas, no caso concreto não as impôs em relação à Comissão, tendo‑a «isento» da sua obrigação de fundamentação.

a)      Quanto à crítica de uma «isenção» inadmissível da necessidade de fundamentação (primeira parte do segundo fundamento)

93.      A Ziegler alega, como argumento principal no âmbito deste segundo fundamento, que o Tribunal Geral não teve em consideração as exigências legais impostas à fundamentação do cálculo de coimas em decisões da Comissão em matéria de concorrência, designadamente a exigência consagrada no direito primário de fundamentar atos jurídicos da União em conjugação com as orientações para o cálculo de coimas de 2006, por um lado, e, por outro, aquelas que resultam do direito fundamental a um processo equitativo.

i)      A necessidade de fundamentação do artigo 253.° CE (atual artigo 296.°, n.° 2, TFUE)

94.      No que diz respeito à exigência de fundamentação de atos jurídicos da União, a Ziegler baseia‑se no artigo 296.° TFUE. No entanto, aplica‑se validamente ao presente caso ainda o artigo 253.° CE (76), que, no entanto, não impõe exigências legais diferentes à fundamentação dos atos jurídicos da União — desde que tenha interesse no presente caso — do que o artigo 296.°, n.° 2, TFUE.

95.      Como resulta de jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (77).

96.      Tal como o Tribunal de Justiça sublinhou, o dever de fundamentação dos atos jurídicos da União reveste particular importância, desde que diga respeito à fixação do valor das coimas em matéria de direito da concorrência. A este respeito, incumbe à Comissão, nomeadamente, explicar a ponderação e avaliação que fez dos elementos tomados em consideração (78).

97.      Ao contrário do que a Ziegler parece entender, tal não significa, no entanto, que qualquer decisão da Comissão em matéria de coimas deva ser sempre fundamentada com a mesma intensidade. Da mesma forma, também não é possível retirar das orientações para o cálculo de coimas de 2006 um aumento geral e fundamental das exigências de fundamentação no que respeita ao cálculo das coimas, do qual o Tribunal Geral poderia ter «isento» a Comissão no presente caso.

98.      Pelo contrário, também no processo com vista à aplicação de uma coima em matéria de concorrência continua a ser válido que a natureza e o alcance da fundamentação que a Comissão deve apresentar para a sua decisão devem ser apreciados em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta e individualmente respeito podem ter em obter explicações (79).

99.      Além disso, resulta da jurisprudência que uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante pode ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática (80). O mesmo se aplica quando a adoção da decisão se insere num contexto bem conhecido dos interessados (81). Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (82).

100. Aplicando este critério, pode‑se concluir que no presente caso o Tribunal Geral entendeu corretamente que a decisão controvertida era suficientemente fundamentada no que diz respeito ao cálculo do montante de base da coima, bem como do fator dissuasivo.

101. A decisão controvertida insere‑se perfeitamente na nova prática administrativa da Comissão, tal como é tornada transparente a respeito dos processos em matéria de cartéis pelas orientações para o cálculo de coimas de 2006. As referidas orientações contêm, desde logo, vários esclarecimentos que não necessitam de ser repetidos pela Comissão na decisão controvertida. Assim, declara‑se em especial nas orientações que «os acordos […] horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos» — ou seja, restrições graves — «serão sancionados severamente», devendo, nos termos das orientações, ser fixado um montante de base «num nível superior da escala» de 0% a 30% do valor das vendas e um fator dissuasivo compreendido entre 15% e 25% do valor das vendas (83).

102. Como «infração muito grave», através da qual se visava influenciar a formação dos preços e repartir os contratos entre os integrantes da lista do cartel, o cartel das mudanças integrava inquestionavelmente esta categoria e deveria, por conseguinte, ser sancionado nos termos das orientações de 2006 com uma coima, cujo montante de base «deveria situar‑se num nível superior da escala» de 0% a 30% do valor das vendas, sendo ainda reforçado por um fator dissuasivo compreendido entre 15% e 25% do valor das vendas.

103. O facto de um montante de base de 17% do valor das vendas, tal como foi fixado pela Comissão, se situar no nível superior da escala de 0% a 30% do valor das vendas, é evidente e não necessita de esclarecimentos mais aprofundados. Quando muito, poder‑se‑ia levantar a questão de saber se uma proporção do valor das vendas de 17% se situa efetivamente «no nível superior da escala», tal como é exigido pelas orientações para o cálculo de coimas de 2006 (84) ou se porventura será demasiado reduzido. A este respeito, não se vislumbra, no entanto, qualquer interesse legítimo da Ziegler na obtenção de esclarecimentos mais aprofundados, na medida em que uma percentagem comparativamente menor lhe é mais vantajosa do que uma maior (85). O mesmo se aplica ao fator dissuasivo de 17% do valor das vendas definido pela Comissão, na medida em que também este foi fixado num nível relativamente baixo da escala prevista, que se situa entre os 15% e os 25% do valor das vendas (86).

104. É certamente concebível que, em virtude das circunstâncias especiais de um caso concreto, o cálculo do montante de base de uma coima em matéria de direito da concorrência se possa basear por vezes numa percentagem do volume das vendas mais reduzida do que aquela que foi prevista pelas orientações para o cálculo de coimas de 2006, o que é expressamente permitido nas referidas orientações através do recurso à formulação «geralmente» (87). Ao contrário do entendimento da Ziegler, não é, no entanto, possível deduzir deste facto qualquer aumento geral das exigências de fundamentação impostas às decisões em matéria de coimas. Pelo contrário, a Comissão apenas terá de apreciar as circunstâncias especiais do caso concreto na fundamentação da sua decisão em matéria de coimas quando tiver efetivamente conhecimento deste tipo de circunstâncias. Caso uma empresa, por seu lado, tenha conhecimento de circunstâncias que poderiam justificar que seja fixada uma percentagem mais reduzida do volume das vendas no cálculo da coima em relação ao que está previsto nas orientações, compete‑lhe informar a Comissão a este respeito. Mas, ao que parece, a Ziegler não alegou, no entanto, que no contexto do cálculo do montante de base da coima ou do fator dissuasivo se tenha concretamente baseado neste tipo de indícios.

105. As exigências legais impostas à fundamentação de decisões de aplicação de coimas devem ser tanto mais elevadas quantos mais complexo é o respetivo caso e maior a percentagem do valor das vendas no qual a Comissão se baseia ao calcular o montante de base e o fator dissuasivo (88). Corresponde ao sentido e à finalidade do requisito de fundamentação que os esclarecimentos a fornecer pela Comissão devem ser o mais aprofundados possíveis quanto mais a sanção aplicada ultrapassar as exigências mínimas definidas nas orientações para o cálculo de coimas. Deste modo aumenta também o interesse das empresas em causa em conhecer os motivos para um eventual rigor especial por parte da Comissão, o que falta no presente caso, que não se caracteriza por uma particular complexidade e no qual a Comissão se baseou numa percentagem do valor das vendas comparativamente reduzida para o cálculo da coima.

106. Em resumo, o Tribunal Geral aplicou corretamente as exigências legais impostas à análise da fundamentação da decisão controvertida. A alegação do incumprimento do dever de fundamentação é improcedente.

ii)    O direito fundamental a um processo equitativo

107. Para além de um incumprimento dos deveres gerais de fundamentação, a Ziegler alega igualmente uma violação do direito fundamental a um processo equitativo, invocando neste âmbito o artigo 6.° CEDH (89), bem como o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

108. A este respeito, importa começar por referir que é pacífico que a Ziegler não invocou esta violação em sede de primeira instância. Ao contrário do que a Ziegler afirma, isto também não constitui um mero complemento ou desenvolvimento da sua crítica à fundamentação da decisão controvertida apresentada em primeira instância, mas sim um novo fundamento inadmissível, que se baseia na violação de disposições jurídicas diferentes. O facto de entretanto terem sido eventualmente proferidos novos acórdãos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em relação ao artigo 6.° CEDH não altera a situação jurídica ou factual de modo a poder justificar, como tal, a invocação de novos fundamentos. Um novo fundamento não pode, acima de tudo, ser objeto num processo de recurso de uma apreciação do seu conteúdo perante o Tribunal de Justiça (90) (artigo 42.°, n.° 2, em conjugação com o artigo 118.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 19 de junho de 1991 (91)).

109. Mesmo que se considerasse admissível a argumentação da Ziegler a respeito do direito fundamental a um processo equitativo, esta seria, pelo menos, improcedente.

110. Existe, é certo, uma ligação inquestionável entre o dever de fundamentar os atos jurídicos da União e o direito fundamental a um processo equitativo, na medida em que apenas quando os fundamentos de uma medida são devidamente comunicados à pessoa afetada é que esta pode avaliar se vale a pena obter tutela jurisdicional contra a medida e os órgãos jurisdicionais competentes podem analisar de forma adequada a legalidade da medida.

111. Tal como foi, no entanto, já referido (92), no presente caso as exigências de uma fundamentação correta da decisão controvertida estavam cumpridas, na medida em que, em conjugação com as orientações para o cálculo de coimas de 2006, os fundamentos subjacentes ao cálculo do valor da coima eram claramente reconhecíveis e poderiam ser analisados sem quaisquer dificuldades num processo judicial equitativo.

112. Totalmente desprovida de fundamento é, por fim, a crítica da recorrente de que, ao aceitar uma fundamentação como a da decisão controvertida, o Tribunal Geral não exerce corretamente a sua competência de plena jurisdição, não tendo a Ziegler exposto minimamente de que forma o Tribunal Geral deveria ter analisado mais intensivamente a decisão controvertida. Em especial, a Ziegler não apresentou quaisquer elementos que permitissem concluir que especialmente a fundamentação do cálculo da coima, tal como foi realizada pela Comissão no presente caso, teria tornado impossível ou sequer dificultado a fiscalização jurisdicional abrangente da decisão controvertida, tanto do ponto de vista factual como jurídico.

113. Em resumo, a argumentação da Ziegler quanto ao direito fundamental a um processo equitativo deve ser julgada inadmissível e, em qualquer caso, improcedente.

b)      Quanto à crítica, apresentada a título subsidiário, de uma violação do princípio fundamental da igualdade de tratamento e do dever do Tribunal Geral de fundamentar os seus acórdãos (segunda parte do segundo fundamento)

114. A título subsidiário, a recorrente alega que a «isenção» do dever de fundamentação concedida à Comissão no acórdão recorrido não respeita o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, para além de não estar suficientemente fundamentada.

i)      Princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação

115. O princípio da igualdade de tratamento — por vezes também designado por «princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação» (93) — constitui um princípio geral de direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais (94). A sua importância no contexto da aplicação de coimas em processos respeitantes a cartéis foi repetidamente reconhecida pelo Tribunal de Justiça (95).

116. A violação deste princípio, alegada pela recorrente, prende‑se com o facto de o Tribunal Geral ter equiparado injustificadamente casos como o presente, em que a coima é calculada com base numa percentagem do valor das vendas de 17%, a outros em que foi possível definir uma percentagem do valor das vendas de 15%

117. Esta argumentação da Ziegler é muito vaga e parece basear‑se numa equiparação meramente hipotética com um caso exemplificativo integralmente teórico e que não foi especificado em pormenor, em que ao calcular a coima a Comissão se poderia basear não numa percentagem do valor de vendas de 17% — como sucede no presente caso —, mas sim numa percentagem do valor das vendas de 15%

118. Face à imprecisão das observações da recorrente, tenho sérias dúvidas de que as suas alegações a este respeito possam ser consideradas admissíveis (96).

119. Em qualquer caso, esta argumentação é, no entanto, improcedente.

120. O cálculo da coima não é um processo mecânico, em que se possa antecipadamente prever de forma matemática e exata para cada cartel qual a percentagem do valor das vendas que deveria ser tida em consideração no cálculo do montante de base da coima e do fator dissuasivo. Uma tal previsibilidade da sanção até à última casa decimal também não seria, aliás, apropriada, na medida em que facilitaria demasiado aos participantes no cartel o cálculo prévio do preço da sua atuação ilegal, permitindo‑lhes decidir se lhes seria mais vantajoso optar por uma prática comercial ilegal ou legal.

121. Por conseguinte, ao aplicar sanções às empresas participantes num cartel, a Comissão, como autoridade responsável em matéria de concorrência, deve dispor necessariamente de um certo poder de apreciação no que respeita à fixação da percentagem do valor das vendas com base na qual é calculada a coima (97). O facto de no presente caso se tratarem de 17% e noutro caso em matéria de cartéis de 15% do valor das vendas, está relacionado com a natureza deste tipo de cálculos de coimas e não pode ser colocado em causa invocando o princípio da igualdade de tratamento, desde que a Comissão não ultrapasse o âmbito das orientações para o cálculo de coimas, através das quais a mesma se impôs uma obrigação no âmbito do seu poder de apreciação (98).

122. De forma a compensar este poder de apreciação da Comissão na definição da percentagem do valor das vendas na qual baseia o cálculo da coima, as suas decisões em matéria de coimas estão sujeitas à plena jurisdição por parte dos tribunais da União (artigo 261.° TFUE, em conjugação com o artigo 31.° do Regulamento 1/2003) (99). No exemplo hipotético criado pela Ziegler, caso considerasse que uma percentagem do valor das vendas de 15% seria mais adequada ou justa o Tribunal Geral poderia, por conseguinte, substituir livremente a percentagem de 17% escolhida pela Comissão pela percentagem menor, reduzindo assim correspondentemente a coima aplicada.

123. Neste contexto, há que julgar improcedente a argumentação da Ziegler baseada no princípio da igualdade de tratamento.

ii)    Quanto às exigências impostas à fundamentação do acórdão recorrido

124. Para além disso, a Ziegler alega que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentar o acórdão de primeira instância. Esta falta de fundamentação prende‑se alegadamente com o facto de no presente caso o Tribunal Geral ter permitido à Comissão fixar o fator dissuasivo em 17% do valor das vendas apenas invocando a natureza «muito grave» da infração, o que constituiria uma derrogação — não fundamentada de forma aprofundada pelo Tribunal Geral — do ponto 25 das orientações para o cálculo de coimas de 2006, que prevê a consideração de «certos fatores».

125. O dever do Tribunal Geral de fundamentar os seus acórdãos resulta do artigo 36.°, em conjugação com o artigo 53.°, n.° 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça. Tal como já foi referido, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (100).

126. No presente caso, o Tribunal Geral esclareceu efetivamente porque considerava legal a fixação de um fator dissuasivo de 17% do valor das vendas, tendo remetido para as suas considerações imediatamente anteriores quanto ao cálculo do montante de base da coima e justificado esta remissão com o facto de, por um lado, «o limite inferior do escalão ser o mesmo» para o cálculo dos dois fatores e, por outro, também a Comissão ter apresentado os mesmos fundamentos para os dois cálculos através de uma remissão interna nos considerandos da decisão controvertida (101).

127. Por conseguinte, o raciocínio do Tribunal Geral em relação a esta problemática é revelado de forma clara e inequívoca no acórdão recorrido. A Ziegler pode ter chegado, quanto ao mérito, a uma conclusão diferente do Tribunal Geral. Este facto apenas não significa, no entanto, que o acórdão recorrido padeça de falta de fundamentação (102).

128. A alegação de falta de fundamentação do acórdão recorrido é, por conseguinte, improcedente.

129. A título meramente acessório, refira‑se que o entendimento jurídico da Ziegler em relação aos pontos 22 e 25 das orientações para o cálculo de coimas de 2006 também não convence no que respeita ao seu conteúdo. A afirmação geral da Comissão, aí incluída, de que «terá em conta certos fatores» ao fixar o fator dissuasivo descreve em termos gerais a sua prática administrativa e não significa necessariamente que em cada caso concreto a Comissão se baseia nestes fatores e que teria de fundamentar detalhadamente a sua decisão a este respeito. A questão de saber quais os fatores relevantes e quantos destes fatores estão em causa depende, pelo contrário, de cada caso. Tanto quanto se sabe, no presente caso a Ziegler não apresentou qualquer argumento concreto que permitisse considerar que na fixação do montante de base da coima, incluindo o fator dissuasivo deveriam ser tidos em consideração outros fatores, ignorados pela Comissão.

130. Em resumo, importa concluir que o segundo fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

3.      Quanto à «imparcialidade objetiva» da Comissão (terceiro fundamento)

131. O terceiro fundamento visa os n.os 103 a 107 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral analisa a imparcialidade da Comissão, questionada pela Ziegler. A Ziegler critica o Tribunal Geral por não ter fundamentado devidamente o seu acórdão a este respeito, tendo, para além disso, violado o direito fundamental a um processo equitativo, bem como o direito fundamental a uma boa administração.

132. A referida crítica tem como pano de fundo o facto de a própria Comissão se considerar uma das vítimas do cartel das mudanças. A Ziegler entende que nestas circunstâncias a própria Comissão não poderia ter tido o poder de decidir a respeito do cartel das mudanças, na medida em que deste modo assumiria simultaneamente o papel de vítima e juiz.

133. A recorrente considera, por conseguinte, que, tendo em conta as circunstâncias particulares do presente caso, a imparcialidade da Comissão está posta em causa. Ao invés, a Ziegler não questiona o sistema existente na União em matéria de aplicação do direito da concorrência, incluindo o papel institucional da Comissão como autoridade responsável em matéria de concorrência.

a)      Quanto ao alegado erro de fundamentação do acórdão recorrido (primeira parte do terceiro fundamento)

134. A Ziegler começa por criticar o Tribunal Geral por não ter respondido à sua objeção, apresentada em primeira instância, relativa à imparcialidade objetiva da Comissão. A recorrente entende que no seu acórdão o Tribunal Geral apenas analisou a exigência da imparcialidade subjetiva, mas não a da imparcialidade objetiva. Por conseguinte, o acórdão recorrido padece de um erro de fundamentação.

135. É pacífico que a recorrente alega uma violação do dever de fundamentação em relação a acórdãos proferidos em primeira instância (artigo 36.° em conjugação com o artigo 53.°, n.° 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça) ao alegar que o Tribunal Geral não respondeu a um fundamento por ela invocado em primeira instância (103). No âmbito do recurso de decisão do Tribunal Geral, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, em especial, verificar se aquele Tribunal respondeu de modo juridicamente satisfatório a todos os argumentos deduzidos pela recorrente (104).

136. No presente caso, nos n.os 103 a 107 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral respondeu — ainda que de forma sucinta — aos argumentos apresentados pela Ziegler em primeira instância, tendo também exposto por que razão rejeitou o correspondente fundamento apresentado pela Ziegler.

137. Importa reconhecer que o Tribunal Geral não diferenciou de forma clara entre imparcialidade objetiva e subjetiva, o que é sem dúvida lamentável. A exatidão do conteúdo das considerações no acórdão recorrido — neste caso, a questão de saber se à imparcialidade objetiva devem ser impostas as mesmas exigências que à imparcialidade subjetiva — não constitui, no entanto, um problema relativo ao dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral, mas sim uma questão de direito substantivo (105). O facto de o Tribunal Geral ter, quanto ao mérito, chegado a uma conclusão diferente da da recorrente não significa, por si só, que o acórdão recorrido padeça de fundamentação insuficiente (106).

138. A primeira parte do terceiro fundamento é, por conseguinte, improcedente.

b)      Quanto aos direitos fundamentais a um processo equitativo e a uma boa administração (segunda parte do terceiro fundamento)

139. A Ziegler invoca ainda uma violação dos seus direitos fundamentais a um processo equitativo e a uma boa administração. De acordo com a recorrente, a referida violação prende‑se com o facto de no presente caso a Comissão ter sido «juiz em causa própria». Para este efeito, a recorrente invoca o artigo 6.° CEDH, bem como os artigos 47.° e 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

140. A Comissão não é um tribunal na aceção do artigo 6.° CEDH e do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais (107). Como autoridade da concorrência da União Europeia deve, no entanto, respeitar o direito a uma boa administração, que está consagrado com o estatuto de direito fundamental da União no artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (108). Nos termos desta disposição, todas as pessoas têm direito, designadamente, a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial.

141. Este princípio da imparcialidade compreende dois aspetos: a imparcialidade subjetiva, nos termos da qual nenhum dos agentes do organismo em causa deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e a imparcialidade objetiva, nos termos da qual devem ser oferecidas garantias suficientes para excluir todas as dúvidas legítimas sobre a imparcialidade das autoridades encarregadas desta questão (109).

142. O objeto do presente fundamento é apenas o segundo aspeto, ou seja, o princípio da imparcialidade objetiva. A Ziegler afirma que a Comissão não pôde ser objetivamente imparcial na apreciação do presente caso devido ao facto de ser uma das principais vítimas do cartel das mudanças e de os agentes da Comissão terem «solicitado orçamentos de conveniência» (110) (sic!), algo que o Tribunal Geral não teve em consideração no acórdão recorrido.

143. Para os efeitos do presente recurso pode ficar em aberto a questão de saber se o Tribunal de Justiça deveria ter anulado a decisão controvertida no caso de uma violação da imparcialidade objetiva devido a incompetência — de acordo com a tese da Ziegler — ou devido à violação do direito a uma boa administração. Isto porque pelo menos no presente caso não se verificam quaisquer indícios que apontem para o facto de o Tribunal Geral não ter tido em conta quaisquer erros na imparcialidade objetiva da Comissão.

144. Em particular, os eventuais erros na imparcialidade objetiva da Comissão não podem apenas dizer respeito ao facto de a Comissão perseguir e punir um cartel que causou prejuízos financeiros à União Europeia (111). Neste âmbito, a Comissão encontra‑se na mesma situação que as autoridades públicas que perseguem, a título de exemplo, os responsáveis por evasão ou fraude fiscal, e as autoridades municipais quando multam os automóveis indevidamente estacionados. Apesar de a Ziegler referir que neste caso a Comissão, ao contrário das referidas autoridades estatais ou municipais, detém um interesse próprio significativamente maior na qualidade de órgão da União e de entidade patronal dos seus agentes afetados pelas mudanças, não fundamenta de forma alguma este argumento (112).

145. Em última análise, do ponto de vista da imparcialidade objetiva, é sobretudo decisivo que se apliquem as medidas necessárias no seio da organização de cada autoridade para evitar qualquer indício de parcialidade aos olhos dos sujeitos de direito. Para este efeito, é sobretudo necessário garantir que uma infração não é perseguida e punida pelo mesmo serviço que é afetado pelos efeitos da referida infração.

146. Nem dos autos nem das alegações das partes na audiência perante o Tribunal de Justiça resultam quaisquer indícios concretos que permitam concluir que a Comissão não adotou as medidas necessárias no presente caso. Com efeito, na organização da Comissão há dois serviços, distintos e integralmente separados um do outro, competentes para a contratação de serviços de mudanças e para a punição das infrações às regras da concorrência. Apesar de os dois serviços estarem sujeitos ao poder de decisão do colégio de todos os membros da Comissão (113), ambos estão, no entanto, abrangidos pela responsabilidade dos pelouros de comissários diferentes (114).

147. Também a este respeito a situação no seio da estrutura organizacional das instituições europeias apresenta‑se, por conseguinte, muito diferente da estrutura de um município, cujos serviços — tanto os responsáveis pelo orçamento municipal como também os que lidam com a punição dos estacionamentos indevidos — estão dependentes de um cargo de topo politicamente preenchido como o presidente da câmara, um conselho municipal ou um órgão colegial constituído pelo presidente da câmara e pelos vereadores. O mesmo se aplica no que respeita a autoridades estatais incumbidas de investigar e punir a evasão ou fraude fiscal: em última análise, — e mesmo que gozem de independência na questão — elas estão integradas na mesma estrutura organizacional estatal que os organismos a quem é confiada a administração do orçamento estatal. Este facto não é suficiente, por si só, para colocar em causa a sua imparcialidade objetiva (115).

148. Deve, igualmente, rejeitar‑se o argumento da Ziegler de que os agentes da Comissão teriam «solicitado orçamentos de conveniência». Isto porque, por um lado, no presente caso o Tribunal de Justiça não dispõe de qualquer informação que permita concluir que os agentes da Comissão teriam pedido orçamentos a empresas de mudanças com o conhecimento, ou mesmo apenas com a suspeição, de que se tratariam de orçamentos de conveniência. Mesmo após ter sido questionada a este respeito na audiência, a Ziegler só apresentou argumentos que não foram além de afirmações muito genéricas e infundadas. Por outro lado, no processo judicial não surgiram quaisquer indícios no sentido de concluir que os mesmos agentes da Comissão, que trataram dos referidos orçamentos, também estariam incumbidos da investigação e da punição do cartel das mudanças.

149. A aplicação eficaz das regras de concorrência previstas nos Tratados, que faz parte das tarefas essenciais da Comissão, estaria seriamente comprometida caso esta autoridade perdesse automaticamente a sua competência para a investigação e punição de infrações sempre que os interesses financeiros da União ou dos seus agentes sejam afetados, mesmo que o sejam apenas remotamente. Tal como o presente caso mostra claramente, este problema — ao contrário do entendimento da Ziegler — também não poderia ser solucionado de forma adequada através do recurso a uma ou várias autoridades nacionais em matéria de concorrência em detrimento da Comissão, na medida em que também os organismos nacionais podem ser vítimas dos respetivos cartéis (116).

150. Em resumo, não se pode seriamente acusar o Tribunal Geral de ter ignorado as exigências que resultam para o presente caso dos princípios do processo equitativo e da boa administração.

151. É tanto mais assim quanto a Comissão, como autoridade administrativa, não tem de cumprir as mesmas exigências rígidas que um tribunal independente na aceção do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Pelo contrário, os atos da Comissão, incluindo as suas decisões de aplicação de coimas em matéria de direito da concorrência, estão sujeitos a uma fiscalização jurisdicional independente pelos órgãos jurisdicionais da União (117). Por conseguinte, num caso como o presente a Comissão não é simultaneamente acusadora e juíza, ao contrário do que a Ziegler parece entender (118).

c)      Conclusão provisória

152. Neste sentido, também a segunda parte do terceiro fundamento é improcedente. Por conseguinte, deve ser negado provimento a este fundamento na sua totalidade.

4.      Quanto ao princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação (quarto fundamento)

153. Com o seu quarto, e último, fundamento, a Ziegler opõe‑se aos n.os 165 a 172 do acórdão recorrido. Nesta passagem do acórdão, o Tribunal Geral analisa a questão de saber se as dificuldades económicas da Ziegler aquando da adoção da decisão controvertida teriam exigido uma redução da coima que lhe foi aplicada e se a Comissão tratou menos favoravelmente a Ziegler a este respeito do que a Interdean NV, uma outra empresa participante no cartel das mudanças.

154. A recorrente critica o Tribunal Geral por não ter respeitado «o princípio geral da igualdade de tratamento e da não discriminação» ao analisar a decisão controvertida. A desigualdade de tratamento não tida em consideração pelo Tribunal Geral prende‑se alegadamente com o facto de no processo administrativo ter sido concedida à Interdean uma redução em 70 % da sua coima, nos termos do ponto 37 das orientações para o cálculo de coimas de 2006, enquanto a situação da Ziegler não foi sequer submetida a uma análise com base na referida disposição das orientações para o cálculo das coimas, apesar de a Ziegler também enfrentar dificuldades financeiras, de acordo com as informações que forneceu.

155. Tal como já foi referido (119), o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que no contexto da aplicação de coimas em processos respeitantes a cartéis adquire uma importância significativa. Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (120).

156. O caráter comparável de situações diferentes deve ser apreciado tendo em conta todos os elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, designadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa (121). Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objetivos do domínio do qual releva o ato em questão (122).

157. No presente caso a Ziegler afirma que o Tribunal Geral deveria ter considerado a sua situação, em especial sob o ponto de vista da incapacidade contributiva, como equiparável à situação da Interdean e tê‑la tido em consideração no âmbito do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas.

158. Por conseguinte, importa analisar se uma alegada capacidade contributiva reduzida — admitindo, desde logo, a existência da mesma —, por si só, pode tornar equiparável as situações de duas empresas no que respeita ao objeto e às finalidades do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006.

159. A este respeito importa referir que o ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 permite à Comissão calcular uma coima tendo em conta as «especificidades» do respetivo caso de forma diferente da metodologia geral definida nos termos das referidas orientações. A aplicação do ponto 37 pode, por conseguinte, estar na origem tanto de um aumento como de uma redução da coima calculada nos termos da metodologia geral.

160. Contudo, no caso de uma redução da coima, a regulamentação prevista no ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 — ao contrário do que sucede com a regulamentação prevista no ponto 35 — não atende em primeira linha à incapacidade de pagamento da coima, ou à capacidade de pagamento reduzida, por parte de uma empresa num dado contexto social e económico. Pelo contrário, as duas referidas disposições das orientações para o cálculo das coimas de 2006 dependem de pressupostos diferentes e não prosseguem a mesma finalidade. A par do ponto 35, o ponto 37 seria supérfluo como base para uma redução excecional de coimas caso se pretendesse interpretar e aplicar as duas disposições como se, no essencial, tivessem o mesmo conteúdo.

161. Logo, mesmo que no momento da adoção da decisão controvertida a Ziegler sofresse de uma incapacidade de pagamento da coima, ou de uma capacidade de pagamento reduzida, na aceção do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 este facto, por si só, não teria sido decisivo, do ponto de vista do ponto 37 das orientações, para a equiparação da situação da referida empresa à da Interdean.

162. É certo que a incapacidade de pagamento da coima por parte de uma empresa também pode ser relevante no âmbito do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, ao apreciar as especificidades do respetivo caso — aqui: as especificidades financeiras. Os obstáculos para a concessão de uma redução da coima nos termos do ponto 37 devem, no entanto, ser nitidamente mais elevados do que aqueles previstos no âmbito do ponto 35. Por outras palavras, o reconhecimento de especificidades financeiras na aceção do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 pressupõe que a capacidade de pagamento da coima por parte da empresa em causa tenha sido extraordinariamente afetada.

163. Em caso contrário seria de recear que as condições restritivas para uma redução da coima devido a incapacidade de pagamento, tal como são definidas no ponto 35, pudessem ser postas em causa através do recurso ao ponto 37, que apresenta um teor bastante mais abrangente, para além de se correr o sério risco de esvaziar de sentido o caráter excecional absoluto das reduções de coimas, tal como é previsto no ponto 35, através do recurso ao ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 (123).

164. Por conseguinte, no que respeita à aplicação do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, o Tribunal Geral comparou corretamente as repercussões das coimas fixadas nos termos da metodologia geral sobre a capacidade contributiva da Ziegler e da Interdean, em função do respetivo volume de negócios anual (124). Isto porque, ao contrário do que a Ziegler parece entender, nem toda e qualquer afetação da capacidade contributiva de uma empresa pode constituir um motivo para uma redução da coima nos termos do ponto 37 das referidas orientações, independentemente das diferenças de valor da redução. Pelo contrário, as especificidades financeiras na aceção do ponto 37 das orientações apenas podem ser reconhecidas em caso de uma afetação muito significativa da capacidade contributiva de uma empresa, que vai nitidamente além do critério da (mera) incapacidade contributiva na aceção do ponto 35.

165. No caso vertente, é pacífico que tanto no processo administrativo como no processo em primeira instância a Ziegler — ao contrário da Interdean — não alegou quaisquer circunstâncias que justifiquem sequer um indício que permitisse considerar que, para além da alegada afetação da sua capacidade contributiva (ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas de 2006), no seu caso também poderiam existir especificidades financeiras que justificassem uma redução da coima (ponto 37 das referidas orientações). O ónus da alegação quanto à existência destas circunstâncias compete à parte que as invoca. A Ziegler não estava impedida de fornecer indicações apropriadas a este respeito, na medida em que as informações necessárias deveriam, em primeira linha, provir da área de responsabilidade desta empresa.

166. Na medida em que a Ziegler não apresentou quaisquer indicações apropriadas que permitissem concluir no sentido da existência de especificidades na aceção do ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, o Tribunal Geral pôde, sem cometer qualquer erro de direito, partir do pressuposto de que ambas as empresas se encontravam numa situação equiparável e, por conseguinte, não era possível admitir qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento.

167. Em resumo, também o quarto fundamento é improcedente.

C —    Conclusão provisória

168. Uma vez que nenhum dos fundamentos apresentados pela Ziegler procede, há que negar provimento à totalidade do recurso.

V —    Despesas

169. Se o recurso for julgado improcedente, como proponho, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas (artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo de 25 de setembro de 2012); os detalhes decorrem dos artigos 137.° a 146.°, em conjugação com o artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo (125).

170. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Ziegler e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

VI — Conclusão

171. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas:

«1.      É negado provimento ao recurso.

2.      A Ziegler SA é condenada nas despesas.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Comunicação da Comissão — Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2004, C 101, p. 81), a seguir «orientações de 2004».


3 —      Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2), a seguir «orientações para o cálculo de coimas de 2006».


4 —      Decisão da Comissão, de 11 de março de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.543 — Serviços de mudanças internacionais), notificada sob o número C(2008) 926 final, publicada resumidamente no JO C 188, p. 16; o texto integral desta decisão está apenas disponível na página de Internet da Comissão, Direção‑Geral da Concorrência, numa versão não confidencial em francês (http://ec.europa.eu/competition/antitrust/cases/index.html).


5 —      Acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Ziegler/Comissão (T‑199/08, Colet., p. II‑3507).


6 —      V., a este respeito, processos Gosselin Group/Comissão e o. (C‑429/11 P), Comissão/Stichting Administratiekantoor Portielje e o. (C‑440/11 P), e Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P). Em 24 de maio de 2012 apresentei as minhas conclusões no âmbito do processo Comissão/Verhuizingen Coppens (C‑441/11 P), e em 29 de novembro de 2012 no processo Comissão/Stichting Administratiekantoor Portielje e o. (C‑440/11 P). No processo Comissão/Verhuizingen Coppens (C‑441/11 P) o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão em 6 de dezembro de 2012.


7 —      N.° 3 do acórdão recorrido.


8 —      N.° 2 do acórdão recorrido.


9 —      Allied Arthur Pierre, Compas, Coppens, Gosselin, Interdean, Mozer, Putters, Team Relocations, Transworld e Ziegler SA (v., nomeadamente, considerando 345 da decisão controvertida).


10 —      Estes períodos variaram entre três meses e mais de 18 anos.


11 —      V., em especial, considerandos 307, 314 e 345 da decisão controvertida.


12 —      V., a este respeito, considerando 121 da decisão controvertida e os n.os 10 e 13 a 15 do acórdão recorrido.


13 —      V., a este respeito, considerandos 123 a 153 da decisão controvertida.


14 —      Artigo 1.° da decisão controvertida.


15 —      As coimas individuais variam entre os 1 500 euros e os 9 200 000 euros.


16 —      V., para além do acórdão recorrido, outros quatro acórdãos do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011 nos processos Team Relocations e o./Comissão (T‑204/08 e T‑212/08, Colet., p. II‑3569); Gosselin Group e o./Comissão (T‑208/08 e T‑209/08, Colet., p. II‑3639); Verhuizingen Coppens/Comissão (T‑210/08, Colet., p. II‑3713); e Putters International/Comissão (T‑211/08, Colet., p. II‑3729).


17 —      Não teve também sucesso um pedido, apresentado pela Ziegler, de suspensão da aplicação do artigo 2.° da decisão controvertida e de isenção da necessidade de constituir uma garantia bancária; v. despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de janeiro de 2009, Ziegler/Comissão (T‑199/08 R, não publicado na Coletânea), e despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2010, Ziegler/Comissão [C‑113/09 P (R), não publicado na Coletânea].


18 —      Acórdãos de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o. (C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.os 23 a 26), e de 21 de dezembro de 2011, Iride/Comissão (C‑329/09 P, n.os 48 a 51).


19 —      Acórdãos GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., já referido na nota 18 (n.os 23 a 26), e de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran (C‑27/09 P, Colet., p. I‑13427, n.os 43 a 50).


20 —      Acórdãos de 19 de outubro de 1995, Rendo e o. /Comissão (C‑19/93 P, Colet., p. I‑3319, n.° 13, última frase); de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.os 22 e 23); GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., já referido na nota 18 (n.° 23); e França/People’s Mojahedin Organization of Iran, já referido na nota 19 (n.° 43).


21 —      Acórdão GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., já referido na nota 18 (n.° 15).


22 —      Acórdão Iride/Comissão, já referido na nota 18 (n.° 48).


23 —      V., a este respeito, n.° 27 das presentes conclusões.


24 —      Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, Colet., p. I‑4727, n.° 118); e de 9 de junho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão (C‑465/09 P a C‑470/09 P, n.° 171); no mesmo sentido, acórdãos de 9 de junho de 1992, Lestelle/Comissão (C‑30/91 P, Colet., p. I‑3755, n.os 27 e 28); de 30 de setembro de 2003, Biret International/Conselho (C‑93/02 P, Colet., p. I‑10497, n.os 59 a 65); e de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colet., p. I‑6513, em particular n.° 187).


25 —      Neste sentido, despacho de 27 de setembro de 2004, UER/M6 e o. (C‑470/02 P, não publicado na Coletânea, n.° 69), e acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia/API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, Colet., p. I‑8533, n.° 65).


26 —      N.os 56 a 63 do acórdão recorrido.


27 —      A recorrente contesta a passagem imediatamente seguinte nos n.os 64 a 74 do acórdão recorrido, que não é dedicada ao limiar de 40 milhões de euros, mas sim ao limiar de 5% da quota de mercado (v., a este respeito, primeiro fundamento).


28 —      Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho (C‑76/01 P, Colet., p. I‑10091, n.° 52); de 6 de novembro de 2008, Grécia/Comissão (C‑203/07 P, Colet., p. I‑8161, n.os 42 e 43); e de 29 de setembro de 2011, Arkema/Comissão (C‑520/09 P, Colet., p. I‑8901, n.° 31).


29 —      Acórdãos de 18 de março de 1993, Parlamento/Frederiksen (C‑35/92 P, Colet., p. I‑991, n.° 31); FIAMM e o./Conselho e Comissão, já referido na nota 24 (n.os 187 a 189); e França/People’s Mojahedin Organization of Iran, já referido na nota 19 (n.° 79).


30 —      Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, Colet., p. I‑6375, n.os 89 a 91).


31 —      Acórdãos de 13 de, julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão (56/64 e 58/64, Colet. 1965‑1968, p. 423); de 6 de março de 1974, Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, Colet., p. 119, n.° 31); de 25 de outubro de 2001, Ambulanz Glöckner (C‑475/99, Colet., p. I‑8089, n.° 47); e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax (C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 33).


32 —      Acórdãos de 21 de janeiro de 1999, Bagnasco e o. (C‑215/96 e C‑216/96, Colet., p. I‑135, n.° 60); Ambulanz Glöckner, já referido na nota 31 (n.° 48); Asnef‑Equifax, já referido na nota 31 (n.° 34); de 1 de julho de 2008, MOTOE (C‑49/07, Colet., p. I‑4863, n.° 39); e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão (C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 36).


33 —      Acórdãos Asnef‑Equifax, já referido na nota 31 (n.° 35), e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido na nota 32 (n.os 37, 46 e 66).


34 —      Ponto 52, alínea a), e ponto 53 das orientações de 2004.


35 —      N.os 66 e 67 do acórdão recorrido.


36 —      N.° 68 do acórdão recorrido.


37 —      N.° 69 do acórdão recorrido.


38 —      N.° 70 do acórdão recorrido.


39 —      N.° 72 do acórdão recorrido.


40 —      Acórdãos de 14 de maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens (C‑259/96 P, Colet., p. I‑2915, n.os 32 e 33); de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão (C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 29); e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.° 136).


41 —      Exemplos da análise do caráter contraditório da fundamentação do acórdão do Tribunal Geral podem ser encontrados, designadamente, nos acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 202); e de 13 de março de 2012, Melli Bank/Conselho (C‑380/09 P, n.° 41); v., ainda, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão (C‑47/07 P, Colet., p. I‑9761, n.° 76).


42 —      N.° 68 do acórdão recorrido.


43 —      N.° 70 do acórdão recorrido.


44 —      N.° 72 do acórdão recorrido.


45 —      Ponto 25 das orientações de 2004.


46 —      N.° 66 do acórdão recorrido.


47 —      N.° 11 do acórdão recorrido e segundo considerando da decisão controvertida.


48 —      N.° 70 do acórdão recorrido.


49 —      Ponto 3 das orientações de 2004.


50 —      Ponto 50, última e penúltima frases, das orientações de 2004.


51 —      Neste sentido, acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 211); de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão (C‑167/04 P, Colet., p. I‑8935, n.os 207 e 208); Arkema/Comissão, já referido na nota 28 (n.° 88); e de 8 de dezembro de 2011, KME e o./Comissão (C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, n.° 100); no mesmo sentido, relacionado com o direito que rege os auxílios de Estado, v., designadamente, acórdão de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑288/96, Colet., p. I‑8237, n.° 62); v., ainda, — fora do direito da concorrência — acórdão de 1 de dezembro de 1983, Blomefield/Comissão (190/82, Recueil, p. 3981, n.° 20).


52 —      Ponto 55 das orientações de 2004.


53 —      Comunicação da Comissão relativa à definição do mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), referida no ponto 41 das orientações de 2004.


54 —      Ponto 10 da Comunicação da Comissão relativa à definição do mercado relevante.


55 —      Ponto 12 da Comunicação da Comissão relativa à definição do mercado relevante.


56 —      Despacho de 17 de setembro de 1996, San Marco/Comissão (C‑19/95 P, Colet., p. I‑4435, n.° 39), bem como acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, Colet., p. I‑1981, n.° 49); de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão (C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 68); Comitato «Venezia vuole vivere»/Comissão, já referido na nota 24 (n.° 149); e de 19 de julho de 2012, AOI e o./Comissão e o. (C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 85).


57 —      N.° 71, terceira frase, do acórdão recorrido.


58 —      No n.° 15 das observações escritas da Comissão, de 22 de março de 2010, a dimensão global do mercado do serviço de mudanças internacionais na Bélgica é avaliada em 67,5 milhões de euros caso não se tenha em consideração o volume de negócios gerado pelas empresas de mudanças na sua qualidade de subcontratados.


59 —      V. n.° 71 do acórdão recorrido: «Em terceiro lugar, em resposta às questões do Tribunal Geral, a própria recorrente declarou, […]».


60 —      No n.° 71 do acórdão recorrido o Tribunal Geral procede expressamente a um ajustamento dos dados quantificados relativos à dimensão do mercado apurados pela Comissão, relacionado com a contabilização dupla dos serviços de mudança realizados na qualidade de subcontratados.


61 —      V., a este respeito, a jurisprudência referida na nota 56.


62 —      Acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk (5/69, Colet. 1969‑1970, p. 95, n.° 5); de 6 de maio de 1971, Cadillon (1/71, Recueil, p. 351, n.° 6, Colet., p. 115); de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Recueil, p. 2545, n.° 22); Bagnasco e o., já referido na nota 32 (n.° 47); Asnef‑Equifax, já referido na nota 31 (n.° 34); e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido na nota 32 (n.° 36).


63 —      Acórdãos de 15 de dezembro de 1994, DLG (C‑250/92, Colet., p. I‑5641, n.° 54); Bagnasco e o., já referido na nota 32 (n.° 47); Asnef‑Equifax, já referido na nota 31 (n.° 35); e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido na nota 32 (n.° 37).


64 —      V., neste sentido, acórdãos de 1 de fevereiro de 1978, Miller International Schallplatten/Comissão (19/77, Colet., p. 45, n.° 9), e de 25 de outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151, n.os 56 a 58); no acórdão de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 86 em conjugação com o n.° 82), as quotas de mercado abaixo de 5% ainda foram consideradas suficientes para se partir de uma afetação sensível do comércio.


65 —      Acórdãos de 17 de outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão (8/72, Colet., p. 333, n.° 29); Remia e o./Comissão, já referido na nota 62 (n.° 22, final); Asnef‑Equifax, já referido na nota 31 (n.° 37); e Erste Group Bank e o./Comissão, já referido na nota 32 (n.° 38).


66 —      As destinatárias da decisão de aplicação das coimas têm a sua sede tanto no interior como no exterior da Bélgica (v. artigo 4.º da decisão controvertida).


67 —      No mesmo sentido, mas relacionado com a atividade de agentes de viagens, acórdão de 1 de outubro de 1987, Vlaamse Reisbureaus (311/85, Colet., p. 3801, n.° 18).


68 —      V., a este respeito, considerações do Tribunal Geral sobre os serviços atingidos pelo cartel das mudanças no n.° 11, bem como as suas considerações relativas à «descrição do setor relevante» nos n.os 70 e 71, ou seja, pouco antes do controvertido n.° 73 do acórdão recorrido.


69 —      V., a este respeito, n.° 56 das presentes conclusões.


70 —      De que forma o correspondente valor das vendas deve ser especificamente determinado resulta dos pontos 13 a 18 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


71 —      Ponto 19 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


72 —      Ponto 25 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


73 —      N.° 92, em conjugação com o n.° 91 do acórdão recorrido; quanto ao fator dissuasivo, v., ainda, o n.° 94 do acórdão referido.


74 —      Considerandos 543 e 556 da decisão controvertida, bem como os n.os 93 e 94 do acórdão recorrido.


75 —      N.° 93 do acórdão recorrido.


76 —      V., a este respeito, n.° 32 das presentes conclusões.


77 —      Acórdãos de 4 de julho de 1963, Alemanha/Comissão (24/62, Colet. 1962‑1964, p. 251); de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63); de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony/Impala (C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951, n.° 166); e AOI, já referido na nota 56 (n.° 72); no mesmo sentido, ainda, acórdãos de 20 de março de 1957, Geitling/Alta Autoridade (2/56, Colet. 1954‑1961, p. 121), e de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão (73/74, Colet., p. 503, n.° 30).


78 —      Acórdãos KME e o./Comissão, já referido na nota 51 (n.° 101); bem como acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085, n.° 61); e KME Germany e o./Comissão (C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125, n.° 128).


79 —      Acórdãos Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 40 (n.° 131), e Elf Aquitaine/Comissão, já referido na nota 56 (n.° 150).


80 —      Acórdãos Papiers peints, já referido na nota 77 (n.° 31); de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, Colet., p. I‑9363, n.° 44); e Elf Aquitaine/Comissão, já referido na nota 56 (n.° 155).


81 —      Acórdãos de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão (C‑335/09 P, n.° 152), e de 15 de novembro de 2012, Conselho/Bamba (C‑417/11 P, n.° 54).


82 —      Acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido na nota 77 (n.° 63); Bertelsmann e Sony/Impala, já referido na nota 77 (n.os 166 e 178); Deutsche Telekom/Comissão, já referido na nota 40 (n.° 131); e Elf Aquitaine/Comissão, já referido na nota 56 (n.° 150).


83 —      Pontos 23 e 25 em conjugação com os pontos 21 e 22 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


84 —      V., novamente, ponto 23 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


85 —      Quanto ao critério do interesse legítimo na apreciação da fundamentação de atos jurídicos da União v. n.° 98 das presentes conclusões.


86 —      V., novamente, ponto 25 das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


87 —      V. ponto 23, segunda frase, das orientações para o cálculo de coimas de 2006.


88 —      V., neste sentido, também n.° 92 do acórdão recorrido.


89 —      Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (assinada em Roma em 4 de novembro de 1950) (a seguir «CEDH»).


90 —      Acórdãos Dansk Rørindustri, já referido na nota 51 (n.os 88 e 89); France Télécom/Comissão, já referido na nota 40 (n.° 60); e AOI, já referido na nota 56 (n.° 111).


91 —      Na medida em que o recurso foi interposto antes de 1 de novembro de 2012, para a apreciação da sua admissibilidade é pertinente o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 19 de junho de 1991.


92 —      V., a este respeito, n.os 94 a 106 das presentes conclusões.


93 —      V., designadamente, acórdão de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, Colet., p. I‑8055, n.° 57).


94 —      Acórdão Akzo e Akcros, já referido na nota 20 (n.° 54).


95 —      Acórdãos de 16 de novembro de 2000, Weig/Comissão (C‑280/98 P, Colet., p. I‑9757, n.os 63 a 68); e Sarrió/Comissão (C‑291/98 P, Colet., p. I‑9991, n.os 97 a 100); Dansk Rørindustri e o. já referido na nota 51 (n.° 304); bem como mais recentemente, acórdão AOI, já referido na nota 56 (n.° 58); v., ainda, n.os 48 a 53 das minhas conclusões de 12 de janeiro de 2012 no processo AOI.


96 —      Quanto às exigências jurídicas colocadas à exatidão das alegações de recorrentes, v., por exemplo, acórdãos France Télécom/Comissão, já referido na nota 40 (n.° 55); de 11 de setembro de 2007, Lindorfer/Conselho (C‑227/04 P, Colet., p. I‑6767, n.os 82 a 84); e de 24 de março de 2011, ISD Polska e o. (C‑369/09 P, Colet., p. I‑2011, n.° 66).


97 —      Quanto ao poder de apreciação da Comissão no cálculo de coimas em matéria de direito da concorrência, v., em geral, acórdãos de 29 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, Colet., p. I‑5977, n.° 46); de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão (C‑407/04 P, Colet., p. I‑829, n.° 133); e de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão (C‑328/05 P, Colet., p. I‑3921, n.° 43).


98 —      V., neste sentido, acórdãos JCB Service/Comissão, já referido na nota 51 (n.° 205); de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão (C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 98); e de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão (C‑549/10 P, n.os 104 a 108).


99 —      V., a título complementar, acórdãos KME e o./Comissão, já referido na nota 51 (n.os 103 e 106); Chalkor/Comissão, já referido na nota 78 (n.os 63 e 67); e KME Germany e o./Comissão, já referido na nota 78 (n.os 130 e 133).


100 —      V. n.o 44 e nota 40 das presentes conclusões.


101 —      N.° 94 do acórdão recorrido.


102 —      Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, Colet., p. I‑4333, n.° 80), e de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão (C‑583/08 P, Colet., p. I‑4469, n.° 35).


103 —      Acórdãos de 1 de outubro de 1991, Vidrányi/Comissão (C‑283/90 P, Colet., p. I‑4339, n.° 29); de 17 de dezembro de 1992, Moritz/Comissão (C‑68/91 P, Colet., p. I‑6849, n.os 37 a 39); e Gogos/Comissão, já referido na nota 102 (n.° 29).


104 —      Acórdão France Télécom/Comissão, já referido na nota 40 (n.° 41).


105 —      V., a este respeito, as minhas considerações em relação à segunda parte do terceiro fundamento e n.os 139 a 150 das presentes conclusões.


106 —      Acórdãos Wunenburger/Comissão, já referido na nota 102 (n.° 80), e Gogos/Comissão, já referido na nota 102 (n.° 35).


107 —      Acórdãos de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81); e Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido na nota 64 (n.° 7); no mesmo sentido, ainda, TEDH, acórdão Menarini c. Itália de 27 de setembro de 2011 (n.° de processo 43509/08, ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions, §§ 58 e 59, relativo à autoridade italiana responsável em matéria de concorrência, a Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato).


108 —      O facto de se aplicar o artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais, e não o artigo 47.°, nos procedimentos administrativos em matéria de concorrência perante a Comissão pode ser deduzido dos acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, Colet., p. I‑10329, n.° 53, última frase), e Solvay/Comissão (C‑110/10 P, Colet., p. I‑10439, n.° 48, última frase).


109 —      Neste sentido — relacionado com a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais —, v. o acórdão de 19 de fevereiro de 2009, Gorostiaga Atxalandabaso/Parlamento (C‑308/07 P, Colet., p. I‑1059, n.° 46), e despacho de 15 de dezembro de 2011, Altner/Comissão (C‑411/11 P, não publicado na Coletânea, n.° 15); v., ainda, TEDH, despacho Didier c. França de 27 de agosto de 2002 (n.° de processo 58188/00, Recueil des arrêts et décisions 2002‑VII, § 2).


110 —      Na língua do processo: «[…] des fonctionnaires de la Commission étaient impliqués en tant que demandeurs de devis de complaisance fournis par les entreprises de déménagement concernées […]».


111 —      No mesmo sentido as conclusões do advogado‑geral Cruz Villalón de 26 de junho de 2012 no processo Otis e o. (acórdão de 6 de novembro de 2012, C‑199/11, n.os 56 a 71), que analisa uma problemática semelhante do ponto de vista de um processo civil iniciado pela Comissão contra empresas participantes num cartel. Na audiência de 24 de outubro de 2012 o Tribunal de Justiça deu às partes do presente processo a oportunidade de apresentarem as suas observações em relação às respetivas conclusões.


112 —      Neste contexto, importa referir que o considerando 598 da decisão controvertida não é citado de forma correta pela recorrente. Isto porque, ao contrário do que é alegado pela Ziegler, no referido considerando a Comissão nunca se descreveu como «uma das principais vítimas» do cartel das mudanças. Pelo contrário, é declarado na referida passagem de uma forma bastante mais geral que «entidades públicas belgas e internacionais parecem contar‑se entre as principais vítimas» da prática de orçamentos de conveniência. O mesmo sucede com a contestação apresentada pela Comissão em primeira instância, para cujo n.° 1 a Ziegler remete: também aqui apenas se refere, a título geral, que entre as pessoas singulares cujas mudanças foram atingidas também se encontravam agentes das instituições europeias, incluindo alguns da Comissão.


113 —      Artigo 1.° do Regulamento Interno da Comissão [v., igualmente, artigo 17.°, n.° 6, alínea b), TUE].


114 —      Artigo 217.°, n.° 2, CE [atual artigo 17.°, n.° 6, alínea b), TUE e o artigo 248.° TFUE].


115 —      V., a este respeito, também acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o. (C‑199/11, n.° 64); no mesmo sentido, desde logo, as conclusões do advogado‑geral Cruz Villalón nesse processo, já referidas na nota 111 (em particular n.° 41).


116 —      V., a este respeito, novamente o considerando 598 da decisão controvertida, nos termos do qual «as entidades públicas belgas e internacionais parecem contar‑se entre as principais vítimas» da prática de orçamentos de conveniência.


117 —      Quanto à falta de qualidade de «tribunal» da Comissão, v. jurisprudência referida na nota 107 das presentes conclusões; quanto à fiscalização jurisdicional exercida sobre os atos da Comissão, v., em particular, acórdãos KME e o./Comissão, já referido na nota 51 (n.os 102 a 106); Chalkor/Comissão, já referido na nota 78 (n.os 62 a 67); KME Germany e o./Comissão, já referido na nota 78 (n.os 129 a 133); e Otis e o., já referido na nota 115 (n.os 59 a 64).


118 —      A Ziegler baseia as suas observações escritas e orais quanto ao terceiro fundamento, designadamente, TEDH, acórdão Kyprianou c. Chipre de 15 de dezembro de 2005 (n.° processo 73797/01, Recueil des arrêts et décisions 2005‑XIII, § 127), no qual se refere que a confusão dos papéis de recorrente, testemunha, acusador e juiz poderia levantar dúvidas fundadas sobre a imparcialidade de um órgão jurisdicional «[…] la confusion des rôles entre plaignant, témoin, procureur et juge peut à l’évidence susciter des craintes objectivement justifiées quant à la conformité de la procédure au principe établi en vertu duquel nul ne peut être juge en sa propre cause et, en conséquence, quant à l’impartialité du tribunal […]».


119 —      V. n.° 115 das presentes conclusões.


120 —      Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, Colet., p. I‑403, n.° 95); de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 23); bem como Akzo e Akcros, já referido na nota 20 (n.° 54).


121 —      Acórdãos Arcelor, já referido na nota 120 (n.os 25 e 26); de 1 de março de 2011, Association Belge des Consommateurs Test‑Achats e o. (C‑236/09, Colet., p. I‑773, n.° 29); de 17 de março de 2011, AJD Tuna (C‑221/09, Colet., p. I‑1655, n.° 93); e de 12 de maio de 2011, Luxemburgo/Parlamento e Conselho (C‑176/09, Colet., p. I‑3727, n.° 32).


122 —      Acórdãos Arcelor, já referido na nota 120 (n.° 26), e Luxemburgo/Parlamento e Conselho, já referido na nota 121 (n.° 32).


123 —      V. a formulação introdutória do ponto 35 das orientações para o cálculo das coimas de 2006: «Em circunstâncias excecionais […]».


124 —      N.° 171 do acórdão recorrido.


125 —      Em conformidade com o princípio geral nos termos do qual as novas regras processuais se aplicam a todos os litígios pendentes à data da sua entrada em vigor [jurisprudência constante, v., por exemplo, acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 9)], a decisão sobre as despesas no presente processo rege‑se pelo Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 25 de setembro de 2012, que entrou em vigor em 1 de novembro de 2012 (no mesmo sentido acórdão Comissão/Verhuizingen Coppens, já referido na nota 6, n.os  83 a 85). No que respeita ao conteúdo, não se verifica, no entanto, qualquer diferença em relação ao artigo 69.°, n.° 2, em conjugação com os artigos 118.° e 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 19 de junho de 1991.