Language of document : ECLI:EU:C:2011:194

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 31 de Março de 2011 (1)

Processo C‑195/09

Synthon BV

contra

Merz Pharma GmbH & Co. KGaA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (Chancery Division) (Reino Unido)]

«Regulamento n.° 1768/92 – Certificado complementar de protecção – Condições para a concessão – Conceito de primeira autorização de introdução no mercado»





1.        De acordo com a legislação comunitária de harmonização relativa aos medicamentos, estes só podem ser comercializados no termo de um longo processo de autorização previsto por razões de protecção da saúde pública. Em consequência, a exploração efectiva das patentes relativas aos produtos farmacêuticos pode iniciar‑se vários anos após a sua concessão. O certificado complementar de protecção (a seguir «CCP») criado pelo Regulamento n.° 1768/92 (2) tem como objectivo limitar a erosão do período de exploração exclusiva dessas patentes (3).

2.        No presente processo são colocadas quatro questões prejudiciais, relativas à interpretação dos artigos 13.° e 19.° do regulamento. As questões são submetidas no âmbito de um litígio que opõe a Synthon BV (a seguir «Synthon») à Merz Pharma GmbH & Co. KGaA (a seguir «Merz») e que tem como objecto a validade e a duração de um CCP concedido a esta última pelo Instituto de Patentes do Reino Unido para um princípio activo já existente no mercado há vários anos, embora como ingrediente que entra na composição de um produto farmacêutico utilizado com fins terapêuticos diferentes dos indicados na patente de base. No essencial, o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça que esclareça se as autorizações de introdução no mercado desse produto farmacêutico, concedidas à Merz em dois Estados‑Membros sem a realização dos ensaios de eficácia e de segurança exigidos pela legislação comunitária de harmonização, devem ser tidas em consideração para controlo da validade e duração do CCP concedido à Merz.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      As Directivas 65/65/CEE e 75/319/CEE

3.        O artigo 3.° da Directiva 65/65/CEE (4) do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas, na versão aplicável aos factos do processo principal (5), dispunha que nenhuma especialidade farmacêutica (6) podia ser colocada no mercado num Estado‑Membro sem uma autorização (AIM) previamente concedida pela autoridade competente desse Estado.

4.        Para obter a autorização, o responsável pela introdução no mercado tinha que apresentar um pedido à autoridade competente do Estado-Membro, acompanhado das informações e documentos indicados no artigo 4.°, segundo parágrafo, da directiva. Além de indicações como a relação quantitativa e qualitativa dos componentes da especialidade, a descrição sumária do modo de preparação, as indicações terapêuticas, as contra‑indicações e os efeitos secundários, a posologia e os métodos de controlo utilizados pelo fabricante, o n.° 8 do artigo 4.° da directiva refere, entre as informações e documentos que devem acompanhar o pedido, os resultados dos ensaios físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos, farmacológicos, toxicológicos e clínicos.

5.        A Directiva 75/319 (7) enunciava as normas para instrução dos pedidos de AIM apresentados pelos Estados‑Membros. Essas normas previam, em especial, a possibilidade de submeter a especialidade ao controlo de um laboratório estatal e de exigir documentação suplementar.

6.        O artigo 5.° da Directiva 65/65 dispunha:

«A autorização prevista no artigo 3.° será recusada quando, após verificação das informações e documentos enumerados no artigo 4.°, se revelar que a especialidade é nociva em condições normais de emprego, ou que falta o efeito terapêutico da especialidade ou está insuficientemente comprovado pelo requerente, ou que a especialidade não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada.»

7.        Nos termos do artigo 24.° da Directiva 65/65, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 37.° da Directiva 75/319:

«As disposições previstas na presente directiva serão progressivamente aplicadas às especialidades que tenham recebido a autorização de colocação no mercado com fundamento em disposições anteriores, nos prazos e nas condições previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 39.° da Segunda Directiva 75/319/CEE.»

8.        O artigo 39.°, n.os 2 e 3, da Directiva 75/319, preceituava:

«2. As outras disposições da presente directiva serão progressivamente aplicadas às especialidades farmacêuticas colocadas no mercado, com fundamento em disposições anteriores, num prazo de 15 anos a contar da notificação referida no artigo 38.°

3. Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão, no prazo de 3 anos a contar da notificação da presente directiva, o número das especialidades farmacêuticas abrangidas pelo n.° 2 e, em cada ano subsequente, o número das especialidades para as quais a autorização de colocação no mercado referida no artigo 3.° da Directiva [65/65] ainda não foi concedida.»

9.        Nos termos do artigo 22.° da Directiva 65/65, «Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de dezoito meses a contar da sua notificação (8). Desse facto informarão imediatamente a Comissão.»

2.      O Regulamento (CEE) n.° 1768/92

10.      O preâmbulo do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 (9) (a seguir «regulamento») indica o sentido e a finalidade do período da protecção concedida pela patente no caso dos medicamentos. O terceiro, quarto, sexto e sétimo considerandos, referem, em especial:

«Considerando que actualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de colocação no mercado do referido medicamento reduz a protecção efectiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação;

Considerando que destas circunstâncias resulta uma protecção insuficiente que penaliza a investigação farmacêutica;

[…]

Considerando que é conveniente prever uma solução uniforme a nível comunitário, evitando assim uma evolução divergente das legislações nacionais que origine novas disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação dos medicamentos na Comunidade e de, por isso, afectar directamente o funcionamento do mercado interno;

Considerando que é pois necessário criar um certificado complementar de protecção para os medicamentos relativamente aos quais tenha sido dada autorização de colocação no mercado e que possa ser obtido a pedido do titular de uma patente nacional ou europeia nos mesmos termos em cada Estado‑Membro; consequentemente, o regulamento é o instrumento mais adequado.»

11.      Nos termos do artigo 1.° do regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

a) Medicamento: qualquer substância ou composição com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou composto que possa ser administrado ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais;

b) Produto: o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento;

c) Patente de base: a patente que protege um produto, na acepção da definição da alínea b), como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado.»

12.      O artigo 2.° do regulamento, intitulado «Âmbito de aplicação», preceitua:

«Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado‑Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 65/65 […], podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.»

13.      Nos termos do artigo 3.° do regulamento, intitulado «Condições de obtenção do certificado»:

«O certificado é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.° e à data de tal pedido:

a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b) O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de colocação no mercado, nos termos […] do disposto na Directiva 65/65/CEE […]. Para efeitos do artigo 19.°, n.° 1, uma [ACM] emitida nos termos da respectiva legislação nacional da Áustria, da Finlândia e da Suécia é considerada uma autorização concedida nos termos […] da Directiva 65/65/CEE;

c) O produto não tiver sido já objecto de um certificado;

d) A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de colocação do produto no mercado, como medicamento.»

14.      O artigo 4.° especifica que a protecção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela AIM do medicamento correspondente, para qualquer utilização do produto como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado.

15.      Nos termos do artigo 7.°, n.os 1 e 2, do regulamento, o pedido de certificado deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data em que o produto obteve a AIM, ou a contar da data da concessão da patente de base, se posterior.

16.      O artigo 8.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), do regulamento, dispõe o seguinte:

«1. O pedido de certificado deve incluir:

a) Um requerimento de emissão do certificado mencionando designadamente:

[…]

iii) o número da patente de base, bem como o título da invenção;

iv) o número e a data da primeira [ACM], de acordo com a alínea b) do artigo 3.°, bem como o número e a data desta última autorização caso esta não seja a primeira [ACM] na Comunidade;

b) Uma cópia da [ACM] referida na alínea b) do artigo 3.° que permita identificar o produto, compreendendo, nomeadamente, o número e a data da autorização bem como o resumo das características do produto, tal como previsto no artigo 4.°-A da Directiva 65/65/CEE […];

c) Se a autorização prevista na alínea b) não for a primeira [ACM] do produto na Comunidade, como medicamento, a indicação da denominação do produto então autorizado e da disposição legal ao abrigo da qual correu o processo de autorização, bem como uma cópia da publicação dessa autorização no boletim oficial.»

17.      Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do regulamento, o pedido de certificado deve ser apresentado à autoridade competente em matéria de propriedade industrial do Estado‑Membro que concedeu ou para o qual foi concedida a patente de base e no qual foi obtida a AIM prevista na alínea b) do artigo 3.° O n.° 2 especifica que a referida autoridade mandará publicar a indicação do pedido de certificado e que essa publicação compreenderá, entre outras indicações, o número ou a data da AIM mencionada na alínea b) do artigo 3.°, bem como o produto que é identificado pela autorização [artigo 9.°, n.° 1, alínea d)] e, sendo caso disso, o número e data da primeira AIM na Comunidade [artigo 9.°, n.° 1, alínea e)]. Nos termos do artigo 11.°, os mesmos elementos devem constar na publicação da menção de concessão do certificado.

18.      O artigo 13.° do regulamento, intitulado «Período de validade do certificado», dispõe o seguinte nos seus n.os 1 e 2:

«1. O certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira [ACM] na Comunidade, reduzido um período de cinco anos.

2. Não obstante o disposto no n.° 1, o período de validade do certificado não pode exceder cinco anos a contar da data em que produzir efeitos.»

19.      O artigo 15.° do regulamento enumera as causas de nulidade do certificado. O n.° 1 deste artigo tem a seguinte redacção:

«1. O certificado é anulado:

a)      Se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.°;

b)      Se a patente de base tiver caducado antes do termo do seu período de validade legal;

c)      Se a patente de base tiver sido anulada ou de tal modo limitada que o produto para que foi concedido o certificado deixe de estar abrangido pelas reivindicações da patente de base ou se se verificar que, após o termo da validade da patente de base, existiam causas de nulidade que teriam justificado a anulação ou limitação.»

20.      Por último, o artigo 19.°, n.° 1, na sua versão inicial (10), continha a seguinte disposição transitória:

«Pode ser concedido um certificado para qualquer produto que, à data da entrada em vigor do presente regulamento, esteja protegido por uma patente de base em vigor e para o qual tenha sido obtida uma primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade, como medicamento, após 1 de Janeiro de 1985.»

B –    Direito nacional

21.      Na Alemanha, a Directiva 65/65 foi transposta pela Gesetz zur Neuordnung des Arzneimittelrechts de 24 de Agosto de 1976 (a seguir «AMG 1976»). Por força do § 3, n.° 7, desta lei, os medicamentos que já se encontravam no mercado em 1 de Setembro de 1976, data de publicação da lei, e que continuavam no mercado em 1 de Janeiro de 1978, data em que a mesma entrou em vigor, beneficiavam automaticamente da manutenção da autorização por um período de doze anos, sujeitos à condição de notificação. No regime anteriormente em vigor, a introdução de medicamentos no mercado não estava sujeita a qualquer ensaio de eficácia e/ou de segurança.

22.      No Luxemburgo, a directiva foi transposta pelo Regulamento Grão‑Ducal de 29 de Abril de 1983, que aplicou a lei de 11 de Abril de 1983 relativa à regulamentação da introdução no mercado e à publicidade das especialidades farmacêuticas e dos medicamentos prefabricados. O artigo 3.° desta lei subordina a introdução no mercado de uma especialidade farmacêutica ou de um medicamento prefabricado à concessão de uma autorização prévia do Ministério da Saúde.

II – Processo principal e questões prejudiciais

23.      A memantina era comercializada na Alemanha com a marca Akatinol (11) antes de 1 de Setembro de 1976, em conformidade com o regime vigente na altura. A pedido da Merz, titular da marca e demandada no processo principal, a sua comercialização foi autorizada com base no § 3, n.° 7, da AMG de 1976. Essa autorização, concedida a partir de 26 de Junho de 1976, expirava em 1 de Janeiro de 1990 (a seguir «a AIM alemã») (12). Porém, o Akatinol parece ter continuado no mercado na Alemanha até 9 de Julho de 2002.

24.      Em 30 de Junho de 1983, a Merz solicitou uma AIM para a memantina, no Luxemburgo. A autorização foi concedida pelo Ministério da Saúde luxemburguês em 19 de Setembro de 1983. Não obstante já se encontrar em vigor o Regulamento Grão‑Ducal, já referido no n.° 22, a autorização foi concedida sem a realização dos ensaios de eficácia e segurança do produto exigidos pela Directiva 65/65, mas unicamente com base na autorização alemã referida (a seguir «a AIM luxemburguesa»).

25.      Em 14 de Abril de 1989, a Merz apresentou um pedido de patente europeia para o cloridrato de memantina. Segundo afirma nas suas observações, esse pedido incluía duas reivindicações distintas para a utilização dos derivados de adamantane (para a preparação de produtos farmacêuticos destinados ao tratamento de lesões das células celebrais causadas por isquémia cerebral e de um medicamento para o tratamento da doença de Alzheimer). O cloridrato de memantina é um derivado de adamantane. A patente foi concedida em 15 de Setembro de 1993, expirando em 13 de Abril de 2009 (a seguir «patente de base»). No despacho de reenvio especifica‑se que esta patente foi concedida apesar de a memantina já antes estar disponível no mercado, pois refere‑se a uma segunda utilização terapêutica.

26.      Em 15 de Maio de 2002, a Agência Europeia dos Medicamentos (EMEA) concedeu à H. Lundbeck A/S, licenciada da Merz, uma série de AIM válidas no território da Comunidade para o cloridrato de memantina e para Ebixa, medicamento destinado ao tratamento da doença de Alzheimer (a seguir conjuntamente designadas por «AIM de 2002»). As AIM alemã e luxemburguesa foram consequentemente revogadas.

27.      Em 13 de Novembro de 2002, a Merz apresentou no Instituto de Patentes do Reino Unido um pedido de CCP, reportando‑se à patente de base e à AIM de 2002. O CCP foi concedido em 14 de Agosto de 2003, por um período de cinco anos a contar da data em que expirava a patente de base (a seguir «CCP da Merz» ou «CCP controvertido»). Portanto, o seu período de validade principiou em 14 de Abril de 2009 e expira em 13 de Abril de 2014.

28.      A Synthon, fabricante de medicamentos genéricos, interpôs recurso na High Court of Justice (Chancery Division), Patents Court, com vista a obter a revogação do CCP da Merz ou a declaração de que este tem um período de validade zero.

29.      No seu recurso, a Synthon alega que a AIM de 2002 não foi a primeira AIM da memantina como medicamento, pois esta já tinha sido autorizada no Luxemburgo em 1983, como ingrediente da composição do Akatinol. Por conseguinte, o CCP da Merz seria nulo, por não preencher as condições estabelecidas no artigo 3.° do regulamento ou, em alternativa, nulo e com um período de validade zero, com base no artigo 13.° do regulamento, porque a data da primeira AIM na Comunidade é anterior à da apresentação do pedido da patente. Ainda em alternativa, a Synthon considera que o CCP controvertido é nulo porque a primeira AIM na Comunidade foi concedida antes de 1 de Janeiro de 1985, contrariando o disposto no artigo 19.°, n.° 1, do regulamento, ou então porque a memantina foi comercializada como medicamento antes de ter sido obtida uma autorização conforme à Directiva 65/65, em violação dos artigos 2.° e 3.° do regulamento.

30.      Na apreciação desse recurso, o órgão jurisdicional de reenvio, tendo dúvidas relativamente à interpretação correcta de determinadas disposições do regulamento, apresentou as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92, uma autorização é uma ‘primeira autorização de colocação […] no mercado na Comunidade’, se for concedida em aplicação de uma lei nacional conforme à Directiva 65/65/CEE, ou também é necessário demonstrar que, na concessão da autorização em questão, a autoridade nacional realizou a avaliação dos dados exigida pelo processo administrativo previsto nessa directiva?

2)      Para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento (CE) n.° 1768/92, a expressão ‘primeira autorização de colocação […] no mercado na Comunidade’, inclui as autorizações cuja coexistência com um regime de autorização conforme à Directiva 65/65/CEE era permitida pelo direito nacional?

3)      Um produto cuja colocação no mercado é autorizada pela primeira vez na Comunidade, sem sujeição [ao] processo administrativo previsto na Directiva 65/65/CEE, está abrangido pelo [âmbito de aplicação do] Regulamento (CE) n.° 1768/92[,] definido pelo artigo 2.°?

4)      Em caso negativo, o CCP concedido a um produto nessas circunstâncias é nulo?»

III – Tramitação no Tribunal de Justiça

31.      A Synthon, a Merz e a Comissão apresentaram observações escritas em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e foram ouvidas na audiência de 9 de Dezembro de 2010.

IV – Análise

32.      As terceira e quarta questões prejudiciais, nas quais o órgão jurisdicional de reenvio se questiona relativamente à delimitação do âmbito de aplicação material do regulamento, suscitam uma questão preliminar relativamente às que são objecto das restantes perguntas. Portanto, iniciarei a minha análise com a análise dessa questão.

A –    Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais

33.      Com a terceira e quarta questões prejudiciais o órgão jurisdicional de reenvio solicita no essencial ao Tribunal de Justiça que esclareça por um lado, se estão abrangidos no âmbito de aplicação do regulamento, conforme definido no seu artigo 2.°, os produtos para os quais uma AIM com base na Directiva 65/65 foi concedida posteriormente à sua primeira introdução no mercado e, por outro, em caso de resposta negativa, se um CCP concedido para esses produtos deve ser considerado nulo de acordo com o regulamento.

34.      No entendimento da Merz, só são abrangidas no âmbito de aplicação do regulamento as autorizações concedidas em conformidade com a Directiva 65/65 no Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de CCP. Considera que um produto, como a memantina, colocado pela primeira vez no mercado na Comunidade sem ter sido sujeito ao processo previsto pela directiva, é abrangido no âmbito de aplicação do regulamento se estiver protegido por uma patente no Estado‑Membro em questão e se, antes da sua introdução no mercado nesse Estado‑Membro, tiver sido sujeito a um processo de autorização administrativa nos termos da Directiva 65/65. Ao invés, a Synthon e o órgão jurisdicional de reenvio consideram que a memantina não é abrangida no âmbito de aplicação do regulamento, porque foi comercializada na Comunidade antes da concessão de uma AIM conforme à Directiva 65/65.

35.      Nos termos do artigo 2.° do regulamento, podem ser objecto de um certificado «Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado‑Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 65/65».

36.      No essencial, é pedido ao Tribunal de Justiça que esclareça se aquele artigo se refere à introdução no mercado no Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de CCP, como defende a Merz, ou à primeira introdução no mercado no território da Comunidade, como sustenta a Synthon (13).

37.      Não parece fácil optar por uma ou outra das interpretações propostas, com base em argumentos literais e/ou sistemáticos, dado que, como as partes no processo principal e o próprio órgão jurisdicional de reenvio salientaram, existem elementos que militam num sentido e no oposto.

38.      Em especial, é verdade que, como a Merz observa, o artigo 2.° se refere a produtos protegidos por uma patente num Estado‑Membro e que, portanto, seria lógico concluir que, quando este artigo menciona a introdução de um produto no mercado, deva entender‑se que se refere ao território desse Estado‑Membro. De um modo geral, essa interpretação seria coerente com a instituição do CCP como título nacional de propriedade intelectual.

39.      Mas também é verdade que, se se interpretar a expressão «colocação no mercado» no sentido pretendido pela Merz, o artigo 2.° acaba por constituir uma duplicação inútil do artigo 3.°, quando pareceria lógico que o primeiro desses dois artigos fosse considerado uma disposição delimitativa do âmbito de aplicação do regulamento, circunscrevendo‑o aos «produtos novos» (14), ou seja, a produtos que foram sujeitos ao processo previsto na Directiva 65/65, antes de serem comercializados no território comunitário, e o segundo como norma que estabelece as condições de concessão do CCP.

40.      Nestas circunstâncias, a questão de interpretação colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser resolvida atendendo à finalidade do regulamento.

41.      Como resulta claramente do preâmbulo do regulamento (em especial do segundo, terceiro e quarto considerandos) este tem como objectivo reduzir a erosão do período de validade do direito exclusivo, ocasionada pelo processo administrativo de autorização que, por atrasar a introdução do produto no mercado, protela o início de exploração económica da patente. Deste modo, o legislador comunitário quis dotar a indústria farmacêutica comunitária de um instrumento para assegurar uma retribuição adequada dos investimentos necessários à investigação e para lhe permitir colmatar o atraso na concorrência com as indústrias de países terceiros.

42.      Ao mesmo tempo, a sistematização do regulamento é claramente o resultado de um equilíbrio entre os interesses opostos dos produtores de medicamentos e dos seus licenciados, por um lado, e dos produtores de genéricos, por outro, que incentivam a concorrência dos preços no sector farmacêutico. Um dos efeitos desse equilíbrio é a previsão de um limite temporal máximo do direito exclusivo de exploração garantido pelo conjunto da patente e do CCP, de resto inferior ao da patente (quinze anos em vez de vinte).

43.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem tendência para manter a sistematização criada através deste equilíbrio de interesses. Assim, se por um lado protege a integridade da função do regulamento como instrumento de protecção da indústria farmacêutica assente na investigação, garantindo‑lhe o efeito útil (15), por outro, vela por que essa protecção não exceda os objectivos prosseguidos pelo mesmo regulamento (16).

44.      Além disso, o regulamento destina‑se a proporcionar uma solução uniforme a nível comunitário para o problema da insuficiência da protecção pela patente e assim prevenir uma evolução heterogénea das legislações nacionais. Como o advogado‑geral F.G. Jacobs salientou, «[e]sta uniformidade é provavelmente, o efeito mais significativo do certificado introduzido pelo regulamento» (17).

45.      À luz do conjunto dos elementos expostos nos números anteriores, dou preferência à tese da Synthon. De facto, não penso que seja coerente com a finalidade do regulamento alargar a protecção oferecida pelo CCP a produtos que, antes de uma autorização conforme à Directiva 65/65, já estavam presentes no mercado comunitário ao abrigo de títulos diferentes (18).

46.      Por um lado, não parece que se justifique reconhecer essa protecção a produtos que, embora abrangidos por uma patente num Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de certificado, e apesar de só terem sido comercializados nesse Estado depois de ter sido obtida uma AIM conforme com a legislação comunitária pertinente, já se encontravam no mercado noutra parte do território da Comunidade, com base em títulos diferentes e sem a realização dos ensaios preconizados por essa legislação. Neste contexto, não tem qualquer influência o facto de, no momento da sua primeira introdução no mercado, esses produtos não estarem abrangidos por um exclusivo de comercialização (19).

47.      Por outro lado, se nessas circunstâncias se reconhecesse a protecção oferecida pelo regulamento, o período de exploração económica exclusiva de um produto protegido por uma patente, iniciado com a primeira introdução desse produto no mercado na Comunidade, poderia de facto exceder os 20 anos do prazo de validade da patente.

48.      Não penso que se justifique uma solução diferente unicamente em função do carácter nacional do CCP. Com efeito, se não há dúvida de que o regulamento pretende dar vida a um título de propriedade intelectual com carácter nacional, não é menos certo que, como se viu, um dos seus principais objectivos continua a ser a uniformidade de regulamentação dos certificados concedidos no território da União, em particular no que se refere ao seu período de validade e à duração global da garantia de exclusividade. Se a tese da Merz fosse adoptada, esse objectivo ficaria debilitado, não só pelas razões já expostas mas também porque tal tese implica que seria possível obter um certificado para um mesmo produto em determinados Estados‑Membros (aqueles em que é concedida uma AIM conforme à legislação comunitária, antes da introdução no mercado nesse Estado) e não noutros (aqueles em que o produto já era comercializado no mercado ao abrigo de títulos diferentes).

49.      Além disso, a interpretação proposta pela Merz criaria uma disparidade de tratamento injustificada entre produtos colocados no mercado antes da data fixada pelo artigo 19.° do regulamento. Com efeito, relativamente aos produtos para os quais foi concedida uma AIM conforme à Directiva 65/65 antes dessa data, a possibilidade de pedir um certificado estaria excluída por força da referida disposição. Inversamente, essa exclusão não se aplicaria aos produtos comercializados antes da data fixada no artigo 19.° do regulamento com base em títulos diferentes e que só depois dessa data obtiveram uma AIM conforme à Directiva 65/65.

50.      Tendo em conta o que precede, considero que, por força do seu artigo 2.°, o regulamento deve ser interpretado no sentido de que não são abrangidos no seu âmbito de aplicação os produtos colocados no mercado no território da Comunidade como medicamentos, antes de obtida uma AIM conforme à legislação comunitária pertinente. Como o CCP em questão no processo principal foi concedido para um produto que não é abrangido no âmbito de aplicação do regulamento, deve ser considerado inválido. Esta conclusão decorre da interpretação do artigo 2.° acima proposta e não me parece encontrar qualquer obstáculo no artigo 15.° do regulamento, que enuncia as causas de nulidade do CCP.

51.      Em vista das respostas que proponho sejam dadas à terceira e quarta questões prejudiciais, só analisarei a primeira e a segunda, a título subsidiário, para a eventualidade de o Tribunal de Justiça não aceitar esta solução.

B –    Quanto à primeira e segunda questões prejudiciais

52.      Com as primeiras duas questões prejudiciais, que convém analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta no essencial, por um lado, se, para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do regulamento, pode constituir uma primeira AIM na Comunidade uma autorização concedida sem a realização dos ensaios prescritos pelo artigo 4.°, n.° 8, da Directiva 65/65, e, por outro, se pode constituir uma AIM uma autorização cuja coexistência com um regime de autorização conforme a essa directiva é permitida com base nas disposições legislativas nacionais de transposição desta última (20).

53.      O artigo 13.° do regulamento estabelece as formas de cálculo do período de validade do CCP, de modo a harmonizar a data de termo dos diversos CCP nacionais concedidos no território da União. Assim, se, como a Merz correctamente observou, para efeitos da apresentação do pedido de CCP o que importa é a primeira AIM concedida no Estado‑Membro requerido, já no que se refere ao cálculo do período de validade do CCP a que deve ser tida em consideração é a primeira AIM concedida na Comunidade. Esta pode coincidir com a primeira AIM concedida no Estado‑Membro requerido, mas também pode ser uma AIM obtida anteriormente.

54.      No caso vertente, a Merz alega que a primeira AIM na Comunidade para efeitos da referida disposição é a AIM de 2002, pois teria sido a primeira autorização para a memantina conforme aos requisitos materiais da Directiva 65/65. Em sentido contrário, a Synthon alega que deve ser considerada primeira AIM na Comunidade a autorização alemã ou, em alternativa, a luxemburguesa, não obstante o facto de nenhuma delas ter sido concedida antes da realização dos ensaios exigidos pela referida directiva.

55.      O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de interpretar o conceito de «primeira autorização de colocação no mercado» nos acórdãos Hässle (21) e Novartis (22), que ambas as partes no processo principal invocam com argumentos opostos.

56.      No acórdão Hässle, o Tribunal de Justiça excluiu que possa constituir «primeira autorização de colocação no mercado» na acepção do artigo 19.° do regulamento, uma autorização prevista por uma regulamentação nacional em matéria de fixação do preço dos medicamentos, a cuja concessão está condicionada a comercialização efectiva dos mesmos.

57.      Ao invés, no acórdão Novartis o Tribunal de Justiça declarou que uma autorização concedida pelas autoridades suíças e reconhecida automaticamente pelo Principado do Liechtenstein, no quadro da sua união regional com a Suíça, é abrangida no conceito de «primeira autorização de colocação no mercado» na acepção do artigo 13.° do regulamento, no sentido em que deve ser entendido para efeitos da interpretação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

58.      Como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, nenhuma das soluções adoptadas pelo Tribunal de Justiça nesses acórdãos pode ser automaticamente transposta para o presente caso.

59.      Com efeito, por um lado, no processo Hässle o Tribunal de Justiça encontrava‑se face a uma autorização nacional ontologicamente diferente de uma AIM na acepção da Directiva 65/65, embora podendo ser‑lhe equiparada no que diz respeito aos efeitos sobre a possibilidade de comercializar o produto. Por outro lado, a interpretação do artigo 13.° do regulamento no acórdão Novartis tem um alcance expressamente circunscrito ao contexto da aplicação do Acordo EEE.

60.      Todavia, estes dois precedentes proporcionam importantes elementos interpretativos.

61.      No acórdão Hässle, o Tribunal de Justiça declarou claramente que «nada justifica que a expressão ‘autorização de colocação no mercado’ seja interpretada de maneira diferente consoante a disposição do regulamento […] em que surge» e que «esta expressão não pode ter um sentido diferente consoante conste do artigo 3.° ou do artigo 19.°» (23). Portanto, não parece defensável a tese da Synthon, segundo a qual deve ser reconhecido um alcance diferente ao conceito de AIM para efeitos de cálculo do período de validade do CCP. Com efeito, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se de forma inequívoca a favor de uma interpretação uniforme desse conceito, onde quer que figure no regulamento.

62.      Na mesma decisão e em termos igualmente claros, o Tribunal de Justiça, depois de ter observado que «nem o artigo 19.° [do Regulamento n.° 1768/92] nem nenhuma outra disposição deste regulamento, nem os seus considerandos fazem referência explícita ou mesmo implícita a outra autorização que não seja […] para medicamentos na acepção da Directiva 65/65», concluiu que «a ‘primeira autorização de colocação no mercado da Comunidade’ prevista, nomeadamente, no artigo 19.°, n.° 1, do regulamento […] deve ser […] uma ACM concedida em conformidade com a Directiva 65/65» (24).

63.      Deste modo, o Tribunal de Justiça privilegiou uma abordagem formal – assente essencialmente em motivos relacionados com a exigência de segurança jurídica (25) – distinta da abordagem centrada sobretudo nos objectivos do regulamento, que o advogado‑geral Ruiz Jarabo‑Colomer preconizou nas conclusões apresentadas no processo Novartis. Segundo a tese defendida nessas conclusões, o conceito de «primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade» para efeitos do cálculo do período de validade do CCP deveria ser alargada a qualquer título que permita comercializar o medicamento legalmente numa parte do território da União (26).

64.      No acórdão Novartis, embora num contexto específico, o Tribunal de Justiça parece ter mitigado o formalismo da jurisprudência Hässle. Embora nunca citando esse acórdão, o Tribunal de Justiça incluiu o conceito de primeira AIM no EEE para efeitos do artigo 13.° do regulamento, uma autorização suíça automaticamente reconhecida no Principado do Liechtenstein e, portanto, claramente não conforme à Directiva 65/65. O percurso lógico do Tribunal de Justiça para chegar a essa conclusão, evidente nos n.os 29 e 30 do acórdão, é linear: como o Acordo EEE admite que podem coexistir dois tipos de AIM no Principado do Liechtenstein, a saber, por um lado, as autorizações de introdução no mercado concedidas pelas autoridades suíças e automaticamente reconhecidas por força da união regional entre a Suíça e o Liechtenstein, e, por outro, as concedidas neste último Estado em conformidade com a Directiva 65/65, tanto as primeiras como as segundas devem ser tidas em consideração para efeitos da aplicação do artigo 13.° do regulamento (27).

65.      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio não considera que as indicações que é possível retirar do acórdão Novartis sejam suficientes para superar a posição do Tribunal de Justiça na jurisprudência Hässle. Além disso, o Patentgericht alemão, em decisão tomada no âmbito de um diferendo suscitado no pedido de CCP para a memantina na Alemanha, apresentado pela Merz, considerou a tomada de posição do Tribunal de Justiça no acórdão Hässle um obstáculo ao reconhecimento da AIM alemã ou da luxemburguesa como primeira AIM para efeitos do artigo 13.° do regulamento (28).

66.      Importa agora avaliar mais em pormenor as AIM em questão.

67.      É pacífico que nem a autorização alemã obtida pela Merz na sequência de notificação nos termos do § 3, n.° 7, da AMG de 1976, nem a AIM luxemburguesa, concedida com fundamento na AIM alemã precedente, foram concedidas com base em documentos que continham os resultados dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos na altura exigidos pela Directiva 65/65 (29). Também é pacífico que esses resultados não foram ulteriormente fornecidos durante o período de validade dessas AIM.

68.      Ambas as AIM foram concedidas na vigência das respectivas disposições nacionais de transposição da Directiva 65/65. No entanto, há algumas diferenças significativas.

69.      A autorização alemã foi concedida em aplicação de um regime transitório previsto pelos actos jurídicos nacionais de transposição da Directiva 65/65 que, mediante notificação prévia às autoridades competentes, dispensava do processo comunitário de autorização os medicamentos já existentes no mercado, por um período de doze anos a partir de 1 de Janeiro de 1978. Esse regime aplicava o artigo 24.° da referida directiva, em conjugação com o disposto no artigo 39.° da Directiva 75/319 e com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 37.° desta última (30), que admitia a aplicação progressiva (31) das disposições da Directiva 65/65 aos medicamentos colocados no mercado antes da entrada em vigor da mesma, e consequentemente permitia, a título transitório, a circulação de medicamentos que não tinham sido submetidos aos ensaios exigidos, como é o caso do Akatinol.

70.      Em contraste, a AIM luxemburguesa foi concedida tendo em conta unicamente a circunstância de o Akatinol ser comercializado legalmente com base numa autorização dita «fictícia» («fiktive Zulassung») na Alemanha (32). Assim, diferentemente da AIM alemã, a luxemburguesa não foi concedida ao abrigo de um regime transitório interno em aplicação do artigo 24.° da Directiva 65/65.

71.      A resposta às primeiras duas questões prejudiciais exige portanto que seja esclarecido se uma AIM com as características acima descritas pode ser considerada «concedida em conformidade com a Directiva 65/65» segundo a jurisprudência Hässle e, por conseguinte, pode constituir uma primeira AIM na Comunidade para efeitos do cálculo do período de validade do CCP nos termos do artigo 13.° e para efeitos da aplicação do artigo 19.°

72.      Seguindo o percurso lógico do órgão jurisdicional de reenvio na formulação das primeiras duas questões prejudiciais, importa, em primeiro lugar, considerar se pode constituir primeira AIM para efeitos dos artigos 13.° e 19.° do regulamento uma AIM que, embora concedida na vigência da legislação que transpôs a Directiva 65/65, não passou pelo processo administrativo que esta prevê.

73.      Em minha opinião, se for caso disso, deve ser considerada «primeira ACM na Comunidade» para efeitos dos artigos 13.° e 19.°, a concedida por força das disposições que transpõem a Directiva 65/65, mesmo que, de facto, o processo administrativo previsto por esta última não tenha tido lugar ou, pelo menos, não o tenha tido de forma correcta, em especial no que se refere aos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos.

74.      Com efeito, neste caso, embora não respeite os requisitos materiais da Directiva 65/65, a AIM insere‑se formalmente no sistema da mesma. Nessas circunstâncias, não parece justificado imputar às autoridades competentes para conceder o CCP o ónus de verificar a conformidade com a legislação comunitária do processo seguido para efeitos da emissão de uma AIM concedida com base nos actos jurídicos nacionais de transposição da Directiva 65/65. De resto, o regulamento não exige esse controlo. O artigo 8.°, alínea b), ponto iv) e alínea c) do regulamento, ao preceituar que o pedido de CCP deve indicar o número e a data da primeira AIM na Comunidade, a denominação do produto e a disposição legal ao abrigo da qual correu o processo de autorização, bem como uma cópia da publicação dessa autorização no boletim oficial, limita‑se, com isso, a exigir um controlo sobre a existência da autorização e sobre a denominação do produto autorizado e, quando muito, a verificação meramente formal de que a concessão foi atribuída por força de uma norma harmonizada (33).

75.      No presente caso, não parece no entanto verificar‑se a hipótese referida supra, no n.° 73. Com efeito, se é verdade que tanto a AIM alemã como a AIM luxemburguesa foram concedidas na vigência das respectivas disposições legislativas de transposição da Directiva 65/65, nem uma nem outra podem considerar‑se concedidas por força de actos jurídicos nacionais que transpõem o processo de autorização administrativa prevista por esta directiva. De facto, como acima se viu, a AIM alemã foi obtida ao abrigo de um regime transitório permitido pelo artigo 24.° da directiva, e a AIM luxemburguesa por força do reconhecimento automático da AIM alemã, segundo um mecanismo não abrangido no sistema de reconhecimento mútuo previsto pela mesma directiva, o qual diz unicamente respeito às AIM concedidas na sequência do processo de autorização administrativa previsto por esta última.

76.      Nessas condições, as AIM em questão não podem, em minha opinião, ser consideradas «conformes» à Directiva 65/65. Em especial, a tese avançada pela Comissão, segundo a qual, para assegurar essa conformidade para efeitos da aplicação das disposições do regulamento é suficiente o facto de a AIM ter sido concedida pelas autoridades competentes de um Estado no qual existe a obrigação de não autorizar a introdução no mercado de medicamentos não sujeitos ao processo previsto pela directiva, parece‑me ir demasiado longe. De facto, com base nessa tese, também deveriam ser consideradas conformes à Directiva 65/65 as autorizações eventualmente concedidas com base em disposições nacionais que não são as de transposição da directiva (34).

77.      Uma vez excluído que a AIM alemã e a AIM luxemburguesa obtidas pela Merz para a memantina e o Akatinol possam ser consideradas «conformes» à Directiva 65/65, importa apurar se, apesar disso, como defende a Synthon, tais autorizações podem ter importância para determinar qual foi a primeira AIM da memantina na Comunidade.

78.      Em minha opinião, a resposta a esta questão deve ser afirmativa, em especial no que se refere à AIM alemã, com base num raciocínio análogo ao desenvolvido pelo Tribunal de Justiça nos n.os 29 e 30 do acórdão Novartis e que pode ser isolado do contexto específico no qual se inseria.

79.      Com efeito, como a Directiva 65/65 admitia, embora a título transitório, a eventual coexistência nos Estados‑Membros de dois regimes autorizados, o instituído pela directiva, por um lado, e o permitido com base no artigo 24.° da mesma, por outro, as autorizações concedidas ao abrigo deste último regime devem, se for caso disso, ser consideradas primeiras AIM para efeitos dos artigos 13.° e 19.° do regulamento. No caso vertente, seria a AIM alemã.

80.      Esta solução é conforme com o espírito geral do regulamento que, como se viu, consiste em limitar a erosão do período de exclusividade da patente correspondente ao tempo que medeia entre a apresentação do pedido e o processo administrativo previsto pela Directiva 65/65 para efeitos da introdução do produto no mercado, sem, no entanto, exceder um período de exploração exclusiva de quinze anos, considerado pelo legislador como apropriado a um equilíbrio dos interesses opostos em jogo (35). Se, para efeitos do cálculo do período de validade do CCP, não fossem tidas em conta as autorizações concedidas nos termos de um regime nacional instituído em aplicação do artigo 24.° da Directiva 65/65, de facto permitir‑se‑ia, em relação aos produtos abrangidos por uma patente no momento da sua introdução no mercado, a manutenção de um exclusivo de comercialização muito mais longo. Além disso, como a Synthon salienta, a solução contrária teria o efeito perverso de permitir a repristinação do período de exclusivo da patente, sem ter em conta o facto de, como acontece com a memantina, o produto em questão ter podido circular ao abrigo de um regime transitório, mesmo sem preencher as condições estabelecidas pela legislação comunitária (36).

81.      Na minha opinião, a mesma solução deve também ser aplicada se o sistema escolhido pelo Estado‑Membro para realizar a adequação progressiva às disposições da directiva no que diz respeito aos medicamentos já colocados no mercado, conforme previsto no artigo 24.° da Directiva 65/65 e no artigo 39.° da Directiva 75/319 não previr a concessão de novas autorizações (ditas «fictícias» ou «posteriores à colocação no mercado») como no caso da Alemanha, mas apenas a prorrogação da validade das autorizações originais (37). Neste caso, a data de referência para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e 19.° da Directiva 65/65 deveria coincidir com o início da vigência dessa prorrogação.

82.      Pelo contrário, não me parece que deva atribuir‑se importância ao período que antecede essa prorrogação ou à concessão de uma autorização posterior à introdução no mercado. Com efeito, é só graças a essa autorização que a circulação dos medicamentos colocados no mercado de um Estado‑Membro ao abrigo de disposições anteriores à entrada em vigor da Directiva 65/65 pode considerar‑se legal com base nas disposições desta última, embora a título meramente transitório e na condição de uma futura adequação às prescrições da mesma (v. as condições estabelecidas nos n.os 2 e 3 do artigo 39.°). Em consequência, não penso que seja possível considerar como primeira AIM na Comunidade o título com base no qual esse medicamento foi originalmente introduzido no mercado, apesar de coincidir com o momento em que a sua comercialização foi autorizada pela primeira vez no território da Comunidade.

83.      De resto, esta conclusão satisfaz as exigências de segurança jurídica a que o Tribunal de Justiça se referiu no acórdão Hässle (38) bem como as de uniformidade e simplicidade de aplicação da regulamentação sobre o CCP, referidas com particular insistência no decurso do processo legislativo de adopção do regulamento. Com efeito, verificar a existência e a data de início de validade de títulos nacionais concedidos antes da harmonização realizada pela Directiva 65/65 pode ser uma operação complexa, mas essa verificação é mais fácil quando tem como objecto um título com base no qual medicamentos já colocados no mercado podem continuar a ser comercializados legalmente nos termos do regime transitório estabelecido ao abrigo da Directiva 65/65.

84.      Antes de tirar as minhas conclusões da análise que antecede, importa examinar uma última questão que, embora não tendo sido suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode no entanto influenciar a resposta a dar às duas primeiras questões por ele apresentadas e, de maneira mais geral, a solução do litígio que lhe foi submetido.

85.      Essa questão, sobre a qual as partes no processo principal tiveram ocasião de tomar posição na audiência, é avançada pela Comissão no âmbito do processo que tem como objecto o pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal no processo Generics/Synaptech, já antes referido e que diz respeito à possibilidade de, para determinar o período de validade do CCP, se ter em consideração uma AIM concedida para a utilização de um produto, diferente da que é protegida pela patente de base. No essencial, a Comissão, baseando‑se no texto do artigo 4.° do regulamento, considera que a protecção conferida pelo CCP abarca todas as utilizações do produto para o qual tenha sido obtida uma AIM, na condição de serem abrangidas no objecto da patente de base. Em consequência, segundo a instituição interveniente, para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e 19.° do regulamento, não é possível considerar como primeira AIM na Comunidade uma AIM concedida para uma utilização do produto diferente da que é ou das que são abrangidas pela patente de base.

86.      A tese da Comissão não me convence. O artigo 4.° do regulamento define o objecto da protecção proporcionada pelo CCP, precisando, por um lado, que essa protecção não pode ser superior à conferida pela patente de base e, por outro, que o CCP abarca toda e qualquer AIM posterior que tenha como objecto uma utilização do produto como medicamento, concedida no período de validade do CCP, excluindo portanto a possibilidade de obter um CCP para cada AIM do produto obtida num Estado‑Membro.

87.      O artigo 13.° do regulamento diz respeito ao período de validade do CCP e o artigo 19.° estabelece um regime transitório que fixa determinadas condições para a concessão do CCP. Ora, depreende‑se tanto de uma leitura textual como sistemática dessas disposições que a primeira AIM na Comunidade a que as mesmas se referem é a primeira AIM do produto como medicamento (39). Para efeitos da aplicação desses artigos, não se faz qualquer referência a uma determinada utilização terapêutica do produto, e muito menos à utilização ou utilizações abrangidas pela patente de base, apesar de o regulamento prever expressamente que esta patente protege tanto um produto como tal, como uma sua aplicação (40).

88.      Assim, o regulamento legitima uma interpretação segundo a qual, para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e 19.°, deve considerar‑se primeira AIM na Comunidade a primeira AIM como medicamento, independentemente do tipo de utilização médica que lhe é dada e da eventual coincidência com a utilização protegida pela patente de base.

89.      Esta interpretação mostra‑se, antes de mais, consonante com o conceito de produto na acepção do regulamento, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Recordo, a propósito, que, segundo o artigo 1.°, alínea b), do regulamento, entende‑se por produto «o princípio activo ou composição de princípios activos contidos num medicamento». No acórdão Massachusetts Institute of Technology, o Tribunal de Justiça especificou que, nos termos dessa disposição do regulamento, o conceito de «produto» deve ser entendido no sentido estrito de «substância activa» ou de «princípio activo» (41). Com base nesta decisão, o Tribunal de Justiça precisou, no despacho Yissum, que o conceito de produto «não pode abranger a utilização terapêutica de um princípio activo protegida pela patente de base» e que «o artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 1768/92 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de a patente de base proteger uma segunda utilização médica de um princípio activo, esta utilização não faz parte integrante da definição de produto» (42).

90.      A interpretação proposta no n.° 88 supra é, além disso, corroborada por algumas decisões do Tribunal de Justiça. No acórdão Pharmacia Italia, o Tribunal declarou que «o facto de um produto ter obtido num Estado‑Membro uma ACM como medicamento para uso veterinário, antes da data fixada no artigo 19.°, n.° 1, do regulamento, obsta a que, noutro Estado‑Membro da Comunidade, seja passado um certificado com base num medicamento para uso humano autorizado nesse Estado‑Membro» (43). Depois de no n.° 19 deste acórdão, ter invocado o conceito de «produto» na acepção do artigo 1.°, alínea b), do regulamento, bem como o texto dos artigos 3.° e 4.° do mesmo, o Tribunal de Justiça precisou, no n.° 20, que «o critério determinante para a passagem do certificado não é o destino do medicamento» e que «o objecto da protecção conferida pelo certificado diz respeito a toda e qualquer utilização do produto, como medicamento, sem que haja que distinguir a utilização do produto como medicamento para uso humano da utilização para uso veterinário». (44) Por último, no acórdão Biogen, o Tribunal de Justiça declarou que, quando o mesmo produto está protegido por várias patentes de base (45), cada uma delas pode ser designada para efeitos do processo de concessão do CCP (46), precisando no entanto que «decorre do artigo 13.° do regulamento [que] a duração destes certificados é calculada de maneira uniforme em função da data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade» (47).

91.      Com base no exposto nos n.os 86‑90, sou de opinião que, para efeitos da aplicação dos artigos 13.° e 19.° do regulamento, não obsta a que seja considerada primeira AIM na Comunidade uma AIM concedida para uma utilização do produto, diferente da(s) ou das prevista(s) na patente de base.

92.      À luz do conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às duas primeiras questões prejudiciais que uma autorização concedida pelas autoridades de um Estado‑Membro por força dos actos jurídicos nacionais de transposição da Directiva 65/65 pode constituir, se for caso disso, primeira AIM na Comunidade para os efeitos dos artigos 13.° e 19.° do regulamento, mesmo que, de facto, o processo administrativo previsto não tenha tido lugar ou, pelo menos, não o tenha tido de forma correcta, em especial no que se refere à realização dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos previstos pelo artigo 4.°, n.° 8, dessa directiva e à comunicação dos respectivos resultados.

93.      Pode igualmente considerar‑se primeira AIM na Comunidade para efeitos das referidas disposições, uma AIM concedida pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro ao abrigo do regime transitório previsto pelo artigo 24.° da Directiva 65/65, em conjugação com o disposto no artigo 39.° da Directiva 75/319 e com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 37.° desta, na base de uma autorização de comercialização concedida antes da transposição da Directiva 65/65 para o direito do Estado‑Membro em causa.

94.      Com base na solução proposta, mesmo supondo que o CCP obtido pela Merz tenha sido validamente concedido (48), o seu período de validade foi calculado de forma errada, na medida em que foram tidas em consideração para efeitos do cálculo as AIM de 2002 e não a AIM alemã que, em virtude do que ficou exposto, deve ser considerada a primeira na Comunidade para efeitos do artigo 13.° do regulamento. Assumindo como referência a AIM alemã, o período de validade do CCP da Merz deve ser fixado em zero.

V –    Conclusões

95.      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais apresentadas pela High Court of Justice (Chancery Division):

«O Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992 relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos deve ser interpretado, por força do seu artigo 2.°, no sentido de que não são abrangidos no seu campo de aplicação os produtos colocados no mercado como medicamentos no território da Comunidade, antes de ter sido obtida uma autorização de colocação no mercado conforme à Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1865, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas ou à Directiva 81/851/CEE do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos medicamentos veterinários.

Os certificados complementares de protecção concedidos para esses produtos devem ser considerados inválidos.»

96.      Se o Tribunal de Justiça não aceitar esta solução, proponho que responda o seguinte à primeira e segunda questões prejudiciais apresentadas pela High Court of Justice (Chancery Division):

«Uma autorização de colocação no mercado concedida pelas autoridades de um Estado‑Membro por força dos actos jurídicos nacionais de transposição da Directiva 65/65 pode constituir primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade para efeitos dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento n.° 1768/92, mesmo que o processo administrativo previsto pela directiva não tenha tido lugar ou, pelo menos, não o tenha tido de forma correcta, em especial no que se refere à realização dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos exigidos, e à comunicação dos respectivos resultados.

Pode igualmente constituir primeira autorização de colocação do produto no mercado na Comunidade para efeitos das referidas disposições, uma autorização concedida pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, ao abrigo do regime transitório previsto pelo artigo 24.° da Directiva 65/65, em conjugação com o disposto no artigo 39.° da Segunda Directiva 75/319/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas e na redacção que lhe foi dada pelo artigo 37.° desta, na base de uma autorização de comercialização concedida antes da transposição da Directiva 65/65 para o direito do Estado‑Membro em causa.

Para efeitos de aplicação dos artigos 13.° e 19.° do Regulamento n.° 1768/92 pode constituir primeira autorização de colocação do produto no mercado da Comunidade também uma autorização emitida para uma utilização do produto enquanto medicamento, diferente da(s) protegida(s) por uma patente que constitui a patente de base na acepção do artigo 1.°, alínea c), do dito regulamento.»


1 – Língua original: italiano.


2 – Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (JO L 182, p. 1).


3 – Os primeiros certificados deste tipo foram emitidos nos Estados Unidos em 1985, seguidos pelos japoneses, a partir de 1988. Na Europa, esta forma de protecção complementar da patente foi introduzida primeiramente nalguns Estados‑Membros (Itália, França e Suécia) e posteriormente regulamentada a nível comunitário.


4 – (JO 1965, 22 pp. 369‑373; EE 13 F1 p. 18). A partir de 18 de Dezembro de 2001, a Directiva 65/65 foi substituída pela Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67).


5 – Trata‑se da versão alterada pela Segunda Directiva 75/319/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 13; EE 13 F4 p. 92). As ulteriores alterações são posteriores à introdução do Akatinol no mercado, na Alemanha e no Luxemburgo.


6 – Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, ponto 1), da directiva, para efeitos de aplicação, devia entender‑se por «Especialidade farmacêutica» «todo o medicamento preparado antecipadamente, introduzido no mercado com denominação e acondicionamento especiais», e por «Medicamento» «toda a substância ou composição apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas relativas a doenças humanas ou animais».


7 – Já referida na nota 5. Esta directiva também foi revogada pela Directiva 2001/83.


8 – Efectuada em 3 de Fevereiro de 1965.


9 – O Regulamento (CEE) n.° 1768/92 foi revogado e substituído, com efeito a partir de 6 de Julho de 2009, pelo Regulamento (CE) n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos (JO L 152, p. 1), que procedeu à respectiva codificação.


10 – Posteriormente alterada pelo Acto de Adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia à União Europeia (JO1994, C 241, p. 21).


11 – Nas suas observações, a Merz esclarece que o Akatinol era utilizado no tratamento da doença de Parkinson e em certas outras aplicações.


12 – Na realidade, a primeira autorização de comercialização para a memantina e o Akatinol, na Alemanha, remonta a um período anterior e foi concedida com base em legislação de 1961. Contudo, para os efeitos das presentes conclusões, considerarei como AIM alemã a autorização para manter o Akatinol no mercado, concedida ao abrigo das disposições da AMG de 1976.


13 – Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo em questão é o único no texto do regulamento em que existe esta ambiguidade. Com efeito, em todas as outras disposições, o legislador comunitário teve o cuidado de precisar se a autorização de introdução no mercado devia ser entendida como relativa ao território do Estado‑Membro do pedido de CCP ou ao de um Estado‑Membro diferente [v. artigo 3.°, alínea b), artigo 8.°, n.° 1, alínea a), ponto iv), alínea b) e alínea c), artigo 9.°, n.° 2, alínea d) e alínea e), artigo 11.°, n.° 1, alínea d) e alínea e), artigo 13.°, n.° 1, artigo 19.°, n.° 1 e artigo 19.°‑A]. O próprio Tribunal de Justiça distinguiu as duas hipóteses, sublinhando, no acórdão de 12 de Junho de 1997, Yamanouchi Pharmaceutical (C‑110/95, Colect., p. I‑3251), a diferente função, na economia do regulamento, dos dois requisitos que consistem na primeira AIM na Comunidade e na primeira AIM no Estado‑Membro em que é apresentado o pedido de CCP.


14 – V. proposta de regulamento relativo à criação de um certificado complementar de protecção aos medicamentos [COM (90) 101 final] (a seguir «proposta de regulamento da Comissão»), n.° 24.


15 – V. acórdão de 16 de Setembro de 1999, Farmitalia (C‑392/97, Colect., p. I‑5553, n.os 19 e 22 e n.° 1 do dispositivo).


16 – V. acórdão de 19 de Outubro de 2004, Pharmacia Italia (C‑31/03, Colect., p. I‑10001).


17 – V. conclusões do advogado‑geral F.G. Jacobs no processo Pharmacia Italia, já referido na nota 16.


18 – Frequentemente sem preencherem os mesmos requisitos de segurança farmacológica.


19 – Com efeito, não me parece que se deva chegar a uma conclusão diferente se, na altura em que foi colocado no mercado como medicamento, o produto em questão não estava abrangido por uma patente. De qualquer modo, o mesmo regulamento, ao prever no artigo 13.°, que o período de validade do certificado é calculado a partir da primeira AIM na Comunidade, não especifica que, no momento em que essa AIM é concedida, o produto em questão deve estar protegido por uma patente ou ser o objecto de um pedido de patente [não era este o caso, por exemplo, no processo BASF, que tinha como objecto uma questão de interpretação do Regulamento n.° 1610/96/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos; v. acórdão de 10 de Maio de 2001, BASF (C‑258/99, Colect., p. I‑3643)].


20 – Como o CCP controvertido diz respeito a um medicamento para uso humano, neste caso só é abrangido no âmbito de aplicação da Directiva 65/65.


21 – Acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Hässle (C‑127/00, Colect., p. I‑14781).


22 – Acórdão de 21 de Abril de 2005, Novartis e o. (processos apensos C‑207/03 e C‑252/03, Colect., p. I‑3209).


23 – V., também, acórdão Pharmacia Italia, já referido na nota 16, n.° 16.


24 –      N.os 56‑58.


25 – V. n.° 60.


26 – V. n.° 49 das conclusões.


27 –      N.os 29 e 30.


28 – Posição análoga foi, de resto, assumida na primeira instância pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, no âmbito de um processo que deu lugar, em sede de recurso, ao pedido de decisão prejudicial objecto do processo Generics (UK) (C‑427/09), no qual tenho também em curso a apresentação de conclusões.


29 – A obrigação dos requerentes de uma AIM para um medicamento, de juntarem ao pedido os resultados dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos referidos no artigo 8.°, n.° 3, alínea i), da Directiva 2001/83 (anteriormente exigidos pelo artigo 4.° da Directiva 65/65) tem como finalidade fornecer a prova da segurança e da eficácia de um medicamento. Neste sentido, v. acórdãos de 5 de Outubro de 1995, Scotia Pharmaceuticals (C‑440/93, Colect., p. I‑2851, n.° 17), de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o. (C‑368/96, Colect., p. I‑7967, n.° 23), e de 18 de Junho de 2009, Generics (UK) (C‑527/07, Colect., p. I‑5259, n.° 22).


30 – A Merz considera que o regime transitório previsto pelo § 3, n.° 7, da AMG de 1976 não é conforme ao artigo 24.° da directiva. A este propósito apresenta, em anexo às suas observações, um parecer da Comissão, dirigido ao Governo alemão, no qual esta última contesta a compatibilidade com a directiva do sistema de autorização implícita previsto inicialmente pelo § 3, n.° 7, da AMG de 1976 e posteriormente pelo § 105 da versão alterada da AMG. Da leitura desse documento resulta, porém, que as contestações diziam respeito unicamente à possibilidade de comercializar produtos não sujeitos aos ensaios prescritos, depois do final da fase transitória, ou seja, depois de 12 de Maio de 1990.


31 – Por uma duração de quinze anos a contar do dia da notificação referida na Directiva 75/319 (efectuada em 21 de Maio de 1975), segundo o disposto no artigo 39.° desta última.


32 – V. a carta do Ministro da Saúde luxemburguês, de 3 de Julho de 2009, anexa às observações da Merz. Nessa carta, indica‑se que as autoridades luxemburguesas aguardavam a junção da documentação relativa aos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos no decurso do período transitório, mas que essa documentação nunca chegou.


33 – É objectivo do regulamento instituir um sistema «simples e transparente» para a emissão dos CCP. No n.° 16 da proposta de regulamento da Comissão sublinha‑se que: «the patents offices should be able to implement the procedure for granting the certificate without an excessive burden being placed on their administrations» e «examination of the conditions to be fulfilled for the certificate to be granted involves the use of objective data that are easy to verify» e, ainda, que «the adoption of a standard system to calculate the duration of the protection given by the certificate […] means that the calculation is easy to make».


34 – Saliento que, no processo Generics (UK) (C‑427/09), no qual também tenho em curso a apresentação de conclusões, a Comissão alterou substancialmente a posição expressa na fase escrita do presente processo.


35 – V. n.° 24 da proposta de regulamento da Comissão.


36 – De resto, no processo em análise, as autorizações alemã e luxemburguesa nunca foram postas em conformidade com as condições estabelecidas na Directiva 65/65, não obstante ter expirado o prazo que esta previa para esse efeito. Consequentemente, tanto quanto é dado perceber, a memantina pôde circular mesmo depois desse prazo, em violação da directiva, até à concessão das autorizações de 2002.


37 – Como, por exemplo, no caso do Luxemburgo, por força do artigo 22.° da Lei de 11 de Abril de 1983, já referida.


38 – N.° 60.


39 – V. artigo 19.° do regulamento, bem como o artigo 13.° interpretado à luz do artigo 3.°, alínea d), do regulamento.


40 – V. artigo 1.°, alínea c), do regulamento.


41 – Acórdão de 4 de Maio de 2006, Massachusetts Institute of Technology (C‑431/04, Colect., p. I‑4089, n.° 21). No n.° 19 deste acórdão, o Tribunal de Justiça invocou o n.° 11 da exposição de motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11 de Abril de 1990, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos [COM(90) 101 final], na qual se especifica que «[…] a Proposta de Regulamento é limitada aos novos medicamentos. Não se trata de emitir um [CCP] para todos os medicamentos patenteados para os quais tenha sido dada autorização de colocação no mercado. Com efeito, apenas pode ser emitido um [CCP] por produto, entendido no sentido estrito de substância activa; pequenas alterações menores do medicamento, como uma nova dosagem, a utilização de um sal ou de um éster diferente, uma forma farmacêutica diferente, não podem dar origem a um novo [CCP]».


42 – Despacho de 17 de Abril de 2007, Yissum (C‑202/05, Colect., p. I‑2839, n.os 18 e 20).


43 – Já referido na nota 16, n.° 23.


44 – O sublinhado é meu.


45 – Acórdão de 23 de Janeiro de 1997, Biogen (C‑181/95, Colect., p. I‑357). No caso que é objecto do processo principal, tratava‑se de patentes com vários titulares, mas o raciocínio do Tribunal de Justiça pode aplicar‑se também ao caso de patentes que protegem o produto para diversas utilizações terapêuticas.


46 – Sob condição, porém, segundo especifica o Tribunal de Justiça, de, nos termos do artigo 3.°, alínea c) do regulamento, não ser concedido mais do que um CCP por cada patente de base.


47 – N.° 29.


48 – Para além da conclusão de invalidade que decorreria se o Tribunal de Justiça aceitasse a resposta que propus para a terceira e quarta questões prejudiciais, também não é claro que no caso em apreço existam as condições para a aplicação do artigo 19.°, n.° 1, do regulamento. Com efeito, dos autos não se depreende se, na data de entrada em vigor do regulamento, a memantina estava protegida por uma patente em vigor, como aquela disposição exige. No caso de esta última ser aplicável, o CCP da Merz seria inválido, pois a AIM alemã, a primeira na Comunidade, é anterior a 1 de Janeiro de 1985 e ainda porque o CCP foi pedido depois de ter expirado o prazo, estabelecido pelo n.° 2 do referido artigo, de seis meses a contar da data de entrada em vigor do regulamento.