Language of document : ECLI:EU:T:2008:235

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção alargada)

1 de Julho de 2008 (*)

«Auxílios de Estado – Medidas adoptadas pelas autoridades alemãs a favor da Deutsche Post AG – Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação – Serviço de interesse económico geral – Compensação de custos líquidos adicionais originados por uma política de venda com prejuízo no sector do transporte de encomendas porta‑a‑porta – Inexistência de vantagem»

No processo T‑266/02,

Deutsche Post AG, com sede em Bona (Alemanha), representada por J. Sedemund e T. Lübbig, advogados,

recorrente,

apoiada por

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e M. Lumma, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e J. Flett, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Bundesverband Internationaler Express‑ und Kurierdienste eV (BIEK), com sede em Frankfurt‑am‑Main (Alemanha), representada por F. Mitzkus, T. Wambach e R. Wojtek, advogados,

e por

UPS Europe NV/SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada inicialmente por T. Ottervanger e A. Bijleveld, e em seguida por T. Ottervanger, advogados,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2002/753/CE da Comissão, de 19 de Junho de 2002, relativa a medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG (JO L 247, p. 27),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção alargada),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e J. Azizi, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Junho de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico alemão

1        Importa referir as principais disposições das cinco medidas legislativas ou regulamentares alemãs relativas ao transporte postal adoptadas entre 1989 e 1998 que são relevantes no âmbito do presente processo.

2        Em primeiro lugar, foi adoptada, em 8 de Junho de 1989, a Postverfassungsgesetz (Lei relativa à organização dos serviços postais) (BGBl. 1989 I, p. 1026, a seguir «PostVerfG»). Nos termos do § 1, n.° 2, da PostVerfG, a administração postal alemã, a Deutsche Bundespost, foi cindida em três entidades jurídicas distintas (Teilsondervermögen), a saber, a Deutsche Bundespost Postdienst (a seguir «DB‑Postdienst»), a Deutsche Bundespost Telekom (a seguir «DB‑Telekom») e a Deutsche Bundespost Postbank. Nos termos do § 65, n.° 2, da PostVerfG, as referidas entidades estavam obrigadas a manter os serviços que eram oferecidos pela Deutsche Bundespost. Por essa razão, enquanto a DB‑Telekom sucedeu à Deutsche Bundespost nas suas actividades de telecomunicações, a DB‑Postdienst assumiu as actividades da Deutsche Bundespost no sector postal.

3        Por outro lado, nos termos do § 37, n.° 3, da PostVerfG, deveria ser realizada uma compensação financeira entre as três entidades jurídicas nascidas da cisão da Deutsche Bundespost, caso uma delas não pudesse financiar as suas despesas a partir das suas próprias receitas. Além disso, nos termos do § 63, n.° 1, da PostVerfG, a Deutsche Bundespost continuava a estar obrigada, apesar da sua cisão, a efectuar, até 1995, pagamentos remuneratórios ao Estado correspondentes a uma percentagem dos seus rendimentos de exploração.

4        Por último, no que respeita mais especificamente à obrigação de serviço público que incumbia à DB‑Postdienst, o § 25, n.° 2, da PostVerfG previa, no essencial, que o Governo alemão estava habilitado a determinar por via de regulamento «as infra‑estruturas que as empresas [deviam] fornecer (prestações obrigatórias) no interesse público particular, designadamente a fim de assegurar o serviço público», bem como a «fixar as estruturas essenciais das prestações obrigatórias e as regras de tarifação».

5        Em segundo lugar, foi adoptada, em 8 de Julho de 1989, a Gesetz über das Postwesen (Lei relativa aos serviços postais ) (BGBl. 1989 I, p. 1449). Nos termos do § 2, n.° 1, da Gesetz über das Postwesen, a DB‑Postdienst beneficiava de monopólio no sector do transporte de correio.

6        Em terceiro lugar, foi adoptado, em 12 de Janeiro de 1994, o Postdienst‑Pflichtleistungsverordnung (Regulamento sobre as prestações obrigatórias) (BGBl. 1994 I, p. 86, a seguir «PPfLV»). Nos termos do § 1, n.° 1, do PPfLV, a DB‑Postdienst devia fornecer as suas «prestações obrigatórias» na totalidade do território, em conformidade com o princípio da tarifa única para todo o território nacional. No que respeita mais especificamente ao encaminhamento de encomendas, o § 2, n.° 1, do PPfLV previa que a DB‑Postdienst devia assegurar a recolha, o transporte e a entrega de encomendas com um peso máximo de 20 kg e que obedecessem a determinadas dimensões máximas em todo o território. Por outro lado, o § 2, n.° 2, ponto 3, do PPfLV autorizava a DB‑Postdienst a fixar uma tarifa inferior à tarifa única no caso de ser o próprio cliente a executar operações de triagem de encomendas ou caso o mesmo depositasse uma quantidade mínima de encomendas.

7        Em quarto lugar, em 14 de Setembro de 1994, foi adoptada a Postumwandlungsgesetz (Lei relativa à reorganização dos serviços postais) (BGBl. 1994 I, p. 2339). Nos termos dos §§ 1 e 2 da Postumwandlungsgesetz, as três entidades jurídicas acima referidas no n.° 2 foram transformadas em sociedades anónimas, a partir de 1 de Janeiro de 1995, e as suas actividades retomadas, respectivamente, pela Deutsche Post AG (a seguir «DPAG» ou «recorrente»), Deutsche Telekom AG e Deutsche Postbank AG.

8        Em quinto lugar, foi adoptada, em 22 de Dezembro de 1997, a Postgesetz (Lei dos serviços postais) (BGBl. 1997 I, p. 3294), que previa, no seu § 4, n.° 1, que o encaminhamento de encomendas de peso inferior a 20 kg constituía um serviço universal.

 Factos na origem do litígio

9        Para além do sector do transporte de correio, no qual goza de monopólio (a seguir «sector reservado»), a DPAG opera igualmente em dois outros sectores postais, a saber, por um lado, o do transporte de encomendas e, por outro, o do transporte de publicações periódicas e jornais, ambos abertos à concorrência (a seguir «sectores abertos à concorrência»).

10      No sector do transporte de encomendas, a DPAG assegura, por um lado, serviços de transporte de encomendas depositadas directamente nos balcões das estações de correios e, por outro, serviços de transporte de maiores quantidades de encomendas que não são directamente processadas nos balcões das estações de correios (a seguir «sector de encomendas porta‑a‑porta»).

11      Relativamente ao sector de encomendas porta‑a‑porta, que é objecto do presente processo, a DPAG assegura dois serviços principais, a saber, por um lado, o transporte de encomendas porta‑a‑porta destinado à clientela profissional que procede à triagem a montante ou deposita uma quantidade mínima de encomendas (a seguir «segmento da clientela profissional») e, por outro, o transporte de encomendas por conta de empresas de venda por correspondência que expedem mercadorias encomendadas por catálogo ou por via electrónica (a seguir «segmento da VPC»).

12      O segmento da clientela profissional distingue‑se do segmento da VPC, nomeadamente em função das operações logísticas de recolha, de processamento no centro de depósito e de entrega que requerem e dos custos que originam.

13      Em 7 de Julho de 1994, a empresa privada de distribuição de encomendas UPS Europe NV/SA (a seguir «UPS») apresentou uma queixa à Comissão contra a DB‑Postdienst baseada tanto no artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) como no artigo 92.° do Tratado CE (actual artigo 87.° CE). Esta queixa foi seguida de outra apresentada pela associação de prestadores privados de serviços postais e de correio expresso, a Bundesverband Internationaler Express‑ und Kurierdienste eV (a seguir «BIEK»). No essencial, a UPS e a BIEK acusam a DB‑Postdienst, por um lado, de seguir uma política de venda com prejuízo no sector de encomendas porta‑a‑porta que constitui um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 82.° CE, e, por outro, de cobrir os seus prejuízos no referido sector através das receitas geradas no sector reservado ou de recursos públicos que lhe foram concedidos em violação do artigo 87.° CE.

14      Por carta de 17 de Agosto de 1999, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 23 de Outubro de 1999 (JO C 306, p. 25), a Comissão informou a República Federal da Alemanha da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (a seguir «decisão de dar início ao procedimento»). Em 7 de Julho de 2000, a Comissão adoptou a decisão de dar início ao procedimento nos termos do artigo 82.° CE.

15      Em 20 de Março de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2001/354/CE relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP/35.141 – Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27). Na referida decisão, a Comissão concluiu, no essencial, que a DPAG violou o artigo 82.° CE na medida em que abusou da sua posição dominante apenas no segmento da VPC, em primeiro lugar, ao sujeitar, de 1974 a 2000, a concessão de descontos de fidelidade aos seus clientes à condição de se comprometerem a mandar processar pelos seus serviços toda ou a maior parte das suas encomendas ou dos seus catálogos de determinado peso e, em segundo lugar, ao praticar, de 1990 a 1995, uma política de venda com prejuízo propondo preços inferiores aos seus custos específicos. Tendo em conta a prática dos descontos de fidelidade, a Comissão aplicou, no essencial, uma coima de 24 milhões de euros à DPAG. Quanto à prática da venda com prejuízo, a Comissão não aplicou qualquer coima à DPAG, na medida em que considerou, essencialmente, que o critério a que recorreu para demonstrar a existência da referida venda com prejuízo não tinha sido previamente utilizado.

16      Em 19 de Junho de 2002, a Comissão adoptou a Decisão 2002/753/CE relativa a medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG (JO L 247, p. 27, a seguir «decisão impugnada»). A decisão impugnada envolve uma argumentação que se divide em quatro momentos.

17      Num primeiro momento, a Comissão indica, no considerando 2 da decisão impugnada, que, «[n]o quadro da sua decisão de dar início ao procedimento, a Comissão partiu do pressuposto de que os pagamentos compensatórios estatais recebidos pela DB‑Postdienst e pela DPAG, a título da prestação de serviços de interesse público, teriam possivelmente excedido os custos líquidos adicionais incorridos pela DB‑Postdienst e pela DPAG para a execução destes serviços» e que a Comissão «anunciou em concreto que iria investigar as […] medidas de auxílio presumidas», que enumera nos considerandos 3 a 7 da decisão impugnada. Estas medidas consistem, em primeiro lugar, no financiamento da aquisição da Deutsche Postbank em 1998, em segundo, no financiamento da Post‑Unterstützungskasse (fundo de pensões para os funcionários dos correios), em terceiro, na eventual concessão de cauções estatais para cobrir os compromissos da Deutsche Bundespost, em quarto, nas circunstâncias em que se processou a conversão da DB‑Postdienst numa sociedade anónima e, em quinto, no apoio financeiro ou administrativo do Estado à recorrente.

18      Após descrever, nos considerandos 12 a 15 da decisão impugnada, a natureza de cada uma das quatro primeiras medidas acima mencionadas, a Comissão indica, nos considerandos 16 a 20 da referida decisão, relativos à quinta medida, que a recorrente a informou de que tinha recebido, em conformidade com o § 37, n.° 3, da PostVerfG, transferências efectuadas pela DB‑Telekom a fim de compensar os seus prejuízos sofridos de 1990 a 1995 (a seguir «transferências efectuadas pela DB‑Telekom»). A este respeito, a Comissão salienta em especial, no considerando 20 da decisão impugnada, que, como a República Federal da Alemanha confirmou nas suas observações complementares de 25 de Abril de 2000 e de 31 de Janeiro de 2002, a DB‑Telekom e/ou Deutsche Telekom pagaram, no total, 11 081 milhões de marcos alemães (DEM) à DB‑Postdienst e/ou à DPAG a título da compensação entre 1990 e 1995, que as autoridades alemãs não negam que esta compensação financeira entre duas empresas diferentes se deva ao Estado, uma vez que estava prevista no § 37, n.° 3, da PostVerfG, e que o Governo alemão afirma, contudo, que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom eram indispensáveis para o cumprimento das suas missões de serviço de interesse económico geral (a seguir «SIEG») em condições financeiras equilibradas.

19      Após expor, nos considerandos 21 a 39 da decisão impugnada, o montante dos custos de infra‑estruturas imputáveis aos serviços de encomendas porta‑a‑porta, a Comissão indica em especial, nos considerandos 40 a 45 da decisão impugnada, que a República Federal da Alemanha lhe forneceu informações relativas, por um lado, à importância da missão de SIEG da DPAG no sector do transporte de encomendas e, por outro, aos custos líquidos adicionais de SIEG ligados a quinze encargos herdados do passado que a recorrente teve de suportar enquanto antiga empresa pública. Por último, a Comissão, nos considerandos 46 a 63 da decisão impugnada, refere observações que recebeu no âmbito do procedimento administrativo de terceiros interessados e, em especial, da BIEK e da UPS, nos termos das quais, no essencial, a DPAG registava prejuízos no sector de encomendas porta‑a‑porta que não estão relacionados com o cumprimento de um SIEG, mas resultam de uma política de venda com prejuízo, os quais cobre através de recursos públicos.

20      Num segundo momento, a Comissão indica, nos considerandos 66 a 69 e na nota de pé de página n.° 107 da decisão impugnada, que a República Federal da Alemanha a informou, a seu pedido, de que a DPAG registou, no período de 1990 a 1998, por um lado, lucros no sector reservado e, por outro, prejuízos nos sectores abertos à concorrência, pelo que registou um défice total, incluídos todos os sectores de actividade, de 2 289 milhões de DEM durante esse período.

21      A este respeito, a Comissão refere, efectivamente, no considerando 68 da decisão impugnada, que, «[e]m resposta à pergunta da Comissão, de 10 de Março de 2000, relativa a eventuais lucros da DPAG no período entre 1990 e 1998 [na área] dos [sectores abertos à concorrência], o Governo alemão indicou, por carta de 24 de Março de 2000, p. 10, que a DPAG teve em 1998 um saldo positivo de [confidencial] (1) milhões de marcos no sector dos serviços prestados em livre concorrência com outras empresas». Continua acrescentando que, «[p]or outro lado, as autoridades alemãs divulgaram números que documentam, para o sector global [do transporte de encomendas], entre 1990 e 1998, inclusive, um défice no valor de [confidencial] milhões de marcos alemães e, para o sector da distribuição de jornais e revistas, um défice no valor de [confidencial] milhões de marcos alemães». A Comissão conclui daí que tal «representa um défice total de [confidencial] milhões de marcos alemães para ambos os sectores» e que «as receitas geradas pelos sectores abertos à concorrência foram insuficientes para cobrir o défice verificado no sector [do transporte de encomendas]».

22      Em seguida, na nota de pé de página n.° 107 da decisão impugnada, a Comissão indica que, «[d]e acordo com os dados apresentados pela Alemanha por carta de 2 de Junho de 2000 (versão corrigida de 12/1/2000), entre 1990 e 1998, o sector reservado registou lucros no valor total [confidencial] milhões de marcos alemães», que, «em período homólogo, o[s] sector[es] aberto[s] à concorrência regist[aram] receitas no valor de [confidencial] milhões de marcos alemães» e que tal implica necessariamente que «pelo menos uma parte, ou seja [2 289] milhões de marcos alemães, do défice total anteriormente referido de [confidencial] milhões, não podia ser compensado nem por receitas obtidas no sector [reservado] nem por receitas provenientes dos [sectores abertos à concorrência]».

23      Num terceiro momento, a Comissão indica, no considerando 72 da decisão impugnada, que, tendo em conta os prejuízos da DPAG no valor de [confidencial] milhões de DEM registados apenas no sector do transporte de encomendas durante o período de 1990 a 1998, há que analisar se «os custos líquidos adicionais compensados pelo Estado estão directamente associados ao mandato da DPAG estritamente definido por lei» e que, «[s]e os recursos financeiros injectados pelo Estado também serviram para cobrir custos líquidos adicionais do sector [do transporte de encomendas] que não estavam directamente relacionados com a prestação de obrigações de serviço público, a DPAG foi favorecida na acepção do [artigo 87.°, n.° 1, CE]».

24      A este respeito, a Comissão observa desde logo, nos considerandos 75 a 79 da decisão impugnada, que a DPAG tinha, a partir de 1 de Fevereiro de 1994, por força do § 2, n.° 2, ponto 3, do PPfLV, a possibilidade, mas não a obrigação, de conceder descontos aos seus clientes no sector de encomendas porta‑a‑porta que se traduziam em tarifas inferiores à tarifa única fixada pelo § 1, n.° 1, do PPfLV para o sector do transporte de encomendas.

25      Seguidamente, no considerando 88 da decisão impugnada, a Comissão indica que, tendo em conta os encargos da DPAG ligados ao sector de encomendas porta‑a‑porta e as tarifas inferiores à tarifa única que oferecia (considerandos 21 a 39 e quadro constante do considerando 88 da decisão impugnada), as receitas obtidas no sector de encomendas porta‑a‑porta foram sempre insuficientes, de 1994 a 1999, para cobrir os custos resultantes da exploração deste único sector. Esclarece que esta situação de insuficiência de cobertura dos custos da DPAG cessou em 1999.

26      Por último, a Comissão, nos considerandos 82 e 86 da decisão impugnada, refere que não existe qualquer nexo de causalidade entre os referidos custos adicionais originados pela referida política de venda com prejuízo e a missão de SIEG da DPAG por três motivos. Em primeiro lugar, em seu entender, a DPAG não tinha qualquer obrigação legal de oferecer aos clientes do sector de encomendas porta‑a‑porta serviços a tarifas inferiores à tarifa única legal. Em segundo lugar, considera que a política tarifária da DPAG que consistia em oferecer serviços a tarifas inferiores à tarifa única era exclusivamente devida aos esforços desenvolvidos pela DPAG para manter ou conquistar quotas de mercado no sector de encomendas porta‑a‑porta aberto à concorrência. Em terceiro lugar, observa que a prática de preços inferiores à tarifa única ocasiona custos adicionais claramente identificáveis, que não são imputáveis às suas obrigações de SIEG.

27      A Comissão refere assim, no considerando 88 da decisão impugnada, que a recorrente registou, de 1994 a 1999, custos líquidos adicionais no montante total de 1 118,7 milhões de DEM resultantes da sua política de venda com prejuízo.

28      Num quarto momento, a Comissão refere, no considerando 87 da decisão impugnada, que «uma política [de venda com prejuízo] é inconciliável a médio prazo com o interesse económico das empresas» e que «[n]enhuma empresa sujeita às leis do mercado manteria [o sector] de encomendas porta‑a‑porta nessas condições, dado que uma tal política de [venda com prejuízo] acumula défices anuais que conduzem, a médio prazo e na ausência da correspondente compensação financeira, ao sobreendividamento». A Comissão conclui daqui, no considerando 107 da decisão impugnada, que, «[n]a medida em que a compensação estatal a título de custos líquidos adicionais resultantes da adopção de uma política de [venda com prejuízo] se traduz na redução dos custos associados normalmente à prestação de serviços [no sector] de encomendas porta‑a‑porta abertos à concorrência, tal constitui uma vantagem na acepção do [artigo 87.°, n.° 1, CE]», que «[a] concessão de recursos estatais para compensar esta parte dos custos não cobertos […] constitui para a DPAG uma vantagem concorrencial» e que «[e]sta vantagem e o auxílio incompatível com o mercado comum [se] elevam […] a 1 118,7 milhões de DEM».

29      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

O auxílio estatal concedido pela [República Federal da Alemanha] a favor da Deutsche Post AG, no montante de 572 milhões de euros (1 118,7 milhões de marcos alemães), é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.°

1. A República Federal da Alemanha deverá tomar as medidas necessárias para pôr termo ao auxílio e para recuperar junto [da DPAG] o auxílio referido no artigo 1.°, que lhe foi ilegalmente concedido.

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

30      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Setembro de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

31      Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 e 19 de Dezembro de 2002, a BIEK e a UPS requereram, respectivamente, que fosse admitida a sua intervenção em apoio da Comissão.

32      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Maio de 2003, a República Federal da Alemanha requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio da recorrente.

33      Por cartas enviadas à Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Março, 14 de Abril e 26 de Setembro de 2003, bem como em 26 de Fevereiro de 2004, a recorrente pediu que certos elementos das peças processuais não fossem comunicados à BIEK e à UPS, de harmonia com o disposto no artigo 116.°, n.° 2, segundo período, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

34      Por despacho de 2 de Junho de 2003, o presidente da Quarta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu os pedidos de intervenção da BIEK e da UPS e reservou para final a decisão sobre a procedência do pedido de tratamento confidencial.

35      Por despacho de 5 de Junho de 2003, o presidente da Quarta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu o pedido de intervenção da República Federal da Alemanha. Dado que o referido pedido foi apresentado após o termo do prazo de seis semanas referido no artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, os direitos da República Federal da Alemanha são os previstos no artigo 116.°, n.° 6, do mesmo regulamento.

36      Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho e 17 de Novembro de 2003, bem como em 23 de Abril de 2004, a BIEK formulou objecções quanto ao tratamento confidencial de determinados elementos das peças processuais que lhe foram comunicadas.

37      Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Novembro de 2003 e em 23 de Abril de 2004, a UPS formulou objecções quanto ao tratamento confidencial de determinados elementos das peças processuais que lhe foram comunicadas.

38      Por carta enviada ao Tribunal de Primeira Instância em 5 de Janeiro de 2004, a recorrente apresentou as suas observações quanto às objecções relativas ao tratamento confidencial de determinados elementos do processo suscitadas pelas intervenientes BIEK e UPS.

39      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância, o juiz‑relator foi afectado à Terceira Secção alargada, à qual, consequentemente, foi remetido o presente processo.

40      Por despacho de 13 de Janeiro de 2005, o presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu o pedido de tratamento confidencial de determinados dados quantificados e de determinados documentos em relação à BIEK e à UPS e indeferiu o pedido de tratamento confidencial quanto ao restante.

41      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou, por cartas de 15 de Março de 2007, a recorrente, a Comissão e a República Federal da Alemanha a apresentar determinados documentos e a responder a questões por escrito. As partes deram cumprimento a estes pedidos nos prazos fixados.

42      Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Abril e 3 de Maio de 2007, a recorrente requereu que determinados dados quantificados e documentos apresentados por si própria, pela Comissão e pela República Federal da Alemanha no âmbito das medidas de organização do processo não fossem comunicados à BIEK e à UPS, ao abrigo do artigo 116.°, n.° 2, segundo período, do Regulamento de Processo.

43      Por correspondência de 24 de Maio de 2007, a BIEK formulou objecções dentro do prazo fixado quanto ao pedido de tratamento confidencial da recorrente relativo à resposta da Comissão e à da República Federal da Alemanha.

44      Por despacho de 11 de Junho de 2007, o presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu o pedido de tratamento confidencial de determinados dados quantificados e de determinados documentos em relação à BIEK e à UPS e indeferiu o pedido de tratamento confidencial quanto ao restante.

45      Na audiência, que teve lugar em 13 de Junho de 2007, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal.

46      A fase oral do processo foi encerrada com a audiência de 13 de Junho de 2007. Nos termos do artigo 32.° do Regulamento de Processo, encontrando‑se um membro da Secção impedido de tomar parte na deliberação, o juiz menos antigo na acepção do artigo 6.° do Regulamento de Processo não participou, por conseguinte, nas deliberações do Tribunal e estas foram prosseguidas pelos três juízes cujas assinaturas constam do presente acórdão.

47      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

48      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

49      A BIEK e a UPS concluem pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

 Quanto aos fundamentos de anulação

50      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca nove fundamentos que podem ser agrupados.

51      No âmbito do primeiro grupo de fundamentos, a recorrente acusa a Comissão, no essencial, de ter violado o artigo 87.°, n.° 1, CE e o artigo 86.°, n.° 2, CE, na medida em que não demonstrou que a DPAG beneficiou de uma vantagem. Em primeiro lugar, a recorrente afirma que três dos recursos públicos mencionados na decisão impugnada não lhe conferiram qualquer vantagem. Em segundo lugar, afirma que a Comissão não cumpriu o dever que lhe incumbe de analisar se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante total dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da sua missão de SIEG. Em terceiro lugar, alega que a Comissão considerou erradamente que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe conferiram uma vantagem que lhe permitia cobrir os pretensos custos líquidos adicionais ligados à sua política de venda com prejuízo.

52      No âmbito do segundo grupo de fundamentos, a Comissão é acusada de ter cometido diversos erros manifestos de apreciação. Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter utilizado um método de cálculo incorrecto dos seus custos imputáveis ao sector de encomendas porta‑a‑porta e de ter assim indevidamente concluído que a recorrente levou a cabo uma política de venda com prejuízo. Em segundo lugar, afirma que a Comissão considerou incorrectamente que a sua política tarifária no sector de encomendas porta‑a‑porta que consistia em oferecer preços inferiores à tarifa única prevista por lei está na origem dos prejuízos que registou no sector do transporte de encomendas e que a referida prática não está ligada ao cumprimento de um SIEG. Em terceiro lugar, acusa a Comissão de ter considerado que a recorrente não dispunha de recursos próprios que lhe permitissem financiar a sua alegada política de venda com prejuízo.

53      No âmbito do terceiro grupo de fundamentos, a recorrente acusa a Comissão, em primeiro lugar, de ter ignorado o conceito de imputabilidade dos recursos ao Estado, em segundo lugar, de ter violado o seu dever de fundamentação ao não esclarecer através de que recursos públicos a recorrente teria beneficiado de uma vantagem, em terceiro lugar, de ter exorbitado dos seus poderes ao analisar a eficácia do serviço da recorrente no sector de encomendas porta‑a‑porta, em quarto lugar, de ter violado o princípio do investidor privado e, em quinto lugar, de ter ignorado o seu direito a ser ouvida.

 Quanto ao primeiro grupo de fundamentos de anulação, relativo à vantagem recebida pela DPAG

 Argumentos das partes

54      Em primeiro lugar, a recorrente afirma, na petição, que os recursos orçamentais utilizados para financiar a Post‑Unterstützungskasse, as garantias dadas pela Deutsche Bundespost e as medidas de transformação da DB‑Postdienst em sociedade anónima, referidas na decisão impugnada, não lhe conferiram qualquer vantagem. A este respeito, a recorrente indica, na réplica e na resposta às questões do Tribunal na audiência, ter tomado nota da afirmação da Comissão de que esta última considerou, no âmbito da decisão impugnada, que apenas as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe tinham conferido uma vantagem.

55      Em segundo lugar, no que respeita às transferências efectuadas pela DB‑Telekom, a recorrente começa por afirmar que, ao não calcular o montante dos custos líquidos adicionais da DPAG ligados ao cumprimento da missão de SIEG, a Comissão violou o artigo 87.°, n.° 1, CE e o artigo 86.°, n.° 2, CE, bem como a jurisprudência que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2001, Ferring (C‑53/00, Colect., p. I‑9067, n.° 33), e dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão (T‑106/95, Colect., p. II‑229, n.° 101), de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão (T‑67/94, Colect., p. II‑1, n.° 52), e de 10 de Maio de 2000, SIC/Comissão (T‑46/97, Colect., p. II‑2125, n.° 84), nos termos dos quais a Comissão só pode concluir com razão pela existência de um auxílio de Estado desde que tenha previamente verificado que o montante dos recursos públicos pagos a uma empresa encarregada do cumprimento de um SIEG excede o montante dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento desse SIEG. A este respeito, a recorrente, com o apoio da República Federal da Alemanha, afirma que, se a Comissão tivesse no presente caso procedido a essa análise, teria verificado que, como resulta da informação fornecida à Comissão a seu pedido, o montante total dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da sua missão de SIEG excedia largamente o montante dos recursos públicos que a DPAG recebeu.

56      Desde logo, a recorrente alega que, ao invés do que a Comissão afirma, no quadro da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE e do artigo 86.°, n.° 2, CE, esta última não dispõe de qualquer margem de apreciação para demonstrar a existência de um auxílio de Estado, ao contrário do amplo poder de apreciação de que dispõe no quadro da aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE relativo à apreciação da compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum.

57      Além disso, a recorrente afirma que a BIEK e a UPS alegam sem razão que as condições estabelecidas pelo acórdão Ferring, referido no n.° 55 supra, e pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747, a seguir «acórdão Altmark»), não estão preenchidas no presente caso uma vez que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom não lhe conferiram qualquer vantagem, na medida em que, desde antes de 1995, a recorrente tinha restituído na íntegra ao Estado esses montantes ao efectuar pagamentos remuneratórios no montante de 11 481 milhões de DEM de que a Deutsche Bundespost era devedora ao Estado nos termos do § 63, n.° 1, da PostVerfG (a seguir «pagamentos remuneratórios»).

58      A seguir, a recorrente observa que, por um lado, ao não identificar, na decisão impugnada, o montante dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da sua missão de SIEG, que lhe tinha, contudo, sido comunicado, e, por outro, ao não proceder a um cálculo que lhe permitisse apurar se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia ou não o montante total dos referidos custos adicionais, a Comissão não deu ao Tribunal oportunidade de fiscalizar a legalidade da decisão impugnada. A este respeito, a recorrente afirma que a Comissão não dá qualquer explicação válida que justifique não ter podido verificar a existência dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da missão de SIEG apesar de dispor de todas as informações necessárias para esse efeito, que lhe foram fornecidas pela República Federal da Alemanha.

59      Por último, a recorrente alega a violação do princípio da segurança jurídica resultante do facto de, ao não proceder ao cálculo com vista a apurar se o montante dos recursos públicos que lhe foram concedidos excedia o montante dos seus custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da missão de SIEG, a Comissão se ter afastado da sua própria prática decisória.

60      Em terceiro lugar, a recorrente, com o apoio da República Federal da Alemanha, alega que, mesmo partindo do princípio de que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe tenham conferido uma vantagem, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as referidas transferências lhe tinham necessariamente permitido cobrir os alegados custos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo de 1995 a 1999. A este respeito, afirma que, uma vez que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom serviram na íntegra para compensar os prejuízos que sofreu entre 1990 e 1995, é «matematicamente» impossível que tenha podido compensar os alegados custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999 através das referidas transferências.

61      Em primeiro lugar, a Comissão responde que, na medida em que considerou, no âmbito da decisão impugnada, que apenas eram relevantes as transferências efectuadas pela DB‑Telekom, o argumento da recorrente de que os restantes recursos públicos mencionados na decisão impugnada não lhe tinham conferido qualquer vantagem é incompreensível.

62      Em segundo lugar, a Comissão afirma, no essencial, que não era obrigada a proceder ao cálculo destinado a apurar se o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia ou não o montante do conjunto dos custos adicionais ligados ao cumprimento da missão de SIEG da DPAG. Começou por considerar que, embora esse cálculo seja adequado para determinar se uma empresa incumbida de um SIEG beneficiou de uma sobrecompensação, por um lado, seria inadequado no presente processo, tendo em conta as queixas relativas a distorção da concorrência apresentadas pela BIEK e pela UPS e as suspeitas que a Comissão podia ter, com base nas referidas queixas, de que a DPAG poderia sobreavaliar os custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento da sua missão de SIEG. Por outro, considera que esse cálculo não lhe permitiria determinar nem se existia um nexo de causalidade entre o cumprimento de um SIEG e os custos líquidos adicionais originados pela política de venda com prejuízo da DPAG nem se o Estado tinha exonerado a recorrente do encargo desses custos adicionais provocando com isso uma distorção da concorrência.

63      A este respeito, a Comissão observa que, no âmbito da decisão impugnada, apenas era relevante a questão de saber se a recorrente tinha coberto os custos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo no sector específico de encomendas porta‑a‑porta através dos seus recursos próprios ou se tinha tido de se socorrer de recursos públicos. Ora, segundo a Comissão, uma vez que a recorrente não contestou ter compensado a totalidade dos défices registados no sector do transporte de encomendas entre 1994 e 1998 através de recursos públicos e que a Comissão demonstrou que a recorrente não dispunha de recursos próprios suficientes para cobrir os custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo, está demonstrado que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom serviram para compensar os referidos custos líquidos adicionais que a DPAG registou de 1994 a 1999 e que não têm qualquer relação com o cumprimento de um SIEG.

64      Em seguida, a Comissão afirma que, como no quadro da aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE e do artigo 86.°, n.° 2, CE, dispõe, no quadro da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, de um amplo poder de apreciação para verificar a existência de um auxílio de Estado quando está perante factos económicos complexos. Nestas condições, compete apenas ao órgão jurisdicional comunitário verificar se a decisão impugnada está viciada por um dos motivos de anulação previstos no artigo 230.° CE sem que possa sobrepor a sua apreciação à do autor da decisão. Ora, no presente processo, a recorrente limita‑se a afirmar que existe outro método para apreciar os factos sem contudo apresentar prova de que a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de apreciação.

65      Depois, a Comissão, com o apoio da BIEK e da UPS, observa que o cálculo destinado a apurar se o montante total de recursos públicos excede o montante total de custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG pressupõe designadamente uma utilização dos recursos de Estado conforme com a sua afectação. Ora, nenhuma das condições colocadas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Ferring, referido no n.° 55 supra, e Altmark, referido no n.° 57 supra, está preenchida no presente caso. Acresce que resulta do acórdão FFSA e o./Comissão, referido no n.° 55 supra (n.os 185 a 189), que o Tribunal de Primeira Instância considerou que esse cálculo não era obrigatório, mas podia eventualmente ser suficiente.

66      Por último, em resposta ao argumento da recorrente de que a Comissão se afastou da sua própria prática decisória, esta considera que o método que utilizou está em conformidade com a sua Comunicação 2001/C 320/04 relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão (JO 2001, C 320, p. 5, n.° 58) e com o n.° 80 do seu «non paper» de 12 de Novembro de 2002 relativo aos serviços de interesse económico geral e aos auxílios estatais, nos termos dos quais a Comissão se reservou a possibilidade de analisar o nexo de causalidade existente entre o cumprimento de um SIEG e certas distorções de concorrência desde que a política tarifária de um prestador que beneficie de recursos públicos num mercado aberto à concorrência ameace falsear a concorrência.

67      Em terceiro lugar, a Comissão contesta o argumento da recorrente segundo o qual não demonstrou que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom eram suficientes, tendo em conta os prejuízos que sofreu de 1990 a 1995, para financiar a sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999. Com efeito, a Comissão, com o apoio da BIEK e da UPS, alega que, para além de ser impossível, do ponto de vista contabilístico, determinar através de que recursos foi coberto um encargo, os pagamentos remuneratórios que a recorrente teve de efectuar não constituíam custos líquidos adicionais de SIEG. Considera igualmente que, na medida em que a recorrente não fez prova de que tinha coberto os alegados custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo através dos seus recursos próprios, a Comissão podia com razão presumir que os referidos custos adicionais tinham sido cobertos por meio de recursos públicos.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

68      Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, «[s]alvo disposição em contrário do […] Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

69      Além disso, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, as empresas encarregadas da gestão de SIEG ficam submetidas às regras do Tratado, nomeadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada.

70      Segundo jurisprudência assente, a qualificação de auxílio de Estado exige que todas as condições estabelecidas no artigo 87.°, n.° 1, CE estejam preenchidas. O artigo 87.°, n.° 1, CE enuncia as seguintes condições. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão Altmark, referido no n.° 57 supra, n.os 74, 75 e jurisprudência referida).

71      No que respeita à terceira condição referida no número anterior, resulta da jurisprudência que o conceito de auxílio de Estado é um conceito objectivo, dependente apenas da questão de saber se uma medida confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas (acórdão Ladbroke Racing/Comissão, referido no n.° 55 supra, n.° 52).

72      A este respeito, há que realçar que o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que uma intervenção estatal deva ser considerada uma compensação que constitui a contrapartida das prestações efectuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, de forma que estas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira e que, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência, essa intervenção não cai sob a alçada do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça, Altmark, referido no n.° 57 supra, n.° 87, e de 27 de Novembro de 2003, Enirisorse, C‑34/01 a C‑38/01, Colect., p. I‑14243, n.° 31).

73      Para que, num caso concreto, essa compensação possa escapar à qualificação de auxílio de Estado, deve estar preenchido um determinado número de condições (acórdãos Altmark, referido no n.° 57 supra, n.° 88, e Enirisorse, referido no n.° 72 supra, n.° 31). Em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve efectivamente estar incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas. Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objectiva e transparente, a fim de evitar que a compensação implique uma vantagem económica susceptível de favorecer a empresa beneficiária em relação a empresas concorrentes. Em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as respectivas receitas, assim como um lucro razoável pelo cumprimento destas obrigações. Em quarto lugar, quando a escolha da empresa encarregada do cumprimento de obrigações de serviço público, num caso concreto, não seja efectuada através de concurso público, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável relativo ao cumprimento destas obrigações (acórdão Altmark, referido no n.° 57 supra, n.os 89 a 93).

74      Daqui resulta que, quando são concedidos recursos estatais em compensação de custos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG nas condições acima previstas nos n.os 72 e 73, a Comissão não pode, sob pena de privar o artigo 86.°, n.° 2, CE de qualquer efeito útil, qualificar de auxílio de Estado a totalidade ou uma parte dos recursos públicos concedidos se o montante total dos referidos recursos públicos for inferior aos custos adicionais originados pelo cumprimento da referida missão de SIEG (v., neste sentido, acórdão FFSA e o./Comissão, referido no n.° 55 supra, n.° 188).

75      Por último, segundo jurisprudência assente, a Comissão pode adoptar uma decisão com base nas informações disponíveis quando se veja confrontada com um Estado‑Membro que não cumpre o seu dever de colaboração e que não lhe fornece as informações que esta lhe solicitou para poder apreciar a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C‑301/87, Colect., p. I‑307, n.° 22, e de 13 de Abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C‑324/90 e C‑342/90, Colect., p. I‑1173, n.° 26). Todavia, antes de adoptar essa decisão, a Comissão deve respeitar determinadas exigências de natureza processual. Em especial, deve intimar o Estado‑Membro a fornecer, num determinado prazo, todos os documentos, informações e dados necessários para analisar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Só se o Estado‑Membro não fornecer as informações requeridas, apesar de ter sido intimado a fazê‑lo pela Comissão, é que esta pode pôr termo ao processo e adoptar uma decisão que declare a compatibilidade ou a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum baseando‑se nos elementos de que dispõe (acórdão França/Comissão, já referido, n.os 19 e 22). Estas exigências foram retomadas e concretizadas nos artigos 5.°, n.° 2, 10.°, n.° 3, e 13.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1) (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 2005, Freistaat Thüringen/Comissão, T‑318/00, Colect., p. II‑4179, n.° 73).

76      Em primeiro lugar, importa referir que a acusação que a recorrente formula na petição, segundo a qual a Comissão considerou erradamente que as medidas públicas diferentes das transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe confeririam uma vantagem, é inoperante uma vez que a Comissão reconhece expressamente na contestação que apenas tomou em consideração as transferências efectuadas pela DB‑Telekom para concluir que a DPAG beneficiou de uma vantagem através de recursos públicos.

77      Consequentemente, esta acusação improcede.

78      Em segundo lugar, no que respeita à acusação da recorrente segundo a qual a Comissão não demonstrou que a recorrente beneficiou de uma vantagem através das transferências efectuadas pela DB‑Telekom, tendo em conta os seus custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG, cumpre referir, a título liminar, e como resulta da descrição da decisão impugnada constante dos n.os 16 a 29 supra, que a conclusão da Comissão de que a DPAG beneficiou de uma vantagem assenta nas seguintes constatações. Em primeiro lugar, a Comissão verificou que foram feitas pela DB‑Telekom transferências para a recorrente no montante de 11 081 milhões de DEM de 1990 a 1995 – transferências essas que a Comissão considerou como sendo os únicos recursos públicos relevantes para efeitos da decisão impugnada. Em segundo lugar, a Comissão indicou, por um lado, que a recorrente tinha registado custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo levada a cabo de 1994 a 1999 no montante de 1 118,7 milhões de DEM e, por outro, que os referidos custos líquidos adicionais não estavam relacionados com o cumprimento de um SIEG. Em terceiro lugar, a Comissão observou que a recorrente não pôde cobrir os referidos custos líquidos adicionais no montante de 1 118,7 milhões de DEM através dos seus recursos próprios, dado que tinha registado um défice total, considerando todos os sectores de actividade, de 1990 a 1998, no montante total de 2 289 milhões de DEM. A Comissão concluiu por isso, tendo em conta as três constatações precedentes, que os custos líquidos adicionais originados pela política de venda com prejuízo da DPAG relativamente ao período de 1994 a 1999 tinham necessariamente sido compensados através das transferências efectuadas pela DB‑Telekom durante o período de 1990 a 1995, de tal forma que a recorrente beneficiou de um auxílio de Estado no montante de 1 118,7 milhões de DEM. A este respeito, saliente‑se que, nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência, a Comissão indicou, no essencial, que tinha considerado que, uma vez que a recorrente não fez prova de que tinha coberto os seus alegados custos líquidos adicionais originados pela política de venda com prejuízo através de outros recursos diferentes das transferências efectuadas pela DB‑Telekom, podia correctamente presumir que a DPAG beneficiou de um auxílio de Estado de 1 118,7 milhões de DEM.

79      Consequentemente, há que analisar se, ao proceder como o fez na decisão impugnada, a Comissão demonstrou de forma juridicamente bastante que a recorrente beneficiou de uma vantagem através das transferências efectuadas pela DB‑Telekom.

80      A este respeito, em primeiro lugar, importa observar que, apesar das informações que a República Federal da Alemanha forneceu à Comissão e que a levaram a referir, no considerando 41 da decisão impugnada, que a República Federal da Alemanha afirmava que o segmento da clientela profissional não estava excluído do serviço universal, a Comissão não se pronunciou na decisão impugnada quanto à questão de saber se o sector de encomendas porta‑a‑porta constituía um SIEG. Efectivamente, a este respeito, há que referir que, como resulta do n.° 26 supra, a Comissão declarou unicamente na decisão impugnada que a política tarifária da DPAG, que consistia em oferecer tarifas inferiores à tarifa única, originava custos líquidos adicionais não ligados ao cumprimento de um SIEG.

81      Além disso, cumpre notar que a Comissão entendeu, por um lado, no considerando 74 da decisão impugnada, que «[n]ão existe […] um nexo causal entre estes custos líquidos adicionais [ligados à política de venda com prejuízo] e as obrigações de serviço público da DPAG» e, por outro, no considerando 73 da decisão impugnada, que «[se] revelou que a […] DPAG [suportava] custos líquidos adicionais […] sem nexo causal directo com o […] cumprimento de obrigações de [SIEG]».

82      Há que referir, consequentemente, que, como a Comissão aliás confirmou nos seus articulados, por um lado, a mesma não declarou na decisão impugnada que as informações que lhe foram fornecidas pela República Federal da Alemanha de que o sector de encomendas porta‑a‑porta constituía um SIEG não tinham fundamento e, por outro, que reconheceu, pelo menos implicitamente, que a DPAG tinha igualmente registado, à margem dos custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo, custos líquidos adicionais que não estavam ligados ao cumprimento de um SIEG (a seguir «custos líquidos adicionais não contestados»).

83      Em segundo lugar, importa referir que a Comissão indica, por um lado, no considerando 43 da decisão impugnada, que a República Federal da Alemanha a informou de que teve de suportar «quinze encargos herdados do passado» que constituíam custos líquidos adicionais de SIEG e, por outro, na nota de pé de página n.° 94 da decisão impugnada, que «‘[e]ncargos herdados do passado’ foi a expressão utilizada pelo Governo alemão na sua carta de 16 de Setembro de 1999, p. 18, para designar os custos específicos da DPAG em comparação com os custos habituais das empresas privadas que funcionam em condições normais de mercado», esclarecendo que, «[s]egundo dados fornecidos pelo Governo alemão, foram precisamente estes encargos específicos a causa do défice no sector das encomendas postais referido na decisão de dar início ao procedimento». No considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão enumera os quinze encargos herdados do passado a que a República Federal da Alemanha se refere. A este respeito, a Comissão salienta em especial, no considerando 45 da decisão impugnada, que, «[s]egundo as autoridades alemãs, mesmo no caso de a Comissão defender que, hoje em dia, uma grande parte dos serviços [do transporte de encomendas] prestados através de uma semelhante infra‑estrutura já não poderiam ser considerados serviços públicos, os encargos herdados do passado deveriam ser considerados ‘custos de investimento perdidos’ incorridos com serviços que, à data de planeamento da actual infra‑estrutura, em 1990, tinham sido claramente prestados como serviços de interesse público [anexo 1 à carta do Governo federal de 21 de Junho de 2000]».

84      Ora, a este respeito, há que assinalar que, como resulta dos n.os 41 a 52 da decisão de dar início ao procedimento, a República Federal da Alemanha forneceu à Comissão, a pedido desta, uma lista precisa dos seus quinze encargos herdados do passado, a respeito dos quais, por um lado, apresentou os motivos devido aos quais, em seu entender, os referidos encargos constituíam custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG e uma estimativa do montante que cada um destes encargos implicou de 1990 a 1996 e, por outro, referiu que o montante total dos encargos herdados do passado, que estariam ligados ao cumprimento de um SIEG, atingia 20 426 milhões de DEM, ou seja, um montante nitidamente superior ao de 11 081 milhões de DEM correspondente às transferências efectuadas pela DB‑Telekom. A este respeito, impõe‑se observar que a Comissão referiu, no n.° 72 da decisão de dar início ao procedimento, que, embora «tivesse dúvidas quanto ao facto de todos os elementos de custos evocados neste contexto [poderem] realmente ser considerados como relativos a este tipo de [SIEG]», considerava, contudo, que «determinados elementos (como por exemplo, as entregas aos sábados), [podiam], na medida em que não eram adequadamente definidos e imputados, constituir, em princípio, SIEG».

85      Em terceiro lugar, cumpre referir que, por um lado, ao não analisar e ao não se pronunciar na decisão impugnada sobre as informações fornecidas pela República Federal da Alemanha segundo as quais os custos líquidos adicionais não contestados estavam ligados ao cumprimento de uma missão de SIEG e, por outro, ao não efectuar o cálculo que permitia apurar se o montante dos referidos custos adicionais excedia o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom, a Comissão se absteve de verificar se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom era inferior ao montante total dos seus custos líquidos adicionais de SIEG, pelo que as referidas transferências não conferiram qualquer vantagem à recorrente.

86      Quanto a este aspecto, assinale‑se que a Comissão não refere nem demonstra na decisão impugnada que a República Federal da Alemanha ou a recorrente não lhe forneceram as informações necessárias para se assegurar de que o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom não excedia os custos líquidos adicionais não contestados nem que não tinha outra opção, tendo em conta as informações ao seu dispor, senão presumir que o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante dos referidos custos adicionais não contestados, pelo que as transferências efectuadas por esta última tinham conferido uma vantagem à recorrente.

87      Além disso, importa igualmente observar que a Comissão não adiantou, nem nos seus articulados nem na audiência, qualquer razão objectiva que justificasse que lhe era impossível, tendo em conta as informações que a República Federal da Alemanha lhe tinha fornecido, proceder a esse exame. Com efeito, a este respeito, cumpre concluir que a Comissão se limita a explicar, no essencial, que o âmbito dos custos excepcionais avançados pela recorrente tornava essa análise difícil, mas não que a República Federal da Alemanha não lhe tivesse fornecido a informação necessária a esse respeito de tal forma que a Comissão não tivesse condições para proceder a essa análise.

88      À luz do que antecede, há que concluir que, ao abster‑se de verificar se o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante dos custos líquidos adicionais não contestados da DPAG, a Comissão não demonstrou de modo juridicamente bastante que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe tinham conferido uma vantagem, na acepção de artigo 87.°, n.° 1, CE.

89      Esta conclusão não é prejudicada pelos argumentos avançados pela Comissão destinados, no essencial, a afirmar, por um lado, que a mesma só era obrigada a demonstrar que o montante dos custos líquidos adicionais não contestados não excedia o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom e, por outro, que, para demonstrar a existência de um auxílio de Estado no presente processo, o método a que recorreu era mais adequado do que o que consistia em verificar se a DPAG tinha recebido uma sobrecompensação.

90      Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento da Comissão de que esta dispõe de uma margem de apreciação na escolha do método mais adequado para apurar a existência de um auxílio de Estado, recorde‑se que a qualificação de uma medida de auxílio de Estado, que, segundo o Tratado, incumbe tanto à Comissão como ao órgão jurisdicional nacional, não pode, em princípio, justificar, na ausência de circunstâncias específicas devidas nomeadamente à natureza complexa da intervenção estatal em causa, o reconhecimento de um amplo poder de apreciação à Comissão. Efectivamente, a apreciação da pertinência das causas ou objectivos das intervenções estatais faz apenas parte do exame da compatibilidade eventual destas medidas com o mercado comum, conforme previsto no artigo 87.°, n.° 3, CE (acórdão Ladbroke Racing/Comissão, referido no n.° 55 supra, n.° 52).

91      Contudo, refira‑se igualmente a este respeito que, embora o Tribunal de Primeira Instância tenha reconhecido à Comissão uma certa margem de apreciação quanto à adopção do método mais adequado a fim de se assegurar da inexistência de subvenção cruzada em proveito de actividades concorrenciais (acórdão FFSA e o./Comissão, referido no n.° 55 supra, n.° 187), não deixa de ser verdade que a Comissão não pode, em conformidade com o acórdão Altmark, referido no n.° 57 supra (n.° 87), qualificar de auxílio de Estado recursos estatais atribuídos como compensação de custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG. Ora, no presente processo, ao não ter analisado se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante total dos custos líquidos adicionais não contestados, a Comissão não podia presumir, como resulta da análise da decisão impugnada no n.° 78 supra, que as transferências em causa tinham conferido à recorrente uma vantagem quando a República Federal da Alemanha lhe tinha fornecido informações que tornavam plausível o facto de o montante total das referidas transferências não exceder o montante total dos custos líquidos adicionais não contestados.

92      Por outro lado, no que respeita ao argumento da Comissão de que apenas era obrigada a analisar se tinham fundamento as queixas da BIEK e da UPS segundo as quais a DPAG financiava uma política de venda com prejuízo através de recursos públicos, importa recordar a este respeito que, segundo a jurisprudência, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a proceder a um exame diligente e imparcial da denúncia, o que pode implicar que proceda ao exame de elementos que não foram expressamente invocados pelo denunciante (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 62). Além disso, a Comissão é obrigada a verificar a existência de uma vantagem real para o beneficiário de um auxílio. Assim, no caso concreto, embora a Comissão fosse obrigada a proceder a uma análise diligente e imparcial das queixas apresentadas pela BIEK e pela UPS, isso não implicava de modo algum, contudo, por um lado, que pudesse ignorar as informações que a República Federal da Alemanha lhe tinha fornecido destinadas a demonstrar que a recorrente não tinha beneficiado de qualquer vantagem através de recursos públicos e, por outro, que pudesse correctamente concluir pela existência de um auxílio de Estado sem previamente verificar se os recursos públicos que a DPAG recebeu lhe tinham conferido uma vantagem.

93      Por último, importa igualmente rejeitar os argumentos da Comissão, bem como da BIEK e da UPS, segundo os quais a Comissão não era obrigada a analisar se o montante total das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante total dos custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG suportados pela recorrente, na medida em que as condições previstas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Ferring, referido no n.° 55 supra, e Altmark, referido no n.° 57 supra, não estão preenchidas no presente caso.

94      Efectivamente, como foi referido no n.° 81 supra, no qual se salientou que a Comissão se limitou a declarar na decisão impugnada que os custos líquidos adicionais originados pela política de venda com prejuízo da DPAG não podiam ser objecto de compensação, aquela não verificou nem demonstrou que a recorrente não tinha registado outros custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um SIEG em relação aos quais tivesse direito a requerer uma compensação através da totalidade das transferências efectuadas pela DB‑Telekom nas condições previstas pelo acórdão Altmark, referido no n.° 57 supra (n.os 89 a 95).

95      Ora, na medida em que a Comissão não efectuou qualquer análise nem apreciação a este respeito, não compete ao órgão jurisdicional comunitário substituir‑se à Comissão, efectuando em seu lugar um exame ao qual esta nunca procedeu e calculando as conclusões a que teria chegado se o tivesse efectuado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 2004, Valmont/Comissão, T‑274/01, Colect., p. II‑3145, n.° 136).

96      Resulta do que antecede que há que julgar procedente a acusação da recorrente segundo a qual a Comissão violou o artigo 87.°, n.° 1, CE ao considerar que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe tinham conferido uma vantagem.

97      Todavia, o Tribunal considera oportuno analisar igualmente, a título exaustivo, a acusação da recorrente segundo a qual, independentemente da questão de saber se o montante das transferências efectuadas pela DB‑Telekom excedia o montante dos seus custos líquidos adicionais não contestados, a Comissão concluiu erradamente, em todo o caso, que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom no montante de 11 081 milhões de DEM lhe permitiram, tendo em conta os prejuízos que registou de 1990 a 1995, cobrir os alegados custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999 no montante de 1 118,7 milhões de DEM.

98      A este respeito, cumpre observar a título liminar que, por força do § 63, n.° 1, da PostVerfG, a Deutsche Bundespost estava obrigada a efectuar pagamentos remuneratórios ao Estado alemão de 1990 a 1995 numa percentagem decrescente dos seus rendimentos de exploração. Embora as partes não estejam de acordo quanto à questão de saber se estes pagamentos remuneratórios constituíam ou não custos líquidos adicionais de SIEG, a Comissão não contesta que os referidos pagamentos remuneratórios foram efectuados pelas empresas resultantes da cisão da Deutsche Bundespost e que, neste âmbito, a recorrente teve de pagar um montante de 11 481 milhões de DEM de 1990 a 1995.

99      No presente processo, a recorrente afirma que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom de 1990 a 1995 no montante de 11 481 milhões de DEM lhe tinham permitido cobrir os alegados custos líquidos adicionais no montante de 1 118,7 milhões de DEM originados pela sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999 quando as referidas transferências tinham servido na íntegra para compensar os seus prejuízos de 1990 a 1995 resultantes designadamente da sua obrigação de proceder a pagamentos remuneratórios.

100    A Comissão responde, no essencial, que, na medida em que a recorrente não fez prova de que os custos líquidos adicionais ligados à sua política de venda com prejuízo foram financiados através de recursos próprios, podia validamente presumir que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom lhe tinham permitido financiar os referidos custos adicionais.

101    A este respeito, importa referir que as partes estão de acordo em afirmar que, do ponto de vista contabilístico, qualquer recurso pode financiar qualquer encargo. Ora, embora incumba à Comissão demonstrar que recursos públicos conferiram uma vantagem ao seu beneficiário, como resulta do acórdão Altmark, referido no n.° 57 supra (n.° 75), é indiferente a este respeito que a Comissão demonstre quais os encargos a que afectou o montante dos recursos públicos que foram concedidos à recorrente.

102    Contudo, na medida em que a Comissão subordinou no presente processo, como resulta do n.° 78 supra, a sua demonstração da existência de uma vantagem conferida à DPAG através de recursos públicos ao facto de os alegados custos líquidos adicionais da DPAG ligados à sua política de venda com prejuízo terem necessariamente de ser cobertos, no montante de 1 118,7 milhões de DEM, por meio das transferências efectuadas pela DB‑Telekom, há que analisar se, tendo em conta os prejuízos da DPAG sofridos de 1990 a 1994 e de 1990 a 1995, as referidas transferências efectuadas durante esse período se mostravam suficientes para cobrir igualmente os custos líquidos adicionais ligados à sua política de venda com prejuízo registados de 1994 a 1999.

103    Ora, a Comissão, no considerando 88 da decisão impugnada, entendeu que os alegados custos líquidos adicionais registados pela DPAG ligados à sua política de venda com prejuízo atingiam os seguintes montantes:

Anos

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Total 1994‑1999

Custos líquidos adicionais acumulados da política de descontos (milhões de DEM)

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

1 118,7


104    Por outro lado, como resulta das informações fornecidas pela República Federal da Alemanha, que a Comissão não contesta, a DPAG registou, durante os períodos de 1990 a 1994 e de 1990 a 1995, os resultados operacionais (abstraindo das transferências efectuadas pela DB‑Telekom e dos pagamentos remuneratórios efectuados) e os resultados definitivos (incluindo as transferências efectuadas pela DB‑Telekom e os pagamentos remuneratórios efectuados) que se seguem (comunicação da República Federal da Alemanha de 31 de Janeiro de 2002 e anexo 11 A da comunicação da República Federal da Alemanha de 10 de Março de 2000):

Anos

1990

1991

1992

1993

1994

Total 1990‑1994

1995

Total 1990‑1995

Sector reservado

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

Sector encomendas

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

Sector jornais

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

Saldo operacional

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

[conf.]

‑4 331

[conf.]

‑4 945

Transferências efectuadas pela DB‑Telekom

1 495

2 031

1 310

726

0

5 562

5 519

11 081

Pagamentos remuneratórios

‑1 651

‑1 982

‑2 100

‑2 182

‑2 190

‑10 104

‑1 314

‑11 418

Saldo transferências / pagamentos remuneratórios

     

‑4 552

 

‑337

Resultado definitivo (milhões de DEM)

     

‑8 883

 

‑5 282


105    À luz do quadro constante do n.° 104 supra, cumpre referir desde logo que, mesmo sendo verdade que a recorrente recebeu, de 1990 a 1994, o montante de 5 562 milhões de DEM a título de transferências efectuadas pela DB‑Telekom e que registou em 1994 custos adicionais ligados à sua política de venda com prejuízo no montante de [confidencial] milhões de DEM (quadro constante do n.° 103 supra), o défice definitivo que registou de 1990 a 1994, incluindo todos os sectores de actividade, era de 8 883 milhões de DEM. Este défice definitivo relativo ao período de 1990 a 1994 corresponde, efectivamente, aos prejuízos operacionais da DPAG no montante de 4 331 milhões de DEM, agravados pelos pagamentos compensatórios no montante de 10 104 milhões de DEM, que foram em parte compensados pelas transferências no montante de 5 562 milhões de DEM efectuadas pela DB‑Telekom.

106    Nestas condições, há que concluir que a concessão das transferências efectuadas pela DB‑Telekom entre 1990 e 1994 no montante de 5 562 milhões de DEM não permitia à recorrente, tendo em conta os seus prejuízos operacionais sofridos de 1990 a 1994, no montante de 4 331 milhões de DEM, e os pagamentos remuneratórios que teve de efectuar durante esse período, no montante de 10 104 milhões de DEM, ou seja, um montante total de prejuízos de 14 435 milhões de DEM, cobrir os alegados custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999, no montante de 1 118,7 milhões de DEM.

107    Seguidamente, na medida em que a recorrente recebeu as transferências efectuadas pela DB‑Telekom até 1995, importa igualmente concluir que, mesmo sendo verdade que a recorrente recebeu, de 1990 a 1995, 11 081 milhões de DEM, a título de transferências efectuadas pela DB‑Telekom, registou durante o referido período um défice definitivo, englobando todos os sectores de actividade, de 5 282 milhões de DEM. Este défice definitivo relativo ao período de 1990 a 1995 corresponde, efectivamente, aos prejuízos operacionais da DPAG no montante de 4 945 milhões de DEM, agravados pelos pagamentos remuneratórios no montante de 11 418 milhões de DEM, que foram parcialmente compensados pelas transferências efectuadas pela DB‑Telekom no montante de 11 081 milhões de DEM.

108    Nestas condições, impõe‑se concluir que a concessão das transferências efectuadas pela DB‑Telekom entre 1990 e 1995, no montante de 11 081 milhões de DEM, não permitia à DPAG, tendo em conta os seus prejuízos operacionais sofridos de 1990 a 1995, no montante de 4 945 milhões de DEM, e os pagamentos remuneratórios que teve de efectuar, no montante de 11 418 milhões de DEM, ou seja, um montante total de prejuízos de 16 363 milhões de DEM, cobrir os alegados custos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo registados de 1994 a 1999, no montante de 1 118,7 milhões de DEM.

109    Por conseguinte, cumpre concluir que a demonstração da Comissão de que a recorrente beneficiou de uma vantagem de 1 118,7 milhões de DEM, na medida em que apenas as transferências efectuadas pela DB‑Telekom puderam financiar os alegados custos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo, é invalidada pela conclusão de que os prejuízos definitivos da DPAG sofridos de 1990 a 1994 ou de 1990 a 1995 eram de um montante tal que as transferências efectuadas pela DB‑Telekom se revelavam insuficientes para cobrir os alegados custos líquidos adicionais originados pela sua política de venda com prejuízo de 1994 a 1999.

110    Há, assim, que julgar procedente a acusação formulada pela recorrente.

111    Consequentemente, há que anular a decisão impugnada sem que seja necessário verificar se a acusação em causa implica que a decisão impugnada está igualmente viciada por falta de fundamentação, na acepção do artigo 253.° CE (v. n.° 58 supra), nem examinar as restantes acusações e fundamentos invocados pela recorrente.

 Quanto às despesas

112    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

113    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. A República Federal da Alemanha, que não apresentou alegações de intervenção, suportará as suas próprias despesas nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do referido regulamento.

114    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente que não seja Estado‑Membro, um Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), uma instituição ou o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), suportará as suas próprias despesas. A BIEK e a UPS, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão 2002/753/CE da Comissão, de 19 de Junho de 2002, relativa a medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG, é anulada.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela Deutsche Post.

3)      A República Federal da Alemanha, a Bundesverband Internationaler Express‑ und Kurierdienste eV (BIEK) e a UPS Europe NV/SA suportarão as suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Azizi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Julho de 2008.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: alemão.


1 – Dados confidenciais ocultados.