Language of document : ECLI:EU:C:2012:536

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

Juliane Kokott

apresentadas em 6 de setembro de 2012 (1)

Processo C‑75/11

Comissão Europeia

contra

República da Áustria

«Não discriminação em razão da nacionalidade ― Liberdade de circulação dos cidadãos da União ― Livre prestação de serviços ― Setor dos transportes ― Diretiva 2004/38/CE ― Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros ― Exclusão dos estudantes, cujos progenitores não recebem abonos de família nos termos da legislação nacional, do direito de beneficiar de tarifas reduzidas nos transportes públicos locais»





I ―    Introdução

1.        Podem os Estados‑Membros sujeitar as reduções das tarifas de transporte concedidas aos estudantes a requisitos que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros em regra não podem cumprir? Esta é a questão a que o Tribunal de Justiça deve responder no presente processo.

2.        Diferentes regiões austríacas e o Ministério Federal competente acordaram com empresas de transporte local reduções das tarifas de transporte de que os estudantes podem beneficiar. Estão reduções só são concedidas aos estudantes cujos progenitores recebam, a título dos estudos, abonos de família austríacos. Só os progenitores que vivem na Áustria recebem estes abonos.

3.        A Comissão considera que o requisito previsto para a concessão de reduções das tarifas de transporte constitui uma discriminação incompatível com os artigos 18.°, 20.° e 21.° TFUE, assim como o artigo 24.° da Diretiva 2004/38 (2), relativa ao direito de livre circulação e residência. Com efeito, os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros que frequentam universidades austríacas não preenchem, em regra, este requisito.

4.        A Áustria defende‑se explicando, no essencial, que a redução tem unicamente por objetivo completar os abonos de família e que a sua concessão é, consequentemente, conforme com o Regulamento n.° 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social (3). Por outro lado, a Áustria considera que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros são ajudados financeiramente pelo seu Estado de origem, pelo que não podem ser comparados com os estudantes austríacos. Por último, a Áustria afirma que o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 permite excluir os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros da ajuda de subsistência.

II ― Quadro jurídico

A ―    Diretiva 2004/38

5.        O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 define o âmbito de aplicação da diretiva:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais [...]»

6.        Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2004/38, qualquer cidadão da União tem «o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

[...]

c)      ―      esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

      ―      disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; [...]».

7.        O artigo 24.° da Diretiva 2004/38 regula a igualdade de tratamento dos cidadãos da União que residem noutros Estados‑Membros:

«1.      Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. [...]

2.      Em derrogação do n.° 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 14.°, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

B ―    Regulamento n.° 1408/71

8.        O artigo 4.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71 dispõe que o regulamento se aplica às prestações familiares.

9.        As prestações familiares são definidas da seguinte forma no artigo 1.°, alínea u), i), do Regulamento n.° 1408/71:

«quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares no âmbito de uma legislação prevista no n.° 1, alínea h), [...]».

10.      O artigo 13.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1408/71 dispõe que as pessoas às quais o referido regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro.

11.      O artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71 regula a concessão das prestações familiares para os membros da família que residem no território de outro Estado‑Membro:

«O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado‑Membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado‑Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste, sem prejuízo do disposto no Anexo VI.»

12.      O Anexo VI do Regulamento n.° 1408/71 não contém nenhuma disposição pertinente para o caso em apreço.

III ― Matéria de facto, processo pré‑contencioso e pedidos das partes

13.      A ação por incumprimento tem por objeto as reduções das tarifas de transporte concedidas aos estudantes ao abrigo de contratos de direito privado celebrados entre o Ministério Federal austríaco competente, as autoridades regionais (Länder ou municípios) e as empresas de transporte em causa. Os contratos preveem tarifas de transporte para diferentes estudantes e as reduções são diferentes em cada Land.

14.      Quando o Ministério Federal competente participa na celebração deste tipos de contrato, procura subordinar as reduções das tarifas de transporte ao recebimento dos abonos de família austríacos previstos na Familienausgleichsgesetz (Lei austríaca de 1967 relativa à compensação dos encargos familiares). Estes abonos não são diretamente recebidos pelos estudantes, mas pelos progenitores responsáveis pelos encargos e pela subsistência do estudante, desde que estejam inscritos no sistema austríaco de segurança social. Segundo a Áustria, essa subordinação da redução das tarifas de transporte ao recebimento dos abonos de família está previsto nos Länder de Viena, da Alta Áustria, do Burgenland e da Estíria, assim como na cidade de Innsbruck.

15.      Considerando que esta medida discrimina ilegalmente os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros, a Comissão, em 2009, convidou a Áustria a apresentar observações nos termos do artigo 258.° TFUE. Ainda no âmbito deste processo, emitiu, em 28 de janeiro de 2010, um parecer fundamentado no qual concedeu à Áustria um último prazo de dois meses para pôr termo à violação imputada.

16.      Não satisfeita com as respostas apresentadas pela Áustria, a Comissão intentou a presente ação em 21 de fevereiro de 2011.

17.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        declarar que a República da Áustria ao conceder, em princípio, reduções das tarifas dos meios de transporte públicos apenas aos estudantes que recebem abonos de família austríacos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 20.° e 21.° TFUE, assim como do artigo 24.° da Diretiva 2004/38; e

¾        condenar a República da Áustria nas despesas.

18.      A República da Áustria conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        julgar a ação improcedente; e

¾        condenar a Comissão nas despesas.

19.      As partes apresentaram observações escritas.

IV ― Apreciação jurídica

20.      Antes de examinar a existência de uma discriminação (v. ponto C, infra), deve previamente precisar‑se o objeto da ação (v. ponto A, infra), bem como as regras aplicáveis em matéria de não discriminação (v. ponto B, infra).

A ―    Quanto ao objeto da ação

21.      Na sua petição, a Comissão alega, em substância, que na Áustria a redução das tarifas dos meios de transporte públicos só é concedida aos estudantes aos quais são concedidos abonos de família austríacos.

22.      Contudo, resulta dos fundamentos da petição que esta medida só é aplicada nos Landër de Viena, da Alta Áustria, da Burgenland e da Estíria, bem como na cidade de Innsbruck. Segundo a Comissão, a situação não é clara na Baixa Áustria ― ou seja, a situação não ficou devidamente esclarecida ―, ao passo que nas outras regiões as reduções das tarifas de transporte não dependem do recebimento de abonos de família.

23.      Embora a Áustria replique que, entretanto, na cidade de Innsbruck a redução das tarifas de transporte deixou de estar subordinada a esse requisito, à época dos factos, ou seja, na data em que o expirou prazo indicado no parecer fundamentado, a redução em causa ainda estava em vigor.

24.      Por outro lado, a Comissão não alega que a redução das tarifas de transporte é recusada aos estudantes de países terceiros ou a outros estudantes austríacos. Aprecia unicamente a situação dos estudantes cujos progenitores não recebem abonos de família austríacos por residirem noutro Estado‑Membro.

25.      Por conseguinte, o objeto da ação limita‑se ao facto de nos Landër de Viena, da Alta Áustria, do Burgenland e da Estíria, assim como na cidade de Innsbruck, os estudantes da União, cujos progenitores não recebem abonos de família austríacos pelo facto de residirem noutro Estado‑Membro, não beneficiarem das mesmas reduções das tarifas de transporte que os estudantes aos quais são concedidos abonos de família austríacos.

B ―    Quanto às regras aplicáveis em matéria de não discriminação

26.      Em primeiro lugar, importa determinar se as regras de não discriminação invocadas pela Comissão são efetivamente aplicáveis.

27.      A Comissão fundamenta a sua ação na proibição geral de discriminação prevista no artigo 18.° TFUE, conjugada com a livre circulação dos cidadãos da União constante dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, bem como com o artigo 24.° da Diretiva 2004/38, relativa à liberdade de circulação e ao direito de residência.

28.      Para que a proibição geral de discriminação prevista no artigo 18.° TFUE se aplique é necessário que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros que utilizam os transportes públicos locais na Áustria estejam abrangidos, em razão do exercício do seu direito à livre circulação enquanto cidadãos da União nos termos do artigo 21.° TFUE, pelo âmbito de aplicação do direito da União.

29.      À possibilidade de aplicar a redução seletiva das tarifas de transportes a proibição de discriminação associada à liberdade geral de circulação dos cidadãos da União pode, no entanto, objetar‑se que a medida austríaca se refere à utilização dos serviços de transporte. Com efeito, é discutível que a liberdade geral de circulação dos cidadãos da União se possa aplicar de forma paralela à liberdade de prestação de serviços (v. n.° 1, infra). Por outro lado, as medidas respeitantes aos transportes são regidas pelas disposições específicas do título relativo aos transportes. Assim, importa apreciar se a aplicação da liberdade geral de circulação não tem por efeito contornar estas disposições especiais (v. n.° 2, infra). Por último, há que analisar de forma breve a relação existente entre a proibição geral de discriminação e o artigo 24.° da Diretiva 2004/38 (v. n.° 3, infra).

1.      Quanto à livre prestação de serviços

30.      Em alguns acórdãos menos recentes, o Tribunal de Justiça declarou, sem nenhuma fundamentação especial, que certas medidas violam simultaneamente uma liberdade fundamental e a proibição geral de discriminação (4). Posteriormente, o Tribunal de Justiça precisou essa jurisprudência, indicando que o artigo 18.° TFUE, que estabelece um princípio geral de proibição de discriminação em razão da nacionalidade, só é aplicável de forma autónoma nas situações regidas pelo direito da União em relação às quais o Tratado não preveja regras específicas de não discriminação (5). Por conseguinte, quando é aplicável a livre prestação de serviços, não é aplicável o artigo 18.° TFUE (6).

31.      Em princípio, este entendimento é também válido quando a proibição geral de discriminação em razão da nacionalidade seja invocada em conjunto com a liberdade geral de circulação dos cidadãos da União, prevista no artigo 21.° TFUE. É certo que o Tribunal de Justiça se exprimiu com prudência sobre a relação entre esta liberdade de circulação e liberdades fundamentais mais específicas, declarando diversas vezes que não tinha de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 21.° TFUE (7). No entanto, também esta posição manifesta a ideia da natureza especial de certas liberdades fundamentais.

32.      Nenhuma outra conclusão pode ser retirada da jurisprudência respeitante à relação entre a liberdade de circulação de capitais e as outras liberdades fundamentais. Neste domínio, o Tribunal de Justiça declarou que não tinha de se pronunciar sobre a liberdade de circulação de capitais uma vez que tinha já constatado que uma medida viola a liberdade de circulação dos trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de circulação dos cidadãos da União (8). Nesses processos, foi necessário aplicar a liberdade geral de circulação das pessoas ao lado das duas outras liberdades fundamentais referidas, uma vez que os litígios diziam respeito a pessoas que não se deslocaram para o Estado em causa para aí exercerem uma atividade económica (9). Porém, não se renunciou ao princípio da especialidade. Em contrapartida, a distinção entre a liberdade de circulação de capitais e as outras liberdades baseia‑se no objeto da medida nacional em causa adotada pelo Estado‑Membro (10). Deste modo, ao recusar apreciar a liberdade de circulação de capitais aplicando, em contrapartida, a liberdade de circulação dos cidadãos da União, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que estava mais em causa a liberdade de circulação das pessoas do que o investimento de capitais.

33.      Daqui resulta que a proibição geral de discriminação prevista no artigo 18.° TFUE não se pode aplicar em conjunto com a liberdade geral de circulação prevista no artigo 21.° TFUE se a redução das tarifas dos transportes públicos locais for abrangida pelo âmbito de aplicação da liberdade de prestação de serviços.

34.      Deste modo, há que apreciar se a liberdade de prestação de serviços na aceção do artigo 56.° TFUE é aplicável. Resulta de jurisprudência constante que o artigo 56.° TFUE confere direitos não apenas ao prestador de serviços, mas também ao destinatário dos referidos serviços (11). Por conseguinte, no que respeita ao preço de um serviço, os cidadãos da União que se desloquem para outros Estados‑Membros não podem ser discriminados em razão da sua nacionalidade (12).

35.      Todavia, não beneficia da liberdade de prestação de serviços um nacional de um Estado‑Membro que se desloca no território de outro Estado‑Membro e que aí estabelece a sua residência principal com o objetivo de fornecer ou beneficiar de prestações de serviços por duração determinada (13). A este respeito, o Tribunal de Justiça baseou‑se na consideração de que o artigo 56.° TFUE não pode ser aplicado às atividades em que todos os elementos se circunscrevem ao território de um único Estado‑Membro (14).

36.      Em geral, os estudantes deslocam‑se para outro Estado‑Membro durante um longo período. É certo que a duração da permanência por motivos de estudo não é indeterminada, limitando‑se à duração previsível dos estudos, especialmente quando estejam em causa programas de intercâmbio. É duvidoso que esta situação constitua um elemento suficiente que se circunscreve ao território de um único Estado‑Membro para que se possa invocar a liberdade de prestação de serviços.

37.      No entanto, no presente caso, a regulamentação nacional em causa estabelece uma diferença entre os progenitores dos estudantes que recebem prestações familiares austríacas e aqueles que não as recebem, ou seja, entre os progenitores que residem na Áustria e os que residem no estrangeiro. Esta regulamentação, suscetível de constituir uma discriminação indireta, não se circunscreve ao território de um único Estado‑Membro. O presente processo é, por conseguinte, análogo aos dos processos relativos à tomada em consideração, para efeitos fiscais no Estado‑Membro de origem, de despesas de estudos no âmbito da frequência de um mestrado (15) ou das despesas de escolaridade (16), nos quais foi aplicada a liberdade de prestação de serviços.

38.      Daqui resulta que no caso em apreço, em princípio, é aplicável a liberdade de prestação de serviços, o que exclui a apreciação da proibição geral de discriminação conjugada com a liberdade de circulação dos cidadãos da União.

2.      Quanto à política de transporte

39.      O litígio em causa no processo principal tem no entanto por objeto o acesso a serviços de transporte. Nos termos do artigo 58.°, n.° 1, TFUE, a liberdade de prestação de serviços, em matéria de transportes, é regida pelas disposições do título relativo aos transportes. Por conseguinte, daqui decorre que segundo jurisprudência constante não se aplica a liberdade de prestação de serviços (17). Os seus princípios devem ser atingidos através da implementação de uma política comum de transportes (18).

40.      Contudo, resulta de jurisprudência constante que todos os meios de transporte estão sujeitos às regras gerais do Tratado (19), nomeadamente às outras liberdades fundamentais diferentes da liberdade de prestação de serviços (20). Por conseguinte, a proibição geral de discriminação também deve ser aplicada em conjunto com a liberdade de circulação dos cidadãos da União.

41.      Esta conclusão em nada contradiz as considerações apresentadas a propósito da natureza especial da liberdade de prestação de serviços. De facto, o princípio da especialidade apenas é aplicável se a própria liberdade de prestação de serviços for aplicada. Não sendo aplicável, esta liberdade não será oponível à aplicação de outras disposições. Se assim não fosse, os cidadãos da União ficariam impossibilitados de invocar, no domínio dos transportes, a proteção decorrente da sua cidadania, embora o Tratado não preveja nenhuma exceção a esta proteção e não se aplique, em princípio, a proteção mais específica conferida pela liberdade de prestação de serviços.

42.      Nem mesmo o acórdão Neukirchinger se opõe a que a proibição geral de discriminação seja apreciada em conjunto com a liberdade geral de circulação de pessoas, na medida em que nesse processo o Tribunal de Justiça não tomou em consideraçao a liberdade geral de circulação. É certo que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, declarando que um transporte em balão está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União, não tomou em consideração a questão da residência noutro Estado‑Membro ― por outras palavras, a liberdade de circulação do prestador ― mas as medidas pertinentes da política de transportes (21). No entanto, isto explica‑se pelo facto de que a residência noutro Estado‑Membro tinha uma importância menor em relação à oferta do serviço de transporte nesse Estado. A oferta e a utilização de serviços de transporte só são comparáveis até um determinado limite.

43.      Por conseguinte, é aplicável ao presente caso a liberdade de circulação dos cidadãos da União, embora as medidas austríacas em causa sejam relativas ao acesso a serviços de transporte.

3.      Quanto ao artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, relativa à liberdade de circulação e à residência

44.      Por último, no que se refere ao artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, este não se opõe a uma aplicação da proibição geral de discriminação prevista no artigo 18.° TFUE conjugada com a livre circulação, prevista no artigo 21.° TFUE, limitando‑se a precisar os seus efeitos jurídicos (22). Este é o motivo pelo qual, noutro processo, já considerámos que as regras de não discriminação previstas no artigo 18.° TFUE e no artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 podem ser aplicadas em conjunto (23).

C ―    Quanto à apreciação de uma discriminação

45.      A Comissão afirma que subordinar as reduções das tarifas de transportes à concessão de abonos de família austríacos discrimina indiretamente os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros.

1.      Quanto à proibição geral de discriminação prevista no artigo 18.° TFUE

46.      Como a Comissão reconheceu, o Tribunal de Justiça já declarou, no acórdão Bressol e o., já referido, que os estudantes podem invocar o direito, consagrado nos artigos 18.° e 21.° TFUE, de circular e residir livremente no território de um Estado‑Membro sem sofrerem discriminações diretas ou indiretas em razão da sua nacionalidade (24).

47.      Segundo a Comissão, a Áustria discrimina indiretamente os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros. A menos que seja objetivamente justificada e proporcional ao objetivo prosseguido, uma disposição nacional deve ser considerada indiretamente discriminatória quando é suscetível, pela sua própria natureza, de afetar mais os nacionais de outros Estados‑Membros do que os seus nacionais e, consequentemente, de criar o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros (25).

48.      Os progenitores de estudantes austríacos recebem geralmente abonos de família austríacos, ao passo que os progenitores de estudantes estrangeiros em regra não os recebem. Deste modo, existe uma discriminação indireta em razão da nacionalidade.

49.      A Áustria objeta, em primeiro lugar, que a redução das tarifas de transportes constitui uma prestação familiar na aceção do Regulamento n.° 1408/71 [v. alínea a), infra] e, em segundo lugar, que a situação dos estudantes estrangeiros é diferente da situação dos estudantes nacionais [v. alínea b), infra]. Por último, em terceiro lugar, a Áustria afirma que o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, relativa à livre circulação e à residência, permite subordinar a redução das tarifas de transporte à concessão dos abonos de família [v. alínea c), infra]. Estas objeções podem justificar a referida discriminação.

a)      Quanto à qualificação de prestação familiar

50.      Os argumentos apresentados pelas partes relativos à possibilidade de a redução das tarifas de transportes ser qualificada de prestação familiar remetem tanto para o Regulamento n.° 1408/71 como para o Regulamento (CE) n.° 883/2004 que o substituiu (26).

51.      A este respeito, importa, antes de mais, esclarecer que apenas o Regulamento n.° 1408/71 é relevante para o caso em apreço. Em conformidade com o disposto no seu artigo 91.°, segundo parágrafo, o Regulamento n.° 883/2004 tornou‑se aplicável a partir da entrada em vigor do Regulamento de Execução (CE) n.° 987/2009 (27), em 1 de maio de 2010. Ora, o momento relevante para efeitos da análise da acção é o da data do termo do prazo fixado pela Comissão no seu parecer fundamentado, neste caso, 28 de março de 2010.

52.      Se bem entendemos os argumentos apresentados pela Áustria, esta afirma que as regras de competência previstas no Regulamento n.° 1408/71 devem igualmente determinar os estudantes aos quais podem ser concedidas reduções das tarifas de transportes. Com efeito, este regulamento define a legislação que é aplicável às pessoas abrangidas pelo regulamento. Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, primeiro período, em regra só é aplicável a legislação de um Estado‑Membro. Nos termos do regulamento, os Estados‑Membros cujas legislações não sejam aplicáveis não são obrigados a conceder as prestações em causa (28).

53.      Não obstante, o facto de uma regulamentação nacional poder ser conforme ao Regulamento n.° 1408/71 não tem por efeito subtraí‑la às disposições do Tratado FUE (29). Que a redução das tarifas de transportes constitui uma prestação familiar na aceção do Regulamento n.° 1408/71 pode assim desempenhar, na melhor das hipóteses, um papel indireto na apreciação das regras de não discriminação. A este respeito, os critérios relevantes serão os argumentos apresentados para determinar a existência de um abono de família.

54.      A essência da argumentação austríaca consiste em alegar que, através da atribuição de competências operada pelo Regulamento n.° 1408/71, o legislador distribuiu equitativamente, entre os Estados‑Membros os encargos para a atribuição dos abonos às famílias. Por conseguinte, a Áustria considera que não está obrigada a suportar esse encargo relativamente aos estudantes provenientes de outros Estados‑Membros. A redução das tarifas de transporte faz parte das prestações destinadas a aliviar os encargos das famílias, uma vez que os estudantes que beneficiam desta redução ainda dependem financeiramente dos seus progenitores. Através da redução das tarifas de transporte, os progenitores podem diminuir o seu contributo financeiro. A redução complementa assim o abono de família propriamente dito, sendo que por sua vez este se destina a ajudar à subsistência dos filhos estudantes.

55.      O facto de uma prestação ser idónea para aliviar indiretamente os encargos das famílias não pode, todavia, bastar para justificar uma discriminação indireta em razão da nacionalidade. No mínimo, é necessário garantir que essa prestação beneficiará todas as famílias que têm direito às prestações familiares nos termos das regras de competência do Regulamento n.° 1408/71. Não é o que sucede com a redução das tarifas de transporte em causa no presente caso.

56.      Não é sequer certo que todas as famílias que recebem prestações familiares para os filhos que estudam numa universidade austríaca verão efetivamente os seus encargos diminuir indiretamente em consequência da redução das tarifas de transporte concedida. Ainda que se admita que na Áustria são concedidas reduções válidas em todo o território, é duvidoso que todos os estudantes beneficiem de ligações adequadas nos transportes públicos locais. Aqueles que dependem de outros meios de transporte não usufruem desta diminuição de encargos. Também não é claro se as reduções concedidas permitem aliviar os encargos de todas as famílias em causa a um nível comparável.

57.      Mas, sobretudo, o critério de diferenciação escolhido discrimina de facto os estudantes que exercem, através da sua cidadania da União, a liberdade de estudar noutros Estados‑Membros. Em princípio, nos termos do artigo 73.° do Regulamento n.° 1408/71, deve também ser concedida, no âmbito da competência austríaca, uma prestação familiar às famílias que apoiam financeiramente estudantes que não estudam na Áustria. Ora, tal não sucede no presente processo com a redução das tarifas de transporte. Por conseguinte, os estudantes austríacos que vão para o estrangeiro, bem como as suas famílias, são discriminados em relação aos que permanecem na Áustria.

58.      É assim evidente que uma redução das tarifas de transporte que, em razão da sua subordinação às prestações familiares, se destina a diminuir os encargos familiares na aceção do Regulamento n.° 1408/71, de que não podem beneficiar todas as famílias que em princípio a ela têm direito, também não beneficia os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros. Os estudantes estrangeiros na Áustria que frequentam uma universidade austríaca, assim como os respetivos progenitores, não podem de facto beneficiar desta diminuição, nem mesmo quando os seus Estados de origem também tenham optado por esta forma de prestação familiar.

59.      Por conseguinte, a subordinação da redução das tarifas de transporte aos abonos de família reveste um caráter meramente formal. Daqui não pode resultar a qualificação da redução como uma prestação familiar cuja concessão depende exclusivamente das regras de competência previstas no Regulamento n.° 1408/71.

60.      Além disso, a discriminação de que são objeto os estudantes cujos progenitores não recebem os abonos de família austríacos por residirem noutro Estado‑Membro não é proporcional à diminuição dos encargos das famílias através de uma prestação também pouco eficaz. É igualmente por esta razão que não é justificável a discriminação indireta de que estes estudantes são vítimas.

b)      Quanto à questão da possibilidade de proceder a uma comparação

61.      A Áustria alega, por outro lado, que a Comissão, para poder estabelecer a existência de uma discriminação em razão da nacionalidade, devia tomar em consideração as bolsas de estudo e o tratamento fiscal dos filhos que estudam noutros Estados‑Membros. Segundo a Áustria, certos Estados‑Membros concedem bolsas de estudo indiscutivelmente mais generosas do que as concedidas pela Áustria, de que os estudantes desses Estados podem beneficiar ainda que frequentem uma universidade austríaca. A Áustria afirma que não se pode por conseguinte excluir que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros beneficiam de uma situação financeira que lhes permite mais facilmente fazer face às suas despesas correntes na Áustria, incluindo as tarifas de transporte, do que os estudantes austríacos.

62.      Este argumento, por assentar nas insuficiências financeiras dos estudantes e das suas famílias, não pode ser aceite. Com efeito, segundo as informações fornecidas pela Áustria, a redução das tarifas de transporte e os abonos de família austríacos a que a referida redução está subordinada não pressupõe, em princípio, uma insuficiência de recursos. É certo que o abono de família deixa de ser pago quando o estudante dispõe de um rendimento próprio superior a um determinado limite. A insuficiência dos recursos familiares não é, porém, apreciada no momento da concessão dos abonos de família e das reduções das tarifas de transporte (30).

63.      Caso o objetivo deste argumento consistisse em impedir que os estudantes provenientes do estrangeiro beneficiem de uma dupla ajuda financeira, o critério escolhido foi, em todo caso, inadequado. Com efeito, no momento da concessão da redução, a Áustria não tem em consideração as prestações recebidas pelos estudantes provenientes de outros Estados‑Membros.

64.      Daqui resulta que a subordinação da redução ao recebimento dos abonos de família austríacos não pode ser justificada pelo argumento de que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros podem receber subsídios mais generosos do seu país de origem.

c)      Quanto ao artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, relativa à livre circulação e à residência

65.      Por último, a Áustria invoca o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38. Nos termos desta disposição, a igualdade de tratamento não permite que os estudantes provenientes de outros Estados‑Membros peçam no Estado de acolhimento, antes da aquisição do direito de residência permanente, ajudas de subsistência sob a forma de bolsas de estudo ou de empréstimos estudantis.

66.      A Áustria alega que a redução das tarifas de transporte é uma ajuda de subsistência na aceção do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, que é uma prestação concedida aos estudantes. Segundo a Áustria, a redução deve ser qualificada de bolsa de estudo, uma vez que não tem de ser devolvida.

67.      Relativamente a esta argumentação, há que admitir que as avaliações do legislador que estão na origem do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 podem justificar, independentemente da questão de saber se os requisitos de aplicação do artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 estão preenchidos (31), uma desigualdade de tratamento na aceção do artigo 18.° TFUE (32).

68.      Por outro lado, é possível admitir uma interpretação extensiva do conceito de ajuda de subsistência aos estudos que englobe todas as prestações concedidas aos estudantes. No entanto, como a Comissão assinalou com razão, o legislador decidiu, quando adotou o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, derrogar apenas o princípio da igualdade de tratamento prevista no artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 quando a concessão de ajudas de subsistência fosse constituída por bolsas de estudo ou por empréstimos estudantis. Este entendimento deve ser igualmente válido quando o artigo 24.°, n.° 2, seja invocado no âmbito da aplicação do artigo 18.° TFUE.

69.      Também não existem motivos para interpretar de forma extensiva o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38. Pelo contrário, esta disposição autoriza uma restrição ao princípio da igualdade de tratamento consagrado nos artigos 18.° TFUE, 21.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38. Como sucede com todas as derrogações, também esta derrogação deve ser interpretada de forma restrita.

70.      Contudo, o conceito de «bolsa de estudo» seria alargado se neste fossem também incluídas as reduções das tarifas de transporte. O facto de o artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 se referir a este conceito em relação direta com os empréstimos concedidos aos estudantes demonstra que o legislador, com este conceito, não pretendeu incluir todas as prestações destinadas aos estudantes, mas unicamente as prestações com uma certa importância, destinadas a cobrir os custos associados à formação universitária. Por outro lado, resulta da jurisprudência que uma ajuda relativa às despesas universitárias não pode ser considerada uma ajuda de subsistência na aceção do artigo 24.°, n.° 2. De facto, essa ajuda está sujeita à proibição geral de discriminação, independentemente da duração da residência (33). Daqui resulta que as reduções das tarifas de transporte não se incluem no conceito de bolsa de estudo.

71.      Quanto ao restante, importa sublinhar que no direito austríaco o direito a beneficiar da redução em causa não depende da aquisição de um direito de residência permanente por parte dos estudantes em causa. Por conseguinte, não se pode excluir que certos estudantes que teriam direito às ajudas de subsistência não beneficiem da redução.

d)      Quanto à necessidade de integração no Estado de acolhimento

72.      Por uma questão de exaustividade, pretendemos mencionar de forma breve um possível argumento de defesa que, no entanto, a Áustria não invocou e que, assim, o Tribunal de Justiça não tem de apreciar.

73.      O Tribunal de Justiça reconheceu que a existência de uma determinada conexão entre a sociedade do Estado‑Membro em causa e o beneficiário de uma prestação pode constituir uma consideração objetiva de interesse geral suscetível de justificar que os requisitos de concessão de tal prestação possam eventualmente afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União (34).

74.      Este critério justifica‑se por, embora os Estados‑Membros terem de dar provas, na organização e na aplicação do seu sistema de segurança social, de uma certa solidariedade financeira para com os cidadãos dos outros Estados‑Membros, ser possível que um Estado‑Membro evite que a concessão de ajudas destinadas a cobrir as despesas de subsistência de estudantes provenientes de outros Estados‑Membros se torne um encargo exagerado que possa ter consequências no nível global da ajuda que pode ser concedida por esse Estado (35).

75.      No entanto, também é necessário que o requisito da proporcionalidade seja respeitado. Uma medida é proporcional quando, sendo adequada para a realização do objetivo prosseguido, não vai além do necessário para o atingir (36). Em particular, os requisitos de domicílio e de lugar de residência habitual devem ser proporcionais aos objetivos prosseguidos pela regulamentação nacional (37).

76.      Daqui resulta que o grau necessário de integração não deve assim ser determinado de maneira uniforme em relação a todas as prestações, mas que se deve estabelecer uma distinção em função da importância das prestações. Ao passo que é proporcional exigir cinco anos de residência para conceder uma bolsa de subsistência aos estudantes (38), a concessão de uma vinheta de portagem gratuita a pessoas portadoras de uma deficiência deve ser objeto de requisitos menos estritos. A este respeito, o Tribunal de Justiça reconheceu o caráter proporcional de uma regulamentação que reserva a concessão a título gratuito de uma vinheta de portagem anual a pessoas portadoras de uma deficiência que tenham domicílio ou o seu local de residência habitual no território do Estado‑Membro em causa, independentemente de uma duração de residência mínima, incluindo igualmente aquelas que se deslocam regularmente nesse Estado por razões de natureza profissional ou pessoal (39).

77.      Decorre deste entendimento que, no que respeita ao presente processo, há que concluir que a integração comprovada pela inscrição numa universidade austríaca é suficiente, por si só, para permitir que os estudantes invoquem o direito à igualdade de tratamento para obterem reduções das tarifas dos transportes públicos locais. Esta conclusão confirma, além disso, a interpretação do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, relativa à livre circulação e residência, segundo a qual o direito de beneficiar de uma redução das tarifas de transporte para os estudantes não pressupõe um direito de residência permanente (40).

78.      Não há no presente caso que decidir sobre a questão de saber se os estudantes que apenas se deslocam ocasionalmente a um Estado‑Membro, como por exemplo para fins turísticos ou no âmbito de uma excursão, podem ser excluídos dessas reduções das tarifas de transporte.

e)      Conclusão intermédia

79.      A subordinação em causa das reduções das tarifas de transporte à concessão de prestações familiares viola por conseguinte o artigo 18.° TFUE.

2.      Quanto ao artigo 24.° da Diretiva 2004/38, relativo à livre circulação e à residência

80.      As considerações apresentadas relativas ao artigo 18.° TFUE valem igualmente, em princípio, para o artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38. Segundo esta disposição, todos os cidadãos da União que, nos termos desta diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado, no âmbito de aplicação do Tratado, sob reserva das disposições específicas expressamente previstas no Tratado e np direito derivado.

81.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2004/38, o direito de residência é atribuído aos estudantes que dispõem de um seguro de doença e de recursos suficientes para a sua subsistência. Se estes requisitos forem preenchidos, os estudantes residem na Áustria ao abrigo da Diretiva 2004/38 e gozam do mesmo tratamento que os nacionais deste Estado, em conformidade com o disposto no artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38.

82.      Não obstante, a redução das tarifas de transporte é‑lhes recusada se os seus progenitores não receberem abonos de família austríacos. Decorre das considerações anteriores que tal situação constitui uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, que também não é justificada pelo artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38.

83.      Também o artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 é, assim, violado.

V ―    Quanto às despesas

84.      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Embora seja certo que os fundamentos apresentados pela Comissão são em grande medida procedentes, os seus pedidos foram, contudo, formulados de forma muito mais ampla do que estes fundamentos. Por conseguinte, cada parte deve ser condenada a suportar as suas próprias despesas.

VI ― Conclusão

85.      Propomos ao Tribunal de Justiça que decida da seguinte forma:

1.      A República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 18.° TFUE, conjugado com os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, por prever que, nos Länder de Viena, da Alta Áustria, do Burgenland e da Estíria, assim como na cidade de Innsbruck, os estudantes cujos progenitores não recebem os abonos de família austríacos por residirem noutro Estado‑Membro não beneficiam das mesmas reduções das tarifas de transporte de que beneficiam os estudantes aos quais são concedidos os abonos de família austríacos.

2.      A República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° da Diretiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, por prever que, nos Länder de Viena, da Alta Áustria, do Burgenland e da Estíria, assim como na cidade de Innsbruck, os estudantes que preenchem os requisitos previstos no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da diretiva e cujos progenitores não recebem os abonos de família austríacos por residirem noutro Estado‑Membro não beneficiam das mesmas reduções das tarifas de transporte de que beneficiam os estudantes aos quais são concedidos os abonos de família austríacos.

3.      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

4.      A Comissão e a República da Áustria suportam as suas próprias despesas.


1 ―      Língua original: alemão.


2 ―      Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77).


3 ―      Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F 1 p. 98), conforme alterado pelo Regulamento n.° 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1).


4 ―      V., relativamente à livre prestação de serviços, acórdãos de 15 de março de 1994, Comissão/Espanha (C‑45/93, Colet., p. I‑911, n.° 10), e de 15 de março de 1994, Comissão/Espanha (C‑45/93, Colet., p. I‑911, n.° 28). Quanto ao restante, v., nomeadamente, acórdãos de 28 de junho de 1978, Kenny (1/78, Colet., p. 505, n.° 12), e de 17 de abril de 1986, Reed (59/85, Colet., p. 1283, n.° 29).


5 ―      Acórdãos de 12 de abril de 1994, Halliburton Services (C‑1/93, Colet., p. I‑1137, n.° 12); de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, Colet., p. I‑1727, n.° 38); de 21 de janeiro de 2010, SGI (C‑311/08, Colet., p. I‑487, n.° 31); e de 31 de março de 2011, Schröder (C‑450/09, Colet., p. I‑2497, n.° 28).


6 ―      Acórdãos de 30 de maio de 1989, Comissão/Grécia (305/87, Colet., p. 1461, n.os 13 e 14); de 29 de abril de 1999, Royal Bank of Scotland (C‑311/97, Colet., p. I‑2651, n.° 20); e de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C‑97/09, Colet., p. I‑10465, n.os 44 e 45).


7 ―      Acórdãos de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis (C‑92/01, Colet., p. I‑1291, n.os 18 e segs.); de 11 de setembro de 2007, Comissão/Alemanha (C‑318/05, Colet., p. I‑6957, n.os 35 e 36); de 20 de maio de 2010, Zanotti (C‑56/09, Colet., p. I‑4517, n.os 24 e 25); e de 16 de dezembro de 2010, Josemans (C‑137/09, Colet., p. I‑13019, n.° 53).


8 ―      Acórdãos de 26 de outubro de 2006, Comissão/Portugal (C‑345/05, Colet., p. I‑10633, n.° 45), e de 18 de janeiro de 2007, Comissão/Suécia (C‑104/06, Colet., p. I‑671, n.° 37). Em contrapartida, o acórdão de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Bélgica (C‑250/08, Colet., p. I‑12341, n.° 30), considera que a livre de circulação de capitais é mais específica do que a cidadania da União.


9 ―      V. acórdãos Comissão/Portugal (já referido na nota 8, n.° 37) e Comissão/Suécia (já referido na nota 8, n.° 30), assim como acórdãos de 20 de janeiro de 2011, Comissão/Grécia (C‑155/09, Colet., p.I‑65, n.° 60), e de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Hungria (C‑253/09, Colet., p. I‑12391, n.° 86).


10 ―      Acórdãos de 24 de maio de 2007, Holböck (C‑157/05, Colet., p. I‑4051); de 21 de janeiro de 2010, SGI (já referido na nota 5, n.° 25); e de 15 de setembro de 2011, Halley e o. (C‑132/10, Colet., p. I‑8353, n.° 17). V. igualmente, neste sentido, acórdãos de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, Colet., p. I‑7995, n.os 31 a 33), e de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz (C‑452/04, Colet., p. I‑9521, n.os 34 e 44 a 49).


11 ―      Acórdãos de 31 de janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 10); de 2 de fevereiro de 1989, Cowan (186/87, Colet., p. 195, n.° 15); de 26 de outubro de 1999, Eurowings Luftverkehr (C‑294/97, Colet., p. I‑7447, n.° 34); de 20 de maio de 2010, Zanotti (já referido na nota 7, n.° 35); e de 5 de julho de 2012, SIAT (C‑318/10, n.° 19).


12 ―      V., relativamente ao preço de entrada em locais turísticos, os acórdãos, já referidos, Comissão/Espanha e Comissão/Itália (nota 4).


13 ―      Acórdãos de 5 de outubro de 1988, Steymann (196/87, Colet., p. 6159 e p. 6174), e de 17 de junho de 1997, Sodemare e o. (C‑70/95, Colet., p. I‑3395, n.° 38).


14 ―      Acórdão Sodemare e o. (já referido na nota 13).


15 ―      Acórdão Zanotti (já referido na nota 7, n.° 35).


16 ―      Acórdão Comissão/Alemanha (já referido na nota 7, n.° 72).


17 ―      Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetriebs (C‑338/09, Colet., p. I‑13927, n.° 29), e de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger (C‑382/08, Colet., p. I‑139, n.° 22).


18 ―      Acórdãos de 22 de maio de 1985, Parlamento/Conselho (13/83, Recueil, p. 1513, n.° 62), e de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetriebs (já referido na nota 17, n.° 30).


19 ―      Acórdãos de 4 de abril de 1974, Comissão/França (167/73, Colet., p. 187, Recueil, p. 359, n.° 32); de 30 de abril de 1986, Asjes e o. (209/84 a 213/84, Recueil, p. 1425, n.° 45); e de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger (já referido na nota 17, n.° 21).


20 ―      Acórdãos, já referidos, Comissão/França (já referido na nota 19, n.° 33, a propósito da livre circulação dos trabalhadores) e Yellow Cab Verkehrsbetriebs (já referido na nota 17, n.° 33, a propósito da liberdade de estabelecimento).


21 ―      Acórdão Neukirchinger (já referido na nota 17, n.os 23 e segs.).


22 ―      V., por exemplo, acórdão de 17 de novembro de 2011, Gaydarov (C‑430/10, Colet., p. I‑11637).


23 ―      V. as minhas conclusões de 20 de outubro de 2009 no processo que deu origem ao acórdão Teixeira (acórdão de 23 de fevereiro de 2010, C‑480/08, Colet., p. I‑1107, n.° 122 e nota 101). V., igualmente, acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o. (C‑73/08, Colet., p. I‑2735, n.os 34 e segs.).


24 ―      Acórdão Bressol e o. (já referido na nota 23, n.os 30 a 33 e jurisprudência referida).


25 ―      Ibidem (n.° 41 e jurisprudência referida).


26 ―      Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1).


27 ―      Regulamento (CE) n.° 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.° 883/2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 284, p. 1).


28 ―      V., neste sentido, acórdãos de 20 de maio de 2008, Bosmann (C‑352/06, Colet., p. I‑3827, n.° 27), e de 12 de junho de 2012, Hudzinski (C‑611/10 e C‑612/10, n.° 44).


29 ―      Acórdãos de 15 de junho de 2010, Comissão/Espanha (C‑211/08, Colet., p. I‑5267, n.° 45), e de 14 de outubro de 2010, van Delft e o. (C‑345/09, Colet., p. I‑9879, n.° 85).


30 ―      N.° 13 da contestação.


31 ―      V., a este propósito, n.os 80 e 81, infra.


32 ―      Acórdão de 18 de novembro de 2008, Förster (C‑158/07, Colet., p. I‑8507, n.° 55).


33 ―      Acórdãos de 21 de junho de 1988, Lair (39/86, Colet., p. 3161, n.° 16); de 21 de junho de 1988, Brown (197/86, Colet., p. 3205, n.° 18); e de 26 de fevereiro de 1992, Raulin (C‑357/89, Colet., p. I‑1027, n.os 27 e 28).


34 ―      Acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, Colet., p. I‑6191, n.° 38), e de 1 de outubro de 2009, Gottwald (C‑103/08, Colet., p. I‑9117, n.° 32).


35 ―      Acórdãos de 15 de março de 2005, Bidar (C‑209/03, Colet., p. I‑2119, n.° 56), e de 18 de novembro de 2008, Förster (já referido na nota 32, n.° 48).


36 ―      Acórdão Gottwald (já referido na nota 34, n.° 33).


37 ―      Ibidem (n.° 38).


38 ―      Acórdão Förster (já referido na nota 32, n.° 60).


39 ―      Acórdão Gottwald (já referido na nota 34, n.os 37 e 41).


40 ―      V. n.° 70, supra.