Language of document : ECLI:EU:C:2011:172

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

24 de Março de 2011 (*)

«Incumprimento de Estado – Liberdade de estabelecimento − Artigo 43.° CE – Legislação nacional relativa ao estabelecimento de superfícies comerciais na Catalunha – Restrições – Justificações – Proporcionalidade»

No processo C‑400/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 16 de Setembro de 2008,

Comissão Europeia, representada por E. Traversa e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes, assistidos por C. Fernández Vicién e A. Pereda Miquel, abogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

apoiado pelo:

Reino da Dinamarca, representado por J. Bering Liisberg e R. Holdgaard, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas (relator), U. Lõhmus e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: N. Nanchev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Maio de 2010,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de Outubro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que, tendo imposto restrições ao estabelecimento de superfícies comerciais na Catalunha, resultantes da Lei 7/1996, sobre o comércio a retalho (Ley 7/1996, de ordenación del comercio minorista), de 15 de Janeiro de 1996 (BOE n.° 15, de 17 de Janeiro de 1996, p. 1243, a seguir «Lei 7/1996»), e da regulamentação da Comunidade Autónoma da Catalunha na mesma matéria, a saber, a Lei 18/2005, sobre os equipamentos comerciais (Ley 18/2005 de equipamientos comerciales), de 27 de Dezembro de 2005 (DOGC n.° 4543, de 3 de Janeiro de 2006, p. 72, a seguir «Lei 18/2005»), o Decreto 378/2006, de execução da Lei 18/2005 (Decreto 378/2006 por el que se desarolla la Ley 18/2005), de 10 de Outubro de 2006 (DOGC n.° 4740, de 16 de Outubro de 2006, p. 42591, a seguir «Decreto 378/2006»), e o Decreto 379/2006, que aprova o novo plano territorial sectorial dos equipamentos comerciais (Decreto 379/2006 por el que se aprueba el Plan territorial sectorial de equipamientos comerciales), de 10 de Outubro de 2006 (DOGC n.° 4740, de 16 de Outubro de 2006, p. 42600, a seguir «Decreto 379/2006»), o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.

I –  Quadro jurídico nacional

A –  Lei 7/1996

2        O artigo 2.° da Lei 7/1996 dispõe:

«Estabelecimentos comerciais

1.      São considerados estabelecimentos comerciais os locais ou instalações com carácter fixo e permanente, destinados ao exercício regular de actividades comerciais, quer seja de modo contínuo quer em dias ou períodos determinados.

2.      Estão incluídos na definição anterior os quiosques e, em termos gerais, as instalações de qualquer tipo que respondam à afectação visada na dita definição, desde que possuam a qualidade de imóvel na acepção do artigo 334.° do Código Civil.

3.      As Comunidades Autónomas estabelecem as condições de atribuição da qualidade de grande estabelecimento comercial. De todo o modo, são considerados como tais, para efeitos das autorizações e das disposições da legislação comercial, os estabelecimentos comerciais afectos ao comércio a retalho de qualquer tipo de artigos, cuja superfície útil para exposição e venda ao público seja superior a 2 500 metros quadrados.»

3        O artigo 6.° da mesma lei prevê:

«Instalação de grandes estabelecimentos

1.      A abertura de grandes estabelecimentos comerciais está sujeita à obtenção de uma licença comercial específica, emitida pela Administração da Comunidade Autónoma, que pode igualmente sujeitar a autorização administrativa outros casos relacionados com a actividade comercial.

2.      A concessão ou recusa da licença referida no número anterior é tomada tendo em consideração, designadamente, a existência ou não de um equipamento comercial adequado na zona em questão e os efeitos que terá na estrutura comercial dessa zona.

De todo o modo, é exigido um relatório do Tribunal da Concorrência, embora não tenha carácter vinculativo.

3.      Considera-se que uma zona está dotada de equipamento comercial adequado quando a população existente e, eventualmente a população previsível a médio prazo tem um nível de oferta que, em termos de qualidade, variedade, serviço, preço e horários, satisfaz tanto a situação actual como as tendências de evolução e modernização do comércio a retalho.

4.      O efeito na estrutura comercial existente é avaliado tendo em conta a melhoria que representa, em termos de concorrência, a abertura de um novo grande estabelecimento comercial na zona, bem como os efeitos negativos que poderá ter no pequeno comércio já existente.

5.      As Comunidades Autónomas com competência nesta matéria podem criar comissões territoriais de equipamentos comerciais, para se pronunciarem sobre a abertura de grandes estabelecimentos, em conformidade com as regras eventualmente estabelecidas pela legislação autónoma correspondente.»

4        A disposição final da Lei 7/1996 especifica o estatuto constitucional dos seus vários artigos. Por força desta, os n.os 1 e 2 do artigo 6.° foram aprovados ao abrigo da competência exclusiva do Estado nos termos do artigo 149.°, n.° 1, ponto 13, da Constituição. Os n.os 3 a 5 do referido artigo caem na categoria residual de disposições que podem ser «aplicáveis na falta de legislação específica aprovada pelas Comunidades Autónomas».

B –  Lei 18/2005

5        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Lei 18/2005 define, no caso da Comunidade Autónoma da Catalunha, os grandes estabelecimentos comerciais e os estabelecimentos comerciais de dimensão média, com base na população do município em que estão localizados. Assim, como a advogada‑geral indicou no n.° 11 das suas conclusões, as definições podem ser resumidas como se segue:

População do município

Grandes estabelecimentos (área de vendas de X m² ou superior)

Estabelecimentos de dimensão média (área de vendas de X m² ou superior)

Superior a 240 000 habitantes

2 500 m²

1 000 m²

De 25 001 a 240 000 habitantes

2 000 m²

800 m²

De 10 001 a 25 000 habitantes

1 300 m²

600 m²

Até 10 000 habitantes

800 m²

500 m²


6        O artigo 3.°, n.° 3, desta lei dispõe que as restrições às áreas de venda que decorrem do plano territorial sectorial dos equipamentos comerciais (a seguir «PTSEC») são aplicáveis aos estabelecimentos de dimensão média do sector alimentar e a todos os estabelecimentos com área de venda igual ou superior a 1 000 m², dedicados à venda de artigos eléctricos ou electrónicos para uso doméstico, equipamento desportivo ou pessoal, artigos de lazer ou cultural, independentemente da sua classificação de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo.

7        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Lei 18/2005, só podem ser abertos grandes estabelecimentos comerciais em zonas urbanas consolidadas dos municípios que sejam capitais de distrito ou que tenham uma população superior a 25 000 habitantes ou população sazonal equiparável por razões de fluxos turísticos.

8        O n.° 2 deste artigo impõe a mesma restrição, fora dos casos excepcionais, no tocante a estabelecimentos com uma área de vendas igual ou superior a 1 000 m2, que se dediquem essencialmente à venda de artigos eléctricos ou electrónicos para uso doméstico, de artigos e acessórios de desporto e de equipamento pessoal, e a estabelecimentos que se dediquem à venda de artigos de lazer ou de cultura.

9        Por força do n.° 3 do mesmo artigo, o conceito de «zona urbana consolidada» tem em conta as zonas onde, de acordo com o plano de urbanismo em vigor, reside a maioria da população, as zonas de edifícios residenciais contínuos e as zonas de comércio integradas nas zonas residenciais.

10      O n.° 8 do dito artigo enumera as derrogações às proibições mencionadas nos n.os 7 e 8 do presente acórdão. Estas incidem designadamente sobre:

–        os estabelecimentos de venda de automóveis e outros veículos, de maquinaria, de materiais de construção e de artigos de bricolage e os centros de jardinagem;

–        as áreas de venda nas estações de comboio do AVE (comboio de alta velocidade), e em determinados aeroportos e portos para o tráfego de passageiros;

–        os estabelecimentos comerciais implantados em municípios situados em ambos os lados da fronteira; e

–        os estabelecimentos de venda directa das fábricas (factory outlets).

11      O artigo 6.°, n.° 1, da Lei 18/2005 dispõe que é necessária uma licença comercial municipal, nos seguintes casos:

«a)      para abrir estabelecimentos comerciais de dimensão média;

b)      para ampliar estabelecimentos comerciais com área de venda correspondente, antes ou após a ampliação, à prevista para os estabelecimentos de dimensão média;

c)      para alterar a actividade dos estabelecimentos comerciais de dimensão média;

d)      para transferir estabelecimentos comerciais com área de venda correspondente, antes ou após a transferência, à prevista para os estabelecimentos de dimensão média. Neste caso, a produção de efeitos da licença está subordinada ao encerramento efectivo do estabelecimento de origem, antes da abertura do novo».

12      Nos termos do n.° 4 deste artigo, a falta de decisão da Administração, no prazo previsto para a emissão da licença comercial municipal, equivale à recusa da licença.

13      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Lei 18/2005, é exigida uma licença emitida pela Generalidad de Catalunha (a seguir «Generalidad»), nos seguintes casos:

«a)      para abrir grandes estabelecimentos comerciais;

b)      para ampliar estabelecimentos comerciais com área de venda que ultrapasse, antes ou após a ampliação, os limites estabelecidos no artigo 3.°, n.os 1 e 4;

c)      para alterar a actividade de grandes estabelecimentos comerciais;

d)      para transferir estabelecimentos comerciais com área de venda que ultrapasse, antes ou após a transferência, os limites estabelecidos no artigo 3.°, n.os 1 e 4. Neste caso, a produção de efeitos da licença está subordinada ao encerramento efectivo do estabelecimento de origem, antes da abertura do novo;

e)      para a cessão de grandes estabelecimentos, excepto quando estejam preenchidos os requisitos previstos no n.° 3 do presente artigo.»

14      O referido artigo 7.°, n.° 8, especifica:

«Durante a tramitação do processo para a emissão da licença comercial pela Generalidad, o requerente deve apresentar um relatório redigido pelas autoridades municipais do território no qual pretende abrir, ampliar ou transferir um grande estabelecimento, ou alterar a sua actividade. O relatório deve ser aprovado pelo Conselho Municipal, constituído na totalidade dos seus membros, e deve ser fundamentado tendo em conta os critérios de apreciação estabelecidos no artigo 10.°; se o relatório for desfavorável, reveste carácter vinculativo. Se, três meses após a apresentação do pedido de relatório ao Conselho Municipal, este não tiver sido elaborado, presume‑se que é desfavorável.»

15      Nos termos do n.° 10 do mesmo artigo, a falta de decisão, uma vez expirado o prazo de seis meses previsto para a emissão de licença comercial pela Generalidad, equivale à recusa da licença.

16      Por força do artigo 8.° da Lei 18/2005:

«1.      Para as comunicações de abertura de estabelecimentos comerciais na Catalunha e para o processo de emissão da licença comercial referentes aos estabelecimentos comerciais de média e grande dimensão, regulamentados pela presente lei, é indispensável um relatório sobre o grau de implantação no mercado em causa, elaborado pelo departamento competente em matéria de comércio.

2.      Estão dispensados do relatório sobre o grau de implantação as pequenas e médias empresas, em conformidade com os critérios enunciados na primeira disposição adicional.

3.      Para efeitos da presente lei, entende‑se por grau de implantação a importância em termos da quota de mercado de uma empresa ou de um grupo de empresas no mercado em causa.

4.      Sendo desfavorável, o relatório sobre o grau de implantação reveste carácter vinculativo quanto à recusa de autorização requerida, bem como no caso das comunicações de abertura de estabelecimentos, previstos no n.° 1.

5.      Para avaliar o grau de implantação, o departamento competente em matéria de comércio, em consonância com o departamento e os órgãos da Generalidad competentes em matéria de concorrência, deve definir os conceitos de mercado em causa, de quota de mercado e de zona de influência, que devem ser retomados nas disposições regulamentares de execução da presente lei. Para a definição destes conceitos, há que ter em conta, designadamente, os produtos e serviços em concorrência no mesmo mercado, o volume de negócios dos sectores e a área dos estabelecimentos existentes.

6.      Há que fixar por via regulamentar os critérios, o processo a seguir e a instância competente para emitir o relatório sobre o grau de implantação. Para a fixação destes critérios, há que avaliar, designadamente, os indicadores que constam do «Livro Branco» mencionado no artigo 9.° O regulamento deve também fixar as condições no respeito das quais o departamento competente em matéria de comércio tornará públicas as decisões de concessão ou de recusa de licenças ou os relatórios apresentados, por intermédio do registo público.»

17      O artigo 10.° da Lei 18/2005 enumera os elementos que a Generalidad ou as autoridades municipais devem apreciar para se pronunciarem sobre os pedidos de licença comercial. Trata‑se da conformidade, com o PTSEC e com o plano de urbanismo, das condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente; da mobilidade gerada pelo projecto, em particular, os seus efeitos na rede viária e na utilização de transportes públicos e particulares; do número de lugares de estacionamento disponíveis, medido através de rácios estabelecidos por regulamento para cada caso; da localização do estabelecimento na zona urbana consolidada e do cumprimento das orientações urbanísticas municipais para os equipamentos comerciais, caso exista; do «direito dos consumidores a dispor de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos»; bem como do grau de implantação da empresa requerente no mercado em causa.

18      O artigo 11.° desta lei cria uma comissão consultiva do tipo referido no artigo 6.°, n.° 5, da Lei 7/1996, a Comisión de Equipamientos Comerciales (Comissão dos Equipamentos Comerciais), cuja função consiste em se pronunciar, em particular, sobre os assuntos relacionados com a concessão de licenças pela Generalidad e as matérias urbanísticas relacionadas com a designação das zonas onde podem ser abertos estabelecimentos comerciais, incluindo a elaboração de propostas de alteração ao PTSEC.

19      O artigo 12.° da mesma lei estabelece o pagamento de taxas para o tratamento dos pedidos de licenças e dos pedidos de relatórios sobre o grau de implantação. Autoriza igualmente a cobrança, pelos municípios, de taxas para o tratamento dos pedidos de licenças comerciais municipais e dos pedidos de relatórios municipais destinados à Generalidad, relativos aos pedidos de licenças que relevam da competência desta.

C –  Decreto 378/2006

20      O artigo 3.° do Decreto 378/2006 define os hipermercados como estabelecimentos em regime de auto‑serviço, com uma área de vendas igual ou superior a 2 500 m², que vendem uma vasta gama de produtos de consumo corrente e de consumo não corrente, e uma grande área de estacionamento.

21      O artigo 14.° deste decreto estabelece o processo para requerer uma licença comercial à Generalidad. Este artigo enumera os documentos que devem ser apresentados, incluindo, no seu n.° 1, alínea b), um estudo de mercado que analise a viabilidade do projecto face à oferta existente e à procura potencial na área de influência, a quota de mercado atraída e o impacto na oferta existente.

22      O artigo 26.°, n.° 1, do referido decreto rege a composição da Comissão dos Equipamentos Comerciais criada pelo artigo 11.° da Lei 18/2005, a saber, sete membros que representam os serviços da Generalidad, seis membros que representam os municípios, sete membros que representam o sector do comércio, dois peritos escolhidos pelo departamento de comércio da Generalidad e um secretário que é designado pelo presidente da dita Comissão.

23      Por força do artigo 27.° do mesmo decreto, esta comissão é consultada sobre os assuntos mencionados no artigo 11.° da Lei 18/2005 e também sobre a delimitação das zonas urbanas consolidadas dos municípios.

24      O artigo 28.°, n.° 2, do Decreto 378/2006 estabelece que, no caso das grandes empresas retalhistas, o relatório sobre o grau de implantação previsto no artigo 8.° da Lei 18/2005 deve abranger todos os estabelecimentos que operem sob a sua denominação, quer o controlo sobre os mesmos seja directo ou indirecto.

25      Nos termos do artigo 31.°, n.° 4, deste decreto, é determinado anualmente um limite máximo de implantação para cada sector comercial, tanto para toda a Catalunha como para as zonas que a compõem. A Comissão afirma, sem ser contestada pelo Reino de Espanha, que esta disposição ainda não foi aplicada, pelo que o limite máximo de implantação do grupo ao qual pertence um distribuidor é o que foi fixado pela legislação anterior, a saber, 25% da área de vendas na Catalunha, ou 35% da área de vendas da zona de influência do estabelecimento cuja implantação está projectada.

26      Nos termos do artigo 33.°, n.° 2, do dito decreto, o relatório sobre o grau de implantação deve ser desfavorável se o limite máximo de implantação for excedido. O n.° 5 do mesmo artigo estabelece um prazo máximo de seis meses para a emissão do relatório, sob pena de este ser considerado favorável. O n.° 7 deste artigo estabelece que o relatório tem um prazo de validade de seis meses.

D –  Decreto 379/2006

27      O artigo 7.° do Decreto 379/2006 dispõe que os grandes estabelecimentos e os estabelecimentos de dimensão média no sector da alimentação, bem como todos os estabelecimentos com uma área de vendas igual ou superior a 1 000 m² dedicados essencialmente à venda de artigos eléctricos ou electrónicos domésticos, de artigos e acessórios de desporto, de equipamento pessoal, de artigos culturais ou de lazer, estão sujeitos às restrições sobre a área de vendas previstas para cada distrito e município no PTSEC.

28      O artigo 10.°, n.° 2, deste decreto estabelece:

«Nos distritos onde esteja previsto um excesso de oferta para o ano de 2009, não poderá ser construído nenhum hipermercado.

Nos outros distritos, a construção dos hipermercados não pode exceder 9% da oferta estimada para o distrito no ano de 2009, no caso de bens de consumo corrente, e de 7% dessa oferta em bens de consumo não corrente.»

29      O PTSEC figura no anexo 1 do Decreto 379/2006. Define, em particular, as áreas máximas para as quais podiam ser concedidas licenças, no triénio de 2006/2009, para os supermercados, hipermercados, estabelecimentos especializados assim como para os centros comerciais e as grandes superfícies em cada unidade territorial.

II –  Procedimento pré‑contencioso

30      Na sequência de uma denúncia por parte de várias empresas do sector da grande distribuição, a Comissão contestou a compatibilidade com o artigo 43.° CE da legislação que regula a abertura de grandes estabelecimentos comerciais no território da Comunidade Autónoma da Catalunha. A Comissão enviou ao Reino de Espanha, em 9 de Julho de 2004, uma notificação para cumprir.

31      Na sua resposta de 13 de Outubro de 2004, este Estado‑Membro considerou que os comentários da Comissão eram injustificados.

32      Em 27 de Dezembro de 2005, foi adoptada a Lei 18/2005. Na opinião da Comissão, esta lei não eliminou todas as incompatibilidades com o artigo 43.° CE e, além disso, introduziu novas restrições à liberdade de estabelecimento na área de actividade em questão. A Comissão enviou ao Reino de Espanha, em 4 de Julho de 2006, uma notificação para cumprir adicional. Na sua resposta de 6 de Outubro de 2006, o referido Estado‑Membro negou que a legislação fosse restritiva, injustificada ou desproporcionada.

33      Não satisfeita com esta resposta, a Comissão emitiu, em 23 de Outubro de 2007, um parecer fundamentado, convidando o Reino de Espanha a adaptar a sua regulamentação e a pôr termo à alegada violação, no prazo de dois meses a contar da recepção desse parecer. Na sua resposta de 3 de Janeiro de 2008, o Reino de Espanha reiterou a intenção de alterar a legislação controvertida, mas afirmou que essas alterações seriam efectuadas no quadro da transposição da Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36). Não tendo sido adoptada nenhuma medida no termo do prazo fixado, a Comissão intentou a presente acção.

34      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2009, o Reino da Dinamarca foi admitido a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Reino de Espanha.

III –  Quanto à acção

A –  Quanto à admissibilidade

35      A título preliminar, importa recordar que o Tribunal de Justiça pode conhecer oficiosamente do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 226.° CE para a propositura de uma acção por incumprimento (v. acórdão de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑487/08, Colect., p. I‑0000, n.° 70 e jurisprudência referida).

36      A este propósito, há que recordar que resulta do artigo 38.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e da jurisprudência a ele relativa que a petição inicial deve indicar o objecto do litígio e conter a exposição sumária dos fundamentos do pedido e que estes devem ser suficientemente claros e precisos para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma acção devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição e que os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca, a fim de evitar que o Tribunal de Justiça decida ultra petita ou não conheça de uma acusação (v. acórdão de 15 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑211/08, Colect., p. I‑0000, n.° 32 e jurisprudência referida).

37      Ora, há que constatar que, na sua petição, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça declare que o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE, tendo imposto restrições ao estabelecimento de superfícies comerciais, resultantes de quatro leis e decretos cujos textos, como foram apresentados ao Tribunal de Justiça, contêm mais de 200 páginas, e que a referida petição não está isenta de imprecisões.

38      No n.° 46 da sua réplica, a Comissão forneceu, porém, uma lista de restrições específicas que, conjugada com as referências feitas na petição, facilita a identificação das restrições concretas que considera decorrerem da parte da legislação controvertida que foi adoptada pela Comunidade Autónoma da Catalunha, a saber, a Lei 18/2005 e os Decretos 378/2006 e 379/2006.

39      Esta lista visa:

1)      A proibição do estabelecimento de grandes superfícies comerciais fora das zonas urbanas consolidadas de um reduzido número de municípios (artigo 4.°, n.° 1, da Lei 18/2005);

2)      As restrições à área de vendas para cada distrito e município (artigo 7.° do Decreto 379/2006, conjuntamente com o PTSEC, que figura no anexo 1 do mesmo diploma); a Comissão sustenta, em concreto, que:

a)      a restrição é particularmente severa relativamente aos hipermercados – não podem ser autorizados novos hipermercados em 37 dos 41 distritos (PTSEC, anexo 1.2 do Decreto 379/2006);

b)      nos outros quatro distritos, apenas podem ser autorizados hipermercados que não excedam 9% da oferta estimada de bens de consumo corrente ou 7% da oferta estimada de bens que não sejam de consumo corrente (artigo 10.°, n.° 2, do Decreto 379/2006); e

c)      nos quatro distritos referidos, apenas estão disponíveis 23 667 m2, repartidos por seis municípios (PTSEC, anexo 1.2 do Decreto 379/2006);

3)      A obrigatoriedade de um relatório sobre o grau de implantação, que é vinculativo se for desfavorável e que será obrigatoriamente desfavorável se o grau de implantação exceder um determinado valor (artigo 8.° da Lei 18/2005 e artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006);

4)      A falta de uma definição clara dos critérios aplicados (artigo 10.° da Lei 18/2005);

5)      Alguns aspectos processuais relacionados com a apreciação dos pedidos de autorização, a saber:

a)      o regime do «indeferimento tácito» (artigos 6.° e 7.° da Lei 18/2005);

b)      a obrigatoriedade de obtenção do parecer de uma comissão consultiva constituída, designadamente, por concorrentes dos requerentes (artigo 11.° da Lei 18/2005 e artigo 26.° do Decreto 378/2006);

c)      a cobrança de taxas não relacionadas com o custo do referido procedimento (artigo 12.° da Lei 18/2005); e

d)      a duração excessiva do procedimento (artigo 33.° do Decreto 378/2006, relativo aos prazos de emissão e de validade do relatório sobre o grau de implantação).

40      Na audiência, a Comissão confirmou que as disposições mencionadas na referida lista constituem a totalidade dos aspectos, que são contestados, da legislação adoptada pela Comunidade Autónoma da Catalunha.

41      Para além destas disposições, resulta igualmente da petição que a Comissão contesta a compatibilidade do artigo 6.° da Lei 7/1996 com o direito da União.

42      Este artigo estabelece, nos n.os 1 a 4, a exigência de uma licença para abertura de grandes estabelecimentos comerciais, bem como os critérios aplicáveis no que se refere à emissão desta licença. Mais exactamente, o n.° 2 do referido artigo estabelece os critérios essenciais para o efeito e exige a consulta do Tribunal da Concorrência. Além disso, o n.° 5 do mesmo artigo prevê que as Comunidades Autónomas podem criar comissões que terão por missão a elaboração de relatórios sobre a implantação de grandes estabelecimentos comerciais.

43      O Reino de Espanha sustenta que decorre da disposição final da referida lei que o seu artigo 6.°, n.os 3 a 5, só se aplica na falta da regulamentação específica adoptada pelas Comunidades Autónomas. Ora, a Comunidade Autónoma da Catalunha adoptou uma regulamentação específica. Por conseguinte, no momento da propositura da presente acção, as referidas disposições não eram aplicáveis nesta comunidade e não devem, pois, ser objecto da acção.

44      A Comissão alega que a sua acção deve ser dirigida contra os ditos n.os 3 a 5, uma vez que definem os critérios essenciais para a concessão de licenças que são visados pelo n.° 2 do mesmo artigo, que se inclui na regulamentação de base obrigatória em todo o território espanhol. Os n.os 3 a 5 deste artigo aplicam‑se supletivamente na Comunidade Autónoma da Catalunha, a fim de dar efeito ao referido n.° 2. Mesmo admitindo que os referidos n.os 3 a 5 não sejam actualmente aplicados nesta comunidade, a Comissão entende que estas disposições violam, contudo, o direito da União, na medida em que se podem tornar aplicáveis no caso de revogação ou de modificação da legislação actualmente em vigor.

45      A este propósito, como lembrado no n.° 36 do presente acórdão, cabe à Comissão precisar no texto da petição os elementos essenciais de facto e de direito nos quais fundamenta a sua acção.

46      Ora, importa concluir que, no que toca ao artigo 6.°, n.os 3 a 5, da Lei 7/1996, a presente acção não obedece à precisão exigida. Com efeito, não decorre com suficiente precisão da petição, e nem sequer da réplica, a razão pela qual as disposições seriam constitutivas do incumprimento alegado pela Comissão.

47      Por conseguinte, a acção é inadmissível na parte em que se refere ao artigo 6.°, n.os 3 a 5, da Lei 7/1996.

48      Em contrapartida, no que respeita ao artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Lei 7/1996 assim como às disposições controvertidas adoptadas pela Comunidade Autónoma da Catalunha, visadas no n.° 39 do presente acórdão, não obstante as imprecisões da petição, o Tribunal de Justiça entende dispor de elementos suficientes para apreender o alcance da violação do direito da União imputada ao Reino de Espanha e verificar, assim, a existência do incumprimento alegado pela Comissão.

49      Por outro lado, resulta manifestamente do exame da contestação do Reino de Espanha que este compreendeu efectivamente que a Comissão lhe censura o facto de ter limitado a liberdade de estabelecimento através da legislação controvertida e que esta instituição critica a referida legislação por afectar os grandes estabelecimentos comerciais, mas não os estabelecimentos comerciais de média dimensão, o que, de facto, põe em desvantagem os operadores económicos dos outros Estados‑Membros, e por, além disso, a mesma não ser justificada. Nestas condições, o Reino de Espanha pôde utilizar utilmente os seus meios de defesa.

50      Por conseguinte, a presente acção é admissível no tocante ao artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Lei 7/1996, bem como às disposições, visadas no n.° 39 do presente acórdão, da Lei 18/2005 e dos Decretos 378/2006 e 379/2006, emanando estes três últimos textos da Comunidade Autónoma da Catalunha (a seguir «legislação controvertida»).

B –  Quanto ao mérito

51      A acção da Comissão comporta, no essencial, três acusações respeitantes à incompatibilidade com o artigo 43.° CE, respectivamente: quanto à primeira, das limitações referentes à localização e à dimensão dos grandes estabelecimentos comerciais; quanto à segunda, das condições de obtenção da licença comercial específica exigida para a implantação de tais estabelecimentos; e, quanto à terceira, de determinados aspectos do processo referente à emissão desta licença.

52      A primeira acusação, relativa às limitações referentes à localização e à dimensão dos grandes estabelecimentos comerciais, visa a proibição de implantar tais estabelecimentos fora das zonas urbanas consolidadas de um número limitado de municípios, resultante do artigo 4.°, n.° 1, da Lei 18/2005, bem como as limitações das superfícies de venda por cada distrito e município que decorre do artigo 7.° do Decreto 379/2006, em conjugação com o PTSEC que figura no seu anexo 1. No tocante às limitações das superfícies de venda por cada distrito e município, a Comissão sustenta que a limitação é particularmente severa no caso dos hipermercados. Com efeito, resulta do PTSEC que a implantação de novos hipermercados está proibida em 37 dos 41 distritos. Nos quatro distritos restantes, a implantação de hipermercados só é autorizada se esta forma de comércio não absorver mais do que 9% das despesas em bens de consumo corrente ou de 7% das despesas em bens de consumo não corrente, por aplicação do artigo 10.°, n.° 2, do Decreto 379/2006. Por fim, resulta do PTSEC que, nestes quatro últimos distritos, a superfície máxima para os hipermercados é apenas de 23 667 m², repartidos por seis municípios.

53      A segunda acusação, relativa às condições de obtenção de uma licença comercial específica, divide-se em seis partes. A primeira refere‑se à necessidade de obter uma licença comercial específica, previamente à abertura de grandes estabelecimentos comerciais, imposta pelo artigo 6.°, n.° 1, da Lei 7/1996; a segunda versa sobre a necessidade de tomar em consideração, para a obtenção de tal licença, a existência de equipamento comercial na zona em causa, bem como os efeitos de uma nova implantação na estrutura comercial dessa zona, por aplicação do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Lei 7/1996; a terceira respeita à exigência, para a obtenção desta licença, de um relatório sobre o grau de implantação, o qual é vinculativo se for negativo e que deve ser negativo se o grau de implantação ultrapassar um determinado valor, como resulta do artigo 8.° da Lei 18/2005 e dos artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006; a quarta refere‑se à exigência de consulta do Tribunal da Concorrência, imposta pelo artigo 6.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Lei 7/1996; a quinta é relativa à obrigação de obter o parecer da Comissão dos Equipamentos Comerciais, da qual são membros os concorrentes potenciais do requerente da licença, em conformidade com os artigos 11.° da Lei 18/2005 e 26.° do Decreto 378/2006; a sexta respeita à falta de definição clara dos critérios aplicáveis nos termos do artigo 10.° da Lei 18/2005.

54      Por fim, a terceira acusação, relativa a determinados aspectos do processo de emissão da licença comercial, está dividida em três partes: a primeira reporta‑se ao regime do indeferimento tácito previsto nos artigos 6.° e 7.° da Lei 18/2005; a segunda é referente à cobrança de taxas consideradas sem relação com o custo deste processo, nos termos do artigo 12.° da mesma lei; e a terceira versa sobre a duração excessiva do referido procedimento, a qual decorre do artigo 33.°, n.os 5 e 7, do Decreto 378/2006, respeitante aos prazos de emissão e de validade do relatório sobre o grau de implantação.

1.     Argumentos das partes

55      A Comissão alega que a legislação controvertida constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 43.° CE, na medida em que afecta as possibilidades de implantação de grandes estabelecimentos comerciais no território da Comunidade Autónoma da Catalunha. A dita legislação produz um efeito discriminatório indirecto, favorecendo a implantação dos estabelecimentos comerciais de dimensão média em detrimento dos grandes estabelecimentos comerciais. Com efeito, os operadores económicos que preferem criar estabelecimentos comerciais de dimensão média são maioritariamente de nacionalidade espanhola, ao passo que aqueles que preferem implantar grandes estabelecimentos comerciais são, na maior parte das vezes, originários de outros Estados‑Membros. Por outro lado, a legislação controvertida não encontra justificação em nenhuma das razões previstas no artigo 46.°, n.° 1, CE. A Comissão sustenta, a título subsidiário, que, em todo o caso, as justificações invocadas pelo Reino de Espanha não podem ser admitidas.

56      O Reino de Espanha contesta o alegado incumprimento. Este Estado‑Membro reconhece que a legislação controvertida implica determinadas restrições à liberdade de estabelecimento, mas sustenta que estas não geram discriminação, ainda que indirecta, assente na nacionalidade. A referida legislação justifica‑se por razões de interesse geral, em especial, a protecção dos consumidores, a protecção do ambiente e o bom ordenamento do território. A legislação é adequada para garantir a realização dos objectivos prosseguidos e, simultaneamente, não ultrapassa o necessário para os atingir.

57      O Reino da Dinamarca sustenta que uma legislação como a em causa, não sendo discriminatória, não deve ser considerada constitutiva de uma restrição à liberdade de estabelecimento proibida pelo direito da União, uma vez que não afecta directamente o acesso dos operadores estrangeiros ao mercado. O Reino de Espanha subscreve esta tese.

2.     Apreciação do Tribunal de Justiça

a)     Quanto à existência de restrições à liberdade de estabelecimento

58      Importa lembrar que, de acordo com jurisprudência assente, no âmbito de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É, com efeito, à Comissão que compete fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência desse incumprimento, sem que se possa basear numa qualquer presunção (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 5 de Outubro de 1989, Comissão/Países Baixos, 290/87, Colect., p. 3083, n.os 11 e 12, e de 4 de Março de 2010, Comissão/França, C‑241/08, Colect., p. I‑0000, n.° 22).

59      A validade da alegação da Comissão, de acordo com a qual a legislação controvertida produz efeitos indirectamente discriminatórios para os operadores originários de outros Estados‑Membros diversos do Reino de Espanha, pressupõe que a Comissão tenha demonstrado existir uma diferença de tratamento entre os grandes estabelecimentos comerciais e os outros estabelecimentos comerciais e que esta diferença constitua uma desvantagem para os grandes estabelecimentos comerciais. Além disso, a Comissão deve demonstrar que a referida diferença de tratamento beneficia os operadores espanhóis pelo facto de estes privilegiarem os pequenos e médios estabelecimentos, ao passo que os operadores dos outros Estados‑Membros preferem os grandes estabelecimentos comerciais.

60      Com o objectivo de demonstrar estes elementos, a Comissão apresentou uma série de dados numéricos. Ora, como constatou a advogada‑geral no n.° 58 das suas conclusões, estes dados, embora apresentando uma certa correlação com a afirmação de que os operadores espanhóis preferem os estabelecimentos comerciais de média dimensão e os operadores originários de outros Estados‑Membros preferem os grandes estabelecimentos comerciais, não estão completos. Com efeito, as informações prestadas ao Tribunal de Justiça não permitem estabelecer com rigor o número de estabelecimentos em causa nem a repartição consoante o controlo espanhol ou não de uma parte significativa dos estabelecimentos que pertencem à categoria dos grandes estabelecimentos em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, da Lei 18/2005. O Tribunal de Justiça também não foi informado da repartição em função dos detentores das acções dos operadores económicos em causa para as diferentes categorias de estabelecimentos.

61      Na audiência, a Comissão expôs que a relação de causalidade que, em seu entender, está subjacente à correlação estatística reside no facto de os operadores estrangeiros preferirem abrir grandes estabelecimentos para realizar as economias de escala necessárias à optimização das suas hipóteses de sucesso de penetração num novo território. Porém, como realçou a advogada‑geral no n.° 59 das suas conclusões, esta explicação diz respeito à entrada num novo mercado distante da sede do operador, e não à nacionalidade do operador.

62      Cabe, assim, constatar que a Comissão não apresentou elementos concludentes, susceptíveis de demonstrar que os dados numéricos que apresentou em apoio da sua tese, efectivamente, confirmam a realidade desta. A Comissão também não apresentou outros elementos que demonstrassem que a legislação controvertida produz efeitos indirectamente discriminatórios para os operadores originários de outros Estados‑Membros, relativamente aos operadores espanhóis.

63      Contudo, segundo jurisprudência assente, o artigo 43.° CE opõe‑se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de afectar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais comunitários, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (v., designadamente, acórdãos de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑299/02, Colect., p. I‑9761, n.° 15, e de 21 de Abril de 2005, Comissão/Grécia, C‑140/03, Colect., p. I‑3177, n.° 27).

64      Neste contexto, importa recordar que o conceito de «restrição», na acepção do artigo 43.° CE, abrange as medidas adoptadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afectam o acesso ao mercado das empresas de outros Estados‑Membros e entravam, assim, o comércio intracomunitário (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France, C‑442/02, Colect., p. I‑8961, n.° 11, e de 28 de Abril de 2009, Comissão/Itália, C‑518/06, Colect., p. I‑3491, n.° 64, bem como, por analogia, acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C‑110/05, Colect., p. I‑519, n.° 37).

65      Pertence a esta categoria, em especial, uma regulamentação nacional que subordina o estabelecimento de uma empresa de outro Estado‑Membro à concessão de uma autorização prévia, uma vez que esta é susceptível de perturbar o exercício, por essa empresa, da liberdade de estabelecimento, impedindo‑a de exercer livremente as suas actividades por intermédio de um estabelecimento estável (v. acórdão de 1 de Junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez, C‑570/07 e C‑571/07, Colect., p. I‑0000, n.° 54).

66      No caso presente, importa concluir que a legislação controvertida, considerada globalmente, instaura um regime de licença prévia que se aplica a qualquer abertura de um grande estabelecimento comercial no território da Comunidade Autónoma da Catalunha.

67      Ora, em primeiro lugar, esta legislação limita as zonas de implantação disponíveis para os novos estabelecimentos e impõe limites às superfícies de venda que podem ser autorizadas para estes estabelecimentos.

68      Em segundo lugar, a referida legislação só permite a concessão de uma licença para novos estabelecimentos na medida em que não haja impacto no pequeno comércio já existente.

69      Em terceiro lugar, estabelece várias regras processuais relativas à emissão da dita licença, susceptíveis de terem um impacto negativo real no número dos pedidos de licença apresentados e/ou no número das autorizações concedidas.

70      Por conseguinte, a legislação controvertida, considerada globalmente, tem por efeito dificultar ou tornar menos atractivo o exercício, pelos operadores económicos de outros Estados‑Membros, através de um estabelecimento estável, das suas actividades no território da Comunidade Autónoma da Catalunha e, assim, afectar o seu estabelecimento no mercado espanhol.

71      Aliás, o Reino de Espanha admite que esta legislação implica algumas restrições à liberdade de estabelecimento.

72      Por conseguinte, há que declarar que a legislação controvertida, globalmente considerada, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 43.° CE.

b)     Quanto às justificações das restrições à liberdade de estabelecimento

73      Segundo jurisprudência assente, as restrições à liberdade de estabelecimento, aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objectivo por elas prosseguido e não ultrapassem o necessário para alcançar esse objectivo (acórdãos de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, Colect., p. I‑1721, n.° 44; de 19 de Maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o., C‑171/07 e C‑172/07, Colect., p. I‑4171, n.° 25; e Blanco Pérez e Chao Gómez, já referido, n.° 61).

74      Entre as razões imperiosas reconhecidas pelo Tribunal de Justiça figuram, designadamente, a protecção do ambiente (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colect., p. I‑0000, n.° 50 e jurisprudência referida), o ordenamento do território (v., por analogia, acórdão de 1 de Outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius, C‑567/07, Colect., p. I‑9021, n.° 29 e jurisprudência referida), e a protecção dos consumidores (v., designadamente, acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, C‑260/04, Colect., p. I‑7083, n.° 27 e jurisprudência referida). Em contrapartida, objectivos de natureza puramente económica não podem constituir uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 15 de Abril de 2010, CIBA, C‑96/08, Colect., p. I‑0000, n.° 48 e jurisprudência referida).

75      A este respeito, importa lembrar que, embora seja verdade que compete ao Estado‑Membro que invoca uma razão imperiosa de interesse geral para justificar uma restrição a uma liberdade de circulação demonstrar que a sua regulamentação é adequada e necessária para atingir o objectivo legítimo prosseguido, este ónus da prova não pode ir ao ponto de exigir que este Estado‑Membro demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável poderia permitir realizar o referido objectivo nas mesmas condições (v., neste sentido, acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, Comissão/Itália, já referido, n.° 66).

76      Importa, assim, examinar se a legislação controvertida, não considerada globalmente, mas sim no que respeita a cada uma das restrições específicas alegadas pela Comissão, está justificada por razões imperiosas de interesse geral, como as invocadas pelo Reino de Espanha e visadas no n.° 56 do presente acórdão.

i)     Quanto à primeira acusação, relativa às limitações referentes à localização e à dimensão dos grandes estabelecimentos comerciais

77      No âmbito da primeira acusação, a Comissão visa as limitações quanto à localização e à dimensão dos grandes estabelecimentos comerciais, resultantes da proibição de implantar tais estabelecimentos fora das zonas urbanas consolidadas de um número limitado de municípios, por aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da Lei 18/2005, bem como da limitação das áreas de venda para cada distrito e município, em conformidade com os artigos 7.° e 10.°, n.° 2, e com o anexo 1.2 do Decreto 379/2006.

78      O Reino de Espanha alega que as disposições assim consideradas são adequadas para assegurar a realização dos objectivos de ordenamento do território e de protecção do ambiente que prosseguem. Com efeito, tendo limitado a implantação de grandes estabelecimentos comerciais, confinando-a aos locais de concentração da população, onde a procura é maior, e tendo limitado a dimensão dos estabelecimentos nas zonas menos povoadas, a legislação controvertida visa evitar trajectos em veículos poluidores, contrariar a diminuição da população urbana, preservar um modelo urbano que respeite o ambiente, evitar a construção de novas vias rodoviárias e assegurar um acesso a estes estabelecimentos com recurso aos transportes públicos.

79      Pelo contrário, a Comissão considera que as limitações em causa não são adequadas para garantir a realização dos objectivos prosseguidos.

80      A este respeito, cabe concluir que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, as restrições que incidem sobre a localização e a dimensão dos grandes estabelecimentos comerciais constituem meios adequados para atingir os objectivos do ordenamento do território e da protecção do ambiente que são invocados pelo Reino de Espanha.

81      No entanto, resulta do artigo 10.°, n.° 2, do Decreto 379/2006 que não estava previsto nenhum aumento da oferta comercial, sob a forma de hipermercados, nos distritos onde esta oferta já era considerada excessiva no tocante ao ano de 2009. Além disso, decorre do anexo 1.2 do dito decreto que a oferta foi considerada excessiva, no referente a esse ano, em 37 dos 41 distritos da Comunidade Autónoma da Catalunha. Nos quatro distritos restantes, em conformidade com o referido artigo 10.°, n.° 2, um aumento da oferta comercial só podia ser levada a cabo sob a forma de hipermercados na medida que estes não absorvessem mais de 9% da oferta estimada para o distrito, no ano de 2009, em bens de consumo corrente, e de 7% dessa oferta em bens de consumo não corrente. Por fim, resulta do dito anexo 1.2 que, nesses quatro distritos, a superfície máxima a ocupar pelos hipermercados estava limitada a 23 667 m2, repartidos por seis municípios.

82      É forçoso concluir que estas limitações específicas, impostas pela legislação controvertida, consideradas globalmente, afectam de modo significativo as possibilidades de abertura de grandes estabelecimentos comerciais no território da Comunidade Autónoma da Catalunha.

83      Nestas circunstâncias, as razões que podem ser invocadas por um Estado‑Membro para justificar uma derrogação ao princípio da liberdade de estabelecimento devem ser acompanhadas de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adoptada por esse Estado‑Membro, bem como de elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (v. acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Comissão/Áustria, C‑161/07, Colect., p. I‑10671, n.° 36 e jurisprudência referida).

84      Ora, importa constatar que o Reino de Espanha não apresentou elementos suficientes que possam explicar as razões pelas quais as restrições em causa seriam necessárias para atingir os objectivos prosseguidos.

85      Vista esta falta de explicação e a incidência significativa das limitações em causa nas possibilidades de abertura de grandes estabelecimentos comerciais no território da Comunidade Autónoma da Catalunha, há que concluir que as restrições à liberdade de estabelecimento impostas a este respeito não estão justificadas.

86      Por conseguinte, procede a primeira acusação.

ii)  Quanto à segunda acusação, relativa à exigência e às condições de obtenção de uma licença comercial específica para a abertura de grandes estabelecimentos comerciais

–       Quanto às três primeiras partes

87      Com as três primeiras partes da segunda acusação, a Comissão contesta a legalidade, respectivamente: do artigo 6.°, n.° 1, da Lei 7/1996, que impõe a obtenção de uma licença comercial específica previamente à abertura de grandes estabelecimentos comerciais; do n.° 2, primeiro parágrafo, do mesmo artigo 6.°, que impõe, para que seja emitida tal licença, a tomada em conta da existência de um equipamento comercial na zona em causa assim como dos efeitos de uma nova implantação na estrutura comercial desta zona; e do artigo 8.° da Lei 18/2005 assim como dos artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006, que impõem a elaboração de um relatório sobre o grau de implantação, o qual é vinculativo se for negativo e que deve ser negativo se o grau de implantação ultrapassar um determinado valor.

88      O Reino de Espanha sustenta que as disposições contestadas prosseguem, de um modo geral, objectivos de protecção do ambiente, de ordenamento do território e de protecção dos consumidores, visando, no tocante a este último objectivo, assegurar uma concorrência mais eficaz em termos de preço, qualidade e escolha.

89      Pelo contrário, a Comissão entende que as ditas disposições prosseguem objectivos meramente económicos, na medida em que se destinam a proteger o pequeno comércio local.

90      Antes de mais, no que respeita à primeira parte, relativa à exigência da obtenção de uma licença prévia à abertura de um grande estabelecimento comercial, decorrente do artigo 6.°, n.° 1, da Lei 7/1996, importa constatar que a Comissão não expôs, nem na petição, nem na réplica, nem na audiência, o motivo pelo qual a dita exigência, considerada por si só, prosseguiria objectivos puramente económicos.

91      Por seu turno, o Reino de Espanha salientou que, no que se refere à implantação de grandes estabelecimentos comerciais, a realização dos objectivos de ordenamento do território e de protecção do ambiente, como expostos no n.° 78 do presente acórdão, depende de um processo de autorização prévia. Segundo este Estado‑Membro, os danos que ocorreriam no caso de não realização destes objectivos não poderiam ser reparados ex post, a saber, uma vez realizada a implantação.

92      A este respeito, como observou a advogada‑geral no n.° 91 das suas conclusões, a instauração de medidas preventivas, e, por conseguinte, prévias, deve, no presente contexto, ser considerada adequada para assegurar a realização do objectivo de protecção do ambiente. Com efeito, a adopção de medidas a posteriori, quando se afigure que a implantação de um estabelecimento comercial já construído tem um impacto negativo na protecção do ambiente, surge como uma alternativa menos eficaz e mais dispendiosa relativamente ao sistema de autorização prévia. O mesmo raciocínio vale para o objectivo do ordenamento do território.

93      A Comissão também não indicou por que motivo a exigência de obter uma licença prévia para a abertura de um grande estabelecimento comercial, considerada por si só, ultrapassaria o necessário para atingir os ditos objectivos.

94      Assim, a primeira parte da segunda acusação deve ser julgada improcedente.

95      Em contrapartida, há que concluir que a obrigação, decorrente do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Lei 7/1996, de ter em conta, para a emissão de tal licença, a existência de um equipamento comercial na zona em causa assim como os efeitos de uma nova implantação na estrutura comercial desta zona, visada pela segunda parte da presente acusação, respeita ao impacto no comércio preexistente e na estrutura do mercado, e não à protecção dos consumidores.

96      O mesmo vale para a obrigação, no quadro do processo de emissão desta licença, de apresentar um relatório sobre o grau de implantação, que é vinculativo se a resposta for negativa e que deve ser negativo se o grau de implantação ultrapassar um determinado valor, obrigação esta que resulta do artigo 8.° da Lei 18/2005 e dos artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006 e que é visada pela terceira parte da presente acusação.

97      A este respeito, importa constatar que estas disposições requerem a aplicação de limiares no que se refere ao grau de implantação e de incidência no comércio a retalho preexistente, a partir dos quais é impossível abrir grandes estabelecimentos comerciais e/ou estabelecimentos comerciais de dimensão média.

98      Ora, tais considerações, sendo de natureza puramente económica, não podem, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 74 do presente acórdão, constituir uma razão imperiosa de interesse geral.

99      Por conseguinte, há que julgar procedentes a segunda e a terceira parte da segunda acusação.

–       Quanto à quarta parte

100    No âmbito desta parte, a Comissão contesta a compatibilidade com o artigo 43.° CE do artigo 6.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Lei 7/1996, que impõe a consulta do Tribunal da Concorrência.

101    De um modo geral, o Reino de Espanha alega que as disposições relativas à obtenção de uma licença comercial específica, como a que prevê a obrigação de consulta do Tribunal da Concorrência, são motivadas por objectivos de ordenamento do território, de protecção do ambiente e de protecção dos consumidores, são adequadas para assegurar a realização destes objectivos e não ultrapassam o necessário para os atingir.

102    A Comissão não indicou as razões pelas quais entende que as justificações invocadas pelo Reino de Espanha não podem ser acolhidas.

103    Na falta de precisões concretas quanto à presente parte, e dado que, como constatou a advogada‑geral no n.° 96 das suas conclusões, a obrigação de consultar um órgão que lida com questões da concorrência, o qual elabora um relatório não vinculativo, se afigura adequada para garantir a realização dos objectivos invocados pelo Reino de Espanha, sem ultrapassar o necessário para os atingir, há que julgar improcedente a quarta parte da segunda acusação.

–       Quanto à quinta parte

104    A quinta parte da segunda acusação refere-se à exigência de consulta da Comissão dos Equipamentos Comerciais, que decorre do artigo 11.° da Lei 18/2005 e do artigo 26.° do Decreto 378/2006.

105    A este propósito, não se verifica que a Comissão critique a existência da dita comissão ou a obrigação de a consultar, mas sim o facto de ser constituída por concorrentes potenciais do operador económico que pretende implantar um novo grande estabelecimento na Catalunha.

106    Como para as outras partes da presente acusação, o Reino de Espanha alega que estas disposições são motivadas por objectivos de ordenamento do território, de protecção do ambiente e de protecção dos consumidores, são adequadas para garantir a realização destes objectivos e não ultrapassam o necessário para os atingir.

107    O artigo 11.° da Lei 18/2005 prevê que a Comissão dos Equipamentos Comerciais deve elaborar um relatório não apenas sobre as questões ligadas à emissão de licenças comerciais pela Generalidad mas também sobre questões de planificação relacionadas com a designação das zonas onde podem ser abertos estabelecimentos comerciais, incluindo a apresentação de propostas de alteração do PTSEC e de delimitação da «zona urbana consolidada dos municípios».

108    A criação de uma tal comissão, que tem como missão a elaboração de um relatório prévio à decisão de emitir ou recusar uma licença, tomando designadamente em conta o ordenamento do território e a protecção do ambiente, é adequada para garantir a realização dos objectivos prosseguidos a este respeito por essa disposição.

109    Acresce que, como constatou a advogada‑geral no n.° 102 das suas conclusões, a existência e as funções desta comissão não ultrapassam o necessário para atingir os ditos objectivos de ordenamento do território e de protecção do ambiente.

110    Em contrapartida, o artigo 26.°, n.° 1, do Decreto 378/2006, de acordo com o qual a referida comissão é constituída por sete membros que representam os serviços da Generalidad, seis membros que representam os municípios, sete membros que representam o sector do comércio, bem como por dois peritos designados pelo Departamento de Comércio da Generalidad e por um secretário, não se afigura apto a assegurar a realização dos objectivos prosseguidos.

111    Com efeito, importa constatar que o único interesse sectorial representado nesta comissão é o do comércio local preexistente. Ora, um organismo com esta composição, no seio do qual os interesses ligados quer à protecção do ambiente quer à protecção dos consumidores não estão representados, ao passo que os dos concorrentes potenciais do requerente da licença o estão, não pode constituir um instrumento apto à realização dos objectivos de ordenamento do território, de protecção do ambiente e de protecção dos consumidores.

112    Assim, a existência da Comissão dos Equipamentos Comerciais instituída pelo artigo 11.° da Lei 18/2005 e as suas funções tais como expostas neste artigo podem ser consideradas justificadas. Em contrapartida, a sua composição, como prevista pelo artigo 26.° do Decreto 378/2006, não é apta a garantir a realização dos objectivos prosseguidos com a instauração desta comissão.

113    Donde resulta que é procedente a quinta parte da segunda acusação na medida em que respeita à composição da referida comissão, como prevista pelo artigo 26.° do Decreto 378/2006.

–       Quanto à sexta parte

114    Com a sexta parte da segunda acusação, a Comissão contesta a compatibilidade do artigo 10.° da Lei 18/2005 com o direito da União.

115    Alega, a este propósito, que determinados critérios em função dos quais a Generalidad ou as autoridades municipais se têm de pronunciar sobre os pedidos de licença comercial são imprecisos. Visa, mais precisamente, as «condições que determinam a segurança do projecto e a integração do estabelecimento na área urbana envolvente», a «mobilidade gerada pelo projecto» e o «direito de os consumidores disporem de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos». No entender da Comissão, tais critérios impedem que os requerentes avaliem, de um modo preciso, a sua probabilidade de obter uma licença e atribuem demasiado poder de apreciação às autoridades que emitem as licenças.

116    O Reino de Espanha admite que o critério do «direito de os consumidores disporem de uma oferta ampla e variada em termos de qualidade, quantidade, preço e características dos produtos» pode ser considerado insuficientemente preciso, mas sustenta que tal não é o caso dos dois outros critérios contestados. De todo o modo, este Estado‑Membro alega que a simples falta de definição precisa não torna os critérios inadaptados à realização dos objectivos de protecção do ambiente e dos consumidores. Aliás, o legislador da União recorre à mesma técnica, indicando os critérios a aplicar, sem especificar os valores por referência aos quais será possível determinar previamente, de um modo preciso, se um pedido será ou não favoravelmente acolhido.

117    A este respeito, importa realçar que a Comissão contesta, não a natureza dos critérios em causa mas unicamente a sua falta de precisão. Ora, uma vez admitido que a integração no ambiente urbano, o efeito na utilização das estradas e dos transportes colectivos e o leque das escolhas ao dispor dos consumidores constituem critérios legítimos no momento de decidir da autorização de abertura de um estabelecimento comercial, é forçoso constatar, tal como a advogada‑geral no n.° 116 das suas conclusões, que é difícil especificar antecipadamente patamares ou limiares precisos, sem introduzir um nível de rigidez susceptível de restringir ainda mais a liberdade de estabelecimento.

118    Não sendo os critérios mencionados no artigo 10.° da Lei 18/2005 imprecisos a ponto de se tornarem inaptos à realização dos objectivos de ordenamento do território, de protecção do ambiente e de protecção dos consumidores, invocados pelo Reino de Espanha, ou desproporcionados a estes objectivos, há que julgar improcedente a sexta parte da segunda acusação.

iii)  Quanto à terceira acusação, relativa a determinados aspectos do processo de emissão da licença comercial

–       Quanto à primeira parte

119    Com a primeira parte da terceira acusação, a Comissão critica o regime do indeferimento tácito previsto nos artigos 6.° e 7.° da Lei 18/2005.

120    O Reino de Espanha alega que este regime constitui uma garantia a favor de qualquer interessado que tenha apresentado à autoridade competente um pedido de licença comercial, necessário para a abertura, a ampliação ou a transferência de estabelecimentos comerciais de média e de grande dimensão, nos termos das referidas disposições. Com efeito, este mecanismo permite‑lhe agir perante a inacção da Administração, podendo recorrer aos tribunais, no termo do prazo máximo previsto, para que estes se pronunciem sobre o pedido de autorização, quando não tenha sido tomada nenhuma decisão.

121    A Comissão sustenta que o referido mecanismo é desproporcionado e que o mesmo objectivo podia ser atingido através de um regime de «deferimento tácito».

122    É verdade que um regime se pode revelar menos restritivo se dele resultar que um pedido de licença será considerado deferido, e não recusado, quando não tiver sido tomada nenhuma decisão que o indefira, dentro do prazo especificado. Tal regime, como salientou a advogada‑geral no n.° 120 das suas conclusões, está, aliás, previsto no artigo 33.°, n.° 5, do Decreto 378/2006, no tocante à emissão do relatório sobre o grau de implantação.

123    Todavia, como foi lembrado no n.° 75 do presente acórdão, embora seja verdade que compete ao Estado‑Membro que invoca uma razão imperiosa de interesse geral para justificar uma restrição a uma liberdade de circulação demonstrar que a sua regulamentação é adequada e necessária para atingir o objectivo legítimo prosseguido, este ónus da prova não pode ir ao ponto de exigir que este Estado‑Membro demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável poderia permitir realizar o referido objectivo nas mesmas condições.

124    A este propósito, não se pode negar aos Estados‑Membros a possibilidade de prosseguirem objectivos como a protecção do ambiente, o ordenamento do território e a protecção dos consumidores, através da introdução de regras que sejam facilmente geridas e controladas pelas autoridades competentes (v., por analogia, acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Josemans, C‑137/09, Colect., p. I‑0000, n.° 82).

125    O regime do indeferimento tácito, previsto no quadro de um processo de pedido de licença comercial cujos objectivos são a protecção do ambiente, o ordenamento do território e a protecção dos consumidores, que tem por função garantir a segurança jurídica na hipótese de a autoridade à qual incumbe pronunciar‑se sobre este pedido não ter tomado uma decisão expressa dentro do prazo previsto, ao dispor que esta inacção constitui uma decisão tácita de indeferimento, permitindo, assim, ao interessado que tenha submetido o referido pedido recorrer ao tribunais, afigura‑se como facilmente gerível e controlável pelas autoridades competentes. Acresce que o Reino de Espanha explicou que, na falta de uma decisão tomada no quadro do dito regime, a Administração continua a estar obrigada a adoptar um acto fundamentado que ponha termo ao processo.

126    Donde resulta que cabe julgar improcedente a primeira parte da terceira acusação.

–       Quanto à segunda parte

127    No quadro da segunda parte da terceira acusação, a Comissão sustenta que as taxas, previstas no artigo 12.° da Lei 18/2005, para o tratamento de um pedido de licença e para o relatório sobre o grau de implantação representam, para os operadores económicos em causa, encargos que têm um efeito dissuasivo quanto ao estabelecimento no território catalão. Não estando estas taxas relacionadas com o custo do processo de emissão da licença comercial, são desproporcionadas.

128    O Reino de Espanha observa que estas taxas foram fixadas num determinado montante por metro quadrado da superfície de vendas do estabelecimento cuja implantação está planeada. Este montante era originalmente calculado dividindo os custos dos processos que foram registados em 1994 e 1995 pelo número de metros quadrados visados pelos pedidos em causa e, desde então, tem vindo a ser actualizado em função da inflação. Isto permite que os operadores calculem previamente o montante das taxas com precisão. Este Estado‑Membro acrescenta que as taxas são pagas de modo fraccionado, pelo que um requerente que retire o projecto não terá de pagar a totalidade das taxas, e que estas ascendem, em média, a cerca de 0,1% do custo total do projecto.

129    A este respeito, importa constatar que este método de determinação do montante das taxas devidas reflecte a totalidade dos ditos custos de uma forma razoável, sem se desviar consideravelmente dos custos reais em cada caso individual. Além disso, o seu modo de fixação, correspondente a um montante fixo por metro quadrado, apresenta a vantagem de permitir prever de maneira transparente o custo do processo.

130    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte da terceira acusação.

–       Quanto à terceira parte

131    Posto que, em conformidade com o n.° 99 do presente acórdão, a terceira parte da segunda acusação deve ser acolhida, o Tribunal de Justiça, uma vez que constatou que a exigência da elaboração de um relatório sobre o grau de implantação, como prevista no artigo 8.° da Lei 18/2005 e nos artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006, não pode ser justificada, não há que se pronunciar sobre o carácter razoável ou não dos prazos de obtenção e de validade de tal relatório, que a Comissão contesta na terceira parte da terceira acusação.

 Quanto às despesas

132    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No presente caso, tendo ambas as partes sido parcialmente vencidas, cabe decidir que cada uma delas suportará as suas próprias despesas.

133    Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Reino da Dinamarca, que interveio no presente litígio, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE, ao adoptar e/ou ao manter em vigor as seguintes disposições:

–        o artigo 4.°, n.° 1, da Lei 18/2005, sobre os equipamentos comerciais (Ley 18/2005 de equipamientos comerciales), de 27 de Dezembro de 2005, na medida em que proíbe a implantação de grandes estabelecimentos comerciais fora das zonas urbanas consolidadas de um número limitado de municípios;

–        os artigos 7.° e 10.°, n.° 2, bem como o anexo 1 do Decreto 379/2006, que aprova o novo plano territorial sectorial dos equipamentos comerciais (Decreto 379/2006 por el que se aprueba el Plan territorial sectorial de equipamientos comerciales), de 10 de Outubro de 2006, na medida em que estas disposições limitam a implantação de novos hipermercados a um número reduzido de distritos e impõem que estes novos hipermercados não absorvam mais de 9% das despesas em bens de consumo corrente e 7% das despesas em bens de consumo não corrente;

–        o artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Lei 7/1996, sobre o comércio a retalho (Ley 7/1996, de ordenación del comercio minorista), de 15 de Janeiro de 1996, o artigo 8.° da Lei 18/2005, sobre os equipamentos comerciais, de 27 de Dezembro de 2005, e os artigos 31.°, n.° 4, e 33.°, n.° 2, do Decreto 378/2006, de execução da Lei 18/2005 (Decreto 378/2006 por el que se desarolla la Ley 18/2005), de 10 de Outubro de 2006, na medida em que estas disposições requerem a aplicação de limiares no que se refere ao grau de implantação e à incidência no comércio a retalho preexistente, a partir dos quais é impossível abrir novos grandes estabelecimentos comerciais e/ou novos estabelecimentos comerciais de dimensão média; e

–        o artigo 26.° do Decreto 378/2006 da Comunidade Autónoma da Catalunha, de execução da Lei 18/2005, de 10 de Outubro de 2006, na medida em que rege a composição da Comisión de Equipamientos Comerciales (Comissão dos Equipamentos Comerciais), assegurando a representação dos interesses do comércio a retalho preexistente e não prevendo a representação das associações activas no domínio da protecção do ambiente e dos agrupamentos de interesse que operam para a protecção dos consumidores.

2)      Não há que conhecer da acção na parte em que respeita à compatibilidade, com o artigo 43.° CE, do artigo 33.°, n.os 5 e 7, do Decreto 378/2006, de execução da Lei 18/2005, de 10 de Outubro de 2006.

3)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

4)      A Comissão Europeia, o Reino de Espanha e o Reino da Dinamarca suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.