Language of document : ECLI:EU:C:2013:574

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de setembro de 2013 (*)

«Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais — Brochura publicitária que contém uma informação falsa — Qualificação de ‘prática comercial enganosa’ — Caso em que não pode ser imputada ao profissional nenhuma violação do dever de diligência»

No processo C‑435/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 5 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2011, no processo

CHS Tour Services GmbH

contra

Team4 Travel GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet, E. Levits e J.‑J. Kasel (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da CHS Tour Services GmbH, por E. Köll, Rechtsanwalt,

¾        em representação da Team4 Travel GmbH, por J. Stock, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, K. Szíjjártó e Z. Biró‑Tóth, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo sueco, por K. Petkovska e U. Persson, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de junho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a CHS Tour Services GmbH (a seguir «CHS») à Team4 Travel GmbH (a seguir «Team4 Travel») relativamente a uma brochura publicitária desta última que continha uma informação falsa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 6 a 8, 11 a 14 e 17 e 18 da diretiva relativa às práticas comerciais desleais enunciam o seguinte:

«(6)      [A] presente diretiva aproxima as legislações dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores […] Não abrange nem afeta as legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais que apenas prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais; […]

(7)      A presente diretiva refere‑se a práticas comerciais relacionadas com o propósito de influenciar diretamente as decisões de transação dos consumidores em relação a produtos. […]

(8)      A presente diretiva protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. […]

[...]

(11)      O elevado nível de convergência atingido pela aproximação das disposições nacionais através da presente diretiva cria um elevado nível comum de defesa dos consumidores. A presente diretiva estabelece uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. […]

(12)      A harmonização aumentará de forma considerável a segurança jurídica tanto para os consumidores como para as empresas. Tanto os consumidores como as empresas passarão a poder contar com um quadro jurídico único baseado em conceitos legais claramente definidos regulando todos os aspetos das práticas comerciais desleais na União Europeia. […]

(13)      A fim de realizar os objetivos comunitários através da supressão dos entraves ao mercado interno, é necessário substituir as cláusulas gerais e princípios jurídicos divergentes em vigor nos Estados‑Membros. Deste modo, a proibição geral comum e única estabelecida na presente diretiva abrange as práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. […] A proibição geral é concretizada por disposições sobre os dois tipos de práticas comerciais que são de longe as mais comuns, ou seja, as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas.

(14)      Seria desejável que as práticas comerciais enganosas abrangessem aquelas práticas, incluindo a publicidade enganosa, que, induzindo em erro o consumidor, o impedem de efetuar uma escolha esclarecida e, deste modo, eficiente. […]

[...]

(17)      É desejável que essas práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias sejam identificadas por forma a proporcionar segurança jurídica acrescida. Por conseguinte, o anexo I contém uma lista exaustiva dessas práticas. Estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem recurso a uma avaliação casuística nos termos dos artigos 5.° a 9.° […]

(18)      […] De acordo com o princípio da proporcionalidade, e a fim de possibilitar a aplicação efetiva das proteções previstas na mesma, a presente diretiva utiliza como marco de referência o critério do consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta fatores de ordem social, cultural e linguística, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, […]»

4        Nos termos do artigo 1.° da referida diretiva:

«A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores.»

5        O artigo 2.° da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      ‘Profissional’: qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional;

c)      ‘Produto’: qualquer bem ou serviço […];

d)      ‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por ‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

[…]

h)      ‘Diligência profissional’: o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional em relação aos consumidores, avaliado de acordo com a prática de mercado honesta e/ou o princípio geral da boa‑fé no âmbito da atividade do profissional;

[…]»

6        O artigo 3.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais dispõe:

«1.      A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.°, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

2.      A presente diretiva não prejudica o direito contratual […]»

7        O artigo 5.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Proibição de práticas comerciais desleais», tem a seguinte redação:

«1.      São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.      Uma prática comercial é desleal se:

a)      For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)      Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[…]

4.      Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)      Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°;

ou

b)      Agressivas, tal como definido nos artigos 8.° e 9.°

5.      O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados‑Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

8        Conforme resulta dos seus títulos, os artigos 6.° e 7.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais definem, respetivamente, as «ações enganosas» e as «omissões enganosas».

9        O artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva prevê:

«É considerada enganosa uma prática comercial se contiver informações falsas, sendo inverídicas ou que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor médio, mesmo que a informação seja factualmente correta, em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo:

a)      A existência ou natureza do produto;

b)      As características principais do produto, tais como a sua disponibilidade, as suas vantagens […]

[…]»

10      Os artigos 8.° e 9.° da mesma diretiva dizem respeito às práticas comerciais agressivas e à utilização do assédio, da coação e da influência indevida.

 Direito austríaco

11      Na Áustria, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais foi transposta, com efeitos a partir de 12 de dezembro de 2007, pela Lei federal contra a concorrência desleal de 1984 [Bundesgesetz gegen den unlauteren Wettbewerb 1984 (BGBl. 448/1984)], na sua versão alterada aplicável ao litígio no processo principal (BGBl. I, 79/2007).

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Resulta da decisão de reenvio que a CHS e a Team4 Travel são duas sociedades austríacas que exploram agências de viagens em Innsbruck (Áustria), que concorrem na organização e venda de cursos de esqui e férias de inverno na Áustria para grupos de crianças em idade escolar do Reino Unido.

13      Na sua brochura publicitária em língua inglesa relativa à época de inverno de 2012, a Team4 Travel, demandada no órgão jurisdicional de reenvio, qualificou alguns estabelecimentos hoteleiros de «exclusivos», termo que significa que os hotéis em questão tinham uma relação contratual exclusiva com a Team4 Travel e não podiam, nas datas indicadas, ser disponibilizados por outro operador turístico. Esta menção relativa à reserva exclusiva de um determinado número de camas por parte da Team4 Travel constava também da sua lista de preços.

14      A Team4 Travel celebrou com vários estabelecimentos hoteleiros contratos tendo por objeto um determinado número de camas para períodos específicos de 2012. Quando da celebração desses contratos, a diretora da Team4 Travel obteve desses estabelecimentos a garantia de que não tinha sido feita nenhuma reserva por parte de outros operadores turísticos. Além disso, teve em atenção que, por falta de capacidade dos estabelecimentos hoteleiros, esses hotéis não poderiam acolher outros grupos de viagem organizada durante os períodos em questão. Os referidos contratos incluíam uma cláusula segundo a qual o número de quartos atribuído seria mantido incondicionalmente à disposição da Team4 Travel e esses estabelecimentos hoteleiros não poderiam proceder de outra forma sem autorização expressa por escrito desta. Além disso, para garantir a exclusividade, a Team4 Travel acordou com os estabelecimentos hoteleiros direitos de denúncia assim como uma cláusula penal.

15      Posteriormente, a CHS reservou também um certo número de camas nos mesmos estabelecimentos hoteleiros e para as mesmas datas que a Team4 Travel. Portanto, os hotéis em questão violaram os seus deveres contratuais para com a Team4 Travel.

16      No mês de setembro de 2010, a Team4 Travel, que desconhecia que a CHS tinha efetuado reservas concorrentes, divulgou as suas brochuras publicitárias e a lista de preços para o inverno de 2012.

17      A CHS considera que a declaração de exclusividade contida nestes documentos viola a proibição de práticas comerciais desleais. Consequentemente, pediu ao Landesgericht Innsbruck (Tribunal Regional de Innsbruck — Áustria) que, através de providência cautelar, proibisse a Team4 Travel de afirmar, no exercício da sua atividade de agência de viagens, que um determinado alojamento, em determinado período, só pode ser reservado por seu intermédio, quando na realidade esta afirmação é falsa, porquanto o alojamento no referido período também pode ser reservado através da CHS.

18      Em contrapartida, a Team4 Travel alega que, por um lado, usou da diligência profissional devida na elaboração das brochuras e que, por outro, até ao momento do seu envio não tinha conhecimento dos contratos celebrados entre a CHS e os hotéis em questão, pelo que não pode ser acusada de nenhuma prática comercial desleal.

19      Por despacho de 30 de novembro de 2010, o Landesgericht Innsbruck julgou improcedente o pedido da CHS considerando que a alegação de exclusividade contestada por esta era fundada à luz dos contratos de reservas irrevogáveis celebrados previamente pela Team4 Travel.

20      No seguimento do recurso interposto pela CHS no Oberlandesgericht Innsbruck, este confirmou, por despacho de 13 de janeiro de 2011, o referido despacho do Landesgericht Innsbruck uma vez que não existia prática comercial desleal pois a Team4 Travel respeitara as exigências da diligência profissional para garantir a possibilidade de reserva em exclusivo com os hotéis em questão. O Oberlandesgericht Innsbruck considerou que a Team4 Travel podia confiar legitimamente na lealdade contratual dos seus parceiros contratuais.

21      A CHS interpôs então recurso de «Revision» no Oberster Gerichtshof.

22      Esse órgão jurisdicional salienta que, segundo o artigo 5.°, n.° 2, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, uma prática comercial é desleal quando dois critérios cumulativos estão preenchidos, a saber, se essa prática for contrária às exigências relativas à diligência profissional [artigo 5.°, n.° 2, alínea a)] e distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio [artigo 5.°, n.° 2, alínea b)].

23      Ora, os artigos 6.°, n.° 1, e 8.° da mesma diretiva retomam apenas o segundo destes critérios, sem referir expressamente a exigência do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), dessa diretiva.

24      Assim, há que perguntar se, em caso de prática enganosa ou de prática agressiva previstas, respetivamente, nos artigos 6.° e 7.°, bem como 8.° e 9.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, o legislador da União se baseou na hipótese de que há automaticamente violação do dever de diligência profissional ou se, pelo contrário, o profissional está autorizado a provar, caso a caso, que não violou o seu dever de diligência.

25      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a lógica milita a favor desta segunda interpretação. Com efeito, embora, como neste caso, uma disposição de caráter geral (artigo 5.°, n.° 2, da referida diretiva) seja objeto de especificações através de normas especiais (artigos 6.° e seguintes da mesma diretiva), sem que estas derroguem formalmente a primeira disposição, não se pode considerar que o legislador pretendeu eliminar um dos dois elementos essenciais da norma geral.

26      Nestas condições, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 5.° da [diretiva relativa às práticas comerciais desleais] deve ser interpretado no sentido de que, no caso das ‘práticas comerciais enganosas’ previstas no artigo 5.°, n.° 4, desta diretiva, não é admissível apreciar separadamente o critério estabelecido no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), [desta mesma diretiva]?»

 Quanto à questão prejudicial

27      A título preliminar, há que recordar que o artigo 2.°, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de «prática comercial» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (v., designadamente, acórdãos de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea, C‑261/07 e C‑299/07, Colet., p. I‑2949, n.° 49; de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft, C‑304/08, Colet., p. I‑217, n.° 36; e de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, C‑540/08, Colet., p. I‑10909, n.° 17). Além disso, em conformidade com o artigo 2.°, alínea c), da mesma diretiva, o conceito de «produto», nos termos aí definidos, compreende também os serviços.

28      Ora, conforme consta da decisão de reenvio, a informação em questão no processo principal, que foi prestada por uma agência de viagens em brochuras publicitárias que propõem cursos de esqui e férias de inverno para grupos escolares, diz respeito à exclusividade que esse profissional, neste caso, a Team4 Travel, alega deter, nas datas indicadas, em certos estabelecimentos hoteleiros.

29      Tal informação, segundo a qual certos alojamentos só estariam disponíveis através da Team4 Travel e, como tal, não podiam ser reservados por intermédio de outro profissional, diz respeito à disponibilidade do produto, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

30      Nestas condições, a informação relativa à exclusividade que a Team4 Travel invocou constitui incontestavelmente uma prática comercial na aceção do artigo 2.°, alínea d), da referida diretiva e está, consequentemente, sujeita às disposições estabelecidas na mesma.

31      Feito este esclarecimento, há que reconhecer que a questão submetida pelo Oberster Gerichtshof tem por objeto apenas a interpretação do artigo 5.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

32      Todavia, na sua decisão de reenvio, esse mesmo órgão jurisdicional verificou que a informação relativa à exclusividade contida nas brochuras distribuídas pela Team4 Travel é objetivamente incorreta e constitui, pois, para um consumidor médio, uma prática comercial enganosa conforme definida no artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva.

33      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se também quanto à questão de saber se, para a aplicação do artigo 6.°, n.° 1, e para efeitos da qualificação da prática da Team4 Travel de «enganosa» na aceção desta disposição, basta examinar esta prática atendendo apenas aos critérios enunciados nesta e que, segundo as conclusões desse órgão jurisdicional, se encontram todos preenchidos neste caso ou se, pelo contrário, há que verificar além disso se o critério da contrariedade da prática comercial às exigências da diligência profissional, conforme previsto no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da mesma diretiva, se encontra igualmente preenchido, o que contudo não se verifica no caso concreto, uma vez que a agência de viagens em questão fez tudo para garantir a exclusividade que invoca nas suas brochuras publicitárias.

34      Noutros termos, deve entender‑se que o presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.°, n.° 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e a eventual relação entre esta disposição e o artigo 5.°, n.° 2, desta diretiva. No essencial, visa determinar se, caso uma prática comercial satisfaça todos os critérios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, da diretiva para ser qualificada de prática enganosa na aceção desta disposição, o órgão jurisdicional está ainda obrigado a verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da diligência profissional a título do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), desta mesma diretiva para que possa ser considerada desleal e, como tal, proibi‑la com base no n.° 1 desse artigo 5.°

35      A este respeito, há que recordar que, quanto ao artigo 5.° da referida diretiva, o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que este artigo, que prevê, no seu n.° 1, o princípio da proibição das práticas comerciais desleais, estabelece os critérios que permitem determinar esse caráter desleal (v. acórdãos, já referidos, VTB‑VAB e Galatea, n.° 53; Plus Warenhandelsgesellschaft, n.° 42; e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, n.° 31).

36      Assim, em conformidade com o n.° 2 do referido artigo, uma prática comercial é desleal se for contrária às exigências relativas à diligência profissional e se for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico de um consumidor médio em relação a um produto (acórdãos, já referidos, VTB‑VAB e Galatea, n.° 54; Plus Warenhandelsgesellschaft, n.° 43; e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, n.° 32).

37      Além disso, o artigo 5.°, n.° 4, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais define duas categorias precisas de práticas comerciais desleais, a saber, as «práticas enganosas» e as «práticas agressivas», que correspondem aos critérios especificados, respetivamente, nos artigos 6.° e 7.°, bem como 8.° e 9.°, da mesma diretiva (acórdãos, já referidos, VTB‑VAB e Galatea, n.° 55; Plus Warenhandelsgesellschaft, n.° 44; e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, n.° 33).

38      Por último, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais prevê, no seu anexo I, uma lista exaustiva de 31 práticas comerciais que, em conformidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 5, desta diretiva, são consideradas desleais «em quaisquer circunstâncias». Por conseguinte, como o considerando 17 da referida diretiva expressamente especifica, estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem serem objeto de uma avaliação caso a caso ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da mesma diretiva (acórdãos, já referidos, VTB‑VAB e Galatea, n.° 56; Plus Warenhandelsgesellschaft, n.° 45; e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, n.° 34).

39      Neste contexto, importa salientar que o artigo 5.°, n.° 4, da referida diretiva qualifica de desleais as práticas comerciais que se revelem enganosas ou agressivas «tal como definido», respetivamente, nos artigos 6.° e 7.°, bem como 8.° e 9.°, desta diretiva, expressão que sugere que a determinação do caráter enganoso ou agressivo da prática em questão depende apenas da sua apreciação à luz somente dos critérios enunciados nestes últimos artigos. Esta interpretação tem apoio no facto de esse n.° 4 não incluir nenhuma referência aos critérios mais gerais que constam do n.° 2 do referido artigo 5.°

40      Além disso, o referido n.° 4 começa com a expressão «[e]m especial» e o considerando 13 da diretiva relativa às práticas comerciais desleais precisa a este respeito que «a proibição geral […] estabelecida na […] diretiva […] é concretizada por disposições sobre os dois tipos de práticas comerciais que são de longe as mais comuns, ou seja, as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas». Daqui decorre que a regra de base desta diretiva, segundo a qual são proibidas as práticas comerciais desleais, conforme prevê o artigo 5.°, n.° 1, da referida diretiva, é aplicada e concretizada por normas mais específicas para ter devidamente em conta o risco que representam para os consumidores os dois casos que ocorrem mais frequentemente, a saber, as práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas.

41      No que diz respeito aos artigos 6.° e 7.°, bem como 8.° e 9.° da referida diretiva, o Tribunal de Justiça já declarou que, por força dessas disposições, tais práticas são proibidas quando, tendo em conta as suas características e o contexto factual, conduzirem ou forem suscetíveis de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo (acórdão VTB‑VAB e Galatea, já referido, n.° 55). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não fez depender a proibição dessas práticas de nenhum critério para além dos enunciados naqueles artigos.

42      Mais concretamente, no que diz respeito ao artigo 6.°, n.° 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, em questão no processo principal, há que sublinhar que, em conformidade com a redação desta disposição, o caráter enganoso de uma prática comercial depende apenas do facto de ser incorreta na medida em que contém informações falsas ou que, de forma geral, é suscetível de induzir em erro o consumidor médio em relação, designadamente, à natureza ou às características principais de um produto ou de um serviço e que, como tal, é suscetível de levar esse consumidor a tomar uma decisão de transação que não tomaria na inexistência de tal prática. Quando estas características estão reunidas, a prática é «considerada» enganosa e, como tal, desleal por força do artigo 5.°, n.° 4, desta diretiva e deve ser proibida por aplicação do n.° 1 deste mesmo artigo.

43      Há, pois, que constatar que os elementos constitutivos de uma prática comercial enganosa, conforme constam do artigo 6.°, n.° 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e foram recordados no número anterior, foram essencialmente concebidos segundo a perceção do consumidor enquanto destinatário de práticas comerciais desleais (v., neste sentido, acórdão de 12 de maio de 2011, Ving Sverige C‑122/10, Colet., p. I‑3903, n.os 22 e 23) e correspondem, no essencial, ao segundo critério que caracteriza uma prática dessa natureza, conforme enunciada no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), desta diretiva. Em contrapartida, no referido artigo 6.°, n.° 1, não se alude ao critério, que consta do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da referida diretiva, relativo à contrariedade da prática às exigências da diligência profissional, que diz respeito à esfera do empresário.

44      O Tribunal de Justiça também não fez nenhuma referência a esse critério quando, no seu acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič (C‑453/10, n.os 40 e 41), examinou em que medida uma prática comercial como a que está em causa no processo que deu origem ao referido acórdão podia ser qualificada de «enganosa» nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

45      Decorre do exposto que, atendendo quer à redação e à estrutura dos artigos 5.° e 6.°, n.° 1, da referida diretiva quer à sistemática geral desta última, uma prática comercial deve ser considerada «enganosa» na aceção da segunda dessas disposições quando os critérios aí enumerados estiverem preenchidos, sem que seja necessário verificar se o critério da contrariedade da prática comercial às exigências da diligência profissional, conforme previsto no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da mesma diretiva, se encontra também preenchido.

46      A interpretação precedente é a única que preserva o efeito útil das normas particulares previstas nos artigos 6.° a 9.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais. Com efeito, se os critérios de aplicação destes artigos fossem idênticos aos enunciados no artigo 5.°, n.° 2, da mesma diretiva, os referidos artigos seriam desprovidos de todo o alcance prático, apesar de terem como objetivo a proteção do consumidor das práticas desleais mais frequentes (v. n.° 40 do presente acórdão).

47      A referida interpretação é ainda corroborada pela finalidade prosseguida pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais, que consiste em garantir, em conformidade com o seu considerando 23, um elevado nível de defesa do consumidor ao proceder a uma harmonização completa das regras relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, das empresas em face dos consumidores (v., designadamente, acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.° 27), sendo certo que a interpretação adotada tende a facilitar a aplicação efetiva do artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva num sentido favorável aos interesses dos consumidores destinatários de uma informação falsa que consta de brochuras publicitárias distribuídas por um profissional.

48      Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, importa responder à questão submetida que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve ser interpretada no sentido de que, no caso de uma prática comercial preencher todos os critérios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva para ser qualificada de prática enganosa para o consumidor, não é necessário verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da diligência profissional na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da mesma diretiva para que possa validamente ser considerada desleal e, como tal, proibida nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da referida diretiva.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), deve ser interpretada no sentido de que, no caso de uma prática comercial preencher todos os critérios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva para ser qualificada de prática enganosa para o consumidor, não é necessário verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da diligência profissional na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da mesma diretiva para que possa validamente ser considerada desleal e, como tal, proibida nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da referida diretiva.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.