Language of document : ECLI:EU:T:2012:415

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

11 de setembro de 2012 (*)

«Auxílios de Estado ― Setor da cabotagem marítima ― Serviço de interesse económico geral ― Teste do investidor privado em economia de mercado ― Política social dos Estados‑Membros ― Auxílios à reestruturação ― Efeitos de um acórdão de anulação»

No processo T‑565/08,

Corsica Ferries France SAS, com sede em Bastia (França), representada por S. Rodrigues e C. Bernard‑Glanz, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por C. Giolito e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada inicialmente por G. de Bergues e A.‑L. Vendrolini e, em seguida, por G. de Bergues, N. Rouam e J. Rossi, na qualidade de agentes,

e por:

Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) SA, representada por A. Winckler e F.‑C. Laprévote, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão 2009/611/CE da Comissão, de 8 de julho de 2008, relativa às medidas C 58/02 (ex N 118/02) executadas pela França em favor da Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2009, L 225, p. 180),

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, K. Jürimäe e M. van der Woude (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 7 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Companhias marítimas em causa

1        A recorrente, Corsica Ferries France SAS, é uma companhia marítima que oferece ligações marítimas regulares para a Córsega, a partir da França continental (Marselha, Toulon e Nice) e de Itália.

2        A Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) é uma companhia marítima que assegura ligações regulares para a Córsega, a partir da França continental (Marselha, Toulon e Nice), e para o Norte de África (Argélia e Tunísia), a partir de França, bem como ligações para a Sardenha. Uma das principais filiais da SNCM, detida a 100%, é a Compagnie méridionale de navigation (a seguir «CMN»).

3        Em 2002, a SNCM era detida a 20% pela Société nationale des chemins de fer e a 80% pela Compagnie générale maritime et financière (a seguir «CGMF»), detidas pelo Estado Francês a 100%. Com a abertura do seu capital em 2006, dois cessionários, a Butler Capital Partners (a seguir «BCP») e a Veolia Transport (a seguir «VT»), tomaram o controlo, respetivamente, de 38% e 28% do capital, enquanto a CGMF continuava presente com 25% e 9% do capital continuava reservado aos trabalhadores. A BCP veio posteriormente a ceder as suas partes à VT.

 Procedimento administrativo

4        Com a sua Decisão 2002/149/CE, de 30 de outubro de 2001, relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2002, L 50, p. 66, a seguir «Decisão de 2001»), a Comissão das Comunidades Europeias entendeu que um auxílio de 787 milhões de euros concedido à SNCM, para o período compreendido entre 1991 e 2001, a título de compensação de serviço público, era compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE. Essa decisão não foi objeto de recurso para o Tribunal Geral.

5        Por carta de 18 de fevereiro de 2002, a República Francesa notificou à Comissão um projeto de auxílio à reestruturação a favor da SNCM, no valor de 76 milhões de euros (a seguir «plano de 2002»).

6        Com a sua Decisão 2004/166/CE, de 9 de julho de 2003, relativa ao auxílio à reestruturação que a França tenciona conceder a favor da Sociedade nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2004, L 61, p. 13, a seguir «Decisão de 2003»), a Comissão aprovou, sob condições, duas parcelas de auxílio à reestruturação pagas à SNCM, no montante total de 76 milhões de euros, uma de 66 milhões de euros, pagável imediatamente, e a outra, no montante máximo de 10 milhões de euros, dependendo do resultado líquido das cessões, nomeadamente, relativas aos navios da SNCM.

7        Em 13 de outubro de 2003, a recorrente interpôs recurso de anulação da Decisão de 2003 para o Tribunal Geral (processo T‑349/03).

8        Com a sua Decisão 2005/36/CE, de 8 de setembro de 2004, que altera a Decisão de 2003 (JO 2005, L 19, p. 70, a seguir «Decisão de 2004»), a Comissão alterou uma das condições impostas pelo artigo 2.° da Decisão de 2003. Tratava‑se da condição relativa ao número máximo de onze navios que a SNCM estava autorizada a ceder. Na Decisão de 2004, a Comissão autorizou a substituição de um desses navios, o Aliso, por outro, o Asco.

9        Por decisão de 16 de março de 2005, a Comissão aprovou o pagamento de uma segunda parcela do auxílio à reestruturação, no montante de 3 327 400 euros, com base na Decisão de 2003 (a seguir «Decisão de 2005»).

10      Por acórdão de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão (T‑349/03, Colet., p. II‑2197, a seguir «acórdão de 2005»), o Tribunal Geral anulou a Decisão de 2003, com fundamento numa errada apreciação do caráter mínimo do auxílio, devida principalmente a erros de cálculo do produto líquido das cessões, não deixando de julgar improcedentes todos os outros fundamentos relativos a falta de fundamentação e à violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e das Orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2, a seguir «orientações»).

11      Por carta de 7 de abril de 2006, as autoridades francesas convidaram a Comissão a considerar que, devido à sua natureza de compensação de serviço público, uma parte do auxílio à reestruturação concedido no âmbito do plano de 2002, no montante de 53,48 milhões de euros, não devia ser qualificada de medida tomada no âmbito de um plano de reestruturação, mas sim medida não constitutiva de um auxílio na aceção do acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colet., p. I‑7747, a seguir «acórdão Altmark»), ou medida autónoma do plano de 2002, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE.

12      Em 21 de abril de 2006, o projeto de concentração relativo à aquisição de um controlo conjunto da SNCM pela BCP e pela VT foi notificado à Comissão nos termos do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1). A Comissão autorizou a operação de concentração em 29 de maio de 2006, com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento.

13      Em junho de 2006, as autoridades francesas forneceram à Comissão várias informações relativas às operações financeiras efetuadas por ocasião da transferência da SNCM para o setor privado.

14      Em 13 de setembro de 2006, a Comissão deu abertura ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, relativo às novas medidas aplicadas a favor da SNCM, não deixando de integrar o plano de 2002 (JO 2006, C 303, p. 53, a seguir «Decisão de 2006»).

15      Com a sua Decisão 2009/611/CE, de 8 de julho de 2008, relativa às medidas C 58/02 (ex N 118/02) executadas pela França em favor da Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2009, L 225, p. 180, a seguir «decisão recorrida»), a Comissão entendeu que as medidas do plano de 2002 constituíam auxílios de Estado ilegais na aceção do artigo 88.°, n.° 3, CE, mas que eram compatíveis com o mercado comum ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE e do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, e que as medidas do plano de privatização de 2006 (a seguir «plano de 2006») não constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Medidas em causa

16      A decisão recorrida tem por objeto as seguintes medidas:

¾        No âmbito do plano de 2002: a injeção de capital da CGMF na SNCM, no montante de 76 milhões de euros, incluindo 53,48 milhões de euros pelas obrigações de serviço público e o remanescente a título de auxílios à reestruturação;

¾        No âmbito do plano de 2006:

¾        o preço negativo de venda da SNCM pela CGMF, no montante de 158 milhões de euros;

¾        a injeção pela CGMF, no montante de 8,75 milhões de euros;

¾        o adiantamento em conta corrente pela CGMF, no montante de 38,5 milhões de euros, a favor do pessoal despedido da SNCM, no caso de novo plano social.

 Decisão recorrida

17      Na decisão recorrida, nomeadamente nos considerandos 37 a 54, a Comissão considerou que o serviço da Córsega de transporte de passageiros era um mercado caracterizado pela sazonalidade e pela concentração. A estrutura concorrencial do mercado evoluiu fortemente, desde a chegada da recorrente, em 1996. A partir de 2000, a SNCM e a recorrente constituíam um duopólio de facto que detinha mais de 90% de quotas de mercado. Em 2007, a recorrente impôs‑se claramente à SNCM e transportava um milhão de passageiros adicionais, num mercado em crescimento regular de 4% ao ano. Em contrapartida, a SNCM, conjuntamente com a CMN, continuava em quase‑monopólio no transporte de carga.

18      A Comissão entendeu, nos considerandos 219 a 225 da decisão recorrida, que todas as injeções, recebidas pela SNCM através da CGMF, eram financiadas por meio de recursos de Estado, que ameaçavam falsear a concorrência e que afetavam as trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, considerou preenchidos três dos quatro pressupostos do artigo 87.°, n.° 1, CE. Analisou então, relativamente a cada medida, a existência de uma vantagem económica seletiva e a sua eventual compatibilidade com o mercado comum.

19      No que respeita aos 76 milhões de euros notificados em 2002, entendeu, no considerando 236 da decisão recorrida, que 53,48 milhões podiam ser considerados uma compensação de serviço público. De acordo com o n.° 320 do acórdão de 2005, acima referido no n.° 10, avaliou essa injeção à luz do acórdão Altmark, referido no n.° 11, supra, e concluiu, no considerando 257 da decisão recorrida, que constituía efetivamente um auxílio de Estado, embora compatível com o mercado comum ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE. Os 22,52 milhões de euros restantes deviam então ser considerados a título dos auxílios à reestruturação.

20      No que respeita ao plano de 2006, a Comissão aplicou seguidamente, nos considerandos 267 a 352 da decisão recorrida, o teste do investidor privado em economia de mercado (a seguir «teste do investidor privado») ao preço negativo de venda de 158 milhões de euros. Para o efeito, verificou se um hipotético investidor privado, no lugar da CGMF, teria preferido recapitalizar a CGMF nesse montante ou pedir a liquidação da sociedade e assumir os respetivos custos. Assim, foi necessário avaliar um custo mínimo de liquidação.

21      A Comissão entendeu, nos considerandos 267 a 280 da decisão recorrida, que o custo de liquidação devia necessariamente incluir o custo de um plano social, isto é, o custo de indemnizações complementares de despedimento, a acrescer às obrigações legais e convencionais, para seguir a prática dos grandes grupos de empresas de hoje e não prejudicar a imagem de marca da holding a que pertencem e do seu acionista último. Avaliou, portanto, com o auxílio de um perito independente, o custo dessas indemnizações complementares, efetuando uma comparação com planos sociais aplicados recentemente em França por grupos de empresas como a Michelin ou a Yves Saint‑Laurent.

22      A Comissão entendeu, no considerando 350 da decisão recorrida, que o preço negativo de venda resultava de um procedimento de seleção aberto, transparente, incondicional e não discriminatório, e que, a esse respeito, constituía um preço de mercado. Portanto, baseando‑se numa hipótese de custo de liquidação limitado às indemnizações de despedimento, concluiu, no considerando 352 dessa decisão, que o custo de liquidação era superior ao preço negativo de venda e que, portanto, a injeção de capital de 158 milhões de euros não constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

23      No que respeita à injeção de capital de 8,75 milhões de euros pela CGMF, a Comissão entendeu, nos considerandos 356 a 358 da decisão recorrida, que, visto a injeção dos cessionários privados ser significativa e concomitante, o caráter de auxílio podia desde logo ser rejeitado. Considerou seguidamente que a taxa de rentabilidade fixa constituía uma remuneração adequada dos capitais investidos e que a existência de uma cláusula resolutiva da cessão não era suscetível de pôr em causa a igualdade de tratamento. Concluiu, no considerando 365 da mesma decisão, que a injeção de capital da CGMF, no montante de 8,75 milhões de euros, não constituía um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

24      A Comissão observou seguidamente, nos considerandos 372 a 378 da decisão recorrida, que as medidas de auxílios sociais, no valor de 38 milhões de euros, depositados numa conta bloqueada, seriam executadas no caso de novo plano social acionado pelos cessionários e de não poderem corresponder à execução da redução dos efetivos prevista no plano de 2002. Esses auxílios, segundo a Comissão, só podem ser pagos a pessoas cujo contrato de trabalho com a SNCM tenha sido previamente rescindido. Essas medidas não constituem, portanto, encargos decorrentes da aplicação normal da legislação social aplicável no âmbito da rutura do contrato de trabalho. A Comissão concluiu que esses auxílios sociais, concedidos pelo Estado enquanto poder público, e não pelo Estado acionista, se integravam na política social dos Estados‑Membros e não constituíam, assim, um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

25      No que respeita ao saldo de 22,52 milhões de euros notificado ao abrigo dos auxílios à reestruturação, isto é, o saldo de 76 milhões de euros notificados no âmbito do plano de 2002 e dos 53,48 milhões de euros considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE (v. n.° 19, supra), a Comissão entendeu, no considerando 381 da decisão recorrida, que constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Seguidamente, avaliou a compatibilidade dessa medida com as orientações.

26      A Comissão observou, nos considerandos 387 a 401 da decisão recorrida, que a SNCM, em 2002, era efetivamente uma empresa em dificuldade, na aceção do ponto 5, alínea a), e do ponto 6 das orientações, e que o plano de 2002 era suscetível de garantir o regresso da empresa à viabilidade, de acordo com os pontos 31 a 34 das orientações.

27      No que respeita à prevenção das distorções indevidas da concorrência (pontos 35 a 39 das orientações), a Comissão entendeu, no considerando 404 da decisão recorrida, que o mercado dos serviços marítimos para a Córsega não estava em sobrecapacidade e que, portanto, não era necessário contribuir para o seu saneamento. Seguidamente, observou, no considerando 406 dessa decisão, que o plano de reestruturação notificado contribuía de forma significativa para a redução da presença da empresa no mercado. Assim, o critério da prevenção das distorções indevidas da concorrência também estava preenchido.

28      A Comissão observou, nos considerandos 410 a 419 da decisão recorrida, que a necessidade de auxílio, calculada pelo mínimo nos termos dos pontos 40 e 41 das orientações, era limitada a 19,75 milhões de euros, em 9 de julho de 2003, sem prejuízo do produto líquido das cessões previstas na Decisão de 2003. Para o efeito, a Comissão começou por calcular a necessidade de liquidez da SNCM para o seu plano de reestruturação. O custo do plano de reestruturação foi fixado, segundo afirma, em 46 milhões de euros. Seguidamente, subtraiu todas as cessões realizadas entre 18 de fevereiro de 2002 (data da notificação do plano de 2002) e 9 de julho de 2003 (data da adoção da Decisão de 2003), isto é, 26,25 milhões de euros, para chegar ao montante de 19,75 milhões de euros.

29      No que respeita às medidas compensatórias, a Comissão considerou que todas as condições previstas na Decisão de 2003, sobre as aquisições, a utilização da frota, as cessões de ativos, a proibição de oferta de preços inferiores aos de cada um dos seus concorrentes (a seguir «condição de price leadership») e a limitação das rotações de navios nas linhas a partir da Córsega tinham sido respeitadas quase integralmente. Na medida em que essas condições tinham sido preenchidas e o montante de auxílio notificado era substancialmente inferior ao montante aprovado em 2003, a Comissão não considerou oportuno impor obrigações adicionais. Assim, depois de ter tomado em conta o montante das cessões adicionais previstas na Decisão de 2003, a Comissão entendeu, no considerando 434 da decisão recorrida, que o saldo final de reestruturação, fixado em 15,81 milhões de euros, era um auxílio de Estado compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE.

30      O dispositivo da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

O montante de 53,48 milhões [de euros] atribuído pelo Estado francês à SNCM a título de compensação por obrigações de serviço público no período [de] 1991‑2001 constitui um auxílio estatal, ilegal na aceção do n.° 3 do artigo 88.° do Tratado CE, mas compatível com o mercado comum à luz do n.° 2 do artigo 86.° do Tratado.

O preço de venda negativo da SNCM, num montante de 158 milhões [de euros], as medidas sociais relativas aos assalariados assumidas pela CGMF, num montante de 38,5 milhões [de euros], e a recapitalização conjunta e concomitante da SNCM pela CGMF, num montante de 8,75 milhões [de euros], não constituem auxílios estatais na aceção do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado CE. O auxílio à reestruturação, num montante de 15,81 milhões [de euros], executado pela França em favor da [SNCM] constitui um auxílio estatal, ilegal na aceção do n.° 3 do artigo 88.° do Tratado CE, mas compatível com o mercado comum à luz do n.° 2 do artigo 86.° do Tratado.

Artigo 2.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

 Tramitação do processo e pedidos das partes

31      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de dezembro de 2008, a recorrente interpôs o presente recurso.

32      Por despacho de 27 de abril de 2009, foi admitida a intervenção da República Francesa.

33      Por despacho de 1 de julho de 2009, foi admitida a intervenção da SNCM.

34      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção) deu início à fase oral.

35      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou as partes a responderem a certas questões e a facultarem certos documentos. As partes deram cumprimento a esses pedidos no prazo previsto.

36      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão recorrida;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

37      A Comissão, a República Francesa e a SNCM concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

38      Em apoio do presente recurso de anulação, a recorrente apresenta, no essencial, seis fundamentos.

39      O primeiro fundamento baseia‑se numa interpretação alegadamente demasiado extensiva do artigo 287.° CE, que se traduziu numa falta de fundamentação da decisão recorrida e numa violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

40      O segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto fundamentos baseiam‑se na da violação dos artigos 87.° CE e 88.° CE e das orientações. Esses fundamentos respeitam, sucessivamente, à injeção de capital de 53,48 milhões de euros, a título de compensação de serviço público, à cessão da SNCM, por um preço negativo de 158 milhões de euros, à injeção de capital da CGMF, de 8,75 milhões de euros, às medidas de auxílios sociais, no valor de 38,5 milhões de euros, e ao saldo de 22,52 milhões de euros notificado a título de auxílios à reestruturação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação e à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

41      Com o presente fundamento, a recorrente alega que a decisão recorrida, no essencial, está ferida de falta de fundamentação, na medida em que a Comissão ocultou elementos essenciais, a título de confidencialidade, na versão comunicada à recorrente. A título subsidiário, entende que não foi suficientemente consultada a respeito dos dados a ela relativos.

42      A este propósito, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato possam ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato preenche as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

43      Do mesmo modo, há que lembrar que o artigo 287.° CE obriga os membros, funcionários e agentes das instituições da Comunidade a não divulgarem as informações que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo sigilo profissional. Contudo, uma falta de fundamentação não pode ser justificada pela obrigação de respeito do sigilo profissional prevista no referido artigo 287.° CE. A obrigação de respeito dos segredos de negócios não pode, assim, ser interpretada de uma forma tão extensiva que deixe a exigência de fundamentação sem o seu conteúdo essencial, em prejuízo dos direitos de defesa dos Estados‑Membros e das partes interessadas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.° 27). Em particular, o dever de fundamentação de uma decisão tomada em matéria de auxílios de Estado não pode ser determinado em função do interesse de informação unicamente do Estado‑Membro ao qual a decisão é dirigida. Com efeito, num caso em que o Estado‑Membro tenha obtido da Comissão o que pedia, isto é, a autorização do seu projeto de auxílio, o seu interesse numa decisão fundamentada, ao contrário do interesse dos concorrentes do beneficiário do auxílio, só pode ser muito reduzido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colet., p. II‑2405, n.° 92).

44      Além disso, refira‑se que, segundo jurisprudência assente, a apresentação de um fundamento deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao julgador da União exercer a sua fiscalização jurisdicional e ao demandado preparar a sua defesa. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, portanto, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia um fundamento resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma forma coerente, precisa e compreensível, da própria petição (acórdãos do Tribunal Geral de 7 de novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colet., p. II‑2081, n.° 31, e de 27 de setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão, T‑322/01, Colet., p. II‑3137, n.° 208). Resulta igualmente das disposições conjugadas do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo que a petição inicial deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária, mas clara e precisa, dos fundamentos invocados.

45      É à luz destas considerações que há que analisar o presente fundamento.

46      Em primeiro lugar, no que respeita ao dever de fundamentação, há que ter em conta, primeiro, o facto de a decisão recorrida ter sido adotada depois das decisões tomadas de 2001 a 2005 e do acórdão de 2005, referido no n.° 10, supra. A decisão recorrida foi, portanto, adotada num contexto bem conhecido da recorrente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Olsen/Comissão, T‑17/02, Colet., p. II‑2031, n.° 97).

47      Segundo, em face da petição, há que observar que a recorrente teve as condições para se defender de forma útil. Do mesmo modo, a decisão recorrida era suficientemente clara e precisa para permitir que o julgador da União exercesse a sua fiscalização.

48      Terceiro, há que observar que, no caso, a recorrente não indica de forma suficientemente precisa quais os elementos essenciais da decisão recorrida que foram ocultados. Com efeito, os únicos elementos concretos indicados pela recorrente são apresentados de forma alusiva, sem que a recorrente se dê ao trabalho de demonstrar de que modo eram essenciais para efeitos do dever de fundamentação.

49      Assim, há que julgar improcedente a alegação de violação do dever de fundamentação.

50      Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação dos direitos de defesa, a Comissão não era obrigada a consultar a recorrente quanto aos dados e apreciações a ela relativos. Com efeito, as empresas beneficiárias dos auxílios ou os seus concorrentes são unicamente considerados «interessados» no procedimento administrativo. Assim, a jurisprudência atribui essencialmente aos interessados o papel de fontes de informação para a Comissão, no procedimento administrativo aberto nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE. Daí resulta que os interessados, longe de poderem invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra as quais é aberto um procedimento, apenas dispõem do direito de ser associados ao procedimento administrativo numa medida adequada tendo em conta as circunstâncias do caso (acórdãos do Tribunal Geral, British Airways e o./Comissão, referido no n.° 43, supra, n.os 59 e 60, e de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colet., p. II‑435, n.° 125).

51      No caso, a recorrente teve a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a relevância dos diversos elementos de facto e de direito relativos à operação em causa. Com efeito, os elementos à disposição do Tribunal Geral, relativos à participação da recorrente no procedimento administrativo, indicam claramente que ela teve a oportunidade de expor a sua opinião, tanto quanto ao plano de 2002 como quanto ao plano de 2006, tal como resulta dos considerandos 24, 131 a 134 e 142 a 159 da decisão recorrida. A recorrente teve, portanto, a possibilidade de participar plenamente no procedimento, fazendo chegar à Comissão, por várias vezes, as suas observações por escrito.

52      Consequentemente, improcede a alegação de violação dos direitos de defesa.

53      Em terceiro lugar, no que respeita à alegada violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, há que lembrar, por um lado, que as alegações da recorrente de violação do dever de fundamentação e dos direitos de defesa foram julgadas improcedentes (v. n.os 49 e 52, supra). Por outro lado, há que observar que a recorrente não apresentou nenhum argumento específico em apoio da sua alegação. Assim, a alegação de violação do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva deve igualmente ser julgada improcedente.

54      Em face do exposto, improcede o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo, no essencial, a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação da injeção de capital de 53,48 milhões de euros ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE, conjugado com o artigo 87.°, n.° 1, CE

55      A recorrente alega, no essencial, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, ao considerar que a SNCM tinha direito a receber uma injeção de capital de 53,48 milhões de euros a título de compensação de serviço público, nomeadamente tendo em conta o facto de a continuidade territorial poder ser assegurada pela mera ação das forças do mercado.

56      A esse respeito, há que lembrar que o direito da União não fornece uma definição precisa do conceito de serviço de interesse económico geral (a seguir «SIEG»), a que se refere o artigo 86.°, n.° 2, CE. Pelo contrário, resulta da jurisprudência do Tribunal Geral que os Estados‑Membros têm um amplo poder de apreciação quanto à definição do que consideram como SIEG e que a definição desses serviços por um Estado‑Membro só pode ser posta em causa pela Comissão, no caso de erro manifesto. Não é por isso que o poder de atuação do Estado‑Membro, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, e, portanto, o seu poder de definição dos SIEG, é ilimitado ou pode ser exercido de forma arbitrária unicamente para subtrair um setor particular, como a cabotagem marítima, à aplicação das normas da concorrência (acórdãos do Tribunal Geral, Olsen/Comissão, referido no n.° 46, supra, n.° 216; de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, Colet., p. II‑81, n.os 165 a 169; e de 6 de outubro de 2009, FAB/Comissão, T‑8/06, não publicado na Coletânea, n.° 63).

57      Mais em particular, quanto ao SIEG relativo às ligações marítimas, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 3577/92 do Conselho, de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) (JO L 364, p. 7, a seguir «regulamento de cabotagem»), prevê expressamente a possibilidade de celebração de contratos de serviço público, a fim de assegurar a suficiência dos serviços de transporte regular de e para as ilhas e entre elas, desde que não haja discriminação. O Tribunal de Justiça, com efeito, considerou, no seu acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, Colet., p. I‑1271, n.° 27), que o objetivo de continuidade territorial fazia parte de um interesse público legítimo.

58      No caso, resulta da decisão recorrida que, para respeitar o n.° 320 do acórdão de 2005, referido no n.° 10, supra, a Comissão analisou, nos considerandos 226 a 244, a injeção de capital de 53,48 milhões de euros, à luz do acórdão Altmark, referido no n.° 11, supra. A Comissão entendeu, no considerando 244 da decisão recorrida, que essa injeção de capital conferia à SNCM uma vantagem económica seletiva e constituía, consequentemente, um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Seguidamente, entendeu, no considerando 257 da decisão recorrida, que esse auxílio era compatível com o mercado comum, ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE.

59      No que respeita à existência de um SIEG, a Comissão limitou‑se a enunciar brevemente, no considerando 249 da decisão recorrida, as razões pelas quais entendia que as convenções de delegação de serviço público (a seguir «DSP») respondiam a uma necessidade real de serviço público. Saliente‑se que as convenções de DSP, assinadas entre as autoridades públicas delegantes e empresas, são contratos que precisam as obrigações de serviço público de forma a permitir a aplicação do princípio da continuidade territorial. A SNCM tinha sido escolhida pelo Estado francês, em 1976, para garantir a continuidade territorial por um período de 25 anos. De acordo com as novas regras comunitárias e na sequência de um concurso público europeu, a SNCM e a CMN obtiveram conjuntamente a DSP relativa ao serviço da Córsega, para os períodos entre 2002 e 2006 e, posteriormente, entre 2007 e 2013. Na decisão recorrida, a Comissão lembrou que o princípio da continuidade territorial respondia às desvantagens geradas pela insularidade, que esse objetivo legítimo não podia, no caso, ser atingido apenas pela ação das forças do mercado e, por último, remeteu para a sua análise aprofundada do jogo da concorrência, desenvolvida na Decisão de 2001.

60      Na medida em que resulta do considerando 249 da decisão recorrida que a Comissão se limitou a fundamentar de forma sumária a existência de um SIEG para o período entre 1991 e 2001 e a remeter para a Decisão de 2001 para maiores desenvolvimentos, há que verificar se se podia basear parcialmente nessa decisão anterior para justificar a existência de um SIEG na decisão recorrida, ou se, pelo contrário, como alega a recorrente, tinha de reanalisar a questão em profundidade.

61      A esse respeito, há que observar, em primeiro lugar, que o ponto 7.2 da Decisão de 2001 demonstra de forma convincente a existência de uma necessidade real de serviço público. A questão de saber se a concorrência, em particular tendo em conta a entrada da recorrente no mercado em 1996, podia assegurar a realização do objetivo de continuidade territorial é abordada nos considerandos 72 e 74 da Decisão de 2001. A Comissão analisou, em particular, no considerando 72 da Decisão de 2001, a evolução, linha por linha, da oferta da recorrente entre a Córsega e a França, no período entre 1996 e 2001. Seguidamente, concluiu, no considerando 74 dessa decisão, pela incapacidade de os operadores privados assegurarem a continuidade territorial fora da DSP, no que respeita tanto aos critérios qualitativos como quantitativos previstos no regime da convenção, ele próprio descrito, bem como o quadro normativo, nos considerandos 18 a 30 dessa decisão e lembrado brevemente nos seus considerandos 73, 75 e 80. A Decisão de 2001 analisa pormenorizadamente a relação entre a concorrência e o serviço público, pelo menos até abril de 2001, (considerando 72) e não foi objeto de recurso de anulação por parte da recorrente.

62      Em segundo lugar, há que observar que o caráter real do serviço público objeto da convenção de DSP nunca foi impugnado pela recorrente ou por outras partes interessadas nos diversos procedimentos administrativos e jurisdicionais nas instituições da União que deram seguimento à Decisão de 2001. Em particular, o recurso de anulação da Decisão de 2003, interposto pela recorrente em 13 de outubro de 2003, contestava a apreciação, pela Comissão, da compensação por serviço público de uma parte do auxílio, e não a existência do próprio serviço público.

63      Em terceiro e último lugar, no procedimento administrativo que levou à adoção da decisão recorrida, a recorrente também não impugnou a existência de um serviço público. Com efeito, resulta do considerando 146 da decisão recorrida que a recorrente alegou que nenhum dos critérios previstos no acórdão Altmark, referido no n.° 11, supra, estava preenchido no caso, com exceção do primeiro, isto é, o relativo à existência de um serviço público real.

64      Resulta do exposto que, sem um elemento novo que lhe tivesse sido apresentado pelas partes interessadas, em particular no procedimento administrativo que levou à decisão recorrida, e em face dos elementos de apreciação de que dispunha, a Comissão podia legitimamente limitar‑se a uma fundamentação sumária e remeter para a Decisão de 2001, para considerar provada a existência de um serviço público real para o período entre 1991 e 2001, aliás um período muito anterior à decisão recorrida.

65      Há que considerar, portanto, que, no âmbito da sua fiscalização restrita sobre a definição dos SIEG pelos Estados‑Membros (acórdão BUPA e o./Comissão, referido no n.° 56, supra, n.° 166), a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação, ao entender que a convenção de DSP respondia a uma necessidade real de serviço público para o período entre 1991 e 2001.

66      Por acréscimo, observe‑se que os argumentos da recorrente relativos, principalmente, à sua presença no mercado nessa época não podem pôr em causa essa apreciação.

67      Em primeiro lugar, o facto de a recorrente já estar presente no mercado quando se renovou a DSP em 2001, apesar de verdadeiro, não é capaz de pôr em causa a conclusão da Comissão. Com efeito, resulta dos autos que a recorrente estava totalmente ausente do mercado antes de 1996 e só em 2000 é que abriu uma linha entre Toulon e a Córsega. Apenas detinha 12% de quotas de mercado em termos de lugares oferecidos no período estival, entre a Córsega e França, em 2000. As suas quotas de mercado estavam, porém, em rápida progressão, isto é, em particular, 30% em 2001. Mesmo que a presença da recorrente no mercado começasse assim a fazer‑se sentir mais fortemente nos dois últimos anos do período em causa, em particular em 2001, isso não pode provar, por si só, que as forças do mercado eram capazes de permitir que um dado operador cumprisse as obrigações do contrato de DSP tal como definidas pela convenção‑quadro, tanto a nível qualitativo como quantitativo. Com efeito, a recorrente não apresenta elementos concretos sobre, por exemplo, a sua capacidade de atingir os objetivos de frequência na estação baixa e no período de ponta, em todos os itinerários, sobre os horários de partida e chegada ou sobre o tipo de navio, tanto a nível de transporte de passageiros como de mercadorias, assim como no que respeita à sua capacidade de servir os muitos portos da Córsega.

68      Em segundo lugar, há que observar, como salienta a recorrente, que a DSP foi abandonada nas ligações a partir de Nice e de Toulon, a favor de um sistema de auxílios sociais a certas categorias de passageiros, entre os quais os residentes corsos, e de obrigações de frequência de serviços para todos os operadores. Estes sistemas de auxílios sociais foram considerados compatíveis com o mercado comum, pela Comissão, ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE. Contudo, ao contrário do que alega a recorrente, embora seja incontestável que a sua chegada progressiva ao mercado revele uma intensificação do jogo da concorrência, objetivo, aliás, declarado da União desde a aprovação do regulamento de cabotagem, isso não põe em causa o caráter de serviço público da DSP durante o período em questão, ainda mais quando resulta claramente do considerando 36 da decisão recorrida que o sistema de auxílios sociais só foi instituído em 2002, isto é, depois desse período.

69      Com efeito, a passagem ao auxílio social indica mais uma boa gestão da autoridade concedente do que um auxílio injustificado destinado a «salvar» a SNCM, como alega a recorrente. Ao limitar progressivamente as compensações pagas à SNCM, o Office des transports de la Corse (a seguir «OTC») limitou o custo para o consumidor e adaptou a compensação, tal como exige o artigo 86.°, n.° 2, CE. O OTC respondeu, assim, à necessidade de tomar em conta a evolução das forças do mercado e agiu com diligência ao lançar uma reflexão sobre a mudança de sistema a partir de 2000. Por último, há que salientar que a existência de um auxílio social, em si própria, tende a demonstrar a existência de uma verdadeira necessidade de serviço público. O facto de o perímetro desse serviço público ter sido limitado pelo OTC não põe isso em causa.

70      Em terceiro e último lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a decisão do tribunal administratif de Bastia (França) de 5 de julho de 2001, que anulou os serviços de ponta durante o período estival, tende a demonstrar a inexistência de um serviço público real, basta observar que essa decisão foi anulada pelo Conseil d’État francês, em 24 de outubro de 2001, como lembra a SNCM. Por último, quanto ao acórdão da cour administrative d’appel de Marseille (França) de 7 de novembro de 2011, referido pela recorrente na audiência, há que observar que esse acórdão diz respeito ao período de DSP mais recente, entre 2007 e 2013. Consequentemente, as análises sobre a existência de uma necessidade de serviço público real nesse período não são suscetíveis de revelar nenhum elemento probatório capaz de pôr em causa a apreciação da Comissão quanto ao período entre 1996 e 2001, em especial tendo em conta o desenvolvimento particularmente rápido do jogo da concorrência no mercado em causa.

71      Em face do exposto, improcede o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão quanto à aprovação da cessão da SNCM por um preço negativo de 158 milhões de euros enquanto medida não constitutiva de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

72      Em apoio do seu terceiro fundamento, a recorrente apresenta seis alegações destinadas a contestar a aplicação, pela Comissão, do teste do investidor privado ao preço negativo de venda de 158 milhões de euros. Primeiro, afirma que a Comissão fez uma ligação abusiva entre as perturbações sociais de 2005 e a alta probabilidade de uma liquidação da SNCM. Segundo, o teste da comparabilidade com planos sociais recentes não estava suficientemente justificado. Terceiro, as indemnizações complementares de despedimento não podiam ser incluídas no custo de liquidação pelo mínimo. Quarto, deveria ter‑se analisado o impacto económico da cláusula resolutiva de cessão. Quinto, o facto de a Comissão não ter tomado em conta a responsabilidade do Estado francês na situação atual da SNCM não está em conformidade com a sua prática decisória. Sexto, a igualdade de tratamento entre a CGMF e os seus cessionários não foi respeitada.

73      O Tribunal Geral considera que se deve começar a análise do terceiro fundamento pela terceira alegação.

74      No âmbito dessa terceira alegação, a recorrente afirma que, à luz da jurisprudência, a Comissão não podia incluir no cálculo do custo hipotético de liquidação da SNCM as indemnizações complementares de despedimento que fossem além das estritas obrigações legais e convencionais, na medida em que esse critério não pode caracterizar o comportamento de um investidor privado, orientado por perspetivas de rentabilidade a longo prazo. Em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a recorrente precisou o alcance da sua alegação, afirmando, por um lado, que, ao contrário do que afirma a Comissão no n.° 270 da decisão recorrida, a proteção da imagem de marca da CGMF, cujo único ativo era a SNCM, não pode constituir uma razão suficiente para justificar a concessão de indemnizações complementares de despedimento. Por outro lado, o pagamento de indemnizações complementares de despedimento destina‑se, na realidade, a limitar o surgimento de perturbações sociais em caso de liquidação da SNCM, o que é do foro dos objetivos do Estado enquanto poder público, e não do comportamento de um investidor privado.

75      Resulta da decisão recorrida que, com o objetivo de avaliar se a SNCM tinha beneficiado de uma vantagem económica seletiva na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, a Comissão comparou, nos considerandos 259 a 352, o preço negativo de venda de 158 milhões de euros com um custo hipotético de liquidação da sociedade. Segundo a Comissão, o custo de liquidação, calculado pelo mínimo, limita‑se, no caso, ao custo das indemnizações complementares de despedimento (considerando 306 da decisão recorrida). Segundo a Comissão, estas tornaram‑se uma obrigação de facto para os grandes grupos de hoje, em caso de liquidação de uma filial ou de fecho de uma unidade. No caso, o pagamento de indemnizações complementares de despedimento era particularmente necessário, tendo em conta as perturbações sociais recorrentes na SNCM, para proteger a imagem de marca da CGMF e do Estado francês (considerandos 270 e 271 da decisão recorrida). A Comissão concluiu então que, visto a soma das indemnizações complementares de despedimento ser superior ao custo da recapitalização, o preço negativo de venda de 158 milhões de euros não continha nenhum elemento de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

76      A este respeito, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, a intervenção dos poderes públicos no capital de uma empresa, seja qual for a forma que revista, pode constituir um auxílio estatal (v. acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2002, HAMSA/Comissão, T‑152/99, Colet., p. II‑3049, n.° 125 e jurisprudência aí referida).

77      Contudo, há que lembrar também que, segundo o seu artigo 295.°, o Tratado CE não prejudica o regime da propriedade nos Estados‑Membros. Assim, os Estados‑Membros conservam a liberdade de, direta ou indiretamente, exercerem atividades económicas tal como as empresas privadas. Este princípio da igualdade de tratamento entre os setores público e privado implica que os Estados‑Membros podem investir em atividades económicas e que os capitais postos à disposição de uma empresa, direta ou indiretamente, pelo Estado, em circunstâncias que correspondam às condições normais do mercado, não podem ser qualificados de auxílios de Estado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, C‑142/87, Colet., p. I‑959, n.° 29, e de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, Colet., p. I‑1433, n.° 20; acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 1996, Air France/Comissão, T‑358/94, Colet., p. II‑2109, n.° 70).

78      Para determinar se a privatização da SNCM por um preço negativo de venda de 158 milhões de euros continha elementos de auxílio de Estado, há que verificar se, em circunstâncias semelhantes, um investidor privado poderia ter sido levado a proceder a injeções de capital dessa importância no âmbito da venda dessa empresa ou teria optado pela sua liquidação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colet., p. I‑4397, n.° 70, e de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, Colet., p. I‑1139, n.° 133).

79      Para efeitos da aplicação do teste do investidor privado, há que fazer necessariamente uma distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir como empresa que exerce uma atividade económica e as obrigações que lhe podem incumbir como poder público (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colet., p. I‑4103, n.° 22, e acórdão Alemanha/Comissão, referido no n.° 78, supra, n.° 134). Com efeito, quando um investimento de um Estado surge no âmbito do exercício do poder público, o comportamento do Estado nunca pode ser comparado com o de um operador ou de um investidor privado em economia de mercado (acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 2008, Ryanair/Comissão, T‑196/04, Colet., p. II‑3643, n.° 85).

80      Contudo, ao fazer esta distinção entre as atividades económicas, por um lado, e as intervenções de poder público, por outro, há que ter em conta o facto de o comportamento do investidor privado, com o qual deve ser comparado o de um investidor público, não ser necessariamente o do investidor normal que aplica capitais com vista à sua rentabilização a mais ou menos curto prazo. Esse comportamento deve, pelo menos, ser o de uma holding privada ou de um grupo privado de empresas que prossiga uma política estrutural, global ou setorial, e orientado por perspetivas de rentabilidade a mais longo prazo (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑305/89, Colet., p. I‑1603, n.° 20).

81      Além disso, tanto o conteúdo das legislações sociais nacionais como a prática das relações sociais nos grandes grupos de empresas evoluem no tempo e divergem no interior da União. É necessário, portanto, que a fiscalização dos auxílios de Estado reflita a evolução desses usos, no que respeita tanto aos investimentos efetuados por empresas privadas como aos investimentos efetuados pelo Estado, de acordo com o princípio da igualdade de tratamento e sem alterar o seu efeito útil.

82      Esclareça‑se ainda que, numa economia social de mercado, um investidor privado avisado não pode abstrair, por um lado, da sua responsabilidade para com todas as partes interessadas da empresa e, por outro, da evolução do contexto social, económico e ambiental em que prossegue o seu desenvolvimento. Com efeito, a responsabilidade social e o contexto empresarial são suscetíveis de ter uma influência significativa nas decisões concretas e nas orientações estratégicas de um empresário privado avisado. A racionalidade económica a longo prazo do comportamento de um empresário privado avisado não pode, portanto, ser apreciada sem se tomarem essas preocupações em consideração.

83      A esse respeito, o pagamento de indemnizações complementares de despedimento por um investidor privado é, em princípio, suscetível de constituir uma prática legítima e oportuna, consoante as circunstâncias do caso, com o objetivo de favorecer um diálogo social tranquilo e manter a imagem de marca de uma sociedade ou de um grupo de sociedades. Com efeito, o custo das indemnizações complementares de despedimento não se confunde com o custo da cobertura social que incumbe necessariamente ao Estado em caso de liquidação de uma sociedade. Por força do princípio da igualdade de tratamento (v. n.° 75, supra), a faculdade de pagar indemnizações complementares de despedimento está também aberta aos Estados‑Membros em caso de liquidação de uma empresa pública, muito embora as suas obrigações não possam, a priori, exceder o estrito mínimo legal e convencional.

84      Contudo, o assumir desses custos adicionais, devido a preocupações legítimas, não pode prosseguir um objetivo exclusivamente social, ou mesmo político, sob pena de sair do âmbito do teste do investidor privado, tal como acima descrito nos n.os 76 a 82. Na falta de qualquer racionalidade económica, mesmo a longo prazo, assumir custos para além das estritas obrigações legais e convencionais deve, pois, ser considerado um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

85      A esse respeito, há que precisar que a proteção da imagem de marca de um Estado‑Membro como investidor global na economia de mercado não pode constituir, fora de circunstâncias particulares e sem uma fundamentação particularmente convincente, uma justificação suficiente para demonstrar a racionalidade económica, a longo prazo, do facto de se assumirem custos adicionais como indemnizações complementares de despedimento. Permitir que a Comissão se refira sumariamente à imagem de marca de um Estado‑Membro, enquanto ator global, para basear uma inexistência de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, seria, com efeito, suscetível, por um lado, de distorcer as condições de concorrência no mercado comum a favor das empresas com atividade nos Estados‑Membros onde o setor económico público fosse comparativamente mais desenvolvido, ou onde o diálogo social estivesse particularmente degradado, e, por outro, de atenuar indevidamente o efeito útil das normas comunitárias em matéria de auxílios de Estado.

86      Há que lembrar ainda que, no contexto do teste do investidor privado, cabe à Comissão, no âmbito da sua ampla margem de apreciação, definir as atividades económicas do Estado, nomeadamente a nível geográfico e setorial, face às quais se deve apreciar a racionalidade económica, a longo prazo, do comportamento desse Estado.

87      Com efeito, na falta de uma definição suficientemente precisa das atividades económicas em causa, a Comissão não tem condições para, por um lado, definir investidores privados de referência e, portanto, determinar a existência, com base em elementos objetivos e verificáveis, de uma prática suficientemente assente entre esses investidores. Por outro lado, na falta desse ponto de comparação, a definição das atividades económicas em causa é igualmente necessária para se poder demonstrar a existência de uma probabilidade razoável e suficientemente fundamentada de o Estado‑Membro retirar do comportamento em causa um ganho material indireto, mesmo a longo prazo.

88      Por último, quanto ao alcance e à natureza da fiscalização jurisdicional, há que lembrar, primeiro, que o conceito de auxílio de Estado, como definido no Tratado, apresenta caráter jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por isso, o julgador da União deve, em princípio, tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe está submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral no que respeita à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colet., p. I‑3271, n.° 25, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colet., p. I‑10515, n.° 111). O julgador da União deve, nomeadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes a levar em consideração para se apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles são extraídas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, Colet., p. I‑7763, n.° 65 e jurisprudência aí referida).

89      É à luz destes princípios que há que analisar a terceira alegação do terceiro fundamento.

90      A esse respeito, há que observar desde logo que a Comissão não definiu inequivocamente as atividades económicas do Estado francês relativamente às quais possa eventualmente existir uma necessidade de proteção da imagem de marca.

91      Com efeito, resulta dos considerandos 270 e 271 da decisão recorrida que a imagem de marca a proteger é a da «holding detentora e do seu acionista último», isto é, a da CGMF e do Estado francês. Quanto a este ponto, refira‑se, como acertadamente salientou a recorrente, que a CGMF não tem outros ativos no setor do transporte marítimo. O argumento de proteção da imagem de marca não pode, portanto e de qualquer forma, dizer‑lhe respeito.

92      Seguidamente, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão alegou que a imagem de marca digna de proteção era, na realidade, a do Estado francês como investidor global na economia de mercado. Por último, na audiência, a Comissão mudou novamente de posição, esclarecendo, por diversas vezes, que o argumento da proteção da imagem de marca se aplicava, na realidade, ao Estado francês como investidor no setor dos transportes. Em contrapartida, a República Francesa refere o Estado francês enquanto investidor global na economia de mercado.

93      Assim, não se pode deixar de observar que a Comissão não definiu de forma suficiente as atividades económicas do Estado francês, face às quais se deve apreciar a racionalidade económica das medidas em causa no caso presente (v. n.os 86 e 87, supra).

94      Na falta dessa definição, é, por princípio, impossível o Tribunal Geral fiscalizar a racionalidade económica, a longo prazo, do preço de cessão negativo da SNCM, que o Estado francês aceitou para evitar o pagamento de indemnizações complementares de despedimento em caso de liquidação (v. n.os 86 e 87, supra). Só a esse respeito, há que considerar que a Comissão cometeu um erro de direito.

95      Além disso, independentemente da definição das atividades económicas em causa, há que observar, em primeiro lugar, que a Comissão não apresentou suficientes elementos objetivos e verificáveis, capazes de demonstrar que o pagamento de indemnizações complementares de despedimento, em circunstâncias semelhantes, seria uma prática assente entre os empresários privados.

96      Com efeito, há que observar, primeiro, que a Comissão não abordou essa questão na decisão recorrida, a não ser na nota de rodapé n.° 135. Nos considerandos 267 e 268 da decisão recorrida, a Comissão limitou‑se a afirmar que o pagamento de indemnizações complementares de despedimento, da mesma forma que outras medidas como os auxílios à procura de emprego, se tinha tornado uma prática corrente entre os grandes grupos de empresas, sem, contudo, apresentar a menor prova. Com efeito, embora esteja assente, como alega a Comissão no considerando 267 da decisão recorrida, que os grandes grupos de empresas não se podem desinteressar das consequências sociais do fecho de uma unidade de produção, isso não pode, em contrapartida, implicar, sem outros elementos de prova, que o pagamento de indemnizações complementares de despedimento constitui uma prática constante entre os grandes grupos de empresas em caso de liquidação de uma filial.

97      No considerando 272 e na nota de rodapé n.° 135 da decisão recorrida, a Comissão afirmou novamente que o facto de não incluir indemnizações complementares de despedimento no custo hipotético de liquidação traduzir‑se‑ia em ignorar a realidade social com que os grandes grupos de empresas se debatem e limitou‑se a remeter, para prova dessa afirmação, para a sua Decisão 92/266/CEE, de 27 de novembro de 1991, relativa às atividades de reconversão dos grupos industriais públicos franceses não siderúrgicos, da indústria do carvão e da Compagnie générale maritime relativa aos artigos 92.° a 94.° do Tratado CEE (JO 1992, L 138, p. 24), e para os planos sociais posteriormente referidos. A esse respeito, basta observar, por um lado, que uma decisão de 1991 não é suscetível de provar a existência de uma prática social suficientemente assente no momento da privatização em 2006 e, por outro, que a mera remissão para um número limitado de planos sociais também não é suscetível de demonstrar a existência de uma prática suficientemente assente em casos comparáveis ao caso presente. Isto é tanto mais assim quanto esses planos sociais se referem a operações de reestruturação, e não de liquidação, como reconheceu Comissão na audiência, em setores que, a priori, nada têm em comum com as infraestruturas de transportes, tais como os cosméticos (Yves Saint‑Laurent Haute Couture) ou o setor agroalimentar (Danone).

98      Segundo, há que salientar que os únicos elementos de facto apresentados pela Comissão, nos n.os 274 a 277 da decisão recorrida, o foram, no essencial, com vista a apresentar uma estimativa do custo dessas indemnizações por trabalhador, e não com vista a sustentar a existência de uma prática suficientemente assente, como a Comissão confirmou no n.° 41 da tréplica. A esse respeito, pode‑se ainda salientar que as estimativas apresentadas variam consideravelmente consoante as empresas e os setores em causa.

99      Terceiro, nem a Comissão nem os intervenientes apresentaram provas da existência de uma prática de pagamento de indemnizações complementares, seja nas respostas escritas às questões do Tribunal Geral seja na audiência. Com efeito, a Comissão nem sequer abordou essa questão, ao passo que a República Francesa mencionou apenas uma única empresa privada, no domínio da siderurgia, que parecia prever a aplicação dessas indemnizações complementares de despedimento.

100    Em face do acima exposto nos n.os 96 a 99, há que considerar que a Comissão não conseguiu demonstrar que o pagamento de indemnizações complementares de despedimento era uma prática suficientemente assente entre os empresários privados.

101    Em segundo lugar, há que observar que a Comissão também não apresentou suficientes elementos objetivos e verificáveis, capazes de demonstrar que, na falta de uma prática assente por parte dos investidores privados, o comportamento do Estado francês teria sido motivado, no caso, por uma probabilidade razoável de retirar daí um ganho material indireto, mesmo a longo prazo (v. n.os 86 e 87, supra).

102    Com efeito, há que observar, uma vez mais, que, no essencial, essa questão não é minimamente abordada na decisão recorrida. Nos considerandos 270 e 271 da decisão recorrida, a Comissão limitou‑se a afirmar que as tensões sociais na empresa, demonstradas, em seu entender, pelo conflito social ocorrido em 2004, levariam, no caso de liquidação da SNCM, a perturbações sociais capazes de alterar a imagem de marca da sua sociedade‑mãe e do seu acionista último. A Comissão não apresentou, pois, na decisão recorrida, nenhum elemento capaz de explicar a natureza concreta do prejuízo sofrido e, nomeadamente, de precisar face a que partes interessadas (utentes, clientes, fornecedores ou ainda pessoal) a imagem de marca da CGMF e do Estado francês seria afetada. Além disso, a decisão recorrida não contém nenhum elemento que possa mostrar que a Comissão tentou quantificar o prejuízo sofrido, prejuízo que, no entanto, deve necessariamente ser comparado com o custo estimado das indemnizações complementares de despedimento dos quais constitui a justificação.

103    Na sua resposta escrita às questões do Tribunal Geral, a Comissão alegou que provavelmente haveria perturbações sociais nas empresas controladas pelo Estado e com atividade perto da SNCM, como o porto de Marselha, e poderiam também ocorrer em todas as empresas públicas, em qualquer setor, em particular nos transportes. Seria assim a imagem de marca do Estado enquanto empregador que seria degradada. Consequentemente, a liquidação da SNCM sem pagamento de indemnizações de despedimento, segundo a Comissão, daria provavelmente origem a greves solidárias na função pública, como as que tinham ocorrido em certas empresas privadas. A República Francesa precisou, na audiência, que a degradação da imagem de marca, em seu entender, deveria ser entendida como uma degradação da imagem de marca aos olhos de todos os seus parceiros comerciais e dos seus clientes não profissionais. A Comissão evocou ainda riscos particulares de violência e de destruição de bens.

104    Além do caráter extemporâneo da fundamentação apresentada, o Tribunal Geral considera que, de qualquer forma, os elementos apresentados nas respostas escritas e na audiência não são suscetíveis de constituir uma fundamentação suficientemente convincente para justificar a inclusão das indemnizações complementares de despedimento no custo hipotético de liquidação da SNCM.

105    Com efeito, refira‑se, primeiro, que a Comissão não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar a existência, no caso presente, de uma probabilidade razoável de realização dos custos sociais que justificasse o pagamento de indemnizações complementares de despedimento. Esse risco nem sequer foi estudado pela Comissão, como esta reconheceu na audiência. A Comissão, no essencial, limitou‑se a afirmar que existia um risco de greves solidárias, sem fornecer o menor elemento sobre a sua amplitude, a não ser ao precisar que poderiam atingir todas as empresas públicas, em particular no setor dos transportes. A título de exemplo concreto, a Comissão limitou‑se a mencionar as possíveis consequências nas atividades comerciais do Estado, no caso de bloqueamento do porto de Marselha, como foi o caso durante as perturbações sociais de março de 2011. Assim, deu três exemplos de bloqueamento de unidades de produção ocorridos em França e na Bélgica nos últimos quinze anos. Consequentemente, embora se possa considerar suficientemente demonstrada a existência de fortes tensões sociais na SNCM, como resulta, por exemplo, do considerando 271 da decisão recorrida, os elementos apresentados não podem demonstrar, no caso, a existência, à data da adoção da referida decisão, de um risco real de greves solidárias noutras empresas controladas, direta ou indiretamente, pelo Estado francês.

106    Segundo, há que salientar que a falta de um esforço de quantificação dos custos sociais indiretos pela Comissão é ainda mais prejudicial quando esses custos devem ser consideráveis para justificar o seu raciocínio. Com efeito, o custo das indemnizações complementares de despedimento é, por definição, superior a 158 milhões de euros, que é o preço negativo de cessão da SNCM. Para que as indemnizações complementares de despedimento possam ser justificadas, o seu custo deve ser inferior aos custos sociais indiretos, como os das greves solidárias. Daí resulta que o montante dos custos sociais indiretos, no caso de ocorrerem efetivamente, deve ser particularmente alto para poder justificar o raciocínio da Comissão.

107    Terceiro, tendo em conta os elementos fornecidos pela Comissão, há que salientar que nenhum elemento dos autos permite concluir que a concessão de indemnizações complementares de despedimento aos trabalhadores da SNCM teria sido suscetível de impedir o surgimento de perturbações sociais no caso de liquidação da sociedade, o que a Comissão reconheceu na audiência. Com efeito, a Comissão não só não analisou a probabilidade de ocorrência dos custos sociais indiretos, acima referidos, como também não analisou o risco de ocorrerem mesmo que fossem pagas indemnizações complementares de despedimento. Neste último caso, os custos sociais indiretos invocados, que constituíam a justificação dessas indemnizações, teriam sido, portanto, suportados pelo Estado francês, apesar do pagamento de indemnizações complementares.

108    Assim, a Comissão não apresentou elementos que permitam demonstrar suficientemente de que forma a inclusão do custo considerável das indemnizações complementares de despedimento, que, de resto, podiam atingir até dez vezes o montante só das obrigações legais e convencionais, como resulta do considerando 277 da decisão recorrida, teria sido fundamentada, no caso, por uma probabilidade razoável de o Estado francês dela retirar um ganho material indireto, mesmo a longo prazo. Embora seja impossível eliminar o risco de certas consequências sociais noutras empresas públicas no caso de liquidação da SNCM sem pagamento de indemnizações complementares de despedimento, a amplitude dos custos sociais indiretos em causa, bem como a probabilidade da sua exposição, de nenhum modo foi analisada pela Comissão, mesmo nas suas respostas escritas ao Tribunal Geral. Assim, há que considerar que não foi feita prova bastante da racionalidade económica, a longo prazo, do comportamento do Estado francês.

109    Em face do acima exposto nos n.os 72 a 108, há que julgar procedente a terceira alegação da recorrente. Assim, há que julgar procedente o terceiro fundamento, sem que seja necessário analisar a primeira, segunda, quarta, quinta e sexta alegações. As consequências para a legalidade da decisão recorrida serão adiante analisadas nos n.os 155 e seguintes.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação da injeção de capital, pela CGMF, de 8,75 milhões de euros, enquanto medida não constitutiva de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

110    A recorrente apresenta duas alegações em apoio do presente fundamento, relativas, por um lado, a uma aplicação errada do critério da concomitância das injeções de capitais dos cessionários privados e da CGMF e, por outro, da inobservância do princípio da igualdade de tratamento.

111    Resulta do considerando 72 da decisão recorrida que a subscrição conjunta e concomitante pelos cessionários e pela CGMF de ações novas, por 35 milhões de euros, 25% dos quais pela CGMF, estava prevista na secção III do protocolo de acordo. Essa subscrição deveria ser levada a cabo depois da recapitalização de um montante de 142,5 milhões de euros e da cessão de 75% das participações aos cessionários privados por um montante simbólico.

112    No considerando 354 da decisão recorrida, a Comissão entendeu, antes de mais, que uma injeção de capital público não constituía um auxílio se surgissem concomitantemente investimentos privados de dimensão significativa. Entendeu então poder limitar‑se à análise da concomitância das injeções de capitais, na medida em que essas injeções eram significativas, sem proceder à análise dos rendimentos, para poder concluir pela inexistência de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Na medida em que o critério da concomitância era respeitado, concluiu, no considerando 360 da decisão recorrida, que a injeção de capital da CGMF, no valor de 8,75 milhões de euros, não conferia à SNCM nenhuma vantagem económica, pelo que não era um auxílio.

113    Seguidamente, só depois de ter considerado não existir um auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, é que a Comissão analisou, nos considerandos 361 a 363 da decisão recorrida, a questão de saber se o rendimento fixo da participação da CGMF teria sido aceitável para um investidor privado hipotético. Considerou então que, na medida em que o rendimento fixo isentava a CGMF de riscos a nível da execução do plano de negócios, constituía uma rentabilidade, a longo prazo, adequada dos capitais investidos. Além disso, o perito da Comissão concluiu que, em termos de perfil de risco, essa injeção de capital estava próxima de uma obrigação do setor privado francês.

114    Por último, resulta do considerando 364 da decisão recorrida que a cláusula resolutiva de cessão (v. n.° 23, supra) não foi abordada em relação com a questão dos rendimentos, tendo‑se a Comissão limitado a afirmar que não era suscetível de pôr em causa a igualdade de tratamento entre a CGMF e os cessionários privados.

115    A esse respeito, já acima foi lembrado, nos n.os 76 e 77, que, para determinar se uma injeção de origem pública contém elementos de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, há que verificar se um investidor privado, em circunstâncias comparáveis, teria procedido a essa injeção. No caso de os capitais terem sido postos à disposição de uma empresa, direta ou indiretamente, pelo Estado, em circunstâncias que correspondam às condições normais do mercado, não podem ser qualificados de auxílios de Estado, nos termos do princípio da igualdade de tratamento entre os setores público e privado. Há que considerar, assim, que uma injeção de capitais em fundos públicos respeita o critério do investidor privado e não implica a concessão de um auxílio de Estado, entre outros, se essa injeção ocorrer concomitantemente com uma injeção significativa de capital, por parte de um investidor privado, efetuada em condições comparáveis (v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T‑296/97, Colet., p. II‑3871, n.° 81 e jurisprudência aí referida.)

 Quanto à concomitância

116    No que respeita à concomitância das injeções dos investidores privados e públicos, a recorrente entende que, uma vez que o total dos 35 milhões de euros não foi liberado no mesmo momento, não foi respeitado o critério da concomitância para todas as injeções, apesar de a Comissão ter considerado suficiente que as condições fossem semelhantes.

117    A esse respeito, há que salientar que a concomitância das injeções dos investidores privados e públicos é, quanto muito, uma indicação que permite uma orientação no sentido da inexistência de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Com efeito, resulta do n.° 81 do acórdão Alitalia/Comissão, referido no n.° 115, supra, mencionado por esta última na nota de rodapé n.° 168 da decisão recorrida, que essas injeções devem ter sido efetuadas em circunstâncias comparáveis. Uma vez que o objetivo do teste do investidor privado é comparar o comportamento do Estado com o de um investidor privado hipotético, não se pode negar que a existência de investidores prontos a investir significativamente e de forma concomitante é suscetível de facilitar a validação desse teste. Contudo, todos os dados relevantes de facto e de direito devem ser tidos em conta para se avaliar a legalidade das injeções em causa, à luz das normas comunitárias em matéria de auxílios de Estado. O aspeto temporal é, portanto, naturalmente importante, mas a concomitância não pode ser considerada, por princípio, suficiente só por si.

118    Em consequência, na medida em que a concomitância só deve ser apreciada como um indício que permite uma orientação no sentido da inexistência de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, não pode ser razoavelmente apreciada de forma estrita. No caso, devido ao facto de o primeiro quarto de cada participação ter sido liberado no mesmo momento e de as mesmas disposições de direito nacional se aplicarem aos três quartos restantes, a Comissão podia, com razão, entender que esse critério de concomitância estava preenchido ou, pelo menos, que a análise do aspeto temporal tendia a provar a existência de condições comparáveis dos investimentos privados e públicos.

119    Há que julgar, portanto, improcedente a primeira alegação do quarto fundamento.

 Quanto à igualdade de tratamento

120    Segundo a recorrente, a desigualdade, a nível dos rendimentos, entre a CGMF e os cessionários privados, devida, em particular, à existência da cláusula resolutiva de cessão, põe em causa o caráter comparável das condições de investimento dos cessionários privados e da CGMF, o que fere de ilegalidade a conclusão da Comissão quanto à igualdade de tratamento.

121    Por força dos princípios acima enunciados nos n.os 115, há que apreciar se as eventuais diferenças entre os rendimentos das injeções de capital respetivas dos cessionários privados e da CGMF são suscetíveis de pôr em causa o bem‑fundado da análise da Comissão que conclui pelo respeito do princípio da igualdade de tratamento.

122    A esse respeito, há que lembrar, como já foi acima referido nos n.os 117 e 118, que a concomitância, no caso presente, dos investimentos públicos e privados só podia constituir, quanto muito, um elemento relevante na apreciação do caráter de auxílio de Estado de uma injeção de capitais públicos. Em consequência, é errada a afirmação da Comissão que consta do considerando 354 da decisão recorrida, segundo a qual o julgador comunitário validou a sua análise. Além disso, o ponto 3.2.iii da Comunicação sobre a aplicação dos artigos 92.° [CE] e 93.° [CE] às participações de entes públicos (Boletim CE 9/1984), a que se refere a Comissão na nota de rodapé n.° 167, apenas estabelece uma presunção da inexistência de auxílio no caso de investimento privado significativo e concomitante. Em consequência, tal como a Comissão reconheceu nas suas respostas escritas às questões do Tribunal Geral, a concomitância não pode, só por si, mesmo em presença de investimentos privados significativos, bastar para concluir pela inexistência de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, sem se tomar em consideração os outros elementos relevantes de facto ou de direito.

123    No caso, não se pode deixar de observar que a questão do rendimento fixo e a questão relativa à incidência da cláusula resolutiva de cessão fazem parte dos elementos relevantes que deveriam ter sido analisados pela Comissão com vista a concluir pelo caráter comparável das condições de investimento dos cessionários privados e da CGMF e, portanto, pelo respeito do princípio da igualdade de tratamento.

124    Com efeito, em primeiro lugar, há que observar, por um lado, que a rentabilidade da injeção de capital dos cessionários privados não é fixada pelo protocolo de acordo. Por outro lado, a injeção de capital da CGMF deve funcionar, segundo a decisão recorrida, como uma obrigação, ao ter uma taxa de remuneração fixa. Essa taxa de remuneração fixa não está, porém, garantida, na medida em que, no caso de exercício da cláusula resolutiva de cessão na sequência da falta de renovação do contrato de DSP ou de decisão da Comissão ou do julgador comunitário que afete substancialmente o valor da sociedade, o rendimento fixo deixará de ser pago. Tendo em conta estes elementos, a Comissão não podia evitar fazer uma análise aprofundada da incidência das diferenças de rendimento das participações da CGMF e das participações dos cessionários privados no âmbito do exame da igualdade de tratamento.

125    Em segundo lugar, refira‑se que o investimento de 8,75 milhões de euros no capital da SNCM não pode ser considerado um investimento de carteira clássico, sem abstrair do contexto de privatização da empresa. Com efeito, essa injeção de capital tem o seu lugar no quadro de um protocolo global de venda, resultante de uma negociação única, em que as injeções dos cessionários são a contrapartida de grandes compromissos, sob diversas formas, do Estado francês.

126    Em terceiro lugar, quanto à cláusula resolutiva da cessão, a Comissão entende que não pode pôr em causa a igualdade de tratamento dos investidores privados e públicos, na medida em que a sua valorização já foi tida em conta no âmbito da cessão da empresa por um preço negativo de venda.

127    Sem que seja necessário conhecer da questão de saber se a valorização da cláusula resolutiva de cessão foi corretamente tida em conta pela Comissão, basta observar que o seu impacto económico e, portanto, a sua incidência na igualdade de tratamento dos investidores concomitantes de maneira nenhuma foram analisadas na decisão recorrida. O seu considerando 364 limita‑se a considerar que não pode pôr em causa a igualdade de tratamento entre os investidores concomitantes, mas não contém nenhuma análise de natureza económica. Ora, resulta dos autos que a cláusula resolutiva de cessão tem provavelmente um valor económico substancial, o que a recorrente e a sociedade STIM d’Orbigny, terceiros interessados que apresentaram observações no procedimento formal de investigação, tinham claramente salientado no procedimento administrativo, tal como resulta dos considerandos 155, 158 e 163 da decisão recorrida.

128    Com efeito, basta lembrar, primeiro, que a cláusula resolutiva de cessão pode ser acionada na falta da renovação do contrato de DSP ou na presença de uma decisão da Comissão ou do julgador comunitário que afete o valor da sociedade. Estes dois factos já são, só por si, capazes de criar dificuldades à SNCM recapitalizada, na medida em que esta perderia, num caso, uma parte importante do seu volume de negócios e poderia, no outro caso, ser objeto de um procedimento de recuperação de um auxílio ilegal, relativamente a todas ou parte das injeções da CGMF. Neste contexto difícil para a empresa, o exercício da cláusula resolutiva de cessão levaria, por um lado, a uma obrigação de reembolso de todas as injeções dos cessionários. Por outro lado, a CGMF ficaria de novo detentora de 100% do capital da SNCM e, logo, responsável a 100% dos custos de uma possível liquidação futura, ao passo que o risco de liquidação aumentaria substancialmente.

129    Segundo, a Comissão e a República Francesa não puseram em causa, na fase escrita ou na audiência, o facto de a cláusula resolutiva de cessão ter um valor económico real, uma vez que defenderam que a sua valorização estava incluída, por construção, na transação. Por outro lado, a República Francesa salientou, nas suas alegações de intervenção, que uma das propostas concorrentes, que não incluía nenhuma cláusula resolutiva de cessão, pedia uma recapitalização bem maior do Estado francês, em contrapartida. A Comissão e a República Francesa não impugnaram, portanto, o facto de a cláusula resolutiva de cessão ter um valor financeiro real.

130    Tendo em conta o acima exposto nos n.os 126 a 129, há que concluir que a cláusula resolutiva de cessão é, pelo menos, suscetível de anular qualquer álea para os cessionários privados, em caso de ocorrência de um dos seus elementos desencadeadores, e que essa cláusula tem, consequentemente, um valor financeiro real. Essa cláusula é, portanto, suscetível de modificar os perfis de risco das injeções de capital dos cessionários privados e da CGMF e, assim, de pôr em causa o caráter comparável das condições de investimento. De qualquer forma, a Comissão não podia, portanto, abster‑se, na decisão recorrida, de proceder a uma análise aprofundada do impacto económico da cláusula resolutiva de cessão.

131    Resulta do exposto que a Comissão não teve em conta todos os elementos relevantes, nomeadamente os rendimentos, na sua apreciação do caráter comparável das condições de investimento das injeções concomitantes de capital. A esse título, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. A segunda alegação deve, portanto, ser considerada procedente. Assim, há que julgar parcialmente procedente o quarto fundamento. As consequências desse erro para a legalidade da decisão recorrida serão adiante analisadas nos n.os 155 e seguintes.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação das medidas de auxílio social, num montante de 38,5 milhões de euros, enquanto medidas não constitutivas de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

132    Em apoio deste quinto fundamento, a recorrente apresenta, no essencial, três alegações. Primeiro, a análise da Comissão não está em conformidade com o ponto 3.2.7 das orientações, relativo aos «auxílios destinados a cobrir os custos sociais da reestruturação», na medida em que o objeto desses auxílios não estava claramente definido. Segundo, na medida em que, por força de um acordo de empresa, a SNCM decide sozinha o montante concedido aos trabalhadores, esses auxílios sociais devem ser considerados auxílios na aceção do n.° 59 das orientações. Esta medida põe assim a SNCM numa situação favorável face à concorrência, o que constitui uma vantagem económica seletiva e, portanto, um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Terceiro, a conta bloqueada na qual são depositados os fundos relativos aos auxílios sociais não é remunerada. Não respeita, portanto, as orientações na medida em que a necessidade de auxílio não é limitada ao mínimo.

133    A Comissão entende, no essencial, que essas alegações são irrelevantes, na medida em que a recorrente critica a compatibilidade do auxílio com o mercado comum, com base nas orientações, e não no caráter de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Quanto ao mérito, considera que essas medidas de auxílio social fazem parte da política social dos Estados‑Membros.

134    A título preliminar, há que observar que a recorrente confunde a existência de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE e a sua compatibilidade com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e das orientações. Na medida em que não cabe ao Tribunal Geral decidir da compatibilidade de um auxílio que não tenha sido declarado pela Comissão na decisão recorrida, há que julgar irrelevantes a primeira e terceira alegações do quinto fundamento.

135    Contudo, há que interpretar a segunda alegação no sentido de que impugna diretamente a conclusão da Comissão pela inexistência de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Há que conhecer, assim, da questão do caráter de vantagem económica desses auxílios sociais.

136    A esse respeito, é jurisprudência assente que o simples facto de uma medida prosseguir um objetivo social não basta para a subtrair imediatamente à qualificação de auxílio na aceção do artigo 87.° CE. Com efeito, o n.° 1 dessa disposição não distingue consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, antes as definindo em função dos seus efeitos. O conceito de auxílio abrange intervenções públicas que, sob formas diversas, aligeiram encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colet., p. I‑877, n.° 13; de 26 de setembro de 1996, França/Comissão, C‑241/94, Colet., p. I‑4551, n.° 21; de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, Colet., p. I‑4461, n.° 51; e de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, Colet., p. I‑1627, n.° 46).

137    Resulta do exposto que o conceito de auxílio não implica necessariamente que uma obrigação legal seja suportada, mas antes que sejam aligeirados os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa (v., neste sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de setembro de 1996, França/Comissão, referido no n.° 136, supra, Colet., p. I‑4553, n.° 42). A definição do que é um encargo integrado na gestão corrente da empresa não pode, portanto, por natureza, limitar‑se às obrigações legais ou convencionais. Do mesmo modo, o facto de os beneficiários diretos do auxílio social serem trabalhadores não basta para demonstrar a inexistência de um auxílio a favor do empregador (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colet. 1954‑1961, p. 551).

138    A fim de examinar se esses auxílios sociais constituem um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, há que determinar, assim, se a SNCM aufere uma vantagem económica indireta que lhe permite não ter de suportar custos que normalmente deveriam onerar os seus recursos financeiros próprios e, portanto, impede que as forças do mercado produzam as suas consequências normais.

139    Resulta do considerando 70 da decisão recorrida que o adiantamento em conta corrente efetuado pela CGMF, num montante de 38,5 milhões de euros, a favor das pessoas despedidas da SNCM, visa financiar o custo das indemnizações complementares futuras de um eventual plano de redução de efetivos aplicado pelos cessionários. Esse adiantamento em conta corrente visa, com efeito, financiar «a fração do custo das eventuais saídas voluntárias ou rescisões de contrato de trabalho […] que vem em complemento dos montantes de qualquer natureza a ser pagos pelo empregador nos termos das disposições legais e convencionais» (artigo II.2 do protocolo de cessão de 16 de maio de 2006, referido na nota de rodapé n.° 66 da decisão recorrida).

140    A Comissão observou, nos considerandos 366 a 370 da decisão recorrida, que existia uma vantagem económica seletiva quando uma injeção de capital público libertava a empresa de um encargo pertencente à sua gestão corrente. Entendeu que, no caso, os encargos pertencentes à gestão corrente eram todos os encargos resultantes da aplicação da lei social e das convenções coletivas aplicáveis no setor. Na medida em que esses auxílios sociais não se destinavam a financiar obrigações legais e convencionais, não se destinavam a financiar encargos pertencentes à gestão corrente da empresa.

141    Segundo o considerando 372 da decisão recorrida, os auxílios sociais não podem ter por objeto nem por efeito facilitar a saída de trabalhadores, na medida em que a conta bloqueada só pode ser acionada relativamente a trabalhadores que já tenham deixado a empresa no momento do novo plano social. Esses auxílios sociais são, portanto, uma medida de política social, uma vez que o Estado francês age dessa forma como poder público e não como Estado acionista. A Comissão precisou, no considerando 375 da decisão recorrida, que essa medida não se destinava a financiar saídas originalmente previstas no plano de 2002.

142    Esta argumentação não pode ser aceite.

143    Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 136 e 137 que, ao contrário do que afirma a Comissão no ponto 371 da decisão recorrida, o facto de a medida em causa não decorrer das estritas obrigações legais e convencionais não é, por princípio, suscetível de excluir a natureza de auxílio de Estado na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

144    Em segundo lugar, há que observar que a existência da conta bloqueada é suscetível de criar um incentivo para os trabalhadores da SNCM saírem da empresa ou, pelo menos, a abandonarem sem negociar a sua saída, em particular quanto à eventual concessão de indemnizações complementares de despedimento na aceção do considerando 268 da decisão recorrida, tudo isto factos geradores de uma vantagem económica indireta para a SNCM.

145    O facto de essa conta bloqueada ter sido negociada com os sindicatos da empresa, antes da privatização, por ocasião do conflito social de 2005, como resulta das respostas escritas da Comissão, não é só por si capaz de pôr em causa o caráter de auxílio de Estado das medidas em causa. Com efeito, independentemente de a vantagem ter sido conferida antes ou depois da privatização, continua a beneficiar a SNCM. Além disso, o facto de esses auxílios sociais fazerem parte do próprio protocolo de venda tende a mostrar que criam uma vantagem. Há que reconhecer então que as partes recorreram a eles porque podiam retirar deles um certo benefício.

146    Daí resulta que as explicações da Comissão, em particular as que constam do considerando 372 da decisão recorrida, não são convincentes, nem sequer compreensíveis.

147    Em face do acima exposto nos n.os 142 a 146, há que considerar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, ao qualificar essas medidas de auxílio social, no montante de 38,5 milhões de euros, de medidas não constitutivas de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Assim, há que julgar procedente o quinto fundamento. As consequências desse erro para a legalidade da decisão recorrida serão adiante analisadas nos n.os 155 e seguintes.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação do saldo de reestruturação nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e das orientações

148    Em primeiro lugar, há que observar que este sexto fundamento é relativo ao saldo de reestruturação, no montante final de 15,81 milhões de euros, declarado compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e das orientações.

149    Em segundo lugar, há que salientar que a análise desse saldo de reestruturação pela Comissão, nos considerandos 366 a 434 da decisão recorrida, se baseava na premissa de que o plano de 2006 não continha elementos de auxílio de Estado.

150    A esse respeito, com efeito, refira‑se que a Decisão de 2006 é explícita quanto ao facto de que, na falta de elementos de auxílio à reestruturação no plano de 2006, estes deveriam ser analisados conjuntamente com o auxílio à reestruturação do plano de 2002, tal como resulta dos seus considerandos 6, 7, 25 e 129. De resto, a Comissão referiu, no considerando 161 da Decisão de 2006, que não podia excluir a possibilidade de toda ou parte da nova injeção de capital de 158 milhões de euros ser considerada constitutiva de um auxílio de Estado. Assim, salientou acertadamente que se essa medida nova constituísse um auxílio, deveria então ser apreciada «ensemble avec [l’]aide à la restructuration globale dont il conviendrait alors d’examiner la compatibilité [conjuntamente com o auxílio à reestruturação global cuja compatibilidade terá então de ser analisada]».

151    Contudo, resulta da decisão recorrida que o plano de 2006 não incluía, segundo a Comissão, novos elementos de auxílio, pois considerou que o preço negativo de venda de 158 milhões de euros, a injeção de capital conjunta e concomitante, pela CGMF, no montante de 8,75 milhões de euros, e os auxílios sociais no montante de 38,5 milhões de euros não eram constitutivos de auxílios na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

152    Ora, resulta do exame do terceiro, quarto e quinto fundamentos que a Comissão cometeu um erro de direito e erros manifestos de apreciação capazes de pôr em causa a premissa de que o plano de 2006 não teria nenhum elemento de auxílio.

153    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral verifica que a análise da Comissão relativa ao saldo de reestruturação não está verdadeiramente sustentada. Portanto, há que julgar procedente o sexto fundamento, sem ser necessário analisar os argumentos da recorrente.

154    Importa agora analisar as consequências dos erros de apreciação da Comissão para a legalidade da decisão recorrida.

 Quanto às consequências dos erros manifestos de apreciação da Comissão para a legalidade da decisão recorrida

155    Resulta dos n.os 94, 109, 131 e 147, supra, que a Comissão cometeu um erro de direito e erros manifestos de apreciação nas suas análises do preço negativo de venda de 158 milhões de euros, da injeção de capital conjunta e concomitante, pela CGMF, num montante de 8,75 milhões de euros, e dos auxílios sociais no montante de 38,5 milhões de euros. Em consequência, há que anular o artigo 1.°, segundo parágrafo, da decisão recorrida.

156    Resulta dos n.os 148 a 152, supra, que a análise, pela Comissão, do saldo de reestruturação, no montante final de 15,81 milhões de euros, se baseava numa premissa errada. Assim, há que anular o artigo 1.°, terceiro parágrafo, da decisão recorrida.

 Quanto às despesas

157    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que a condenar nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

158    A República Francesa e a SNCM suportarão as suas próprias despesas, em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro e terceiro parágrafos, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      É anulado o artigo 1.°, segundo e terceiro parágrafos, da Decisão 2009/611/CE da Comissão, de 8 de julho de 2008, relativa às medidas C 58/02 (ex N 118/02) executadas pela França em favor da Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM).

2)      A Comissão Europeia suportará as despesas da recorrente e as suas próprias despesas.

3)      A República Francesa e a SNCM suportarão as suas próprias despesas.

Pelikánová

Jürimäe

Van der Woude

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de setembro de 2012.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Companhias marítimas em causa

Procedimento administrativo

Medidas em causa

Decisão recorrida

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação e à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

Quanto ao segundo fundamento, relativo, no essencial, a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação da injeção de capital de 53,48 milhões de euros ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE, conjugado com o artigo 87.°, n.° 1, CE

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão quanto à aprovação da cessão da SNCM por um preço negativo de 158 milhões de euros enquanto medida não constitutiva de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação da injeção de capital, pela CGMF, de 8,75 milhões de euros, enquanto medida não constitutiva de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

Quanto à concomitância

Quanto à igualdade de tratamento

Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação das medidas de auxílio social, num montante de 38,5 milhões de euros, enquanto medidas não constitutivas de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE

Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da Comissão, resultante da aprovação do saldo de reestruturação nos termos do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e das orientações

Quanto às consequências dos erros manifestos de apreciação da Comissão para a legalidade da decisão recorrida

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.