Language of document : ECLI:EU:C:2004:245

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
29 de Abril de 2004 (1)

«Medicamentos – Autorização de introdução no mercado – Processo relativo a produtos essencialmente similares»

No processo C-106/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

The Queen, a pedido da:

Novartis Pharmaceuticals UK Ltd

e

The licensing Authority established by the Medicines Act 1968 (representada por The Medicines Control Agency),

sendo intervenientes:

SangStat UK Ltd,

e

Imtix-SangStat UK Ltd,

uma decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), na versão resultante das Directivas 87/21/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986 (JO 1987, L 15, p. 36), 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989 (JO L 142, p. 11), e 93/39/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 214, p. 22),



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),



composto por: V. Skouris, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. Gulmann (relator), J. N. Cunha Rodrigues, J.-P. Puissochet e R. Schintgen, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Novartis Pharmaceuticals UK Ltd, por I. Dodds-Smith e R. Hughes, solicitors, D. Anderson, QC, e J. Stratford, barrister,

em representação da SangStat UK Ltd e da Imtix-SangStat UK Ltd, por T. Cook e J. Mutimear, solicitors,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, P. Sales, barrister, e R. Singh, QC,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. I. Fernandes, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. C. Støvlbæk e R. Wainwright, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Novartis Pharmaceuticals UK Ltd, da SangStat UK Ltd e da Imtix-SangStat (UK) Ltd, do Governo do Reino Unido, representado por K. Manji, na qualidade de agente, e P. Sales, do Governo dinamarquês, do Governo neerlandês, representado por J. G. van Bakel, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. C. Støvlbæk e M. Shotter, na qualidade de agente, na audiência 7 de Novembro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Janeiro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 22 de Fevereiro de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de Março seguinte, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) colocou, nos termos do artigo 234.° CE, seis questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), na versão resultante das Directivas 87/21/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986 (JO 1987, L 15, p. 36), 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989 (JO L 142, p. 11), e 93/39/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 214, p. 22, a seguir «Directiva 65/65 alterada»).

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Novartis Pharmaceuticals UK Ltd (a seguir «Novartis») à The Medicines Control Agency (agência de controlo dos medicamentos, a seguir «MCA»), a propósito da emissão por esta última de duas autorizações de introdução no mercado (a seguir «AIM») de um medicamento.


Enquadramento regulamentar

3
O artigo 3.° da Directiva 65/65 alterada determina que a emissão de uma AIM constitui uma condição necessária para que um medicamento possa ser introduzido no mercado de um Estado‑Membro.

4
O artigo 4.° da mesma disposição determina:

«Tendo em vista a concessão da autorização de [introdução] no mercado prevista no artigo 3.°, o responsável por essa [introdução] apresentará à autoridade competente do Estado‑Membro o respectivo pedido.

[…]

Este pedido deve ser acompanhado das informações e documentos seguintes:

[...]

8.      Resultado dos ensaios:

físico‑químicos , biológicos ou microbiológicos,

farmacológicos e toxicológicos,

clínicos.

Todavia, e sem prejuízo do direito relativo à protecção da propriedade industrial e comercial:

a)
O requerente não será obrigado a fornecer os resultados dos ensaios farmacológicos e toxicológicos ou os resultados dos ensaios clínicos se puder demonstrar:

i)
Que a especialidade farmacêutica é essencialmente similar a um produto autorizado no país a que se refere o pedido e que a pessoa responsável pela [introdução] no mercado da especialidade original consentiu que se recorra, com vista à análise do presente pedido, à documentação farmacológica, toxicológica ou clínica que consta do processo da especialidade original;

[…]

iii)
Ou que a especialidade farmacêutica é essencialmente similar a um produto autorizado na Comunidade há pelo menos seis anos segundo as disposições comunitárias em vigor e comercializado no Estado‑Membro a que o pedido se refere; esse período é aumentado para dez anos no caso de medicamentos de alta tecnologia, na acepção da lista que consta da parte A do anexo da Directiva 87/22/CEE, ou de medicamentos na acepção da lista que consta da parte B do anexo da referida directiva que tenham seguido o procedimento previsto no seu artigo 2.º; além disso, um Estado‑Membro pode igualmente alargar esse período para dez anos, através de uma decisão única que abranja todos os produtos comercializados no seu território, se considerar que exigências da saúde pública assim o exigem. Os Estados‑Membros podem não aplicar o período de seis anos acima mencionado para além da data‑limite da vigência de uma licença que proteja o produto original.

Todavia, nos casos em que a especialidade farmacêutica se destine a um uso terapêutico diferente, ou deva ser administrada por vias diferentes ou em dose diferente em relação aos outros medicamentos comercializados, devem ser fornecidos os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e/ou clínicos adequados.

b)
[...]»

5
Os procedimentos instituídos pelo artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) a iii), da Directiva 65/65 alterada são comummente designados sob o nome de «procedimentos abreviados». O procedimento específico de obtenção das AIM instituído pelo artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), último parágrafo (a seguir «cláusula de salvaguarda»), é um procedimento abreviado dito «combinado».

6
No exercício da faculdade conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, o Reino Unido alargou para dez anos o período indicado nessa disposição.

7
Por último, o artigo 5.° da Directiva 65/65 alterada determina:

«A autorização prevista no artigo 3 º será recusada quando, após verificação das informações e documentos enumerados no artigo 4 º, se revelar que a especialidade é nociva em condições normais de emprego, ou que falta o efeito terapêutico da especialidade ou está insuficientemente comprovado pelo requerente, ou que a especialidade não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada.

A autorização será igualmente recusada se a documentação e as informações apresentadas em apoio do pedido não estiverem conformes com o disposto no artigo 4 º.»


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8
Os produtos Sandimmun, Neoral, SangCya e Acceptine são todos imunossupressores que têm como princípio activo a ciclosporina. O Sandimmun e o Neoral são produtos da Novartis. O SangCya e a Acceptine, produtos que podem ser considerados idênticos no quadro do presente processo (a seguir conjuntamente «SangCya»), são fabricados pelas SangStat UK Ltd e Imtix‑SangStat UK Ltd (a seguir conjuntamente «SangStat»).

9
A ciclosporina é principalmente utilizada para prevenir a rejeição de órgãos ou de tecidos em caso de transplante. É igualmente utilizada no tratamento de doenças do foro auto‑imunitário, incluindo a psoríase grave, a artrite reumatóide grave, o síndrome nefrótico grave e o eczema.

10
O Sandimmun, o Neoral e o SangCya são administrados aos doentes por via oral. Apresentando‑se, na fase de produto acabado, sob a forma de solução. São ingeridos pelo doente misturados com uma bebida. Mas há diferenças entre os referidos produtos. Quando são diluídos para serem administrados ao doente, reagem de forma diferente. Ao passo que, num ambiente aquoso, o Sandimmun forma uma macroemulsão, o Neoral forma uma microemulsão e o SangCya sofre um processo de nanodispersão. Isso tem um efeito sobre a sua biodisponibilidade, isto é, sobre a velocidade e as proporções da sua absorção pelo organismo e da sua transferência para o local de acção.

11
A biodisponibilidade é importante dado que a ciclosporina tem um índice terapêutico reduzido (o nível de dosagem dentro do qual é observada uma eficácia clínica em condições de segurança aceitáveis). Se a taxa de ciclosporina no sangue de um doente que recebeu um transplante for demasiado baixa, aumenta o risco de rejeição aguda e crónica do órgão. Inversamente, se a taxa for demasiado elevada, existe o risco de deterioração das funções renais e de o sistema imunitário do doente ser suprimido. Assim, o doente pode desenvolver infecções oportunistas, e, eventualmente, um linfoma. Para cada um dos produtos, após administração de uma dose inicial aos níveis recomendados, a taxa efectiva de ciclosporina no sangue é controlada em cada doente e a dose de manutenção a administrar ao indivíduo num período prolongado pode ser adaptada em conformidade, a fim de garantir que a taxa se mantém dentro dos limites do índice terapêutico.

12
O Sandimmun foi o primeiro produto à base de ciclosporina autorizado na Comunidade. Foi aprovado em 1983 na sequência do fornecimento pela Sandoz Pharmaceuticals UK Ltd, actual Novartis, do processo completo de informação exigido pela Directiva 65/65 alterada. Consequentemente, decorridos mais de dez anos sobre a primeira AIM do Sandimmun na Comunidade, expirou o período de dez anos de protecção dos dados concedida à Novartis nos termos desta directiva. A protecção do Sandimmund conferida pela patente expirou igualmente.

13
A fim de resolver os problemas de absorção e de administração do Sandimmun, a Novartis lançou um programa de investigação e de desenvolvimento com vista a fabricar um medicamento à base de ciclosporina mais eficaz do que o Sandimmun.

14
Assim, a Novartis desenvolveu o Neoral e obteve uma patente para a fórmula da ciclosporina neste produto. A primeira AIM do Neoral na Comunidade foi concedida em 3 de Maio de 1994 na Alemanha. Uma AIM foi concedida no Reino Unido em 29 de Março de 1995. O pedido dirigido à MCA sob a forma de pedido abreviado combinado, fazia referência, com o consentimento da pessoa responsável, aos dados relativos ao Sandimmun, em conformidade com o artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i), da Directiva 65/65 alterada. Este pedido incluía igualmente, em aplicação da cláusula de salvaguarda, dados provenientes de outros estudos e testes clínicos, tendo presente que o Neoral se distinguia em determinados aspectos do produto de referência. As indicações aprovadas para o Neoral incluem todas as que tinham sido aprovadas para o Sandimmun. A partir de Janeiro de 1997, o Neoral foi autorizado, designadamente, para o tratamento do síndroma nefrótico esteróido‑dependente ou resistente aos esteróides em adultos e crianças. O Sandimmun e o Neoral coexistem no mercado britânico, mas o primeiro representa apenas uma pequena percentagem do mercado total da ciclosporina, em comparação com o segundo.

15
O Neoral é absorvido pelo sangue dos doentes mais rápida e regularmente do que o Sandimmun. A influência da ingestão simultânea de alimentos e de outros factores variáveis é significativamente reduzida no Neoral em comparação com o Sandimmun. Os testes demonstraram que o Neoral tem, em termos aproximativos, uma biodisponibilidade de 29% superior ao Sandimmun.

16
Em 27 de Janeiro de 1999, a MCA concedeu à SangStat duas AIM relativas ao SangCya, em conformidade com o artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), ii), da Directiva 65/65 alterada, no âmbito do procedimento abreviado combinado. O produto de referência era o Sandimmun que, diversamente do Neoral, tinha sido autorizado na Comunidade havia mais de dez anos.

17
O SangCya, que não foi desenvolvido como uma cópia do Sandimmun ou do Neoral, não é idêntico a este último. Está abrangido por pedidos de patente e por patentes concedidas nos Estados Unidos.

18
A SangStat juntou ao seu pedido elementos destinados a demonstrar a maior biodisponibilidade do SangCya relativamente ao Sandimmun, bem como a similaridade essencial destes produtos. Foram igualmente juntos ao pedido estudos destinados demonstrar a bioequivalência entre o SangCya e o Neoral comercializado nos Estados Unidos.

19
Para efeitos de concessão das AIM para o SangCya, a MCA baseou‑se igualmente em dados que tinham sido fornecidos pela Novartis em apoio do seu pedido relativo ao Neoral.

20
O processo no órgão jurisdicional nacional tem por objecto as AIM concedidas em 27 de Janeiro de 1999 pela MCA à SangStat para o SangCya. Foi negado provimento ao recurso de fiscalização da legalidade das AIM interposto pela Novartis.

21
A Novartis interpôs recurso para a Court of Appeal, pedindo a anulação das AIM controvertidas. Em apoio do seu recurso, a Novartis sustentou que a MCA tinha:

a)
feito, de forma ilícita, referência ao processo relativo ao Neoral (a questão da referência);

b)
declarado, sem razão, que o SangCya era essencialmente similar ao Sandimmun, dispensando, assim, a SangStat da obrigação de demonstrar que o seu produto era seguro, apesar de não existir bioequivalência com o Sandimmun (a questão da similaridade essencial);

c)
violado o princípio da não discriminação entre a Novartis e a SangStat no que respeita ao procedimento de autorização (a questão da não discriminação).

22
A MCA alega que:

a)
podia fazer referência a todas as informações que detinha para determinar se um produto, para o qual tinha sido pedida uma AIM, era seguro;

b)
as questões de similaridade essencial eram, intrinsecamente, questões de facto, de grau ou de opiniões de peritos, a apreciar pelas autoridades nacionais competentes, as quais gozam de uma margem de discricionariedade ao apreciar questões como a de saber se dois produtos têm a mesma forma farmacêutica, uma vez que, de qualquer forma, a bioequivalência nem sempre é exigida para demonstrar a similaridade essencial;

c)
o princípio da não discriminação não tinha sido violado, uma vez que a Novartis e a SangStat não se encontravam em situações similares e que, em qualquer caso, razões objectivas e válidas permitiam que se fizesse uma distinção entre elas.

23
Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
Ao examinar um pedido de autorização de introdução no mercado de um novo produto (C), apresentado ao abrigo do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65, relacionado com um produto (A) autorizado há mais de 6/10 anos, pode a autoridade nacional competente referir‑se, sem consentimento para o efeito, a dados apresentados em apoio do pedido relativo a um produto (B), que foi autorizado nos últimos 6/10 anos?

2)
Em caso afirmativo, pode essa referência ter lugar quando:

a)
o produto B foi autorizado nos termos do procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, ponto 8, alínea a), em relação ao produto A; e

b)
os dados a que é feita referência consistem em resultados clínicos que a autoridade nacional competente indicou como sendo necessários para concessão da autorização de introdução no mercado, e que foram apresentados a fim de demonstrar que o produto B é seguro, apesar da sua maior biodisponibilidade relativamente ao produto A quando administrado na mesma dose?

3)a)
O artigo 4.°, último parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65 (‘cláusula de salvaguarda’) é aplicável apenas aos pedidos apresentados nos termos do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), iii), ou é igualmente aplicável aos pedidos apresentados nos termos do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), i)?

b)
A similaridade essencial é um requisito prévio para aplicação da cláusula de salvaguarda?

4)
Podem os produtos ser essencialmente similares para efeitos do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), i) e iii), da Directiva 65/65 quando não sejam bioequivalentes e, em caso afirmativo, em que circunstâncias?

5)
Qual o significado da expressão «forma farmacêutica» utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Generics? Em particular, dois produtos têm a mesma forma farmacêutica quando são administrados ao doente sob a forma de solução diluída a fim de se obter, respectivamente, uma macroemulsão, uma microemulsão e uma nanodispersão?

6)
É compatível com o princípio geral da não discriminação que a autoridade nacional competente a quem, nos termos do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65, tenham sido apresentados pedidos combinados de autorizações de introdução no mercado, fazendo referência a um produto A, para dois produtos, nenhum dos quais é bioequivalente ao produto A:

i)
indique que, para ser concedida a autorização de comercialização relativamente ao produto B, é necessário que o pedido seja apoiado em dados clínicos completos do tipo exigido na parte 4, F, do anexo da Directiva 75/318/CEE, mas

ii)
tendo em conta os dados apresentados para o produto B, conceda a autorização de introdução no mercado para o produto C, se o referido pedido se basear em testes que não preenchem os requisitos previstos na parte 4, F, do anexo da Directiva 75/318/CEE?»


Observações preliminares

24
Por força do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, se for demonstrado que um medicamento é essencialmente similar a um produto autorizado desde há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade e comercializado no Estado‑Membro a que o pedido diz respeito, o requerente não é obrigado a facultar os resultados dos testes farmacológicos, toxicológicos e clínicos. Nos termos do último parágrafo deste artigo «nos casos em que a especialidade farmacêutica se destine a um uso terapêutico diferente ou deva ser administrada por vias diferentes ou em dose diferente em relação aos outros medicamentos comercializados, devem ser fornecidos os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e/ou clínicos adequados».

25
O litígio no processo principal tem por objecto, designadamente, a questão de saber se a MCA podia, em conformidade com a referida disposição, dispensar a SangStat de fornecer esses resultados baseando‑se nos que já tinham sido fornecidos pela Novartis no âmbito dos processos que levaram à concessão a esta sociedade das AIM do Sandimmun e o Neoral.

26
No que respeita a esta questão, devem ser tomados em conta os seguintes elementos:

o Neoral e o SangCya não são bioequivalentes, uma vez que a sua biodisponibilidade é diferente;

o Neoral estava autorizado há menos de dez anos;

o Neoral constitui um desenvolvimento do Sandimmun, uma vez que a Novartis obteve a AIM do Neoral segundo o procedimento abreviado combinado.

27
As questões prejudiciais têm particularmente por objecto saber se, em tais circunstâncias, se aplica a dispensa de fornecer a documentação farmacológica, toxicológica e clínica, conforme prevista no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, lido em conjugação com a disposição relativa à cláusula de salvaguarda, ou se a documentação fornecida pela Novartis no âmbito do procedimento de AIM do Neoral deve beneficiar de um novo prazo de protecção de seis ou dez anos, por forma a não poder ser utilizada pela SangStat no âmbito do exame do pedido de AIM do SangCya.

28
Recorde‑se que, no acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o. (C‑368/96, Colect., p. I‑7967), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 4.°, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada declarando, designadamente, que:

o processo criado por esta disposição permite ao segundo requerente de uma AIM relativa a um produto determinado economizar o tempo e os custos necessários para reunir os dados farmacológicos, toxicológicos e clínicos. Permite igualmente, em conformidade com o quarto considerando da Directiva 87/21, evitar, por considerações de ordem pública, que os testes no homem ou no animal sejam repetidos sem necessidade imperiosa [acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 4];

no quadro do procedimento abreviado, a obrigação de realizar testes farmacológicos, toxicológicos e clínicos é substituída pela obrigação de demonstrar que a especialidade farmacêutica é de natureza de tal modo análoga a uma especialidade autorizada desde há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade e comercializada no Estado‑Membro do pedido que não apresenta diferenças significativas em relação a essa especialidade ao nível da segurança e da eficácia, e que ela é essencialmente similar ao produto já autorizado [acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 24];

uma especialidade farmacêutica é essencialmente similar, na acepção do artigo 4.°, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, a uma especialidade original quando satisfaz os critérios da identidade da composição qualitativa e quantitativa em princípios activos, da identidade da forma farmacêutica e da bioequivalência, na condição de não se verificar, à luz dos conhecimentos científicos, que apresenta diferenças significativas em relação à especialidade original no que toca à segurança ou à eficácia [acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 36];

uma especialidade farmacêutica essencialmente similar a um produto autorizado desde há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade e comercializado no Estado‑Membro a que o pedido diz respeito pode ser autorizada, segundo o procedimento abreviado, para todas as indicações terapêuticas já autorizadas para o referido produto, mesmo que tenham sido autorizadas novas indicações terapêuticas há menos de seis ou dez anos [acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 53]. A este respeito, o Tribunal de Justiça observou que, cabe, tal sendo o caso, ao legislador comunitário tomar, no domínio harmonizado de que se trata no caso em apreço, medidas que visem reforçar o regime de protecção concedido às empresas inovadoras [acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 52].

29
Seguidamente, há que acrescentar que a Court of Appeal tem razão em referir no despacho de reenvio que a autoridade competente de um Estado‑Membro deve, quando decide sobre um pedido de AIM, examinar se o medicamento é seguro e eficaz, e que, por conseguinte, é lícito que essa autoridade tenha em conta todos os dados de que dispõe, independentemente da fonte dos mesmos, na medida em que esses dados demonstrem que o produto é nocivo ou que a sua eficácia é insuficiente.

30
Com efeito, há que recordar que, como é indicado no primeiro considerando da Directiva 65/65 alterada, qualquer regulamentação em matéria de produção e de distribuição dos medicamentos deve ter por objectivo essencial a salvaguarda da saúde pública.

31
Assim, e em conformidade com o artigo 5.°, primeiro parágrafo, da Directiva 65/65 alterada, um pedido de AIM deve ser recusado designadamente se, com base nos dados de que a autoridade competente dispõe, se verificar que o medicamento é nocivo ou ineficaz. Esta autoridade não está, evidentemente, impedida de basear a sua recusa em dados apresentados por outros requerentes, mesmo que se trate de dados protegidos na acepção do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada.

32
Finalmente, observe‑se que o Tribunal de Justiça considera adequado responder, em primeiro lugar, às quarta e quinta questões, em segundo lugar, à terceira questão, em terceiro lugar, às primeira e segunda questões, e, por último, à sexta questão.


Quanto às quarta e quinta questões

Quanto à quarta questão

33
Em conformidade com o artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, não se pode considerar que um medicamento é essencialmente similar ao medicamento original se não satisfizer os critérios da identidade da composição qualitativa e quantitativa em princípios activos, da identidade da forma farmacêutica e da bioequivalência [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.os 36 e 37].

34
O mesmo se verifica tratando‑se do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i), da Directiva 65/65 alterada. Com efeito, os dois procedimentos abreviados em causa só se distinguem pelo facto de o direito de recorrer à documentação farmacológica, toxicológica ou clínica que figura no processo relativo ao medicamento de referência estar dependente, num caso, do consentimento da pessoa responsável pela introdução no mercado do referido medicamento e, no outro, do decurso de seis ou dez anos desde que este último foi autorizado na Comunidade.

35
Por conseguinte, deve responder‑se à quarta questão que não se pode considerar que determinados produtos são essencialmente similares para efeitos da aplicação do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) ou iii), da Directiva 65/65 alterada se esses produtos não forem bioequivalentes.

Quanto à quinta questão

36
Nem a Directiva 65/65 alterada nem, em termos mais gerais, a legislação comunitária em matéria de medicamentos, em vigor na época dos factos do processo principal, definem o conceito de forma farmacêutica.

37
Segundo a lista dos termos de referência da Farmacopeia Europeia, elaborada sob a égide do Conselho da Europa, a forma farmacêutica é definida como a combinação da forma sob a qual um produto farmacêutico é apresentado pelo fabricante e da forma sob a qual é administrado, incluindo a forma física.

38
Por força do anexo da Directiva 91/507/CEE da Comissão, de 19 de Julho de 1991, que altera o anexo da Directiva 75/318/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes às normas e protocolos analíticos, tóxico‑farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de medicamentos (JO L 270, p. 32), os requerentes de AIM são, sob vários aspectos, obrigados a preparar a documentação e as informações a apresentar em aplicação do artigo 4.° da Directiva 65/65 alterada, em conformidade com as indicações que figuram na Farmacopeia Europeia. Em particular, na parte 2, E, ponto 1, do referido anexo determina‑se, designadamente, que as disposições das monografias da Farmacopeia Europeia sobre as formas farmacêuticas são aplicáveis aos produtos nela definidos.

39
Nestas condições, verifica‑se que a lista dos termos de referência da Farmacopeia Europeia é susceptível de fornecer critérios úteis para efeitos da definição do conceito de forma farmacêutica de um medicamento, com vista ao exame da questão de saber se os medicamentos considerados são essencialmente similares.

40
Consequentemente, para os referidos efeitos, há que ter em conta a forma sob a qual o produto farmacêutico é apresentado pelo fabricante e a forma sob a qual ele é administrado, incluindo a forma física.

41
Quanto ao Sandimmun, ao Neoral e ao SangCya, apresentam‑se sob a forma de uma solução destinada a ser diluída numa bebida a administrar ao doente. O facto de, depois de diluídos, estes três produtos terem o aspecto, respectivamente, de uma macroemulsão, uma microemulsão e uma nanodispersão, embora possa dar indicações quanto à forma da administração destes, não impede que se possa considerar que tais produtos têm a mesma forma farmacêutica no âmbito do exame da questão de saber se são essencialmente similares na acepção do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) ou iii), da Directiva 65/65 alterada, na condição de as diferenças quanto à forma de administração não se mostrarem, como sustentam, no essencial, o Governo do Reino Unido e a Comissão, significativas do ponto de vista científico.

42
Assim, deve responder‑se à quinta questão que, no âmbito do procedimento previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) ou iii), da Directiva 65/65 alterada, há que ter em conta, para efeitos da determinação da forma farmacêutica de um medicamento, a forma sob a qual este é apresentado e administrado, incluindo a forma física. Neste âmbito, deve considerar‑se que medicamentos como os que estão em causa no processo principal, que se apresentam sob a forma de uma solução destinada a ser diluída numa bebida a administrar ao doente e que, quando diluídos, formam, respectivamente, uma macroemulsão, uma microemulsão e uma nanodispersão, têm a mesma forma farmacêutica, na condição de as diferenças quanto à forma de administração não se mostrarem significativas do ponto de vista científico.


Quanto à terceira questão

Quanto à primeira parte da terceira questão

43
A SangStat e a Novartis, bem como os Governos francês e do Reino Unido, defendem que a cláusula de salvaguarda se aplica não só aos pedidos apresentados ao abrigo do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), mas também aos apresentados em conformidade com o ponto 8, alínea a), i), desta disposição.

44
Esta tese deve ser acolhida.

45
Com efeito, não se verifica que a diferença entre estes dois procedimentos abreviados, conforme indicada no n.° 34 do presente acórdão, seja de natureza a justificar que o procedimento abreviado combinado previsto pela cláusula de salvaguarda seja limitado à hipótese referida no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada.

46
Recorde‑se, a este respeito, que, nos termos do quarto considerando da Directiva 87/21, considerações de ordem pública opõem‑se a que os testes no homem ou no animal sejam repetidos sem necessidade imperiosa. Ora, se é inadequado, do ponto de vista ético e científico, repetir todos os testes para um pedido que, por outro lado, preenche todos os critérios enunciados no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, é igualmente inadequado repetir esses testes para um pedido que, por outro lado, preenche os critérios enunciados na i) da mesma disposição.

47
Por conseguinte, há que responder à primeira parte da terceira questão que a cláusula de salvaguarda, ou seja, o procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), último parágrafo, da Directiva 65/65 alterada, se aplica aos pedidos de AIM apresentados ao abrigo do ponto 8, alínea a), i) ou iii) desta disposição.

Quanto à segunda parte da terceira questão

48
A SangStat, os Governos dinamarquês e do Reino Unido, bem como a Comissão, alegam que o recurso à cláusula de salvaguarda não é limitado aos casos em que o medicamento para o qual foi pedida uma AIM é essencialmente similar a um produto autorizado.

49
Recorde‑se, a este respeito, que, segundo a redacção do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, relativo ao procedimento abreviado, conjugado com a disposição relativa à cláusula de salvaguarda, a similaridade essencial entre o medicamento para o qual foi pedida uma AIM e o medicamento de referência constitui, como defende a Comissão, a base para a aplicação da cláusula de salvaguarda.

50
Assim, o caso visado pela cláusula de salvaguarda, no qual o novo medicamento apenas difere do medicamento de referência devido às suas indicações terapêuticas, diz respeito a medicamentos essencialmente similares, ou seja, medicamentos que têm a mesma composição qualitativa e quantitativa em princípios activos, a mesma forma farmacêutica e que preenchem o critério da bioequivalência [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.os 36 e 42].

51
Em contrapartida, como indicaram a SangStat, os Governos dinamarquês e do Reino Unido, bem como a Comissão, o mesmo não se verifica em relação a um medicamento que deve ser administrado por vias diferentes ou sob dosagem diferente relativamente ao medicamento de referência, uma vez que não tem, em geral, a mesma biodisponibilidade que este último e que, portanto, não é bioequivalente ao medicamento de referência.

52
Consequentemente, se a utilização da cláusula de salvaguarda só fosse possível quando o medicamento em causa é essencialmente similar ao medicamento de referência e portanto, designadamente, bioequivalente a este último, a cláusula de salvaguarda revelar‑se‑ia extremamente inoperante no caso de medicamentos a administrar por vias diferentes ou sob uma dosagem diferente relativamente aos outros medicamentos comercializados.

53
De resto, no parecer dirigido aos requerentes de AIM de medicamentos para uso humano nos Estados‑Membros da Comunidade Europeia, publicado pela Comissão em 1993, previa‑se expressamente que a cláusula de salvaguarda podia ser aplicada quando o novo medicamento não preenchesse os critérios estritos da similitude essencial quando da sua comparação com o medicamento de referência.

54
Quando o novo medicamento deve ser administrado por vias diferentes ou sob uma dosagem diferente relativamente ao medicamento de referência, a obrigação que incumbe ao requerente, por força da cláusula de salvaguarda, de fornecer os resultados dos testes farmacológicos, toxicológicos e clínicos adequados tem por finalidade fornecer a prova da segurança e da eficácia do referido medicamento [v., neste sentido, acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 23].

55
Tendo em conta o exposto, há que responder à segunda parte da terceira questão que pode ser apresentado um pedido de AIM de um medicamento ao abrigo da cláusula de salvaguarda, fazendo referência a um medicamento autorizado, desde que o medicamento para o qual é pedida a AIM seja essencialmente similar ao medicamento autorizado, com excepção, se for o caso, de uma ou várias das diferenças indicadas na cláusula de salvaguarda.


Quanto às primeira e segunda questões

56
Através destas duas questões, que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, ao examinar um pedido de AIM de um novo produto C, apresentado nos termos do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, por referência a um produto A autorizado há mais de seis ou dez anos, a autoridade competente de um Estado‑Membro pode, tendo em vista a concessão da AIM, fazer referência, sem o consentimento do responsável pela introdução no mercado, a dados apresentados para um produto B autorizado durante os seis ou dez últimos anos, ao abrigo do procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65 alterada, por referência ao produto A, quando os referidos dados consistem em testes clínicos fornecidos para demonstrar que o produto B é seguro, apesar da sua maior biodisponibilidade relativamente ao produto A quando administrado segundo a mesma dosagem.

57
Há que recordar que o requerente de uma AIM de um medicamento essencialmente similar a um produto autorizado há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade e comercializado no Estado‑Membro a que diz respeito o pedido não é obrigado, em conformidade com o artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, a fornecer a documentação farmacológica, toxicológica e clínica para nenhuma das indicações terapêuticas às quais se refere a documentação relativa ao medicamento original, incluindo as autorizadas há menos de seis ou dez anos [v., neste sentido, acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.os 43 e 44].

58
Assim, a documentação farmacológica, toxicológica e clínica relativa às novas indicações terapêuticas de um medicamento já autorizado não pode beneficiar de um novo prazo de protecção de seis ou dez anos.

59
O mesmo se verifica em relação à documentação farmacológica, toxicológica e clínica fornecida para um medicamento que deve ser administrado por vias diferentes ou sob dosagem diferente relativamente aos outros medicamentos comercializados.

60
Com efeito, tendo em conta a cláusula de salvaguarda, esse medicamento constitui um desenvolvimento do medicamento original ou de referência do mesmo modo que um medicamento destinado a uma utilização terapêutica diferente relativamente ao medicamento original ou de referência.

61
Neste contexto, não é determinante o facto de um medicamento que deve ser administrado por vias diferentes ou sob dosagem diferente relativamente ao medicamento de referência não preencher de um modo geral, como foi recordado no n.° 51 do presente acórdão, todos os critérios da similaridade essencial, contrariamente ao medicamento destinado a um uso terapêutico diferente relativamente ao medicamento de referência.

62
A este respeito, há que referir que a circunstância de o produto resultante do desenvolvimento do medicamento de referência preencher ou não todos os critérios da similaridade essencial por comparação com este último não apresenta uma relação necessária com o custo ou a dificuldade representadas pelo referido desenvolvimento.

63
Além do mais, se o requerente de uma AIM de um medicamento só fosse autorizado a remeter para a documentação farmacológica, toxicológica e clínica relativa aos produtos resultantes do desenvolvimento do medicamento de referência quando todos os critérios da similaridade essencial estivessem preenchidos, estaria impedido, em larga medida, de remeter para essa documentação nos casos em que os referidos produtos devem ser administrados por vias diferentes ou sob dosagem diferente relativamente ao medicamento de referência, ao passo que essa remissão é autorizada quando o produto se destina a uma utilização terapêutica diferente relativamente ao medicamento de referência.

64
Assim, o requerente de uma AIM de um medicamento pode remeter para a referida documentação quando os produtos resultantes do desenvolvimento do medicamento de referência e este último são essencialmente similares, com excepção, se for o caso, da via de administração ou da dosagem.

65
Supondo que o produto B resultante do desenvolvimento do produto de referência A é essencialmente similar a este último, com excepção da sua biodisponibilidade, uma vez que esta diferença não é, no entanto, imputável a uma diferença relativa à via de administração ou à dosagem, o requerente de uma AIM do produto C pode remeter para a documentação clínica relativa ao produto B.

66
Com efeito, se o requerente de uma AIM do produto C pode, conforme indicado no n.° 64 do presente acórdão, remeter para a documentação farmacológica, toxicológica e clínica relativa ao produto B, resultante do desenvolvimento do produto de referência A e essencialmente similar a este último, com excepção, se for o caso, da via de administração ou da dosagem, dado que as diferenças sobre estes dois últimos pontos implicam, geralmente, que os produtos A e B não sejam bioequivalentes (v. n.° 51 do presente acórdão), deve, por maioria de razão, poder fazer o mesmo quando os produtos A e B apenas se distinguem devido à sua diferente biodisponibilidade, quando a sua via de administração e dosagem se mantêm inalteradas.

67
Daqui resulta que, ao examinar um pedido de AIM de um novo produto C, apresentado nos termos do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, por referência a um produto A autorizado há mais de seis ou dez anos, a autoridade competente de um Estado‑Membro pode, tendo em vista a concessão da AIM, fazer referência, sem o consentimento do responsável pela introdução no mercado, a dados apresentados para um produto B autorizado durante os seis ou dez últimos anos, ao abrigo do procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65 alterada, por referência ao produto A, quando os referidos dados consistem em testes clínicos fornecidos para demonstrar que o produto B é seguro, apesar da sua maior biodisponibilidade relativamente ao produto A quando administrado segundo a mesma dosagem.


Quanto à sexta questão

68
Através desta questão, a Court of Appeal pergunta se, ao examinar dois pedidos combinados de AIM dos produtos B e C, apresentados ao abrigo da cláusula de salvaguarda e fazendo referência a um produto A, a autoridade competente de um Estado‑Membro viola o princípio geral de não discriminação quando exige dados clínicos completos relativos à biodisponibilidade para o produto B como condição de concessão da AIM, mas, tendo examinado os dados apresentados para o produto B, não exige os mesmos dados para o produto C.

69
Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento diferente for objectivamente justificado (v., designadamente, acórdãos de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e de 9 de Setembro de 2003, C‑137/00, Milk Marque e National Farmer’s Union, ainda não publicado na Colectânea, n.° 126).

70
Ora, a situação do requerente da AIM do produto B não é, de qualquer forma, comparável com a do requerente da AIM do produto C. Com efeito, no momento em que este último apresentou o seu pedido de AIM, o produto B estava autorizado e as autoridades certificaram‑se da segurança e da eficácia deste produto.

71
Esta conclusão não prejudica a questão de saber se a autoridade competente do Estado‑Membro se podia basear nos dados apresentados para o produto B ao examinar o pedido de AIM do produto C.

72
Por conseguinte, há que responder à sexta questão que, ao examinar dois pedidos combinados de AIM dos produtos B e C, apresentados ao abrigo da cláusula de salvaguarda e fazendo referência a um produto A, a autoridade competente de um Estado‑Membro não viola o princípio geral de não discriminação pelo facto de exigir dados clínicos completos relativos à biodisponibilidade para o produto B como condição de concessão da AIM, mas, tendo examinado os dados apresentados em apoio do produto B, não exigir os mesmos dados para o produto C.


Quanto às despesas

73
As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido, dinamarquês, francês, neerlandês e português, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando‑se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), por despacho de 22 de Fevereiro de 2001, declara:

1)
Não se pode considerar que determinados produtos são essencialmente similares para efeitos da aplicação do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) ou iii), da Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas, na versão resultante das Directivas 87/21/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989, e 93/39/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, se esses produtos não forem bioequivalentes.

2)
No âmbito do procedimento previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), i) ou iii), da Directiva 65/65 alterada, há que ter em conta, para efeitos da determinação da forma farmacêutica de um medicamento, a forma sob a qual este é apresentado e administrado, incluindo a forma física. Neste âmbito, deve considerar‑se que medicamentos como os que estão em causa no processo principal, que se apresentam sob a forma de uma solução destinada a ser diluída numa bebida a administrar ao doente e que, quando diluídos, formam, respectivamente, uma macroemulsão, uma microemulsão e uma nanodispersão, têm a mesma forma farmacêutica, na condição de as diferenças quanto à forma de administração não se mostrarem significativas do ponto de vista científico.

3)
A cláusula de salvaguarda, ou seja, o procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), último parágrafo, da Directiva 65/65 alterada, é aplicável aos pedidos de autorização de introdução no mercado apresentados ao abrigo do ponto 8, alínea a), i) ou iii), desta disposição.

Pode ser apresentado um pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento ao abrigo da cláusula de salvaguarda, por referência a um medicamento autorizado, desde que o medicamento para o qual é pedida a autorização de introdução no mercado seja essencialmente similar ao medicamento autorizado, com excepção, se for o caso, de uma ou várias das diferenças indicadas na cláusula de salvaguarda.

4)
Ao examinar um pedido de autorização de introdução no mercado de um novo produto C, apresentado nos termos do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), iii), da Directiva 65/65 alterada, por referência a um produto A autorizado há mais de seis ou dez anos, a autoridade competente de um Estado‑Membro pode, tendo em vista a concessão da autorização de introdução no mercado, fazer referência, sem o consentimento do responsável pela introdução no mercado, a dados apresentados para um produto B autorizado durante os seis ou dez últimos anos, ao abrigo do procedimento abreviado combinado previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), da Directiva 65/65 alterada, por referência ao produto A, quando os referidos dados consistem em testes clínicos fornecidos para demonstrar que o produto B é seguro, apesar da sua maior biodisponibilidade relativamente ao produto A quando administrado segundo a mesma dosagem.

5)
Ao examinar dois pedidos combinados de autorização de introdução no mercado dos produtos B e C, apresentados nos termos do artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, alínea a), último parágrafo, da Directiva 65/65 alterada, e fazendo referência a um produto A, a autoridade competente do Estado‑Membro não viola o princípio geral da não discriminação pelo facto de exigir dados clínicos completos relativos à biodisponibilidade para o produto B como condição de concessão da autorização de introdução no mercado, mas, tendo examinado os dados apresentados para o produto B, não exigir os mesmos dados para o produto C.

Skouris

Gulmann

Cunha Rodrigues

Puissochet

Schintgen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: inglês.