Language of document : ECLI:EU:C:2013:323

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 16 de maio de 2013 (1)

Processo C‑234/12

Sky Italia Srl

contre

Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio, Itália)

«Diretiva 2010/13/UE — Serviços de comunicação social audiovisual — Limitação do tempo de transmissão de publicidade televisiva — Legislação nacional mais rigorosa para a televisão paga do que para a televisão de sinal aberto — Princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União — Liberdades fundamentais do mercado interno europeu — Liberdade e pluralidade dos meios de comunicação social»





I —    Introdução

1.        A maioria das televisões europeias transmite publicidade em intervalos mais ou menos regulares. Esta publicidade televisiva que o espetador considera sobretudo ser uma interrupção inoportuna do programa transformou‑se há muito tempo num fator económico cuja relevância não deve ser subestimada e constitui uma importante fonte de receitas para o organismo de radiodifusão televisiva. Não admira, pois, que dê permanentemente azo a litígios.

2.        Para proteger adequadamente os interesses dos telespetadores e garantir condições o mais uniformes possível de concorrência para todos os organismos de radiodifusão televisiva estabelecidos na Europa, o direito da União prevê um limite máximo de transmissão de publicidade televisiva de 20% num período de 60 minutos. Esta regra consta da Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual» (Diretiva 2010/13/CE) (2) que substituiu a anterior Diretiva «Televisão sem fronteiras» (Diretiva 89/552/CEE) (3).

3.        Dentro dos limites estabelecidos pelo direito da União são permitidas regras de direito nacional mais rigorosas relativas à publicidade televisiva. A Itália fez uso desta possibilidade ao estabelecer distintos limites máximos de transmissão para publicidade televisiva para organismos de radiodifusão televisiva paga e organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto. Assim, em 2011, podia ser transmitido um máximo de 14% de publicidade num período de 60 minutos nos canais italianos de radiodifusão televisiva paga, ao passo que nos canais privados de radiodifusão televisiva de sinal aberto o limite máximo era de 18%.

4.        Quando um dos canais pagos de radiodifusão televisiva da Sky Italia transmitiu, num serão, mais publicidade televisiva do que era permitido ao abrigo da legislação nacional, a autoridade reguladora competente aplicou uma coima a esta empresa. A Sky Italia impugna agora judicialmente esta coima invocando, designadamente, a incompatibilidade da legislação italiana com o direito da União. A empresa Reti Televisive Italiane (RTI) pertencente ao grupo Mediaset, que é o maior organismo privado de radiodifusão televisiva de sinal aberto na Itália, também é interveniente no processo principal.

5.        Os intervenientes no processo principal discutem, em particular, se os distintos limites máximos de transmissão para a publicidade televisiva são compatíveis com o princípio geral de direito da União da igualdade de tratamento e se são suscetíveis de lesar a liberdade e a pluralidade dos meios de comunicação social.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

6.        O quadro de direito da União do presente caso é determinado, no plano do direito secundário, pela Diretiva 2010/13, em cujo capítulo VII «Publicidade televisiva e televenda» se encontra o seguinte artigo 23.°, n.° 1:

«A percentagem de tempo consagrada a spots de publicidade televisiva e a spots de televenda num dado período de 60 minutos não deve exceder 20%.»

7.        Além disso, é relevante o artigo 4.°, n.° 1, que pertence ao capítulo II «Disposições gerais» da Diretiva 2010/13:

«Os Estados‑Membros têm a liberdade de exigir aos fornecedores de serviços de comunicação social sob a sua jurisdição que cumpram regras mais pormenorizadas ou mais rigorosas nos domínios coordenados pela presente diretiva, desde que essas regras não infrinjam o direito da União.»

8.        A título complementar, importa fazer referência aos considerandos 8, 10, 41, 83 e 87 do preâmbulo da Diretiva 2010/13 que têm o seguinte teor:

«[...]

8.       É essencial que os Estados‑Membros velem por que sejam evitados atos que possam prejudicar a liberdade de circulação e de comércio das emissões televisivas ou que possam promover a criação de posições dominantes suscetíveis de conduzir a restrições ao pluralismo e à liberdade da informação televisiva bem como da informação no seu conjunto.

[…]

10.       […] Tendo em conta a importância das condições de igualdade e de um verdadeiro mercado europeu dos serviços de comunicação social audiovisual, impõe‑se respeitar os princípios básicos do mercado interno, como a livre concorrência e a igualdade de tratamento, a fim de assegurar a transparência e a previsibilidade do mercado dos serviços de comunicação social audiovisual e limitar os obstáculos ao acesso ao mercado.

[…]

41.       Os Estados‑Membros deverão poder aplicar regras mais estritas ou pormenorizadas nos domínios coordenados pela presente diretiva aos fornecedores de serviços de comunicação social sob a sua jurisdição, assegurando a conformidade destas regras com os princípios gerais do direito da União. […]

[…]

83.       Para assegurar de forma completa e adequada a proteção dos interesses dos consumidores que são os telespetadores, é essencial que a publicidade televisiva seja submetida a um determinado número de normas mínimas e de critérios e que os Estados‑Membros tenham a faculdade de fixar normas mais rigorosas ou mais pormenorizadas e, em determinados casos, condições diferentes para os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição.

[...]

87.       Deve ser previsto um limite de 20% de tempo consagrado a spots de publicidade televisiva e a spots de televenda num dado período de 60 minutos, igualmente aplicável ao horário nobre. […]

[…]»

B —    Direito nacional

9.        Determinante no direito italiano é o Decreto legislativo (4) n.° 177 do Presidente da República de 31 de julho de 2005 (a seguir «Decreto legislativo 177/2005») relativo ao texto único dos serviços de meios audiovisuais e radiofónicos (5), cujo artigo 38.° («Limite máximo de transmissão») teve uma nova redação com efeitos a partir de 30 de março de 2010 (6) e, desde então, tem a seguinte redação:

«1.       A transmissão de mensagens publicitárias por parte da concessionária do serviço público geral de radiodifusão televisiva não pode exceder 4% do horário semanal de programação e nem 12% de cada hora; um eventual excesso, que, de modo algum poderá superar 2% numa hora, deve ser compensado na hora anterior ou seguinte.

2.       A transmissão de publicidade televisiva por organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto, incluídos os analógicos, no âmbito nacional, que não a concessionária do serviço público geral de radiodifusão televisiva, não pode exceder 15% do horário diário de programação, nem 18% de uma hora determinada e distinta; um eventual excesso, que, de modo algum poderá superar 2% numa hora, deve ser compensado na hora anterior ou seguinte [...];

5.       A transmissão de publicidade televisiva por organismos de radiodifusão televisiva paga, incluindo os analógicos, não pode exceder em 2010, 16%, em 2011, 14%, e, a partir de 2012, 12% de uma hora determinada; um eventual excesso, que, de modo algum poderá superar 2% numa hora, deve ser compensado na hora anterior ou seguinte [...].

[...]».

III — Matéria de facto e processo principal

10.      Pela Decisão n.° 233/11/CSP de 13 de setembro de 2011, a Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni (AGCOM) (7) italiana aplicou uma coima no valor de 10 329 euros à empresa de radiodifusão Sky Italia s.r.l., por violação dos limites máximos de transmissão para publicidade televisiva (8).

11.      Segundo concluiu a AGCOM, a Sky Italia, em 5 de março de 2011, no período entre as 21 horas e as 22 horas, emitiu no seu canal televisivo pago Sky Sport 1 um total de 24 spots de publicidade televisiva com a duração total de 10 minutos e 4 segundos, ou seja, mais de 16% do tempo de transmissão horário. Deste modo, naquele período de tempo, o limite máximo de transmissão permitido para a publicidade televisiva que, nos termos do artigo 38.°, n.° 5, do Decreto legislativo 177/2005, era à época de 14% por hora, foi ultrapassado em mais de dois pontos percentuais.

12.      A Sky Italia interpôs então um recurso da decisão controvertida perante o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (9). A Sky Italia alega essencialmente que a referida decisão é ilegal, porque a sua base jurídica, a saber o artigo 38.°, n.° 5, do Decreto legislativo 177/2005, é contrária ao direito da União (10).

IV — Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

13.      O Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (11) tem dúvidas sobre a compatibilidade do regime jurídico nacional com o direito da União. Por conseguinte, por despacho de 7 de março de 2012, suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial:

«1)       Devem o artigo 4.° da Diretiva 2010/13/UE, o princípio geral da igualdade de tratamento e as normas do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em matéria de livre circulação de serviços, do direito de estabelecimento e da livre circulação de capitais, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime estabelecido no artigo 38.°, n.° 5, do Decreto Legislativo n.° 177/2005, que estabelece [para os emissores de radiodifusão televisiva paga] limites horários de emissão de publicidade inferiores aos estabelecidos para os emissores de radiodifusão televisiva com sinal aberto?

2)       O artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretado à luz do artigo 10.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em especial, o princípio do pluralismo de informação, opõe‑se ao regime consagrado no artigo 38.°, n.° 5, do Decreto Legislativo n.° 177/2005, que estabelece [para os emissores de radiodifusão televisiva paga] limites horários de emissão de publicidade inferiores aos estabelecidos para os emissores de radiodifusão televisiva com sinal aberto, introduzindo dessa forma uma distorção da concorrência e favorecendo a criação ou o reforço de posições dominantes no mercado da publicidade televisiva?».

14.      No processo perante o Tribunal de Justiça, a Sky Italia, a RTI, o Governo italiano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e orais. A audiência teve lugar em 10 de abril de 2013.

V —    Apreciação

15.      As duas questões prejudiciais do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio visam esclarecer se o direito da União proíbe que o direito interno dos Estados‑Membros preveja distintos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, consoante esta publicidade seja transmitida na televisão paga ou na televisão privada de sinal aberto (12). Enquanto a primeira questão analisa esta problemática do ponto de vista da igualdade de tratamento dos organismos de radiodifusão televisiva e por referência às liberdades fundamentais do mercado interno europeu, a segunda questão concentra‑se no aspeto da liberdade e da pluralidade dos meios de comunicação social.

16.      No âmbito das duas questões, limitar‑me‑ei a analisar a relação entre os organismos de radiodifusão televisiva paga e os organismos privados de radiodifusão televisiva de sinal aberto. Por outro lado, a situação especial dos organismos de radiodifusão televisiva de direito público é irrelevante para a resposta ao presente pedido de decisão prejudicial.

A —    A primeira questão prejudicial

17.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se distintos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, tal como previstos pelo direito italiano, são compatíveis com o artigo 4.°, da Diretiva 2010/13, com o princípio da igualdade de tratamento e com várias liberdades fundamentais do mercado interno europeu.

1.      Admissibilidade

18.      A RTI expressou, em relação a dois aspetos, dúvidas quanto à admissibilidade desta primeira questão prejudicial.

19.      Em primeiro lugar, a RTI entende que, não pode à partida haver um problema de compatibilidade da legislação italiana controvertida com o artigo 4.° da Diretiva 2010/13 e com o princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União, uma vez que a Itália, com o artigo 38.° do Decreto legislativo 177/2005, se limitou a fazer uso da possibilidade de que dispunha de adotar disposições de direito interno mais rigorosas no que diz respeito à publicidade televisiva. Neste contexto, a RTI fala de uma «janela de discricionariedade» dentro da qual o Estado italiano atua.

20.      Este argumento não é sustentável. O artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13 define a margem de manobra que o direito da União confere ao legislador nacional para adotar eventuais disposições de direito interno mais rigorosas. Se um órgão jurisdicional nacional, tal como no presente caso, se vir confrontado com a questão de saber se o direito interno se contém dentro dos limites da margem de manobra traçada pelo artigo 4.°, n.° 1 da Diretiva 2010/13 ou os ultrapassa, pode submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação precisamente desta disposição da diretiva.

21.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça também pode ser questionado relativamente ao princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União.

22.      Por um lado, tal resulta desde logo da redação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, segundo o qual a adoção de disposições nacionais mais rigorosas só é expressamente permitida aos Estados‑Membros, «desde que essas regras não infrinjam o direito da União». Das disposições de direito da União, que, segundo o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, as disposições de direito nacional não devem infringir, fazem parte, além das liberdades fundamentais do mercado interno europeu (13), também os princípios gerais de direito da União (14) nos quais se inclui, desde logo, o princípio da igualdade de tratamento (15).

23.      Por outro lado, a fixação de limites máximos de transmissão para a emissão de publicidade televisiva faz parte da aplicação do direito da União na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. Com efeito, a Diretiva 2010/13 exige que os Estados‑Membros prescrevam tais limites máximos de transmissão no quadro previsto pelo direito da União de um máximo de 20% num período de 60 minutos. Caso um legislador nacional adote medidas de transposição desta obrigação, tal como sucedeu no direito italiano com o limite máximo, (para 2011) de 14%, de transmissão de publicidade na televisão paga, deve respeitar os direitos fundamentais da União incluindo o princípio geral de direito da União da igualdade de tratamento.

24.      Em segundo lugar, a RTI critica que o órgão jurisdicional de reenvio tenha fundamentado apenas muito pouco a sua primeira questão no que diz respeito à eventual violação de liberdades fundamentais do mercado interno europeu.

25.      No entanto, esta objeção também não pode ser acolhida. Com efeito, é de concordar com a RTI que as afirmações relativas às liberdades fundamentais no despacho de reenvio são extremamente breves. Contudo, resulta do despacho de reenvio, de uma forma suficientemente clara, que o órgão jurisdicional de reenvio considera que as liberdades fundamentais foram violadas pelos mesmos motivos que o princípio geral da igualdade de tratamento. A questão de saber se tal está efetivamente correto não é um problema de admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas diz respeito à apreciação quanto ao mérito da questão prejudicial.

26.      Em suma, a primeira questão é, consequentemente, admissível.

2.      Apreciação quanto ao mérito

27.      Nos termos do artigo 23.°, n.° 1 da Diretiva 2010/13, a percentagem de tempo consagrada a publicidade televisiva num dado período de 60 minutos não deve exceder 20%. O considerando 87 da diretiva esclarece que este limite também é aplicável ao horário nobre. Deste modo, estabelece‑se uma proteção equilibrada dos interesses financeiros dos organismos de radiodifusão televisiva e dos anunciantes, por um lado, e dos interesses dos titulares dos direitos, isto é, dos autores e criadores, e dos consumidores que são os telespetadores, por outro (16).

28.      Acresce que resulta do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13 que os Estados‑Membros podem diminuir este limite máximo de transmissão de publicidade televisiva, ao preverem que os fornecedores de serviços de comunicação social sob a sua jurisdição emitam menos de 20% de publicidade televisiva num período de 60 minutos.

29.      Contrariamente ao alegado pela Sky Italia, o artigo 4.°, n.° 1 não é uma disposição excecional que deve ser submetida a interpretação estrita, mas uma disposição geral que é característica de toda a Diretiva 2010/13, o que é desde logo revelado pela sua consagração no capítulo II da diretiva («Disposições gerais»). Por último, o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13 expressa que a regulamentação do direito da União relativa aos serviços de comunicação social audiovisual constitui apenas uma harmonização mínima (17). Tal é confirmado claramente pelo preâmbulo da Diretiva 2010/13, em particular, pelos seus considerandos 41 e 83.

30.      Diversamente do que entende a Sky Italia, também não é possível retirar da Diretiva 2010/13 nenhuma proibição geral de legislações dos Estados‑Membros que graduem os limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, nas quais se distinga entre as diversas categorias de organismos de radiodifusão televisiva. Assim, o artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva permite expressamente que os Estados‑Membros adotem não apenas disposições mais rigorosas, mas também mais pormenorizadas em relação aos fornecedores de serviços de comunicação social sob a sua jurisdição. Mais claro ainda é o considerando 83 da diretiva, que é determinante para interpretar o artigo 4.°, n.° 1, segundo o qual em particular em relação à publicidade televisiva se deve reservar aos Estados‑Membros a faculdade de fixar «em determinados casos, condições diferentes para os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição» (18).

31.      Neste contexto, não se pode presumir que a Diretiva 2010/13 exclui categoricamente limites máximos de transmissão distintos para a publicidade televisiva consoante o tipo de organismo de radiodifusão televisiva.

32.      Contudo, fica por analisar a questão de saber se um regime jurídico, como o italiano, previsto no artigo 38.° do Decreto legislativo 177/2005 está em conformidade com o restante direito da União, tal como expressamente exigido na última metade do último período do artigo 4.°, n.° 1 da Diretiva 2010/13. O órgão jurisdicional de reenvio tem sérias dúvidas sobre a compatibilidade da legislação italiana com o princípio geral de direito da União da igualdade de tratamento [v. a este respeito a alínea a) infra] e com as diversas liberdades fundamentais do mercado interno [v. a este respeito, infra, a alínea b)].

a)      O princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União

33.      O princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (19) e, por conseguinte, goza do estatuto de direito fundamental da União.

34.      Resulta de jurisprudência assente que o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (20).

35.      Os elementos que caraterizam situações diferentes e, portanto, o seu caráter comparável devem ser determinados e apreciados à luz do objeto e do objetivo da legislação que institui a distinção em causa (21). Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objetivos do domínio do qual releva o ato em questão (22).

36.      No caso em apreço, deve, pois, analisar‑se, tendo em conta os objetivos do artigo 38.°, do Decreto legislativo 177/2005, se o tratamento desigual conferido pelo legislador italiano aos organismos de radiodifusão televisiva paga e de radiodifusão televisiva de sinal aberto, relativamente aos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, se baseia em diferenças entre os organismos de radiodifusão televisiva e os programas por estes transmitidos ou — se não for esse o caso — se existe uma justificação objetiva para esse tratamento desigual.

37.      Tanto quanto se pode vislumbrar, o Decreto legislativo 177/2005 enquanto tal não fornece indicações claras quanto aos objetivos que prossegue com o seu artigo 38.° Contudo, do contexto da adoção de uma disposição também podem extrair‑se indícios relativos aos objetivos prosseguidos (23).

38.      Segundo as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, para o regime do artigo 38.° do Decreto legislativo 177/2005 há dois objetivos que podem ser tidos em conta: por um lado, o da proteção dos consumidores [v. a este respeito, infra, o ponto i)], que a AGCOM, em particular, salienta na decisão controvertida e, por outro, um favorecimento possivelmente intencional dos organismos privados de radiodifusão televisiva de sinal aberto em relação aos organismos de radiodifusão televisiva paga [v. a este respeito, infra, o ponto ii)]. Por conseguinte, importa analisar, sob estes dois aspetos, se os organismos de radiodifusão televisiva paga e de radiodifusão televisiva de sinal aberto se encontram numa situação semelhante e se o seu tratamento desigual por uma legislação como a italiana constitui uma violação do princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União.

i)      Quanto ao princípio da igualdade de tratamento tendo em conta a proteção dos consumidores

39.      Assim, a proteção dos consumidores que são os telespetadores contra a publicidade excessiva constitui um aspeto essencial do objetivo da Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual», tal como anteriormente da Diretiva «Televisão sem fronteiras» (24).

40.      Tal como foi referido, com razão, em particular, pelo Governo italiano e pela RTI, o equilíbrio, que tem de se encontrar entre os interesses dos consumidores, por um lado, e os dos organismos de radiodifusão televisiva e dos anunciantes, por outro, é diferente para os canais pagos de radiodifusão televisiva e para os canais de radiodifusão televisiva com sinal aberto. Com efeito, os canais pagos de radiodifusão televisiva têm, em regra, para os telespetadores, uma oferta específica de programação, designadamente, certos filmes, programas de entretenimento e transmissão de eventos desportivos que não se obtêm ou não se obtêm da mesma forma nos canais de radiodifusão televisiva de sinal aberto. Para rececionar estes canais pagos de radiodifusão televisiva, o telespetador já pagou uma retribuição contratualmente fixada no âmbito da sua assinatura individual junto do respetivo organizador de canais de radiodifusão televisiva. O telespetador pode, portanto, esperar razoavelmente ser confrontado com significativamente menos publicidade na televisão paga do que na televisão privada de sinal aberto para cuja receção, em regra, não tem de pagar nenhuma retribuição autónoma e cuja fonte maioritária de financiamento — quando não mesmo a única — é a publicidade.

41.      Esta diferença objetiva entre a televisão paga e a televisão de sinal aberto pode ser legitimamente transformada, no direito interno, no ponto de partida de uma regulamentação diferenciadora dos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva.

42.      A Sky Italia e a Comissão contrapõem que não é necessária uma tal proteção especial contra publicidade excessiva para os telespetadores dos canais pagos de radiodifusão televisiva. Com efeito, se os telespetadores em causa se sentirem incomodados pela publicidade emitida na televisão paga, podem, no entender da Comissão, proteger eles próprios, os seus interesses de forma suficiente, não subscrevendo a assinatura junto do respetivo organizador de programas pagos de radiodifusão televisiva ou terminando a relação contratual existente.

43.      Contudo, este argumento não é convincente no presente contexto. De facto, a questão de saber se, e em que medida, os Estados‑Membros confiam no mero jogo da oferta e da procura ou se, por motivos de proteção dos consumidores, adotam medidas que vão além da harmonização mínima da Diretiva 2010/13, fica ao critério dos mesmos. Para esse efeito, compete a cada Estado‑Membro determinar o nível ambicionado de proteção dos consumidores no seu território, sendo próprio da natureza da matéria em causa que este nível possa ser distinto consoante o Estado‑Membro (25).

44.      Se um Estado‑Membro optar, nos termos do artigo 4.°, n.° 1 da Diretiva 2010/13, por prever limites máximos de transmissão mais rigorosos para a publicidade televisiva do que os que o legislador da União previu ao estabelecer o limite de 20%, para proteger os consumidores que são os telespetadores, este Estado‑Membro pode certamente, ao fazê‑lo, ter em conta a situação distinta dos interesses de cada grupo de telespetadores.

45.      Neste contexto, é irrelevante que os telespetadores dos canais de radiodifusão televisiva pagos sejam possivelmente apenas uma minoria. Com efeito, está apenas em causa a necessidade de proteção do telespetador na qualidade de consumidor, independentemente de este representar numericamente um grupo grande ou pequeno, uma minoria ou uma maioria.

46.      Em suma, consequentemente — do ponto de vista da proteção dos consumidores — no caso da publicidade televisiva na televisão paga e da publicidade televisiva na televisão de sinal aberto estão em causa situações diferentes. Se, com o objetivo de proteger os consumidores, forem previstas regras diferentes para essas situações diferentes, tal não está em contradição, mas em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento.

ii)    Quanto ao princípio da igualdade de tratamento tendo em vista um eventual favorecimento intencional dos organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto

47.      Resta analisar se o princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União também é respeitado tendo em conta o segundo objetivo possível da legislação italiana. Este objetivo que o órgão jurisdicional de reenvio por vezes até designa como o «objetivo principal das disposições nacionais em causa», consiste alegadamente «em garantir aos organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto receitas de publicidade mais elevadas».

48.      A este respeito, importa referir, em primeiro lugar, que a venda de tempos de transmissão de publicidade televisiva é realizada num mercado específico. Este mercado distingue‑se do mercado dos consumidores finais no qual, em última instância, são transmitidos os programas de televisão. Por esse motivo, o simples facto de no mercado dos consumidores finais poder haver, do ponto de vista dos telespetadores, diferenças objetivas entre os organismos de radiodifusão televisiva (26) não permite concluir automaticamente que essas diferenças também existem no plano prévio da comercialização de tempos de transmissão de publicidade televisiva. Pelo contrário, no presente caso não existem indícios dessas diferenças, quer do ponto de vista dos próprios organismos de radiodifusão televisiva, quer ainda do ponto de vista dos anunciantes.

49.      No que diz respeito aos organismos de radiodifusão televisiva, estes, ao comercializarem tempos de transmissão de publicidade televisiva, concorrem diretamente entre si por clientes anunciantes e, deste modo, em última instância, por receitas para financiar os seus programas de televisão, independentemente de a publicidade televisiva ser ou não a sua única fonte de rendimentos. Todos os organismos de radiodifusão televisiva se encontram, pois, entre si, numa situação semelhante, no que diz respeito à comercialização de tempos de transmissão de publicidade televisiva.

50.      Em relação aos anunciantes, para estes também não é diretamente determinante se os seus spots publicitários são transmitidos nos canais pagos de radiodifusão televisiva ou nos canais de radiodifusão televisiva de sinal aberto. Pelo contrário, para os clientes anunciantes está, em primeira linha, em causa o preço a pagar pelos tempos de transmissão adquiridos e se com a sua publicidade conseguem atingir o grupo alvo certo com quotas de visionamento tão elevadas quanto possível.

51.      Assim, a situação dos organismos de radiodifusão televisiva é semelhante, na sua essência, no que diz respeito à comercialização dos tempos de transmissão de publicidade televisiva, tanto do ponto de vista dos próprios organismos de radiodifusão televisiva como também do ponto de vista dos anunciantes. Um tratamento desigual destes, tal como é conferido pelo legislador italiano através da fixação de limites máximos de transmissão distintos para a publicidade televisiva, careceria, portanto, deste ponto de vista, de uma justificação objetiva.

52.      Essa justificação dos limites máximos de transmissão distintos não pode residir apenas na intenção do legislador italiano de «garantir receitas de publicidade mais elevadas para os organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto».

53.      Com efeito, pode haver situações em que um Estado‑Membro, para garantir a multiplicidade da oferta televisiva, em particular, para garantir uma programação televisiva de elevada qualidade nos canais de radiodifusão televisiva de sinal aberto, pode, legitimamente, adotar medidas de incentivo a favor de organismos de radiodifusão televisiva desfavorecidos.

54.      Contudo, no presente caso, não se vislumbra essa necessidade de medidas de incentivo. Segundo o despacho de reenvio prejudicial, não existe atualmente na Itália qualquer desfavorecimento concorrencial dos organismos privados de radiodifusão televisiva de sinal aberto a nível nacional. Muito pelo contrário, segundo as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, já existe, de qualquer modo, uma posição dominante do maior oferente privado de televisão de sinal aberto no mercado italiano da publicidade televisiva.

55.      Se um legislador nacional pretender, nestas circunstâncias, garantir receitas de publicidade mais elevadas para os organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto, tal pretensão está em contradição com os objetivos fundamentais da Diretiva 2010/13 que pretende garantir a livre concorrência e a igualdade de tratamento entre os organismos de radiodifusão televisiva e contribuir para a criação de iguais condições de concorrência entre organismos de radiodifusão televisiva (27). É incompatível com estes objetivos estabelecidos pelo direito da União favorecer uma determinada categoria de organismos de radiodifusão televisiva no que diz respeito ao seu financiamento através da publicidade televisiva, sem um motivo objetivo, em relação a outros organismos de radiodifusão televisiva (28).

iii) Conclusão provisória

56.      Conforme ficou acima demonstrado, a análise de uma legislação como a italiana segundo o critério do princípio fundamental geral da igualdade de tratamento de direito da União varia em função do objetivo por ela prosseguido.

57.      Se estiver em causa a proteção dos consumidores contra publicidade televisiva em excesso, os distintos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva na televisão paga e na televisão privada de sinal aberto são compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento. Em contrapartida, se estiver em causa a preocupação de garantir receitas de publicidade mais elevadas para os organismos privados de radiodifusão televisiva e, assim, um melhor financiamento, o princípio da igualdade de tratamento proíbe que se prevejam limites máximos de transmissão de publicidade televisiva distintos na televisão paga e na televisão privada de sinal aberto.

58.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar qual dos dois possíveis objetivos legislativos prevalece no artigo 38.° do Decreto legislativo 177/2005 e retirar daí as necessárias conclusões, tendo em conta o princípio geral da igualdade de tratamento.

b)      As liberdades fundamentais do mercado interno europeu

59.      No âmbito desta primeira questão, o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio não só interroga o Tribunal de Justiça sobre o princípio da igualdade de tratamento de direito da União como sobre diversas liberdades fundamentais do mercado interno europeu, designadamente, a livre prestação de serviços (artigo 56.° TFUE), a liberdade de estabelecimento (artigo 49.° TFUE) e a livre circulação de capitais (artigo 63.°, n.° 1 TFUE). No entender do órgão jurisdicional de reenvio, a violação do princípio da liberdade de tratamento conduz «necessariamente» a uma limitação destas liberdades fundamentais e a uma distorção da concorrência.

60.      Em princípio, as disposições jurídicas do mercado interno referidas opõem‑se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (29). Contudo, essa limitação não existe se os efeitos de uma medida forem demasiado aleatórios e demasiado indiretos, por forma a porem em causa o exercício das referidas liberdades fundamentais (30).

61.      Em primeiro lugar, no que diz respeito à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais, só muito dificilmente se pode reconhecer a existência de uma ligação entre estas duas liberdades e os limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, tal como aplicáveis na Itália. É certo que, estes limites máximos de transmissão são mais baixos na Itália para a televisão paga do que para a televisão de sinal aberto. Contudo, os efeitos dessa diferença no tempo de transmissão de publicidade — pelo menos, segundo as informações de que dispõe o Tribunal de Justiça — parecem demasiado aleatórios e indiretos para poderem influenciar seriamente eventuais decisões de investimento de organismos de radiodifusão televisiva estrangeiros ou de investidores estrangeiros no mercado italiano da radiodifusão televisiva. Por conseguinte, não existe uma restrição à liberdade de estabelecimento ou à livre circulação de capital.

62.      Em contrapartida, uma regulamentação estatal do limite máximo de transmissão de publicidade televisiva, tal como a que vigora na Itália, pode constituir uma restrição à livre prestação de serviços, uma vez que limita a possibilidade de os organismos italianos de radiodifusão televisiva, em geral, e os organismos de radiodifusão televisiva paga, em particular, difundirem publicidade em proveito de anunciantes estabelecidos noutros Estados‑Membros (31).

63.      Segundo a jurisprudência (32), a restrição às liberdades fundamentais garantidas nos tratados só é admissível se prosseguir um objetivo legítimo, compatível com o Tratado, e se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Nesse caso, a restrição deve ainda ser adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não deve ultrapassar o que é necessário para o alcançar.

64.      A este respeito, devem ter‑se em conta as considerações acima tecidas em relação ao princípio geral da igualdade de tratamento. Assim, a eventual intenção do legislador de «garantir receitas de publicidade mais elevadas para os organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto», ou seja, uma consideração de natureza puramente económica, não pode, normalmente, ser considerada como objetivo legítimo adequado a justificar uma restrição da livre prestação de serviços no domínio da publicidade televisiva (33). Em contrapartida, a proteção dos consumidores que são os telespetadores contra a publicidade excessiva constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar restrições à livre prestação de serviços (34). A questão de saber qual destes objetivos é prosseguido por uma legislação como a italiana deve apenas ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

65.      Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir, tal como a AGCOM na decisão controvertida, que o artigo 38.° do Decreto legislativo 177/2005 se destina a proteger os consumidores que são os telespetadores contra a publicidade excessiva, terá de analisar se a restrição relativa ao limite máximo de transmissão de publicidade televisiva na televisão paga de 14% num período de 60 minutos, que estava em vigor em 2011, era adequado e necessário para alcançar este objetivo.

66.      Tomando por base as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe no presente processo, nada se opõe a que a restrição controvertida relativa ao limite máximo de transmissão de publicidade televisiva na televisão paga seja considerada proporcionada, atendendo ao objetivo da proteção dos consumidores. Em particular, o mero facto de os limites máximos de transmissão de publicidade televisiva serem diferentes na televisão paga e na televisão privada de sinal aberto não permite concluir que uma legislação como a italiana é incoerente. Com efeito, conforme acima exposto (35), a referida diferença baseia‑se em circunstâncias objetivas.

B —    Segunda questão prejudicial

67.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se diferentes limites máximos de transmissão de publicidade televisiva, tal como previstos no direito italiano, são compatíveis com a liberdade e a pluralidade dos meios de comunicação social, se distorcerem a concorrência e favorecerem a criação ou o reforço de uma posição dominante no mercado da publicidade.

1.      Admissibilidade

68.      A Comissão e a RTI expressam dúvidas sobre a admissibilidade desta questão. Considero estas dúvidas fundamentadas.

69.      Contrariamente ao que a RTI afirma, a segunda questão prejudicial não pode ser rejeitada com o fundamento de que diz apenas respeito ao direito nacional. Com efeito, a liberdade e a pluralidade dos meios de comunicação social também é um princípio de direito da União que esta atualmente consagrado no artigo 11.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais. Em princípio, pode ser submetida ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação deste princípio através de um processo de decisão prejudicial.

70.      Contudo, tal como salienta com razão a Comissão, cada pedido de decisão prejudicial deve conter uma quantidade mínima de informações relativas à situação de facto do processo principal para que os intervenientes no processo de decisão prejudicial possam apresentar observações úteis e fornecer ao Tribunal de Justiça uma resposta útil às questões prejudiciais (36). Tal é sobretudo importante quando a chave para a resolução do processo principal reside na apreciação das relações de concorrência entre empresas.

71.      No presente caso, o pedido de decisão prejudicial não contém informações suficientes sobre os mercados afetados e os circunstancialismos destes mercados que permitam ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil à segunda questão prejudicial.

72.      Por este motivo, o Tribunal de Justiça deve declarar que a segunda questão prejudicial é inadmissível.

2.      Apreciação quanto ao mérito

73.      A título subsidiário, permito‑me fazer as seguintes observações gerais em relação à segunda questão prejudicial.

74.      O princípio da liberdade e da pluralidade dos meios de comunicação social, tal como consagrado no artigo 11.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, tem importância primordial numa sociedade democrática (37). A Diretiva 2010/13 também prossegue o objetivo de evitar restrições ao pluralismo e à liberdade da informação televisiva (38).

75.      Tendo em conta a importância que a publicidade televisiva tem para o financiamento da atividade de radiodifusão televisiva, não se pode excluir à partida a existência de uma distorção da concorrência entre os organismos de radiodifusão televisiva, se alguns deles, devido às restrições especiais relativas aos limites de transmissão que lhes foram impostas, puderem fazer menos uso desta fonte de financiamento do que outros.

76.      No entanto, a questão de saber se distintos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva efetivamente conduzem a uma distorção da concorrência dessa natureza entre os diferentes tipos de organismos de radiodifusão televisiva depende de uma série de fatores, nomeadamente, do grau de dependência do respetivo organismo em relação à publicidade como fonte de financiamento e da existência de outras fontes a partir das quais o mesmo possa eventualmente financiar a sua programação televisiva.

77.      O facto de um organismo de radiodifusão televisiva deter uma posição particularmente forte na comercialização de tempos de transmissão de publicidade televisiva não significa por si só que outros organismos de radiodifusão televisiva não possam, em paralelo com o mesmo, concorrer de modo eficaz pelos telespetadores no que diz respeito aos seus respetivos programas televisivos.

78.      Além disso, nem todas as alterações das condições de concorrência entre os organismos de radiodifusão televisiva põem necessariamente em causa a liberdade e a pluralidade dos meios de comunicação social.

79.      Contudo, o artigo 11.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais é contrário a uma legislação nacional reguladora da atividade televisiva que seja suscetível de distorcer a concorrência entre os organismos de radiodifusão televisiva de uma forma considerável e, desse modo, criar o risco sério de lesar a liberdade e a pluralidade dos meios de comunicação social.

VI — Conclusão

80.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao pedido de decisão prejudicial submetido pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio:

«1)      Uma legislação nacional que, abaixo do limite máximo de transmissão de 20% num período de 60 minutos fixado para a publicidade televisiva no artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13/UE, preveja um tempo de transmissão mais curto para a televisão paga do que para a televisão privada de sinal aberto, é

—      incompatível com o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva em conjugação com o princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União e com o artigo 56.° TFUE, na medida em que prossiga o objetivo de garantir aos organismos de radiodifusão televisiva de sinal aberto receitas de publicidade mais elevadas, apesar de estes últimos não terem aparentemente uma desvantagem concorrencial,

—      compatível com o artigo 4.°, n.° 1, da diretiva em conjugação com o princípio geral da igualdade de tratamento de direito da União e com o artigo 56.° TFUE, na medida em que prossiga de uma forma proporcional o objetivo de proteger os consumidores que são os telespetadores contra a publicidade televisiva excessiva.

Compete ao órgão jurisdicional nacional analisar qual destes dois objetivos é prosseguido pela legislação nacional e, caso esta prossiga os dois objetivos, qual deles prevalece.

2)      Os artigos 49.° TFUE e 63.°, n.° 1, TFUE não se opõem a tal regulamentação.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (JO L 95, p. 1).


3 —      Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23). Esta diretiva foi substituída pela Diretiva 2010/13 com efeitos a partir de 5 de maio de 2010).


4 —      Decreto‑lei.


5 —      GURI n.° 208 de 7 de setembro de 2005, suplemento ordinário n.° 150.


6 —      A nova redação foi introduzida pelo artigo 12.° do Decreto legislativo n.° 44 de 15 de março de 2010 (GURI n.° 73 de 29 de março de 2010), também denominado «Decreto Romani».


7 —      Autoridade Reguladora das Comunicações.


8 —      A seguir «decisão controvertida».


9 —      Tribunal Administrativo Regional de Lazio.


10 —      A Sky Italia invoca ainda violações de direito nacional que no entanto são irrelevantes para a resposta ao presente pedido de decisão prejudicial.


11 —      A seguir «órgão jurisdicional de reenvio».


12 —      A seguir, para simplificar, passarei maioritariamente a mencionar apenas «distintos limites máximos de transmissão de publicidade televisiva».


13 —      Neste sentido, o considerando 10 da Diretiva 2010/13: «[...] impõe‑se respeitar os princípios básicos do mercado interno, como a livre concorrência e a igualdade de tratamento […]»; v. ainda, em particular, quanto às liberdades fundamentais, os acórdãos de 28 de outubro de 1999, ARD (C‑6/98, Colet., p. I‑7599, n.° 49) e de 17 de julho de 2008, Corporación Dermoestética (C‑500/06, Colet., p. I‑5785, n.° 31).


14 —      Considerando 41 da Diretiva 2010/13.


15 —      V., a este respeito, acórdãos de 12 de dezembro de 2002, Rodriguez Caballero (C‑442/00, Colet., p. I‑11915, n.os 31 e 32), de 11 de julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, Colet., p. I‑6467, n.° 56) e de 7 de setembro de 2006, Cordero Alonso (C‑81/05, Colet., p. I‑7569, n.os 35 e 41).


16 —      Acórdãos de 23 de outubro de 2003, RTL Television (C‑245/01, Colet., p. I‑12489, n.° 62), e de 24 de novembro de 2011, Comissão/Espanha (C‑281/09, Colet,. p. I‑11811, n.° 44), respetivamente proferidos relativamente ao artigo 18.°, n.° 1, da Diretiva 89/552 que atualmente corresponde ao artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13.


17 —      No mesmo sentido, acórdãos, proferidos em relação à Diretiva 89/552, de 9 de fevereiro de 1995, Leclerc‑Siplec (C‑412/93, Colet., p. I‑179, n.os 29 e 44), de 5 de março de 2009, UTECA (C‑222/07, Colet., p. I‑1407, n.° 19) e de 22 de setembro de 2011, Mesopotamia Broadcast (C‑244/10 e C‑245/10, Colet., p. I‑8777, n.° 17).


18 —      V., também, acórdão de 9 de junho de 2011, Eleftheri tileorasi e Giannikos (C‑52/10, Colet., p. I‑4973, n.° 35), proferido em relação à Diretiva 89/552.


19 —      Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão («Akzo Nobel», C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.° 54); v., também, acórdãos de 19 de outubro de 1977, Ruckdeschel e o. (117/76 e 16/77, Recueil, p. 1753, Colet., p. 619, n.° 7) e de 12 de setembro de 2006, Eman e Sevinger (C‑300/04, Colet., p. I‑8055, n.° 57).


20 —      Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, Colet., p. I‑403, n.° 95), de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. («Arcelor», C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 23) e Akzo Nobel (já referido na nota 19, n.° 55).


21 —      Acórdãos Arcelor (já referido na nota 20, n.° 25), de 17 de março de 2011, AJD Tuna (C‑221/09, Colet., p. I‑1655, n.° 93) e de 12 de maio de 2011, Luxemburgo/Parlamento e Conselho (C‑176/09, Colet., p. I‑3727, n.° 32).


22 —      Neste sentido, acórdãos Arcelor (já referido na nota 20, n.° 26) e Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referido na nota 21, n.° 32).


23 —      Neste sentido, acórdãos de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa (C‑411/05, Colet., p. I‑8531, n.os 56 e 57), de 5 de março de 2009, Age Concern England (C‑388/07, Colet., p. I‑1569, n.os 44 e 45) e de 12 de janeiro de 2010, Petersen (C‑341/08, Colet., p. I‑47, n.os 39 e 40).


24 —      Acórdãos RTL Television (já referido na nota 16, n.os 64 e 70) e de 18 de outubro de 2007, Österreichischer Rundfunk (C‑195/06, Colet., p. I‑8817, n.° 27).


25 —      Neste sentido — do domínio das liberdades fundamentais — acórdãos de 10 de maio de 1995, Alpine Investments (C‑384/93, Colet., p. I‑1141, n.os 27 e 51) e de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International (C‑42/07, Colet., p. I‑7633, n.° 58).


26 —      V. a este respeito, supra, n.os 40 e 41 destas conclusões.


27 —      Considerando 10 da Diretiva 2010/13.


28 —      A situação só poderia ser diferente se a medida legislativa não visasse, na realidade, um favorecimento dos organismos privados de radiodifusão televisiva de sinal aberto, mas a compensação de um eventual desfavorecimento destes organismos em relação a outros organismos de radiodifusão televisiva. Contudo, no presente caso, não existem indícios que apontem para essa situação.


29 —      V., entre outros, acórdãos de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon (C‑212/06, Colet., p. I‑1683, n.° 45) e de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, Colet., p. I‑3491, n.° 62).


30 —      Acórdão de 15 de junho de 2010, Comissão/Espanha (C‑211/08, Colet., p. I‑5267, n.° 72).


31 —      Acórdãos de 9 de julho de 1997, De Agostini e TV‑Shop (C‑34/95 a C‑36/95, Colet., p. I‑3843, n.° 50) e ARD (já referido na nota 13, n.° 49); num sentido semelhante, os acórdãos de 13 de julho de 2004, Bacardi France (C‑429/02, Colet., p. I‑6613, n.° 35) e Corporación Dermoestética (já referido na nota 13, n.° 33), a respeito da proibição de determinados tipos de publicidade televisiva.


32 —      V., entre outros, acórdão de 18 de dezembro de 2007, Laval un Partneri (C‑341/05, Colet., p. I‑11767, n.° 101); v. também o acórdão Comissão/Itália (já referido na nota 29, n.° 72).


33 —      V. supra, n.os 51 e 52 destas conclusões.


34 —      Acórdão ARD (já referido na nota 13, n.° 50); v., também, acórdãos De Agostini e TV Shop (já referido na nota 31, n.° 53) e Mesopotamia Broadcast (já referido na nota 17, n.os 48 e 49).


35 —      V. a este respeito, supra, em particular, n.os 40 e 41 destas conclusões.


36 —      Acórdãos de 26 de janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o. (C‑320/90 a C‑322/90, Colet., p. I‑393, n.os 6 e 7), de 17 de fevereiro de 2005, Viacom Outdoor (C‑134/03, Colet., p. I‑1167, n.os 22 e 25 a 32) e de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7 (C‑380/05, Colet., p. I‑349, n.os 57 e 58).


37 —      Neste sentido, v., também, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich (C‑283/11, n.° 52).


38 —      Considerando 8 da Diretiva 2010/13.