Language of document : ECLI:EU:C:2013:640

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 3 de outubro de 2013 (1)

Processo C‑378/12

Nnamdi Onuekwere

contra

Secretary of State for the Home Department

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London (Reino Unido)]

«Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União no território dos Estados‑Membros — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 16.° — Continuidade da residência necessária para a aquisição do direito de residência permanente — Consideração dos períodos passados na prisão no Estado‑Membro de acolhimento»





1.        Com o presente reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça é chamado a clarificar o conceito de residência legal, na aceção do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38/CE (2). Esta disposição prevê a concessão de um direito de residência permanente aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento durante um período de cinco anos consecutivos.

2.        Mais concretamente, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London (Reino Unido) pergunta ao Tribunal de Justiça se o tempo passado na prisão pode constituir residência legal no sentido da referida disposição.

3.        Caso a resposta do Tribunal de Justiça a esta questão seja negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para efeitos de cálculo do período de cinco anos, é possível somar os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão.

4.        Nas presentes conclusões, apresentarei as razões pelas quais entendo que um período de prisão não constitui residência legal, no sentido do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 e, por conseguinte, não pode ser levado em conta no cálculo do período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente. Seguidamente, explicarei por que razão considero que os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão não podem ser acumulados para efeitos de cálculo desse período, tendo a prisão o efeito de interromper esse período.

I —    Quadro jurídico

A —    Diretiva 2004/38

5.        A Diretiva 2004/38 reúne e simplifica a legislação da União em matéria de livre circulação e direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias.

6.        Com efeito, a referida diretiva suprime a obrigação de os cidadãos da União obterem um cartão de residência, estabelece um direito de residência permanente para estes cidadãos e os membros das suas famílias e circunscreve a possibilidade de os Estados‑Membros limitarem a residência no seu território dos nacionais dos outros Estados‑Membros.

7.        O artigo 7.°, n.os 1 e 2, da diretiva, intitulado «Direito de residência por mais de três meses», estabelece o seguinte:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)      —      esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

—      disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.      O direito de residência disposto no n.° 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.° 1.»

8.        O artigo 16.° da Diretiva 2004/38, intitulado «Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias», tem a seguinte redação:

«1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III.

2.      O n.° 1 aplica‑se igualmente aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento por um período de cinco anos consecutivos.

3.      A continuidade da residência não é afetada por ausências temporárias que não excedam seis meses por ano, nem por ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, nem por uma ausência de 12 meses consecutivos no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais para outro Estado‑Membro ou país terceiro.

4.      Uma vez adquirido, o direito de residência permanente só se perde devido a ausência do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos consecutivos.»

B —    Direito do Reino Unido

9.        No Reino Unido, a Diretiva 2004/38 foi transposta pelo Regulamento de 2006 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) [Immigration (European Economic Area) Regulations 2006], conforme alterado pelo Regulamento de 2009 relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) [Immigration (European Economic Area) (Amendment) Regulations 2009] (a seguir «regulamento relativo à imigração»).

10.      Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, alínea b), do regulamento relativo à imigração, adquirem o direito de residência permanente os membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, mas que tenham residido com esse cidadão no território do Reino Unido por um período de cinco anos consecutivos.

11.      O artigo 18.°, n.° 2, do regulamento relativo à imigração estabelece que o Secretary of State for the Home Department (a seguir «Secretary of State») deve emitir um cartão de residência permanente no prazo de seis meses a contar da data em que a pessoa em causa apresentou o pedido e forneceu os elementos comprovativos de que beneficia desse direito.

12.      O artigo 21.° do regulamento relativo à imigração visa transpor o artigo 28.° da Diretiva 2004/38.

II — Matéria de facto do litígio no processo principal e questões prejudiciais

13.      N. Onuekwere, de nacionalidade nigeriana, alega ter chegado ao território do Reino Unido em 1999. Em 2 de dezembro de 1999 casou com uma cidadã irlandesa com quem teve dois filhos. Em 5 de setembro de 2000 foi‑lhe concedida uma autorização de residência que lhe conferiu o direito de permanecer no território do Reino Unido enquanto cônjuge de uma cidadã da União Europeia. Essa autorização de residência expirou em 5 de setembro de 2005.

14.      Em 26 de junho de 2000, após ter sido acusado de manter relações sexuais com uma doente mental internada no hospital onde trabalhava, N. Onuekwere foi condenado a uma pena de 9 meses de prisão, suspensa durante 2 anos. O órgão jurisdicional de reenvio clarifica que o período de suspensão terminou sem que tenha sido preso.

15.      Em 30 de setembro de 2003, ao passar no controlo fronteiriço entre a França e o Reino Unido, N. Onuekwere foi preso por ajudar à entrada ilegal no território do Reino Unido de um passageiro que transportava no seu carro. Foi libertado mediante apresentações periódicas no tribunal, o que não cumpriu, razão pela qual foi acusado em 18 de agosto de 2004. Em 16 de setembro de 2004, N. Onuekwere foi condenado a dois anos e seis meses de prisão pelo incidente ocorrido em 30 de setembro de 2003.

16.      Foi libertado em 16 de novembro de 2005 e, em 18 de novembro de 2005, o Secretary of State emitiu uma ordem de expulsão. N. Onuekwere recorreu da decisão e, em 1 de novembro de 2006, o recurso foi julgado procedente pelo facto de o recorrente ser marido de uma cidadã da União no exercício dos direitos conferidos pelo Tratado CE.

17.      Em 26 de dezembro de 2007, numa operação de fiscalização rodoviária, N. Onuekwere foi preso por posse ilegal de documentos falsos. Em 8 de maio de 2008, foi condenado a dois anos e seis meses de prisão por esse crime. O órgão jurisdicional de reenvio clarifica que, na data da condenação, já tinha passado 109 dias em prisão preventiva.

18.      Em 6 de fevereiro de 2009, data em que N. Onuekwere foi libertado da prisão, o Secretary of State proferiu uma segunda decisão de expulsão. Por decisão de 29 de junho de 2010, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, deu provimento ao recurso interposto por N. Onuekwere. O tribunal considerou que, embora a cônjuge do recorrente tivesse, entre abril de 1998 e maio de 2004, exercido os direitos previstos no Tratado tendo adquirido assim um direito de residência permanente, N. Onuekwere não o adquiriu em virtude da pena de prisão a que foi condenado em 16 de setembro de 2004. Não obstante, o mesmo tribunal concluiu que o recorrente não podia ser expulso, uma vez que as suas circunstâncias pessoais prevaleciam sobre o interesse público da sua expulsão justificada por razões de ordem pública.

19.      Na sequência desta decisão, N. Onuekwere solicitou uma autorização de residência permanente. Por decisão de 24 de setembro de 2010, o Secretary of State indeferiu esse pedido. Esta decisão deu origem ao recurso para o First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), cuja audiência teve lugar em 20 de junho de 2011. O tribunal entendeu que N. Onuekwere tinha direito a uma autorização de residência mas não à residência permanente com base em cinco anos de residência contínua.

20.      N. Onuekwere recorreu então dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que, em virtude do acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis (3), a pena de prisão não interrompeu a continuidade da residência, mas constituiu apenas um fator a tomar em consideração.

21.      Como indica o órgão jurisdicional de reenvio, o período de cerca de quatro anos e dez meses que decorreu entre 2 de dezembro de 1999, data do casamento de N. Onuekwere com uma cidadã da União, e 16 de setembro de 2004, data da sua detenção, é ligeiramente inferior ao período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente ao abrigo do artigo 16.° da Diretiva 2004/38.

22.      O Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, tendo dúvidas quanto à interpretação que deve ser dada a esta disposição, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguintes questões prejudiciais:

«1)      Em que circunstâncias, se for caso disso, um período de prisão constitui residência legal para efeitos da aquisição de um direito de residência permanente ao abrigo do artigo 16.° da Diretiva 2004/38?

2)      Caso um período de prisão não constitua residência legal, pode uma pessoa que cumpriu uma pena de prisão acumular períodos de residência anteriores e posteriores à prisão para efeitos do cálculo do período de 5 anos necessário para fundamentar o direito de residência permanente ao abrigo da diretiva?»

III — Análise

23.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que um período de prisão constitui residência legal e, como tal, pode ser levado em conta no cálculo do período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente.

24.      Caso o referido período não constitua residência legal, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, com a segunda questão, se a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão podem ser acumuladas para efeitos de cálculo desse período de cinco anos.

A —    Quanto ao conceito de «residência legal» na aceção do artigo 16.° da Diretiva 2004/38

25.      Antes de mais, gostaria de enunciar, desde logo, as razões pelas quais o acórdão de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri (4), assim como o acórdão Tsakouridis, já referido, que são mencionados quer pelo órgão jurisdicional de reenvio quer por N. Onuekwere, não são, a meu ver, pertinentes para o caso vertente.

26.      No processo que deu origem ao acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, uma das questões que se colocava era, em substância, a de saber se G. Orfanopoulos conservava o estatuto de trabalhador no sentido do direito da União, apesar de ter passado um período na prisão, estando a manutenção do direito de residência subordinada à qualidade de trabalhador ou, eventualmente, de pessoa à procura de emprego. No caso desse processo, não se tratava pois de determinar o efeito do tempo de prisão na continuidade de uma residência legal para efeitos de aquisição de um direito de residência permanente — direito que, no momento em que o acórdão foi proferido, não existia ainda para o cidadão da União —, mas antes de determinar o efeito desse período de prisão sobre a manutenção da qualidade de trabalhador para efeitos da manutenção do direito de residência.

27.      Quanto ao processo que deu origem ao acórdão Tsakouridis, já referido, a questão consistia em saber em que medida as ausências do território do Estado‑Membro de acolhimento, durante o período referido no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, ou seja, durante os dez anos que precederam a decisão de expulsão do interessado, o impedem de beneficiar da proteção reforçada prevista nessa disposição. Relativamente a essa questão, o Tribunal de Justiça declarou simplesmente que a circunstância de o interessado ter sido forçado a regressar ao Estado‑Membro de acolhimento para aí cumprir uma pena de prisão e o tempo passado em detenção podem, em conjunto com os aspetos enumerados no n.° 33 do mesmo acórdão, ser tomados em conta no contexto da apreciação global exigida para determinar se foram rompidos os laços de integração anteriormente tecidos com o Estado‑Membro de acolhimento (5).

28.      Nesse processo não se pedia ao Tribunal de Justiça para clarificar o conceito de residência legal, conceito esse que, aliás, não consta da redação do artigo 28.° da diretiva, mas sim para interpretar o sistema de proteção contra a expulsão, instituído por essa disposição. As condições da concessão e da perda do direito de residência permanente devem ser distinguidas das condições da perda da proteção reforçada (6). Assim sendo, o acórdão Orfanopoulos e Oliveri, já referido, tal como o acórdão Tsakouridis, não se afiguram pertinentes para o caso vertente.

29.      Existem, no entanto, outros acórdãos recentes do Tribunal de Justiça que fornecem algumas respostas à primeira questão.

30.      Com efeito, no acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja (7), o Tribunal de Justiça teve a oportunidade de, pela primeira vez, definir o conceito de residência legal no sentido do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38. Assim, o conceito implícito nos termos «que tenham residido legalmente», que figuram na referida disposição, deve ser entendido no sentido de uma residência conforme com as condições previstas nesta diretiva, nomeadamente as enunciadas no seu artigo 7.°, n.° 1 (8).

31.      Além disso, no acórdão de 8 de maio de 2013, Alarape e Tijani (9), o Tribunal de Justiça decidiu que, para a aplicação do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, há que concluir que a aquisição do direito de residência permanente dos membros da família do cidadão da União que não têm nacionalidade de um Estado‑Membro depende, de qualquer modo, do facto de, por um lado, esse cidadão preencher ele próprio os requisitos enunciados no artigo 16.°, n.° 1, dessa diretiva e de, por outro, os referidos membros terem residido com ele durante o período em causa.

32.      No que respeita à aquisição de um direito de residência permanente pelos membros da família do cidadão da União que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro, a obrigação de residir com esse cidadão no Estado‑Membro de acolhimento durante o período em causa implica a existência necessária e concomitante para esses familiares de um direito de residência ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, enquanto membros da família que acompanham ou se reúnem a esse cidadão (10). Recordo que esta disposição indica que o direito de residência previsto para os cidadãos da União, nos termos do n.° 1, é extensivo aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se refere o artigo 7.°, n.° 1, alíneas a), b) ou c), da diretiva.

33.      Daqui resulta, portanto, que, para efeitos da aquisição do direito de residência permanente dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, só os períodos de residência desses membros que preencham o requisito previsto no artigo 7.°, n.° 2, da mesma podem ser tidos em consideração (11).

34.      Resulta dessa jurisprudência a seguinte constatação. O direito de residência permanente de um nacional de país terceiro, membro da família de um cidadão da União, não constitui um direito autónomo, mas um direito derivado do direito de residência permanente desse cidadão. Do mesmo modo, o direito de residência desse nacional decorre diretamente do direito de residência do dito cidadão adquirido ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38.

35.      Segundo N. Onuekwere, é pouco importante que, durante os cinco anos de residência legal exigidos nos termos do artigo 16.°, n.° 2, da diretiva, tenha cumprido uma pena de prisão. Com efeito, considera que, apesar dos períodos passados na prisão e na medida em que a sua cônjuge, cidadã da União, cumpre as condições do artigo 7.°, n.° 1, da diretiva e goza do direito de residência permanente, ele próprio também pode beneficiar desse mesmo direito. Além disso, no que respeita à condição da residência com o cidadão da União, enunciada no artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 na expressão «tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento», N. Onuekwere considera que não existe nenhuma obrigação de coabitação do cidadão que exerce o seu direito de livre circulação e de residência com o cônjuge, membro da sua família, de modo que é possível considerar que os períodos passados na prisão equivalem a residência com o cidadão da União.

36.      Não posso subscrever semelhante análise.

37.      Antes de mais, no que diz respeito à expressão «com o cidadão da União» contida no artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça considerou, desde a década de 1980, que a coabitação de um trabalhador migrante com um membro da sua família, nacional de país terceiro, não exige forçosamente que esse membro da família habite com ele em permanência, mas apenas que o alojamento de que o trabalhador dispõe possa ser considerado normal para acolher a sua família. A exigência de unicidade do alojamento familiar permanente não pode, pois, ser admitida implicitamente (12). No caso então em apreço, tratava‑se de uma nacional de país terceiro que vivia separada do seu cônjuge, trabalhador migrante, e que pretendia adquirir um direito de residência ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 (13). O Tribunal de Justiça declarou que não se exigia que os membros da família de um trabalhador migrante, no sentido da referida disposição, habitassem necessariamente em permanência com ele para serem titulares de um direito de residência ao abrigo dessa mesma disposição.

38.      A mesma interpretação é válida para os diplomas do direito comunitário posteriores ao Regulamento n.° 1612/68, neste caso a Diretiva 2004/38. Em meu entender, a expressão «com o cidadão da União» contida no artigo 16.°, n.° 2, da diretiva não deve ser interpretada literalmente, ou seja, no sentido estrito, sob pena de se correr o risco de excluir certos beneficiários legítimos dos direitos que a referida diretiva lhes confere normalmente, bem como de violar o direito ao respeito pela vida privada e familiar que assiste a todas as pessoas ao abrigo do artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

39.      Com efeito, pode haver situações em que, por força das circunstâncias, o cidadão da União e o membro da sua família, nacional de país terceiro, não possam viver permanentemente sob o mesmo teto. Por exemplo, o cidadão da União pode ser obrigado a viver durante a semana ou até mesmo durante mais tempo numa outra região que não aquela onde vive o seu cônjuge nacional de país terceiro. Essa situação verifica‑se sobretudo na nossa sociedade atual onde a mobilidade profissional e geográfica é frequentemente exigida. Do mesmo modo, o membro da família de um cidadão da União pode ter o estatuto de estudante e ser levado a prosseguir os seus estudos numa cidade diferente daquela onde a sua família mantém a residência principal.

40.      De resto, o Tribunal de Justiça já decidiu que o facto de os filhos de um cidadão da União não habitarem permanentemente com ele não afeta os direitos que lhes são conferidos pelos artigos 10.° e 12.° do Regulamento n.° 1612/68. O artigo 10.° do referido regulamento, ao prever que o membro da família do trabalhador migrante tem o direito de se instalar com o trabalhador, não exige que o membro da família em questão habite com ele permanentemente, mas, como indica o n.° 3 deste artigo, apenas que a residência de que o trabalhador dispõe possa ser considerada normal para acolher a sua família (14).

41.      A obrigação, prevista no artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, de residir com o cidadão da União durante um período de cinco anos consecutivos não significa, portanto, que a coabitação sob o mesmo teto tenha de ser permanente.

42.      Por agora, e como veremos a seguir, não julgo que os períodos passados na prisão possam ser considerados períodos de residência legal no sentido da referida disposição e, como tal, ser contabilizados no cálculo do período de cinco anos exigido na referida disposição para efeitos de aquisição do direito de residência permanente.

43.      Importa recordar a finalidade da Diretiva 2004/38. Como já expressei nas minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Ziolkowski e Szeja, já referido, resulta dos considerandos 3 e 4 da diretiva que a sua finalidade consiste em criar um sistema baseado no reforço da coesão social no qual o direito de residência permanente surge como um elemento‑chave enquanto elemento da cidadania da União, cidadania chamada a constituir o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. Assim, a vontade do legislador da União é alcançar, para os cidadãos da União que preenchem as condições de aquisição desse direito de residência permanente, uma igualdade de tratamento quase total com os nacionais (15).

44.      O direito de residência permanente vai, por isso, além do simples direito de residir e circular no território da União. Pretende criar nos cidadãos da União um sentimento de pertença plena à sociedade do Estado‑Membro de acolhimento, nomeadamente eliminando todas as barreiras administrativas que possam existir para os não nacionais (16). Uma vez adquirido, o direito de residência permanente não está sujeito a nenhuma das condições previstas no capítulo III da Diretiva 2004/38, designadamente as enumeradas no seu artigo 7.°

45.      É certo que, no caso vertente, se trata de um nacional de país terceiro que é membro da família de um cidadão da União. Mas o efeito pretendido não é, por isso, menos importante. Em primeiro lugar, o legislador da União pretendeu preservar a unidade familiar, que está intrinsecamente ligada ao direito à proteção da vida familiar, ao permitir o reagrupamento familiar e facilitar, assim, a livre circulação dos cidadãos da União, que já não são dissuadidos de circular pelo facto de ficarem afastados das suas famílias (17). Além disso, ao conceder igualmente um direito de residência permanente aos membros da família de um cidadão da União que sejam nacionais de países terceiros, o legislador da União visa de igual forma preservar essa unidade familiar, fazendo com que esses nacionais também tenham um sentimento de pertença à sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

46.      A concessão de um direito de residência permanente aos nacionais de países terceiros, membros da família de um cidadão da União, corresponde, na prática, a equipará‑los a esse cidadão desde que tenham residido, pelo menos, cinco anos com ele no território do Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, para o legislador da União, um período suficientemente longo de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento demonstra o estabelecimento de laços estreitos do cidadão da União e do membro da sua família com esse Estado e, por conseguinte, a sua verdadeira integração.

47.      O sistema instituído pela Diretiva 2004/38 e, mais concretamente, a criação de um direito de residência permanente, assenta pois na ideia de que uma verdadeira integração deve ser, de alguma forma, recompensada ou, pelo menos, deve ter o efeito de reforçar esse sentimento de pertença à sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

48.      Ora, se um tal sistema assenta na verdadeira integração do interessado, como se pode admitir que uma pessoa que cumpriu uma ou várias penas de prisão possa beneficiar de um direito de residência permanente? Não pressupõe a integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento que a pessoa que invoca esse direito respeite, acima de tudo, as leis e os valores dessa mesma sociedade?

49.      Penso que deve ser precisamente esse o caso. Tal como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão de 21 de julho de 2011, Dias (18), e como eu recordei nas minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão de 22 de maio de 2012, I (19), a integração, que preside à aquisição do direito de residência permanente previsto no artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, baseia‑se não apenas em fatores espaciais e temporais mas também em fatores qualitativos, relativos ao grau de integração no Estado‑Membro de acolhimento (20).

50.      As estadias na prisão revelam, necessariamente, um fraco grau de integração da pessoa em causa. Essa constatação é ainda mais flagrante quando, como no processo principal, a pessoa é reincidente. Em minha opinião, um comportamento penalmente repreensível revela claramente a falta de vontade por parte do seu autor de se integrar na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

51.      Se levarmos o raciocínio de N. Onuekwere ao extremo, não podemos deixar de constatar que está em total contradição com o espírito e a finalidade da Diretiva 2004/38. Com efeito, a tese defendida por N. Onuekwere equivale, em última análise, a considerar‑se que, quanto mais pesada a pena e, por isso, mais longo o período de prisão, maior será a integração da pessoa na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento. Assim, por exemplo, um nacional de país terceiro, membro da família de um cidadão da União, condenado a 20 anos de prisão por homicídio poderia requerer o direito de residência permanente ao fim de cinco anos passados na prisão, na medida em que o seu cônjuge, que preenche os requisitos referidos no artigo 7.°, n.° 1, da diretiva, adquiriu um direito de residência permanente.

52.      Temos de admitir que, além de insensato, este raciocínio é contrário ao objetivo prosseguido pela referida diretiva que consiste, nomeadamente, em promover a coesão social através da criação de um direito de residência permanente e em reforçar o sentimento de cidadania da União. Será necessário recordar, a este respeito, que a cidadania constitui para o cidadão uma garantia de pertença a uma comunidade política e de direito?

53.      Por último, uma vez que foi feita referência às minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Tsakouridis, já referido (21), alegando N. Onuekwere que o facto de os períodos passados na prisão não serem tomados em consideração é incompatível com o objetivo de integração e a função de reinserção da pena, passo a esclarecer o seguinte.

54.      É evidente que qualquer pena deve, de acordo com os princípios fundamentais do direito penal, comportar uma função de reinserção que será assegurada pelas respetivas modalidades de execução. No entanto, se foi aplicada uma pena, é porque os valores que a sociedade consagrou no seu direito penal foram violados pelo infrator. E se a função de reinserção deve ocupar o lugar que lhe compete, é porque não houve inserção, o que explica o facto de a infração ter sido cometida, ou a inserção foi destruída por essa mesma infração.

55.      Para além da função de reinserção, a pena comporta ainda a função essencial da retribuição, cujo objetivo é fazer pagar a infração cometida e que é proporcional à gravidade dessa infração, consistindo, no caso em apreço, numa pena de prisão. Estas funções não se excluem mutuamente. A existência da função de reinserção não pode garantir que o período de retribuição crie, relativamente ao condenado, um direito cuja aquisição pressupõe o reconhecimento e a aceitação dos valores sociais que o condenado violou precisamente com o seu ato criminoso.

56.      Essa é a razão pela qual penso que, mesmo no quadro da conversão de uma pena, por exemplo, numa medida de prisão domiciliária ou num regime de semiliberdade que obriga o condenado a regressar à prisão no final do dia, não se pode considerar que o interessado esteja a cumprir um período de residência legal no sentido do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38.

57.      Por todas as razões acima expostas, entendo que a disposição em causa deve ser interpretada no sentido de que um período de prisão não constitui residência legal e, por conseguinte, não pode ser levado em conta no cálculo do período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente.

B —    Quanto à acumulação dos períodos de residência legal para efeitos de cálculo do período de cinco anos

58.      A segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio está intimamente ligada à primeira. Assim, em caso de resposta negativa a essa primeira questão, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London, pretende saber, em substância, se o artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão podem ser acumulados para efeitos de cálculo do período de cinco anos.

59.      Por outras palavras, a questão consiste em saber se a pena de prisão interrompe a continuidade da residência legal, fazendo com que os períodos de residência legal cumpridos antes e depois da prisão não possam ser contabilizados.

60.      No entender do Governo alemão e da Comissão, certos períodos poderiam ser tomados em consideração. Com efeito, o Governo alemão considera que o artigo 16.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 deve ser aplicado por analogia. Assim sendo, a continuidade da residência legal exigida para efeitos de aquisição do direito de residência permanente seria interrompida por várias penas de prisão excedendo, no total, seis meses por ano ou por uma única pena de prisão de mais de doze meses. Do mesmo modo, a continuidade da residência seria interrompida por períodos de prisão de duração inferior, sempre que a infração que deu origem à pena de prisão ateste claramente a falta de vontade do interessado em integrar‑se na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento ou em respeitar os seus valores.

61.      A Comissão, por sua vez, considera que a possibilidade de levar em conta certos períodos passados na prisão dependeria, designadamente, do grau de integração do interessado antes da prisão, da duração do período de detenção, da gravidade da infração cometida que deu origem à condenação e da existência ou não de um comportamento reincidente. A Comissão entende, por isso, que deveria proceder‑se a uma análise da proporcionalidade.

62.      Não partilho nem da posição da Comissão nem da do Governo alemão.

63.      Tal como vimos, o artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 impõe uma condição de continuidade da residência, na medida em que exige que um membro da família na situação de N. Onuekwere tenha residido legalmente durante um período de cinco anos consecutivos com o cidadão da União. Esta disposição deve ser interpretada à luz dos objetivos da referida diretiva, expressos nos seus considerandos 17 e 18, nomeadamente promover a coesão social e permitir a integração dos imigrantes na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento através da construção de boas relações sociais, familiares e profissionais nesse Estado. Além disso, os trabalhos de preparação da Diretiva 2004/38 sublinham a importância da construção de uma ligação forte de integração com o Estado‑Membro de acolhimento enquanto pré‑requisito para a aquisição do direito de residência permanente. A condição enunciada no artigo 16.°, n.° 2, da referida diretiva exprime, pois, o pressuposto de que um período de cinco anos consecutivos permite à pessoa interessada estabelecer laços de integração fortes com a sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

64.      Por conseguinte, e tendo em conta as observações que apresentei no âmbito da primeira questão, parece‑me que, se os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão pudessem ser levados em conta para efeitos de cálculo do período exigido de cinco anos, isso equivaleria, na prática, a negar a falta de integração do interessado, alterando assim de modo importante o efeito útil visado pelo artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38. A pena de prisão aplicada devido a uma infração das regras da sociedade do Estado‑Membro de acolhimento é precisamente a prova de que a pessoa em causa não estava integrada nessa sociedade. Uma vez mais, essa constatação é tanto mais evidente porque a pessoa em causa é reincidente.

65.      A acumulação dos períodos de residência anteriores e posteriores à execução da pena é, por isso, incoerente com o objetivo prosseguido pela diretiva. Isso seria desvirtuar o sentido da expressão «período de cinco anos consecutivos» contida no artigo 16.°, n.° 2, da diretiva e ignorar a exigência de continuidade do processo de integração.

66.      Em meu entender, a redação do artigo 16.°, n.° 3, da referida diretiva em nada altera esta análise. Essa disposição apresenta alguns exemplos de ausências temporárias que não afetam a continuidade da residência legal. É o caso de ausências que não excedam seis meses por ano, de ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, de ausências de doze meses consecutivos, no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais.

67.      A leitura desta disposição leva‑me a constatar, em primeiro lugar, que as ausências mencionadas constituem ausências do território do Estado‑Membro de acolhimento. Afigura‑se difícil equiparar os períodos passados na prisão a uma ausência do território desse Estado.

68.      Em segundo lugar, essas ausências não têm origem num comportamento penalmente repreensível que afeta o grau de integração da pessoa em causa. São antes motivadas por acontecimentos na vida de um cidadão da União ou de um membro da sua família, nacional de país terceiro, que o obrigam a abandonar temporariamente o território do Estado‑Membro de acolhimento. É o caso, nomeadamente, das obrigações militares, das obrigações profissionais ou até mesmo de uma doença grave que carece de cuidados cuja prestação é assegurada de forma mais adequada pelas estruturas de outros países. Um cidadão da União ou um membro da sua família que seja nacional de país terceiro também pode querer ausentar‑se temporariamente do Estado‑Membro de acolhimento para estar com um familiar que se encontra numa situação difícil. Tal não afeta a vontade de se integrar na sociedade desse Estado e de aí estabelecer laços fortes.

69.      Considero, por isso, que não é possível aplicar o artigo 16.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 ao caso que me foi submetido, contrariamente ao que foi sugerido pelo Governo alemão.

70.      A Comissão propõe que o juiz nacional tenha, em certo casos, liberdade para flexibilizar a regra segundo a qual os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão não podem ser levados em conta no cálculo do período. Assim, seria tomado em consideração o princípio da proporcionalidade, limitando as consequências de uma condenação para as pessoas sujeitas a penas especialmente curtas por terem cometido infrações relativamente menores. A aplicação do princípio da proporcionalidade impediria assim, em certos casos, a interrupção do período de cinco anos para efeitos de aquisição do direito de residência permanente.

71.      Em minha opinião, essa não é uma solução viável. Em primeiro lugar, como é possível conciliar com o princípio da segurança jurídica as diferenças que, numa União a 28, existem ao nível do direito penal e, por conseguinte, da qualificação das infrações? Algumas infrações podem não ter o mesmo grau de gravidade nem ser sujeitas às mesmas penas em todos os Estados‑Membros. Além disso, penso que é necessário definir critérios claros para que os infratores saibam exatamente o que os espera. A incerteza que geraria a aplicação do princípio da proporcionalidade conforme proposto pela Comissão poderia pôr em causa o princípio da legalidade da pena.

72.      Contrariamente ao que defendeu a Comissão durante a audiência, julgo que não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao legislador da União definir esses critérios e os limiares segundo os quais se deve considerar que o tempo passado na prisão não interrompe o período exigido pelo artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38.

73.      Em minha opinião, apenas deve ser levado em conta no cálculo do período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente um período de prisão cumprido em regime de prisão preventiva até ao julgamento que resulte no arquivamento do processo ou na absolvição do arguido. Com efeito, nesse caso específico, a prisão preventiva não corresponde à execução de uma pena aplicada na sequência de uma condenação por uma infração. Trata‑se da detenção do arguido durante uma parte ou toda a fase de instrução do processo, enquanto goza da presunção de inocência. Havendo, posteriormente, lugar ao arquivamento do processo ou à absolvição do arguido, as autoridades públicas consideram não existir qualquer violação das regras e dos valores da sociedade, pelo que o arguido nunca deixou de estar inocente do crime de que é acusado. Assim sendo, não poderá, em nossa opinião, ser acusado de um comportamento penalmente repreensível que demonstre a falta de vontade de integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

74.      Face às considerações precedentes, considero que o artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão não podem ser acumulados para efeitos de cálculo do período de cinco anos, pelo que o tempo de prisão interrompe o referido período.

IV — Conclusão

75.      À luz de todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber), London:

«O artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE deve ser interpretada no sentido de que:

¾        um período de prisão não constitui residência legal e, por conseguinte, não pode ser levado em conta no cálculo do período de cinco anos exigido para efeitos de aquisição do direito de residência permanente, e

¾        os períodos de residência legal anteriores e posteriores à prisão não podem ser acumulados para efeitos de cálculo desse período de cinco anos, pelo que o tempo de prisão interrompe o referido período.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77; retificações no JO L 229, p.°35, e no JO 2005, L 197, p. 34).


3 —      C‑145/09, Colet., p. I‑11979.


4 —      C‑482/01 e C‑493/01, Colet., p. I‑5257.


5 —      Acórdão Tsakouridis, já referido (n.° 34).


6 —      V., neste sentido, o acórdão Tsakouridis, já referido (n.os 30 e seg.), em que o Tribunal de Justiça no que diz respeito à interpretação do artigo 28.° da diretiva rejeita uma interpretação por analogia com o artigo 16.°, n.° 4.


7 —      C‑424/10 e C‑425/10, Colet., p. I‑14035.


8 —      N.° 46.


9 —      C‑529/11.


10 —      N.° 36.


11 —      N.° 37.


12 —      V. acórdão de 13 de fevereiro de 1985, Diatta (267/83, Recueil, p. 567, n.° 18).


13 —      Regulamento do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).


14 —      V. acórdão de 17 de setembro de 2002, Baumbast e R (C‑413/99, Colet., p. I‑7091, n.os 58 a 62). Para uma jurisprudência mais recente, v. igualmente acórdão de 8 de novembro de 2012, Iida (C‑40/11, n.° 58), em que o Tribunal de Justiça declarou que o cônjuge não tem necessariamente de viver permanentemente com o cidadão da União para ser titular de um direito derivado de residência.


15 —      V. n.os 50 e 51 das conclusões.


16 —      V. p. 3 da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros [COM(2001) 257].


17 —      V. p. 5 da referida proposta de diretiva.


18 —      C‑325/09, Colet., p. I‑6387.


19 —      C‑348/09.


20 —      Acórdão Dias, já referido (n.° 64).


21 —      N.os 47 a 50 das conclusões.